Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
CONTEMPORÂNEO
1 Introdução.
4 SAKAMOTO et. al. O Brasil dos Agrocombustíveis: Impactos das Lavouras sobre a Terra, o Meio e a
Sociedade - Gordura Animal, Dendê, Algodão, Pinhão-Manso, Girassol e Canola – 2009. Relatório Completo.
Informações disponíveis no link: <http://www.reporterbrasil.org.br/escravidao_OIT.pdf>. Acesso em: 19 jan.
2010.
5 O equivalente a 5,1 milhões de campos de futebol.
6 Há grande probabilidade de que o álcool brasileiro perca espaço nos mercados interno e externo dada a recente
descoberta de petróleo na camada pré-sal, descoberta em meados de 2007, na chamada Amazônia Azul.
Informações disponíveis no link: <http://www.petrobras.com.br/pt/energia-e-tecnologia/?video=2#flash>.
Acesso em: 19 jan. 2010.
7 Informações disponíveis no link:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=998>. Acesso em: 7 mar.
2010.
A produtividade do estado de São Paulo, juntamente com a de outros
estados, como o Rio de Janeiro, Mato Grosso, Tocantins, Goiás, entre outros, faz do
Brasil não só o maior produtor de cana-de-açúcar, como também o maior exportador
de açúcar e álcool do planeta.
Importante ainda salientar que o volume de álcool produzido no esteio do
ano de 2004, no Brasil, foi de 15.153.458 (quinze milhões, cento e cinquenta e três
mil, quatrocentos e cinquenta e oito) metros cúbicos, sendo que o valor pecuniário
de suas exportações (em dólares) chegou a cifra de R$ 504,083 (quinhentos e
quatro milhões e oitenta e três mil); somando o álcool carburante e os seus
derivados.8
Em termos de riqueza, o Brasil ocupa atualmente a 6ª (sexta) posição no rol
das maiores economias do planeta; todavia, é um dos países mais desiguais no
quesito distribuição de renda, ocupando atualmente, no cenário internacional, a 75ª
(septuagésima quinta) posição no ranking do IDH, doravante o Índice de
Desenvolvimento Humano9, o qual mede o parâmetro de desenvolvimento de um
determinado país a partir dos quesitos: educação, riqueza e expectativa média de
8 Dados colhidos a partir do trabalho produzido pela ONG Repórter Brasil, cujo coordenador é o jornalista e
cientista político Leonardo Sakamoto, baseado em dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
e do Ministério do Desenvolvimento Agrário. SAKAMOTO, Leonardo et al. Trabalho Escravo Contemporâneo
no Brasil. Contribuições Críticas para a sua Análise e Denúncia. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ, 2008. pp. 65-67.
9 O IDH foi inventado e formulado pelo economista indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de economia de 1998,
e pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq.
vida.
As seguintes tabelas apontam a situação do Brasil nos quesitos Produto
Interno Bruto - PIB10 e Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, respectivamente:
10 O equivalente à produção de bens e serviços produzidos por um determinado País durante o prazo de 01 (um)
ano. No Brasil, a tabela mostra a situação que decorreu do ano de 2007.
2.2. A Cana-de-Açúcar e o Processo Industrial do Etanol Brasileiro.11
11 O presente capítulo fora desenvolvido com base em subsídios científicos disponíveis no link:
<http://www.youtube.com/watch?v=VHqNbX0475A&feature=related>. Acesso em: 25. fev. 2010.
manualmente, poderá ser lavada ou ventilada – em limpeza a seco – para a
remoção das impurezas, ou, no caso da cana colhida mecanicamente, esta seguirá
diretamente ao picador, desfibrador e moenda ou difusor.
Algumas usinas trabalham com pátios de recepção de cana e estocagem,
onde a cana é depositada ou fica simplesmente aguardando nos próprios caminhões
até ser encaminhada à mesa alimentadora.
O próximo passo consiste na preparação da cana para a extração do seu
caldo, aumentando assim sua densidade e capacidade de moagem. Neste processo,
objetiva-se também romper as células para a liberação do caldo nela contido; com
isto, a cana passará por um jogo de facas (processo de preparação) até entrarem
em um desfibrador, onde cerca de 85% a 92% de suas células serão rompidas,
facilitando assim a extração do caldo.
Constituída basicamente de fibras e de caldo, o que interessa para a cadeia
produtiva da cana-de-açúcar é o açúcar contido em seu bojo, o qual se encontra
dissolvido no caldo. Portanto, o objetivo principal se perfaz por extrair ao máximo a
quantidade de caldo presente no bojo da cana.
Tal extração se perfaz por duas diferentes técnicas, a saber: a utilização de
moendas ou difusores.
Nas moendas, formadas por vários termos com dimensões diferentes, a
cana passará por um processo de esmagadura. Cada termo, ou castelos como são
conhecidos, possuem 04 (quatro) rolos principais, a saber: rolo de entrada, rolo
superior, rolo de pressão e rolo de saída. No primeiro termo é onde são extraídas as
maiores quantidades de caldo; depois disso, a cana é embebecida de água para
passar pelos demais termos, eis que cerca de 94% a 97% de seu caldo é extraído.
O número de termos varia de 04 (quatro) a 07 (sete).
A outra forma de extração do caldo é feita pelo difusor de cana. Nesta
seara ocorre a ruptura das células no preparo da cana (onde se encontra a
sacarose) e a lavagem desta com água ou caldo oriundo(a) da própria cana. Neste
processo, os índices de extração podem chegar até a 98% do caldo retirado.
Após a extração do caldo, o processo se divide em 03 (três) diferentes
estágios; de um lado, o bagaço que sobra é dirigido até à esteira ou é direcionado
até às caldeiras, local onde será queimado e o seu vapor transformado em energia,
no processo que se conhece por co-geração de energia ou bioeletricidade.
As usinas brasileiras são altossuficientes em geração de energia durante o
esteio da safra e ainda exportam os excedentes para as redes de distribuição,
vendendo desta forma créditos de carbono, em flagrante conformidade com o
protocolo de Kyoto.
Cada tonelada de cana processada gera em média 260 (duzentos e
sessenta) quilos de bagaço. A energia co-gerada é capaz de acionar as moendas
nos processos elétricos, ou o vapor utilizado para o seu acionamento transforma a
energia térmica em mecânica.
Com a extração do caldo da cana concluída, o próximo passo será o
tratamento deste caldo, objetivando a retirada de impurezas solúveis e insolúveis
nele encontradas.
O tratamento pode ocorrer em várias fases, desde a passagem do caldo por
peneiras até a força centrífuga utilizada para separar os materiais sólidos do líquido,
pesagem do caldo (eis que permite o melhor controle químico do processo) e
tratamento químico do mesmo.
Depois de tratado, o caldo pode ser encaminhado para a fabricação de
açúcar ou de etanol.
No primeiro caso, o caldo passa por um processo químico conhecido como
sulfitação, que tem por objetivo inibir as reações que causam formação de cor,
coagulação de coloides e solúveis, diminuindo assim a viscosidade do caldo; e a
calagem para neutralizar o PH do caldo e eliminar corantes. Logo em seguida, o
caldo é preparado para a próxima fase: a do aquecimento.
Nesta presente fase, o caldo é aquecido a aproximadamente 105 graus
célsius, com a finalidade de acelerar e facilitar a coagulação, aumentando a
eficiência da decantação e possibilitando a degasagem do caldo.
Depois de aquecido, o caldo é purificado em um processo chamado de
decantação ou clarificação. O “caldo decantado” é retirado da parte superior de cada
compartimento e enviado ao setor de evaporação para concentração. As impurezas
sedimentadas formam o lodo, o qual normalmente é retirado do decantador pelos
fundos e enviado ao setor de filtração para recuperação do açúcar nele contido;
depois, o caldo é filtrado com o objetivo de recuperar o açúcar ainda contido no lodo,
na sequência, ele passa por evaporadores para ser depois cozido, cristalizado,
centrifugado e secado.
A figura a seguir mostra como é feito o procedimento no Setor de Filtros:
O passo seguinte diz respeito ao açúcar, eis que pode ser refinado ou
ganhar outras formas, sendo este ensacado, pesado e armazenado para ser, logo
em seguida, transportado por via rodoviária ou ferroviária.
Algumas usinas comercializam o açúcar diretamente para os consumidores,
embalando e ensacando o seu produto em suas próprias unidades; utilizando-se de
marcas próprias.
Após passar pelo crivo do tratamento primário de peneiramento, o caldo é
submetido a um tratamento mais completo, que implica na adição de caldo,
aquecimento e posterior decantação, sendo este um tratamento semelhante àquele
utilizado na fabricação do açúcar.
Já livre de impurezas e devidamente esterilizado, o caldo está pronto para
ser encaminhado para a fermentação, onde os açúcares são transformados em
álcool.
As reações químicas ocorrem nos tanques denominados dornas de
fermentação. O tempo de fermentação varia de 6h a 10h. Ao final desse período,
praticamente todo o açúcar foi consumido com a consequente redução da liberação
de gases e multiplicação do fermento. Após a fermentação, o vinho é enviado às
centrifugas para recuperação do fermento que é tratado novamente e utilizado para
a continuidade do processo fermentativo.
O excedente de fermento pode ser encaminhado para a secagem, dando
origem a um novo produto: a “levedura seca”, a qual será comercializada como
complemento alimentar tanto para animais quanto para seres humanos, como fonte
de proteínas.
O vinho centrifugado é encaminhado para a destilaria, processo este que se
utiliza dos diferentes pontos de ebulição nas diversas substâncias voláteis
presentes, separando-as. A operação é realizada com o auxílio de colunas
distribuídas em vários troncos.
Cada coluna tem a finalidade de esgotar a maior quantidade possível de
álcool do seu produto de fundo, que é denominado vinhaça.
A vinhaça, retirada em uma proporção aproximada de doze litros para cada
litro de álcool produzido, constituída principalmente de água, sais sólidos em
suspensão e solúveis, é utilizada na lavoura como fertilizante, sendo o seu calor
parcialmente recuperado pelo caldo em um trocador de calor.
O álcool hidratado, produto final dos processos de destilação e retificação, é
uma mistura binária álcool/água que atinge um teor na ordem de 96 graus. Este
álcool hidratado pode ser comercializado nesta forma ou pode passar por um
processo de desidratação, transformando-se em álcool anidro, utilizado no Brasil
como aditivo à gasolina.
Depois de pronto, o álcool produzido é armazenado em tanques de grande
volume, situados nos parques industriais ou mesmo embarcado em caminhões-
tanques ou composições ferroviárias, para enfim ser comercializado às
distribuidoras.
A figura a seguir mostra como é feito o processo de secagem e ensaque do
açúcar para a sua posterior distribuição aos varejos e comércios de venda de
açúcar:
3 Os Bóias-Frias: “Classe Oprimida”
12 Grande pólo exportador de trabalhadores para a empreitada braçal é o estado do Piauí, juntamente com o
estado do Maranhão. No estado-membro do Piauí, os municípios de onde o maior número de trabalhadores
emigram são: Barras, Miguel Alves, Esperantina, Uruçuí, Corrente e São Raimundo Nonato, segundo
diagnóstico produzido pela Comissão Estadual de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo (CPTE) [2002].
Majoritariamente, esses trabalhadores se deslocam para o Pará, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Goiás, São Paulo e Brasília. PRADO, Adonia Antunes et al. Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil.
Contribuições Críticas para a sua Análise e Denúncia. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ, 2008. p. 316.
13 CANA: Colheita Mecanizada. Revista Rural, São Paulo. rev 92, 2005. Disponível em:
<http://www.revistarural.com.br/Edicoes/2005/artigos/rev92_cana.htm>. Acesso em: 18 jan. 2010.
Com isso, o cenário ao qual se encontram esses trabalhadores comporta o
agravante de que os mesmos estão perdendo cada vez mais espaço nos canaviais,
tendo de concorrerem com o maquinário rural moderno que realiza a mesma tarefa
(o corte da cana) em menos da metade do tempo a que seria feito por esses
trabalhadores, forçando-os a trabalhar por produção em jornadas exaustivas que
ultrapassam facilmente as 10h diárias.
Os pesquisadores Jadir Damião Ribeiro14 e Maria Aparecida de Mores Silva15
discorrem a esse respeito:
14 Bolsista de iniciação científica do CNPq, sob a orientação de Maria Aparecida de Mores Silva. Graduando do
Curso de Direito da Fundação Municipal de Direito de Franca.
15 Professora livre-docente da UNESP. Colaboradora dos programas de pós-graduação de Sociologia da UFSCar
e de Geografia da UNESP/PP. Pesquisadora do CNPq.
ganha nem um centavo...' É fraco demais aqui...” (PRADO apud
FIGUEIRA, 2008, p. 317)
16 No mesmo sentido aponta o trabalho realizado por Gelba Cavalcante de Cerqueira e Ricardo Rezende
Figueira, em que mostra a principal causa para a persistência do presente crime – trabalho escravo
contemporâneo – “a escassez de políticas públicas voltadas para a reprodução social dos trabalhadores.” Cf.
FIGUEIRA e CERQUEIRA, 2008, p. 200.
17 Eis que sua composição abarca, de forma quase predominante, pessoas com ascendência indígena, hispânicas
(ou pardas) e negras. Na verdade, a escravidão contemporânea pode arregimentar também pessoas de
ascendência asiática ou brancas, diferentemente do que ocorria no passado. Confira o Anexo – I da presente
obra.
18 O presente depoimento fora relatado por um trabalhador rural que reside atualmente em um assentamento do
MST, no município de Campos (RJ). CERQUEIRA, Gelba Cavalcante de et al. Trabalho Escravo
Contemporâneo no Brasil. Contribuições Críticas para a sua Análise e Denúncia. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ,
2008. pp. 121-124.
19 O leitor já pode sentir neste trecho as claríssimas violações às normas trabalhistas a que essas pessoas são
expostas todos os dias. Vítimas do arbítrio da cegueira condenável de um fanatismo odioso evocado pelo lucro,
engrenagem investida neste determinado ramo.
mundo através de Deus. Cortava cana no Norte, em Alagoas. Já passei
muita fome, trabalhei com fome, levantava e deitava com fome. E a minha
mãe dizia: 'Meu filho, você não vai aguentar, você vai morrer'. Aí eu dizia
pra ela que se parasse, seria pior.
Meu alimento era a cana, chupava cana para me alimentar. Chegava na
fazenda para me alimentar e o fazendeiro perguntava quanto eu tinha
ganhado no corte da cana. Na época era cruzeiro, eu ganhava Cr$ 5,00.
Então, ele dizia para eu comprar Cr$ 2,00 e os outros Cr$ 3,00 abatia na
conta. Comprava meio quilo de feijão, meio quilo de farinha, não tinha
como comprar carne, nem açúcar. Minha mãe perguntava: 'Meu filho, e o
resto?' Eu respondia: 'Não me deixaram comprar porque eu não tenho
mais recursos para pagar'. Aí, fazia aquela gororoba e comia. No outro
dia ia trabalhar.
Chegava o final de semana e fazia as contas para eu ver se tinha algum
recurso, algum resto de dinheiro para ir à feira. Eu via os carros passarem
para a feira e eu não tinha dinheiro. Eu ficava na mesma situação. Na
segunda-feira eu ia trabalhar na mesma situação. Eu já não aguentava
mais.
Fui para o Mato Grosso trabalhar cortando cana, contratado pelos
famosos 'gatos'. Eles usavam a mesma tática: prometiam o céu, a terra e
as estrelas... Quando chegávamos lá, nós víamos o tremendo inferno. Eu
ia trabalhar nos caminhões de cana. Agora dizem que modernizou,
mudou para ônibus. Mas nós íamos trabalhar nos caminhões de cana.
Muitas vezes eu vi meus companheiros morrerem; eles apanhavam e
eram chicoteados na frente de todo o mundo. Nós não podíamos fazer
nada e quem reclamasse apanhava também.
Eu pergunto: que país é esse em que nós vivemos? O Brasil é nosso,
mas tem a elite, que acha que é dona do Brasil, que escraviza os
trabalhadores, as crianças sofrem, não há respeito pelos idosos.
Não aguentei mais a situação. Em 1993, falei pra minha mulher pra
fugirmos, pra irmos embora, senão daquele jeito morreríamos. Ela me
disse que não tínhamos dinheiro e perguntou o que iríamos fazer. Eu
disse para irmos assim mesmo. Mandei colocar as coisas, mais uns
trapos, botar em uma bolsa algumas panelas, e o resto destruímos
porque não podíamos levar. Os meus vizinhos, me lembro que na época
me deram três quilos de peixe. Levamos na viagem e à noite assamos na
brasa. Os vizinhos me perguntaram como é que eu ia levar três crianças,
se eu não ia acabar matando elas na estrada. Eles fizeram uma vaquinha
e me deram Cz$ 15,00; na época a moeda havia mudado. Eu fui. Quando
cheguei num coletivo na divisa que pega a estrada para o Rio, o dinheiro
acabou. Aí eu falei assim: 'o dinheiro acabou, minha velha. O que nós
vamos fazer?' Tinha um posto carreteiro. Eu fui lá, mas o gerente falou
que se estivesse pensando em durmir, poderia procurar o matagal, por
que ali eles não iriam deixar por causa da segurança do posto. Falei pra
minha esposa que teríamos que durmir no mato. Nisso chega um coletivo
iluminado. Eu acho que foi Papai do Céu que mandou. Quando cheguei
lá, eram dois paulistas que tinham ido comprar o ônibus no Rio Grande do
Sul. Eu expliquei minha situação e eles disseram que meu estado era
realmente crítico, que no caminho viram muito gado morrendo, mas não
sabiam o que poderiam fazer pela gente. Mandaram eu ficar ali, entraram
e tomaram café, e eu fiquei esperando. Depois, na volta, um deles olhou
para mim, de cima a baixo, e falou para eu buscar minha família. Contei
para minha esposa que eu achava que tinha arrumado uma carona. Ela
me disse que não era hora de brincar, que a coisa era séria. Então eu
falei para pegar as coisas que nós iríamos embora. Foi quando eles nos
acolheu, eram dois filhos de Deus, e nós fomos de carona. Deram
alimentação para nós, queriam nos levar para São Paulo, mas eu via na
mídia que São Paulo era muito perigoso e fiquei em Campos.
Campos é uma cidade grande e quando eu pensava onde iríamos ficar,
uma senhora que vendia galinha no abatedouro olhou para as minhas
crianças, olhou para a minha situação, chamou minha esposa e começou
a perguntar de onde nós éramos, de onde vínhamos, onde iríamos ficar.
Minha esposa disse que estávamos atrás de um trabalho. Ela deu lanche
para as crianças e disse que tinha um proposta para nós: irmos para o
Parque Cidade Luz, arrumar uma casinha para ficarmos até nós nos
ajeitarmos. Minha esposa ficou meio espantada, mesmo assim
embarcamos no ônibus. Quando eu cheguei, todo mundo queria saber
um pouco do meu caso, o que tinha acontecido, por que eu tinha fugido
do meu estado. Mas eles já tinham visto na televisão que a fome estava
terrível, a seca... Chegou gente com cesta básica, colchão... Essa mesma
companheira alugou a casa. Ficamos lá, todo mundo solidário com a
situação da minha família. Nós ficamos e não faltou nada para nós. E na
segunda-feira comecei a trabalhar na maldita cana de novo, em Campos,
só que aqui a justiça era um pouco... Não sei, tinha um sindicalista rural
que era comprometido com a classe trabalhadora, mantendo a extração
da cana por um preço – soca, planta –, então tinha mais ou menos um
preço.
Eu trabalhei cortando cana, e o gato se animou e disse que eu era o
bicho para cortar cana. Eu disse: 'não fala isso não'. Aí, a vizinha disse
que eu não comprasse nada que eles me sustentariam, que eu tirasse
meu dinheiro livre. Minha esposa falou que parecia que nós estávamos
em outro mundo. Eu disse que Deus existe. Comecei a trabalhar e recebi.
Aí o gato começou a espalhar que chegou o 'alagoano doido', que era o
rei no corte de cana, e eu disse que ele acabasse com isso por que
estava fazendo muita fama de mim. Eu sei que fui trabalhando, trabalhei
um bom tempo. Depois eu vi que a exploração do corte de cana estava
voltando para a mesma situação. Me levaram para Gruçaí, e eu comecei
a trabalhar de caseiro. Isso já era em 1996.
Trabalhei de caseiro um ano, um ano e pouco. Aí a patroa queria me
botar um cabresto e me levar que nem um cachorrinho de balaio para
onde ela quisesse. Eu disse que esse trato era muito bom, mas tinha
medo dessa situação. Foi quando em 1997 teve a explosão da ocupação
da Usina São João. Eu, vendo aquela situação toda, vi que o meu mundo
estava começando a aparecer. Eu visitei esse assentamento, que era
acampamento, e os companheiros de lá falaram que tinha uma vaga para
mim, se eu fosse disposto. Então, eu disse que coragem eu não tinha
não, mas se todos eles corressem, eu corria também, mas eu não ia me
borrar não.
Estava com muito medo, porque eu tinha vindo do Norte. Lá, se falasse
em terra ou colocasse os patrões na Justiça, nem a cabeça sobrava
porque os jagunços consumiam. Será que isso foi nos anos 1990, será
que isso foi no ano de 2005, será que isso foi no ano de 1970? Não, foi
em 1984 ou 1985, e hoje em dia não adianta ninguém dizer que está
combatendo isso, porque existe a mesma situação, porque há
impunidade e eles acham que são os donos do mundo, acham que
podem comprar todos, Policia Federal, acham que podem comprar o juíz,
senador e deputado, porque eles é que apóiam e nós somos as classes
menos favorecidas. Graças a Deus esse quadro está mudando.
Aí fiquei no assentamento, no acampamento, na luta. Vai para lá e vai
para cá, ações para cá e justiça para lá, polícia vai para um lado e nós
para o outro, eu só sei que o assentamento aconteceu. E uma coisa eu
tenho para dizer para vocês: que hoje sou outro homem, sou feliz, mas
ainda tenho um choro na garganta, porque tem muitas injustiças sociais e
muitos companheiros foram assassinados. Não é o país que nós
queremos ainda, está muito longe de ser o país que nós queremos. Por
isso os companheiros estão aqui lutando por uma causa só. Eu tenho
certeza que no governante eu não confio; eu confio na sociedade
organizada, confio nos trabalhadores organizados, porque se nós
fôssemos esperar por políticos, nós estaríamos dentro d'água. Se fosse
esperar pelo presidente dizer assim: 'Cícero, você será assentado', eu
estava dentro d'água. Foi a luta dos nossos companheiros, hoje nós
somos assentados, 506 famílias. Hoje eu tenho outra vida.
Agora eu não tenho mais fome, eu já mato a fome de outros
companheiros que têm lutado pela mesma situação. Eu já era
comprometido com a situação, eu queria fazer alguma coisa, mas não
podia, se eu não tinha comida para mim como é que ia dar? Hoje eu já
levo uma banana para os companheiros que estão lá na luta. Quando tem
companheiro em má situação, nós ajudamos. Eu sou um homem feliz,
mas não muito feliz, só um pouco feliz porque ainda tem muitas injustiças.
Sabemos que o capitalista diz que não é preciso a reforma agrária, que o
seu projeto está em miséria enquanto milhões de sem-terra estão jogados
na estrada, o medo de ir para a cidade e enfrentar a favela, a fome e o
desemprego. Saindo dessa situação e segurando as mãos desses
companheiros, assim ninguém chora mais, ninguém tira o chão de
ninguém, o chão onde pisava o boi é feijão e arroz capinado. E eu termino
com uma fala: 'Que chore o latifundiário e dêem risadas as famílias
brasileiras'.”
20 A larga distância entre a casa do peão e a fazenda de destino é, repita-se, empregada com o escopo de evitar a
fuga do peão, segregando-o da civilização.
embarca com estes rumo à fazenda de destino, cuja viagem comporta um joeirado
de percalços de toda sorte e revés, obrigando alguns peões, com medo da aventura,
a abandonarem a viagem, pulando dos caminhões em movimento que saem no
meio da noite não por rodovias, mas ziguezagueando e porfiando por estradas de
chão (com o fito de evitar a fiscalização).
Com a chegada dos peões à(s) fazenda(s) de destino, os trabalhadores “são
desembarcados e divididos em grupos que variam de 04 a 08 pessoas” (SILVA,
2008, p. 212). Logo em seguida, estes são alojados em locais considerados
precários e desumanos para a realização da empreitada, locais estes destinados
anteriormente ao abrigo de animais, como currais e chiqueiros, além de comerem e
beberem em condições subalternas às dos cachorros.
Também há casos registrados de os peões – após o trabalho braçal de 12h
nas lavouras – dormirem em locais considerados irregulares pela legislação,
localizados no meio da floresta e em barracas de lona preta, não oferecendo
qualquer segurança às ameaças que circundam constantemente os trabalhadores,
que vão desde a contaminação por cólera até a contração de dengue e malária.
Alguns indivíduos foram inclusive, devido à falta de segurança, puxados de
dentro para fora dos barracos e mortos por onças e jaguares.
Em entrevista concedida por Aurélio A.M.21, este discorre acerca do seu
relato de experiência nas fazendas do Estado do Pará.
“O barraco era coberto de palha e por cima da palha tinha uma lona,
aquela lona preta. Esquentava demais, e o barraco era cercado de
madeira grossa assim, no pé, pras onças não entrarem e não puxarem a
gente. As onças, de noite... era muito perigoso. Tinha muita onça porque
era dentro da mata. A gente não podia dormir menos de um metro
distante da parede, porque as onças puxavam as pessoas se estivessem
na beira da parede. A gente então dormia longe.” (CERQUEIRA et al.
2008, pp. 117-118).
21 Trabalhador rural, à época com 41 anos de idade, residente em Miguel Alves, no Piauí, casado e pai de dois
filhos. Entrevista concedida a Adonia Prado, frei Xavier Plassat e Monique Taranto Tardem. CERQUEIRA,
Gelba Cavalcante de et al. Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil. Contribuições Críticas para a sua
Análise e Denúncia. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ, 2008. p.p. 117-118.
22 Comumente chamado de “o controle arbitrário dos corpos”.
vias de fato, etc., causando assim uma barreira intimidativa aos camponeses que
tentem lograr êxito na fuga.
Por todo o exposto, a vigilância constante a esses camponeses “torna-se um
operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma peça
interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder disciplinar”
(FOUCAULT, 2000, p. 147).
25 Idem, Ibidem.
6 Trabalho Escravo, Fenômeno Também da Elite.
7 “Solução Verde”?
27 A presente Medida Provisória já encontra-se convertida na Lei nº 11.763, desde 1º de agosto de 2008.
BRASIL. Lei nº 11.763, de 1º de agosto de 2008. Conversão da MPV nº 422, de 25.3.2008. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 14 dez. 2002. Disponível no link: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11763.htm >. Acesso em: 31 mar. 2010.
28 Os impactos da expansão do monocultivo de cana para a produção de etanol. Com a colaboração de Isidoro
Revers, Marluce Melo e Plácido Júnior. Extraído a partir do que fora publicado no relatório “Impactos da
Produção de cana no Cerrado e Amazônia”, pela Comissão Pastoral da Terra e Rede Social de Justiça e Direitos
Humanos.
partir do que fora veiculado em matérias de jornais e revistas mais respeitados da
contemporaneidade.
Ela destaca importante reportagem da Sciense Megazine, sob o título Use of
U.S. Cropland for Biofuels Increases Greenhouse Gases Through Emissions from
Land-Use Change, que fora publicada no dia 28 de fevereiro de 2008 e discorre que
a maioria dos estudos anteriores descobriu que substituir gasolina por
biocombustíveis poderia reduzir a emissão de carbono. “Essas análises não
consideraram as emissões de carbono que ocorrem quando agricultores, no mundo
todo, respondem à alta dos preços e convertem florestas e pastos em novas
plantações, para substituir lavouras de grãos que foram utilizadas para os
biocombustíveis” (MENDONÇA, 2008, p.76).
Não obstante a malgrada causa de danos irreparáveis ao meio ambiente, a
cultura de monocultivos gera lucros rentosos àquele que o implementa29, empurra e
expande cada vez mais o litoral das fronteiras agrícolas das fazendas produtoras de
gado e de soja, diminuindo – principalmente por meio de queimadas – a riqueza
primária das florestas nativas, eis que a floresta secundária não recupera o número
de espécies da flora e da fauna originárias, encarecendo, direta ou indiretamente, o
custeio de gêneros alimentícios, causando danos à boa qualidade do ar e à da água
(altamente demandada na prática da presente atividade mercantil); além de asfixiar
o espaço reservado à pesquisa científica de cunho medicinal, em regiões da
Amazônia e do Cerrado, riquíssimas no campo da biodiversidade e com amplas
possibilidades de oferecer cura e terapêutica para doenças atualmente incuráveis,
como a Aids e o Câncer.
Seguindo com as publicações jornalísticas que decorreram de pesquisas
realizadas no estrangeiro, o jornal El País publicara importante matéria no bojo da
qual diversas pesquisas de cunho científico emitem nota de que os biocombustíveis
poluem ainda mais do que os combustíveis convencionais, eis que destroem
grandes áreas de valor ecológico ímpar por meio das queimadas predatórias, além
de explorar ao máximo relações trabalhistas de cunho criminoso e informal.
Importante registrar, na presente seara, paradoxo peculiar, pois o mesmo
jornal publicou, recentemente, matéria com juízo de valor positivo em prol dos
biocombustíveis brasileiros. Sob o título: Verde, sostenible y con asas, o jornal atribui
29 A cana-de-açúcar tem o mais alto retorno para os agricultores por hectare plantado. O custo de produção do
açúcar no país é baixo (inferior a US$ 200/tonelada), podendo dessa maneira competir no mercado internacional.
Tal mercado é, entretanto, volátil e apresenta grandes oscilações de preços. Informações disponíveis no link:
<http://www.biodieselbr.com/proalcool/pro-alcool.htm>. Acesso em: 17 fev. 2010.
aos biocombustíveis o mesmo valor dado à energia eólica e (ou) à solar como meio
de se evitar o aquecimento global, decorrente do uso feroz de combustíveis
tradicionais, doravante os fósseis.30
No cenário nacional, a posição é divergente à que ocorre no campo
internacional, sendo a produção e a comercialização de biocombustíveis a janela de
saída não só para os problemas ambientais, mas também para os problemas
sociais, pois gera empregos no campo e alavanca as exportações, diz Paulo César
Ribeiro Lima.31 Segundo ele, “para um emprego no campo são gerados 03 na
cidade, seriam criados, então, 180 mil empregos. Numa hipótese otimista de 6% de
participação da agricultura familiar, no mercado de biodiesel, seriam gerados mais
de 01 milhão de empregos” (2005, p. 11).
No que se refere ao campo ambiental, “se comparado ao óleo diesel
derivado de petróleo, o biodiesel pode reduzir significativamente as emissões
líquidas de gás carbônico, um dos grandes causadores do aumento do efeito estufa,
já que ele é reabsorvido quando do crescimento das plantas que fornecerão matéria-
prima. Além disso, o biodiesel permite a redução das emissões de fumaça e
praticamente elimina as emissões de dióxido de enxofre” (op. cit. p. 03).
8 Conclusões.
CANA: Colheita Mecanizada. Revista Rural, São Paulo. rev 92, 2005. Disponível
em: <http://www.revistarural.com.br/Edicoes/2005/artigos/rev92_cana.htm>. Acesso
em: 18 jan. 2010.
SAKAMOTO et. al. O Brasil dos Agrocombustíveis: Impactos das Lavouras sobre a
Terra, o Meio e a Sociedade - Gordura Animal, Dendê, Algodão, Pinhão-Manso,
Girassol e Canola – 2009. Relatório Completo. Disponível em:
<http://www.reporterbrasil.org.br/escravidao_OIT.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2010.
Verde, sostenible y con asas. Valencia ultima una feria internacional sobre eficiencia
energética y renovables. Disponível em:
<http://www.elpais.com/articulo/empresas/sectores/Verde/sostenible/asas/elpepueco
neg/20091122elpnegemp_7/Tes.>. Acesso em: 17 fev. 2010.
ANEXO I – QUADRO COMPARATIVO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL