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www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun.

2006

LIVRO DOS HOMENS, DE RONALDO CORREIA DE BRITO.

Juliana Santini∗

O terceiro livro de contos do autor cearense Ronaldo Correia de Brito,


publicado em 2005 pela editora Cosac Naify1, deixa antever, na
ambigüidade do título, a matéria de que é entalhado todo o livro: o
designativo “livro dos homens” que enfeixa o volume remete tanto ao
título do último conto, que lhe é homônimo, quanto a uma referência
mais abrangente, como se antecipasse ao leitor que o aguarda, nas
páginas seguirão, uma sondagem do comportamento humano.

Livro dos homens é, ainda, o volume em que se registram as crianças


batizadas em uma paróquia, onde se lavram e se guardam o nome e
a honra. Do particular ao geral e, por fim, de volta a um dado
específico, a multiplicidade de significados de Livro dos homens
define a natureza das treze narrativas que compõem o livro, todas
atadas ao retrato brutal – mas nem por isso alheio à poeticidade da
narrativa – de homens colocados em situações que os submetem ao
limite da própria existência.

E há que se falar em poeticidade da narrativa, expandindo o que se


poderia esperar de uma “poeticidade da linguagem”, pela maneira
como Ronaldo Correia de Brito constrói seus contos, sempre
arquitetados em estruturas temporais que colocam a fala do narrador
em um interstício de presente e passado, articulando tempos e
espaços de modo a manter em suspenso o ponto que sustenta cada
narrativa, resvalando em desfechos quase sempre trágicos em que o
ponto final alinhava o silêncio do absurdo da vida ao sentido morte.

É o que ocorre em “O que veio de longe”, conto que abre o livro e


narra a história de um corpo levado pela enchente do rio Jaguaribe
até o povoado de Monte Alverne, onde foi enterrado pela pequena
população ao lado de uma oiticica que servia de sombra e pouso para
quem conduzia seus rebanhos. A história do corpo transforma-se em
trajetória do homem na medida em que os habitantes da cidade
inventam um passado para o morto, feito personagem de falas que o
alçaram a santo e abençoaram os pertences retirados do corpo
mutilado e guardados como relíquia.

A construção do passado por meio do imaginário popular evoca os


meandros da tradição, emoldurada na palavra e na crença de um
povo que precisava de uma história para se (re)conhecer. No conto
de Ronaldo Correia de Brito, os movimentos dessas vozes que
serpenteiam como cobra e tecem o tempo são desvendados com a
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aparição de outro estranho, desta vez vivo, que revela a identidade


do morto: o assassino de uma moça inocente, tirado da vida e jogado
no rio pelo forasteiro que ali estava, agora morto pelo povo,
descrente na história por ele “inventada”. O rio que carrega o corpo é
o mesmo que apaga a verdade e mantém acesa a chama da crença
popular, salva pelo apagamento de qualquer referência ao fato
mitificado.

As histórias dos homens que compõem o livro de Ronaldo se


entretecem, elas mesmas, ao emaranhado do imaginário popular
nordestino, trazido para o texto como pano de fundo que acaba por
emprestar seu significado ao primeiro plano da narrativa, como em
contos como “Qohélet”, em que a Bíblia e o maracatu misturam-se à
procura pelo sentido da vida, empreendida por um personagem
submetido aos horrores de um hospital para tuberculosos, ou “A
peleja de Sebastião Candeia”, trajetória de Sebastião, que se
dedicara à banda tocada por ele e seus filhos em louvor a Nossa
Senhora da Penha: a temporalidade da vida ata-se à tradição do
ritual religioso, de modo que, perto da morte, o personagem
reencontra o significado da existência na repetição dos movimentos
da dança.

Misticismo, arte popular, tradição e uma certa violência íntima do


cotidiano do sertanejo e do habitante de pequenas cidades do interior
nordestino fazem parte do universo de composição de Ronaldo
Correia de Brito, que, com seu Livro dos homens, confirma e reafirma
um modo de tecer a narrativa que recupera traços da ficção
regionalista, desenvolvida ao longo da literatura brasileira desde
finais do século XIX, e os insere em um contexto diverso, em que o
tradicional convive com o contemporâneo e as angústias do novo –
como ocorre em “Milagre em Juazeiro”, em que o ceticismo científico
do médico Afonso é turvado pela crença da esposa Maria Antônia,
também médica, em uma peregrinação a Juazeiro, onde encontra o
passado da mãe e o presente da religião.

Assim como em Faca2, livro de contos publicado em 2003, aqui o


autor revela um olhar rigoroso da realidade que, entremeado pelas
cores do imaginário popular, compõe um todo em que a crueza do
trágico contrasta com a leveza do estilo, dissonâncias que, ao final,
harmonizam-se. Partindo, muitas vezes, do dado local e da mais
singela particularidade do cotidiano popular, Ronaldo atinge uma
aguda observação da natureza humana, vista tanto em sua realidade
carnal quanto em sua dimensão mítico-espiritual – leia-se o conto
“Cravinho”, em que a história de José Gonzaga dos Passos ata o
teatro popular nordestino ao significado humano dos personagens da
Ópera de Pequim, remetendo o leitor à atmosfera artística e social de
Adeus, minha concubina3.
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Agrupados em um volume que também se poderia chamar de “Livro


de homens”, os contos de Ronaldo Correia de Brito partem da
referência particular de sujeitos marcados por uma tradição local que
lhes dá nome e determinação geográfica para alcançarem a
generalização de uma poética narrativa que busca, antes, o Homem.
Com esse seu terceiro volume de contos, o autor cearense encontra
na palavra o fundamento que cria e sustenta a tradição e o
imaginário do Nordeste brasileiro e, mais do que isso, os insere em
um conjunto mais amplo, fiador da alma humana: livro de homens e
de coisas, de imagens e escuridão, vozes e silêncios, vida e morte.


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade
Estadual Paulista – UNESP/Araraquara. Bolsista FAPESP.
1
BRITO, R. C. de. Livro dos homens. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
2
_____. Faca. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
3
Filme de 1993, dirigido por Chen Kaige, baseado no romance homônimo de Lillian
Lee.

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