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Este livro traz à luz, entre outros campos temáticos, a potência da igualdade, o rompimento com
o ‘sistema de distinções visíveis e invisíveis’ do pensamento moderno, abissal (p. 8), dentro das
nossas instituições escolares. Erisvaldo Pereira dos Santos, doutor em Educação e militante
negro, nos mostra, ao longo de sua escritura, a necessidade de conhecer a história e os valores
religiosos e culturais africanos no sentido de desfazermos os nós da desigualdade racialreligiosa
em nosso país. Neste intento, buscar compreender “que uma sociedade e uma escola
democráticas, que respeitem as diferenças, são também aquelas que possibilitam o direito à
convivência digna dos mais diferentes credos e crenças, sem hierarquias e preconceitos” (p. 10).
Palavras-chave: Religiões de matrizes africanas – Educação Pública – Desigualdades Raciais –
Lei 10.693/2003
Abstract
This book brings to the light, between other subjects, the power of the equality, the breakage with
Titolo originale
Aos Pés de Sumaúma_resenha_LIVRO_BEATRIZ GIUGLIANI
Este livro traz à luz, entre outros campos temáticos, a potência da igualdade, o rompimento com
o ‘sistema de distinções visíveis e invisíveis’ do pensamento moderno, abissal (p. 8), dentro das
nossas instituições escolares. Erisvaldo Pereira dos Santos, doutor em Educação e militante
negro, nos mostra, ao longo de sua escritura, a necessidade de conhecer a história e os valores
religiosos e culturais africanos no sentido de desfazermos os nós da desigualdade racialreligiosa
em nosso país. Neste intento, buscar compreender “que uma sociedade e uma escola
democráticas, que respeitem as diferenças, são também aquelas que possibilitam o direito à
convivência digna dos mais diferentes credos e crenças, sem hierarquias e preconceitos” (p. 10).
Palavras-chave: Religiões de matrizes africanas – Educação Pública – Desigualdades Raciais –
Lei 10.693/2003
Abstract
This book brings to the light, between other subjects, the power of the equality, the breakage with
Este livro traz à luz, entre outros campos temáticos, a potência da igualdade, o rompimento com
o ‘sistema de distinções visíveis e invisíveis’ do pensamento moderno, abissal (p. 8), dentro das
nossas instituições escolares. Erisvaldo Pereira dos Santos, doutor em Educação e militante
negro, nos mostra, ao longo de sua escritura, a necessidade de conhecer a história e os valores
religiosos e culturais africanos no sentido de desfazermos os nós da desigualdade racialreligiosa
em nosso país. Neste intento, buscar compreender “que uma sociedade e uma escola
democráticas, que respeitem as diferenças, são também aquelas que possibilitam o direito à
convivência digna dos mais diferentes credos e crenças, sem hierarquias e preconceitos” (p. 10).
Palavras-chave: Religiões de matrizes africanas – Educação Pública – Desigualdades Raciais –
Lei 10.693/2003
Abstract
This book brings to the light, between other subjects, the power of the equality, the breakage with
Erisvaldo Pereira dos Santos, Formao de professores e religies de matrizes africanas: um dilogo necessrio, Belo Horizonte, Nandyala, 2010, 227 pp.1 Beatriz Giugliani Este livro traz luz, entre outros campos temticos, o princpio da igualdade, este que nos leva ao afirmativa. com este olhar afirmativo e crtico que o autor Erisvaldo Pereira dos Santos, doutor em Educao e militante negro, discute a questo das religies das matrizes africanas nas instituies escolares brasileiras, entendendoa como uma dimenso da experincia humana e do sagrado que emerge das relaes sociais, diz a professora Nilma Lino Gomes no prefcio da obra. Compreender as religies de matrizes africanas tambm tentar entender as diferentes formas de desigualdade instauradas em nosso pas. Uma sociedade e uma escola democrticas, que de fato respeitem as diferenas, so tambm aquelas que possibilitam o direito convivncia digna dos mais diferentes credos e crenas, sem hierarquias e preconceitos Nilma Lino Gomes (p. 10).
O trabalho em anlise fruto de duas dcadas e meia de reflexes
sobre o tema, iniciada ainda sem os violentos ataques contra as manifestaes religiosas de matriz africana, que assistimos hoje. As reflexes de Santos surgem agora na forma documentada para socializar os desafios que temos de enfrentar, as estratgias que devemos construir para sair da situao de impotncia no qual se encontram os agentes de educao e, de todo o modo, a sociedade brasileira. Se verdade que a educao em seu ato fundador coloca-se na perspectiva inventiva e polifnica ao ponto de se engajar pela contnua manifestao da tradio oral vinculada ao mito 2, decidiuse inverter, ou seja, iniciar com a apresentao do mito de Iroko e Ara-Kol: a exposio da narrativa exegtica do mito da tradio africana Iorub-Lucum. O prprio percurso reflexivo, afirmativo e crtico do livro permitem que o faamos. Nos princpios do mundo, o cu e a terra tiveram uma discusso. A terra dizia ser mais poderosa que seu irmo, o cu. Argumentava ser dona de tudo, toda poderosa, enquanto o cu era o vazio, sem corpo, portanto, cabia-lhe reverenci-la. A soberba da terra provocou a Fora Suprema. Somente ela saberia realmente avaliar a questo, era
quem tinha o sentido de tudo o que existe sobre a terra.
Iroko, a rvore sumama, a rvore sagrada, preocupada, comeou a meditar em meio ao silncio que se fez com o afastamento do cu. Seu corao sensvel estremeceu de medo ao compreender que tudo cairia em desgraa. Chorou. Realmente a harmonia e a beleza existentes deram lugar feira e ao sofrimento. At mesmo a proteo que Iroko, a rvore mais amada pelo cu e pela terra, sentia que at a proteo que oferecia aos outros seres viventes estava ameaada. O orgulho e a soberba da terra serviram de porta de entrada maldade. O sol comeou a devorar a terra. Era necessrio fazer algo. Foi assim que Iroko permite que os seres que ainda restavam vivos penetrassem no segredo das suas razes. Estes se purificaram aos ps da sumama e puderam tornar-se clarividentes e realizaram o primeiro sacrifcio da terra. Na tentativa de fazer chegar a oferenda ao cu, muitos pssaros se prontificaram a serem o mensageiro, porm seus coraes ou suas asas falhavam ao alcanar certa altura. Ar-kol colocou-se disposio. Todos olharam com desprezo. Era um pssaro horroroso, repulsivo, mas grande voador, por isso conseguiu atingir o cu, depositando as oferendas e a splica da terra implorando clemncia. O cu aceita a oferenda. Assim, tudo recobrou vitalidade, mas nunca mais a dor e o sofrimento deixaram de fazer parte da nossa forma de vida. Depois daquele dia, o sacrifcio ritual e as splicas so os recursos usados para reparar as atitudes de ingratido. E Exu, desprezado como Ara-Kol, tem sido o principal orix responsvel por essa mediao entre o cu e a terra. Ora, acerca desta perspectiva imaginria, caberia aqui provocar. Que importncia tem as histrias relatadas pelos Iorub-Lucum, tanto no passado quanto hoje para os povos da frica Atlntica? possvel introduzir histria e cultura africana e afro brasileira nos currculos escolares atravs dos mitos e das lendas? Que possibilidade um mito pode expressar a forma de viver, pensar e agir de um povo? 3 Pois, escolhemos responder parcialmente a estas questes a partir das possibilidades que nos oferece Santos: A discusso em torno do sentido de religio nas heranas africanas tem de ser baseada no fato de que, mesmo sem uma doutrina escrita, h uma comunidade que cultua divindades primordiais e ancestrais, realizam rituais, visando equilbrio, bem-estar e a felicidade do grupo. Alguns mitos explicam sentimentos e atitudes, como o orgulho, a inveja, a arrogncia e a ingratido. [como o mito Iroko e Ara-kol] O contedo desta narrativa reporta a um tempo imemorial, mas a mensagem refere-se a sentimentos humanos corriqueiros e problemticos, tais como o orgulho e a inveja (p.117).
Ao expor a exegese do mito Iorub-Lucum, o autor revela sua
estratgia pedaggica afirmativa: oferece ao leitor a sabedoria do sagrado na cultura africana como um exemplo de dignificao que se contrape ao fundamentalismo cristo que tende a negar e
desconsiderar de forma racista e preconceituosa as crenas africanas
e seus processos de ressignificao na dispora. So vrios os desdobramentos que se apresentam a partir deste encanto despertado pela representao mstica africana. Trata-se de um mito que envolve aes reparadoras e solidrias do orix Iroko e de um pssaro denominado Ara-Kol (p.117). A questo do reconhecimento das religies brasileiras de matrizes africanas no uma discusso recente. O no-reconhecimento da religio dos negros, a intolerncia religiosa com relao s religies de herana africanas, e a crtica/negao das mesmas em oposio matriz judaico-crist, vm dificultando a construo de uma cultura de respeito diversidade e dilogo solidrio entre si (p. 115). A co-existncia, os questionamentos imposio cultural e religiosa ficam como desafio principalmente para o sistema educacional: (), foi a instituio responsvel pelo aprofundamento deste abismo, ainda hoje, tem contribudo para a expanso da dominao religiosa de determinadas crenas e mitos em detrimento de outros. Fala-se muito em democracia na escola, mas no se questiona a forma autoritria por meio da qual uma determinada matriz religiosa se impe s outras. Nilma Lino Gomes (pp. 8-9)
Diante da teoria sociocultural da aprendizagem, por exemplo, fatores
sociais e culturais exercem um papel crucial no processo de desenvolvimento das crianas. Desta forma, elas aprendem e internalizam o que se veicula no contexto em que vivem e, no caso especfico da discriminao, elas aprendem e internalizam as representaes racistas. De acordo com Vygotsky (Risrio,2002) 5, o racismo internalizado propagado intra e intergeraes. Assim, esse fenmeno no algo do passado; infelizmente, ele um dos problemas centrais e perenes em sociedades multirraciais como a brasileiras(p. 242). De outra parte, o Brasil assiste a um fenmeno inovador no campo da informao sobre cor: a sua utilizao como ponto de partida para a produo de polticas pblicas de promoo de igualdade racial. Entretanto, mister ressaltar aqui que entre a elaborao de inmeros e intrincados pareceres, portarias, resolues, recomendaes, orientaes, diretrizes etc., h um ser pensante e atuante que faz acontecer em sala de aula: o professor. Como este professor se apropria dos contedos de tantos documentos, a pergunta que deveria ser feita pelos gestores a cada nova proposta lanada pela rede de ensino, a fim de se obter os resultados necessrios. A respeito da Lei 10693/2003 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro brasileira, o autor denuncia o descaso quanto ao cumprimento [da mesma]. Mas no s denuncia: relata a evidente ausncia de atividades peridicas, com participao das
redes das escolas pblicas e privadas, exposio, avaliao e
divulgao dos xitos e dificuldades do ensino e aprendizagens de Histria e Cultura Afro brasileira e Africana e da Educao das Relaes tnico-Raciais, conforme estabelece a Resoluo CNE/CP n. 1, de 17 de junho de 2004 (pp. 23-24). Alguns questionamentos so prprios para esta reflexo: 1) Por que ser que as religies de matrizes africanas enfrentam grandes problemas de aceitao e de legitimao no Brasil? 2) Como trabalhar esta temtica em sala de aula sem, contudo, incorrer-se no risco de dogmatismos e/ou ferir a cosmo viso religiosa do educando e de sua famlia? 3) Qual seria a importncia de tratar desses contedos em sala de aula, onde a maioria dos/as aluno/as de tradio religiosa judaico-crist? Ora, numa sociedade como a brasileira, desfigurada por sculos de discriminao generalizada, faz-se imprescindvel que o Estado incumba-se de promover a igualdade racial e tenha-a como uma das prioridades da agenda poltica do Pas. Dito isso, vale ressaltar a importncia de vincular as experincias cotidianas das coletividades escolares aos debates dentro das instituies, considerando a diversidade e a multiplicidade das questes sociais e polticas. Assim, nosso autor nos situa historicamente: Embora a liberdade de conscincia e de crena seja um dos direitos e garantias fundamentais do cidado conforme a Constituio Brasileira, bem como o livre exerccio dos cultos religiosos, os organismos de implementao de polticas educacionais continuam desconsiderando a existncia de religies de matrizes africanas no Brasil (p. 48).
Santos afirma que a matriz religiosa hegemnica, alm de contar com
os artefatos e dispositivos de controle, fora e poder dos colonizadores europeus, continua dispondo de narrativa comovente, em que o prprio Deus se faz homem para ensinar o que a misericrdia, o que o amor ao prximo (p.25). A linguagem franca e direta apresentada no livro do professor Erisvaldo deixam o leitor vontade, ele parece nos levar diretamente reflexo, ou auto-reflexo se for o caso. Dentre muitos registros e indagaes ouvidas durante Encontros Docentes, o autor registrou esta: qual seria a importncia de tratar desses contedos em sala de aula, onde a maioria dos/as aluno/as de tradio religiosa judaicocrist? Sabe-se ainda que professores que j consideram normatizadas e normalizadas as atitudes preconceituosas, intolerantes e discriminatrias costumam caracteriz-las como brincadeiras de crianas, como algo normal (p. 47). O material e as reflexes trazidas no livro de Santos podem contribuir para a formao de professores, tendo em vista a construo de atitudes de respeito e acolhimento diversidade religiosa. Uma das bases de reflexo que o professor Erisvaldo nos apresenta a afirmao de que as heranas religiosas africanas constituem
referncias identitrias dos afrodescendentes. Dentro de um projeto
de anlise na Bahia e em Minas Gerais, o autor procurou demonstrar como os sujeitos se contrapuseram ideologia do branqueamento da raa brasileira e tentativa da poltica de modernizao em tornar invisveis os smbolos das heranas identitrias africana (p.89). O objetivo dessa reflexo foi sustentar que as heranas religiosas africanas constituem-se em referncias identitrias dos afrodescendentes, porque, alm de expressarem contedos importantes das razes de viver, representam proteo, cuidado e equilbrio pessoal. () Atravs da repetio do rito, um dispositivo de ensino utilizado pelas culturas tradicionais e da lgica discursiva fundada na persuaso, os mais velhos tm transmitido os contedos dessas heranas, mesmo adiante de uma verdadeira guerra santa deflagrada por igrejas crists (p.113).
No livro O Mundo Negro: uma hermenutica crtica da
Reafricanizao de Salvador4, o autor indaga: () mas quem o negro? Como poderamos defini-lo como um agente atuante na histria que preserva uma memria e continuidade poltica? E responde: o Movimento Negro foi construdo atravs de uma idia de identidade negra como contedo simblico cultural (p. 384). Mais adiante, Pinho nos leva a exata compreenso: A Negritude, ou em termos mais gerais, a construo da identidade negra como uma identidade cultural e histrica materializada na raa e na cultura, um momento necessrio e incontornvel para a apresentao do negro como ser humano diante do branco. Ainda que amparada por uma diferenciao racial equvoca, espria e mesmo perigosa, este momento da separao necessrio para alcanar-se o momento de superao (p. 413).
Como ento negligenciar (ou escapar) da concretizao da
implementao da Lei 10639? O livro de Santos nos faz abraar este grande desafio, mostrando-nos o quo inadmissvel compactuar com uma educao que no liberte nossas crianas, jovens e adultos dos ranos do perodo colonial, imperial e at mesmo da nossa repblica, que insiste em continuar silenciando as religiosidades e as culturas africanas e afro brasileiras. Notas 1 SANTOS, Erivaldo Pereira dos. Formao de professores e religies de matrizes africanas: um dilogo necessrio. Belo Horizonte: Nandyala, 2010 (Coleo Repensando frica, volume 4). 2 PEREIRA, Luis H. Ramalho. Contos de professores: mito, literatura. A fbrica de um contador de histrias. Signos, ano 31, n. 2, p.57-66, 2010. 3 SILVA, Joo Bosco da. ITAM: mitos e lendas para compreender a Histria e Cultura africana e afro brasilera. In: FANAIA, Joo E.; CEREZER, Osvaldo M.; RIBEIRO, Renilson (org.). Escrita da Histria. Cceres-MT-: Editora UNEMAT, 2010, pp. 26-29. 4 PINHO, Osmundo Santos de Arajo. O Mundo Negro: Hermenutica Crtica da Reafricanizao em Salvador. Curitiba: Progressiva, 2010. 5
RISRIO, Valter Roberto. Ao Afirmativa e o Combate ao Racismo
Institucional no Brasil. Cadernos de Pesquisa, n. 117, p. 219-246, 2002. 5