1954
Introdugao (in Binswanger)
dugdo, in Binswanger (L.), Le réve et UVexistence (trad. J. Verdeaux), Paris,
sclée de Brouwer, 1954, ps, 9-128.
“Na idade do homem eu vi elevar-se e crescer, sobre a parede
meeira da vida e da morte, uma eseada cada vez mais nua,
investida de um poder de evulsdo tinico: 0 sonho... Eis que a
obscuridade se afasta e que VIVER torna:se, sob a forma de
um amargo ascetismo alegérico, a conquista dos poderes
extraordindrios de que nés nos sentimos profundamente atra-
vessados mas que ndo exprimimos sendo incompletamente por
Jalta de lealdade, de discernimento cruel e de perseveranca.”
René Char, Partage formel
‘40 se trata, nestas paginas de introdugao, de refazer, segundo
= aradoxo familiar aos prefacios, o caminho tracado pelo proprio
swanger, em Le réve et existence. Sem duvida, a dificuldade
texto a isto incita, mas ela é€ demasiado essencial a reflexao
ele desenvolve para merecer ser atenuada pelo zelo de um
acio ad usum delphihi, embora o “psicélogo” seja sempre
=m no reino da reflexao. As formas originais do pensamento
uzem-se por si préprias: sua historia é a unica forma de
‘se que suportam, e seu destino, a nica forma de critica.
Tontudo, nao é essa histéria que tentaremos decifrar aqui.
obra ulterior esforgar-se-A em situar a andlise existencial
: Zesenvolvimento da reflexao contemporanea sobre o homem:
~+.2, tentaremos mostrar, segundo a inflexa4o da fenomenologia
a antropologia, quais os fundamentos propostos a reflexao
eta sobre o homem. Hoje, estas linhas de introducao nao
‘endo um propésito: apresentar uma forma de andlise cujo
2 nao € o de ser uma filosofia, e cujo fim é o de nao ser uma
2+, 2 tlogia; uma forma de analise que se designa como fundamen-
a todo conhecimento concreto, objetivo e experimental.
. uma analise cujo principio e o método sao determinados,
0 inicio, pelo privilégio absoluto de seu objeto: 0 homem,
thor, o ser-homem, o Menschsein.66 Michel Foucault - Ditos e Escritos
Assim, pode-se circunscrever toda a superficie que porta a an-
tropologia!. Esse projeto a situa em oposicao a todas as formas de
positivismo psicologico que pensa esgotar 0 contetido significativo
do homem no conceito de redutor homo natura e, ao mesmo tem-
po, a recoloca no contexto de uma reflexao ontologica que toma
como tema principal a presenca diante do ser, a existéncia, 0
Dasein. Bem entendido que uma antropologia desse estilo nao
pode fazer valer seus direitos, sendo mostrando como pode arti-
cular-se uma analise do ser-homem em uma analitica da exis-
téncia: problema de fyndamento que deve definir, na segunda, as
condicées de possibilidade da primeira; problema de justificacgao
que deve ressaltar as dimensées proprias e a significacao autoc-
tone da antropologia. Digamos, de modo provisério, e reservan-
do-se todas as revisées eventuais, que 0 ser-homem (Menschsein)
nao 6, afinal de contas, sendo o contetido efetivo e concreto do
que a ontologia analisa como a estrutura transcendental do Da-
sein, da presenga no mundo. Sua oposigao originaria a uma cién-
cia dos fatos humanos, no estilo de conhecimento positivo, de
andlise experimental e de reflexdo naturalista, ndo remete a an-
tropologia a uma forma a priori de especulacao filoséfica. O tema
de sua pesquisa é 0 do “fato” humano, se entendemos por “fato”
nao o setor objetivo de um universo natural, mas o contetido real
de uma existéncia que se vive e se experimenta, se reconhece ou
se perde em um mundo que é, ao mesmo tempo, a plenitude de
seu projeto € o “elemento” de sua situacdo. A antropologia pode,
portanto, designar-se como “ciéncia de fatos”, j4 que ela desenvol-
ve de modo rigoroso 0 contetido existencial da presenca no mun-
do. Recus4-la, 4 primeira vista, por ela ndo ser nem filosofia nem
psicologia, por nao se poder defini-la nem como ciéncia nem como
especulacao, por ela nao ter a postura de um conhecimento po-
sitivo, nem o contetdo de um conhecimento a priori, é ignorar o
sentido originario de seu projeto?. Pareceu-nos valer a pena se-
guir, um instante, a marcha dessa reflexdo e pesquisar com ela
sea realidade do homem ndo é acessivel somente fora de uma dis-
tingAo entre 0 psicolégico e o filoséfico; se o homem, em suas for-
mas de existéncia, nao seria 0 Gnico meio de alcancar 0 homem.
1. (N.A) Haeberlin (P.), Der Mensch, eine philosophische Anthropologie, Zurich,
Schweizer Spiegel, 1941, prefacio (Anthropologie philosophique, trad. P. Thé-
venaz, Paris, PUF, col. “Nouvelle encyclopédie philosophique”, 1943 (N.E.)).
2.(N.A) Scheider (K.), “Die allgemeine Psychopathologie im Jahre 1928”, For-
schritte der Neurologie Psychiatrie und threr Grenzgebiete, Leipzig, G. Thieme.
1929, t. I, n? 3, ps. 127-150.1954 — Introdugao (in Binswanger) 67
Na antropologia contemporanea, a abordagem de Binswanger
areceu seguir a via régia. Ele toma indiretamente 0 problema
tologia e da antropologia, indo direto 4 existéncia concreta,
: seu desenvolvimento e aos seus contetidos histéricos. Dai, e
uma andlise das estruturas da existéncia — desta existéncia,
tem tal nome e que atravessou tal historia -, ele executa sem
‘Sar um movimento de vaivém, das formas antropolégicas as
indicées ontoldégicas da existéncia. A linha diviséria que pare-