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Contra a literatura
BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha
Ossip Mandelstam etc.), Henri Michaux talvez o que mais se aproxima dessa
atrao do vazio que acabou dando a Celan a fama de "hermtico". O prprio
poeta, no entanto, fazia questo de dizer que era "absolutamente nohermtico" e sugeria aos tradutores: "Apenas leiam, leiam de novo, e o
entendimento surgir por si s".
A traduo sempre um processo de escolhas e perdas. Em Paul Celan, pela
radicalidade desses poemas atrados pelo silncio ao mesmo tempo em que
carregam uma multiplicidade de sentidos nas palavras reduzidas ao mnimo, a
traduo se torna um dilema praticamente insolvel, o que faz das edies
bilngues quase uma exigncia.
"Cristal", seleo de poemas de oito livros do autor lanada agora pela
Iluminuras com traduo de Claudia Cavalcanti, enfrenta esse desafio e suas
dificuldades. Como em toda traduo, h acertos e perdas. No caso desta
edio, o problema mais geral tem a ver com a clareza. Muitas vezes, a
traduo dificulta o entendimento onde no precisava, como se os poemas no
tivessem sido lidos as vezes necessrias para fazer "o entendimento surgir por
si s", como aconselhava o autor.
Por exemplo: no clebre "Todesfuge" (traduzido por "Fuga sobre a Morte"), o
verso "wir schaufeln ein Grab in der Lften da liegt man nicht eng" virou
"cavamos uma cova grande nos ares onde no se deita ruim", o que no
claro e soa mal -mais para Tarzan do que para o "alemo escrito como lngua
estrangeira" de que falava Steiner.
Na esmerada edio portuguesa ("Sete Rosas Mais Tarde", Livros Cotovia,
traduo de Joo Barrento e Y.K. Centeno, 1993), o mesmo verso foi
traduzido por "cavamos um tmulo nos ares a no ficamos apertados", em
bom e claro portugus, pelo menos. Alm disso, na edio brasileira, o verso
foi simplesmente omitido no lugar onde deveria aparecer pela primeira vez.
Apesar de eventuais problemas como esses, uma edio bilngue de Celan, um
dos maiores poetas da segunda metade do sculo, sempre bem-vinda. O
paradoxo final dessa obra , afastando qualquer possibilidade de romantismo,
permitir associar as imagens antes mais inassociveis e, em sua descrena e
niilismo profundos, terminar por renovar as possibilidades da arte e da
palavra. Um poeta na fronteira, em busca de uma palavra-limite.