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UFMG

SESSÃO DE FORMATURA DA TURMA DE CIÊNCIAS SOCIAIS


AUDITÓRIO DA REITORIA – 13 DE MARÇO DE 2004

Discurso do Paraninfo, Prof. Bruno Pinheiro Wanderley Reis

Digníssimo Senhor Diretor,


prezado Professor Juarez Dayrell, aqui homenageado,
Senhoras e senhores,
Caros... colegas,

Muitíssimo honrado com o convite feito pela turma, quis falar esta noite
– dada a natureza do rito que aqui vivemos – algo que dissesse respeito tanto
ao exercício da nossa profissão quanto à felicidade que todos nós tratamos de
perseguir e esperamos alcançar em nossa existência.

E me lembrei de que nas aulas de teoria política, dadas logo no início do


curso de vocês, poucas coisas costumam provocar tanto estranhamento na
turma quanto a velha proposição socrática segundo a qual é mais feliz quem
sofre uma injustiça do que aquele que a pratica.

Ao ouvir um disparate desses, muito aluno sensato deve ficar pensando:


“Bem que me avisaram lá em casa pra tomar cuidado com as divagações que
esses intelectuais ficam despejando em cima da gente.”
E é verdade: conselho de casa deve sempre ser levado a sério.

É claro, porém, que a sentença não chega a dizer que somente será feliz
aquele que sofrer injustiças (o que seria um claro absurdo), mas algo mais
sutil: que aquele que pratica injustiças é ainda mais infeliz do que aquele que a
sofre. A frase continua contra-intuitiva, mas já parece merecer um exame mais
cuidadoso.

Pois todos nós, ao longo da vida, várias vezes nos deparamos admirados
com a serenidade tranqüila dos homens justos. Daquela pessoa cujo equilíbrio
nem o pior dos revezes parece capaz de abalar. Que pode até inflamar-se,
determinada, na consecução de um propósito, mas que preserva zelosa
consistência interior, que lhe propicia a paz necessária para dormir tranqüila
todas as noites, aguardando sem sobressaltos o drama do dia seguinte.

“O sono dos justos”, dizemos.

Em contraste, aquele que se entrega ao cálculo da conveniência pessoal


imediata – e se concede, indiferente, a suspensão de qualquer critério
universal de conduta justa – defronta-se de maneira incontornável com o
pesadelo de um turbilhão infinito de cálculos, no limite insolúveis – pois
nunca se chega ao fim do jogo.

Platão, sustentando a posição de Sócrates, referiu-se ao déspota como o


mais infeliz dos homens – e todos nós já ouvimos contar do círculo paranóico
em que costumam encerrar-se os tiranos. Perdida sua bússola interior, a vida
do homem terá deslizado imperceptivelmente rumo a um cálculo infernal de
conveniência. O mundo nunca cessará de exigir-lhe novo cálculo para a nova
conveniência, do novo dia, na interação com as novas pessoas com quem ele
irá se deparar, nas novas situações que se produzirão até o fim. E ele não

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conhecerá mais um dia de paz, não importa quanto sucesso alcance
continuadamente em seus cálculos.

Portanto, a felicidade do homem dependerá de que ele reconheça (e


escute) uma voz interior que lhe diga o que fazer a cada passo – que lhe dê
“régua e compasso”. Lhe dê seu norte e seu critério.

Assim, a pessoa feliz será aquela que preferirá sempre se manter fiel a si
mesma e à sua regra de conduta, mesmo ao preço de expor-se ao risco de
sofrer com a injustiça alheia.

Certo. Então Sócrates, afinal, parece fazer sentido. Porém, bons


cientistas sociais que são, vocês sabem que é parte do dever profissional tomar
cuidado, sim, com o que se ouve por aí.

E falo aqui de dever profissional num duplo sentido. Não apenas numa
defesa unilateral, arrogante talvez, do recurso corriqueiro ao senso crítico (que
se deve sempre exercer), mas também num sentido mais fundamental,
sobretudo auto-crítico. Refiro-me ao dever profissional do rigor no método,
condição necessária para todo exercício ético da nossa profissão.

De fato, se é concebível (ainda que bastante improvável) um cientista


metodologicamente rigoroso que se mova por propósitos antiéticos, a
recíproca é impossível – e não existe exercício ético da profissão na ausência
da submissão de nossas próprias conclusões a um rigoroso escrutínio
metodológico. Pois é na severidade com que tratamos nossos próprios
argumentos que reside o nosso respeito ao público, e se revela o nosso
interesse pela verdade.

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Já aprendemos a duras penas que o estabelecimento da verdade será
sempre precário, contingente. Mas nem por isso podemos abdicar da sua
busca. Ela nos define. E, exatamente por sua precariedade, se a busca da
verdade é nosso único compromisso, nossa primeira obrigação é a dúvida. A
começar pela dúvida quanto a nossas próprias crenças, juízos, premissas,
valores – e sem descurar da dúvida quanto às razões que nos acostumamos a
apresentar para sustentá-los.

“Conhece-te a ti mesmo”, nos fala de novo Sócrates.

É, portanto, impossível continuar ético no exercício de profissões


científicas quando se sacrifica o rigor no método a qualquer outro ideal
normativo que se imponha, qualquer outro ideal de justiça que abracemos.

Só que, se é assim, isso complica de maneira importante o nosso


probleminha inicial. Afinal, se a felicidade depende da adesão a um critério de
conduta que oriente nossa vida, e a ética profissional nos ensina a duvidar de
nossos valores, como salvar-nos?

É a própria teoria da justiça quem nos ensina como é difícil estabelecer


inequivocamente o que, afinal, é justo ou injusto. Sabemos da possibilidade da
existência de múltiplas concepções racionais do bem, eventualmente
incompatíveis entre si. Neste mundo internacionalizado, a multiplicidade das
culturas salta cada vez mais claramente diante de nossos olhos, a atestar de
maneira flagrante esse pluralismo valorativo – e a nos forçar à tolerância.

Não vou me apressar aqui a oferecer saídas para esse dilema. (Talvez
elas não existam mesmo, e tenhamos de viver com isso.) Em vez disso, quero
apenas sublinhar que, tomada a sério essa dificuldade, não tem mais qualquer

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cabimento a figura do cientista social demiurgo, do intelectual arrogante a
formular novos mundos na cabeça e a liderar a sua implantação sobre o
mundo existente.

Ao contrário, nosso lugar é dos mais humildes: espectadores – ainda


que engajados. Perscrutadores das dinâmicas e mecanismos que, a partir de
nossas mais banais escolhas cotidianas, configuram o grande quadro geral das
sociedades em que vivemos.

A sociedade operaria sem nós, com uma naturalidade muito maior do


que se lhe faltassem, por exemplo, os comerciantes, ou os artistas, ou os
varredores de rua.

Contudo, nesse mundo tão complexo que nos foi dado viver, quando a
estrutura da sociedade tende a tornar-se tão opaca ao homem ocupado a cada
dia em manter-se vivo e a promover a felicidade daqueles que ama,
poderemos certamente ajudar nossas coletividades a contornarem muitos
males, a evitarem os caminhos das grandes catástrofes, a promoverem da
melhor forma possível os nossos sonhos. Mas apenas se dotados do devido
escrúpulo e do árduo rigor a que ele nos obriga. Da modéstia quanto a nossas
habilidades e da humilde disposição para servir o gênero humano que dela
decorre.

Sejam felizes.

Muito obrigado.

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