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Atenção básica na agenda da saúde

DEBATE DEBATE
Primary care in the agenda of public
health sector in Brazil

Regina Bodstein 1

Abstract The article discusses the policies of Resumo O artigo discute a política de reor-
reorganization of the primary health care tak- ganização da atenção básica a partir do pro-
ing the recent process of decentralization of cesso recente de descentralização do SUS no
SUS in Brazil. The central government’s paper Brasil. Enfatiza-se o papel indutor do governo
as inducement is emphasized. This can be ver- central, que, através de um conjunto de medi-
ified by several measures and specific programs das e programas específicos (PAB e PACS/PSF,
(PAB and PACS/PSF, mainly) that transfer for principalmente), transfere para os municípios
the municipal level the responsibility with the a responsabilidade com a atenção básica. As-
primary care. So it is in the municipal level sim, é no nível municipal que ocorre o proces-
that happens the process of implementation of so de implementação dessa política, gerando
that policies generating effects of difficult eval- efeitos de difícil avaliação, dada a diversida-
uation given the diversity of local contexts. The de de contextos locais. A argumentação cen-
central argument emphasizes the importance tral enfatiza a importância de se avaliarem
of the evaluation process and intermediary re- processos e resultados intermediários voltados
sults turned to the institutional performance para o desempenho institucional, que podem
that can be translated in accountability and ser traduzidos em vontade política e compro-
public commitment, administration capacity misso público, capacidade de gestão e maior
and larger control and social participation – controle e participação social, mais do que exa-
rather than final effects or more direct impacts tamente efeitos ou impactos mais diretos sobre
on the offer of services. The conclusion is that a oferta de serviços. A conclusão é de que ape-
in spite of all the difficulties and obstacles the sar de todas as dificuldades e obstáculos o pro-
process has strengthening the capacity of mu- cesso tem implicado o fortalecimento da capa-
nicipal administration regarding the organi- cidade de gestão municipal no que diz respei-
zation of the primary health care. to à organização da atenção básica em saúde.
Key words Primary health care, Decentral- Palavras-chave Atenção básica, Descentrali-
ization of primary health care, Evaluation in zação da atenção básica, Avaliação da atenção
1 Departamento de Ciências
primary health care básica
Sociais, Escola Nacional
de Saúde Pública, Fundação
Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
9o andar, Manguinhos,
21041-210 Rio de Janeiro RJ.
bodstein@ensp.fiocruz.br
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Bodstein, R.

Introdução Após uma década de descentralização do se-


tor e da diversidade de experiências de gestão
... Para que o geral possa ser apreendido e para local e apesar do intenso debate sobre o tema, a
que se descubram novas unidades, parece neces- realidade é que ainda são poucos os estudos e
sário apreendê-lo não diretamente, de uma só pesquisas de caráter avaliativo, tratando de qua-
vez, mas através de exemplos, diferenças, varia- lificar as inúmeras mudanças em curso. Assim,
ções, particularidades – aos pouquinhos, caso a a proposta deste artigo é discutir aspectos refe-
caso. Num mundo estilhaçado, devemos exami- rentes à implementação do processo de descen-
nar os estilhaços. (Geertz, 2001) tralização, tendo como eixo a proposta de reor-
A década de 1990 é marcada pelo avanço do ganização da atenção básica em saúde. Busca-
processo de descentralização do setor saúde no se qualificar o contexto de mudanças e inova-
Brasil. A esfera municipal, em particular, ainda ções deflagrado a partir de um conjunto de me-
que de modo lento, gradual e negociado, tor- didas, de programas e de normas, voltadas para
na-se a principal responsável pela gestão da re- a chamada atenção básica e para o atendimen-
de de serviços de saúde no país e, portanto, pe- to primário em saúde. Isto é, programas e polí-
la prestação direta da maioria das ações e pro- ticas especificamente preocupadas com o pri-
gramas de saúde. A responsabilização crescente meiro nível de acesso e de contato da popula-
dos municípios com a oferta e com a gestão ção com o sistema de saúde. São medidas deli-
dos serviços de saúde no começo da nova déca- beradas de indução a uma maior organização
da é uma realidade inquestionável. ou reorganização da porta de entrada aos servi-
De fato, a esmagadora maioria dos municí- ços de saúde, cujo pressuposto, ao que parece,
pios brasileiros assume, a partir de 1998, a im- envolve uma alteração no modelo de assistên-
plementação da agenda setorial. Tais municí- cia: predomínio das ações preventivas e de pro-
pios compõem um cenário fragmentado e de moção da saúde em detrimento das ações cura-
grande diversidade, considerando as imensas tivas de média e alta complexidade e hospitala-
desigualdades sociais, regionais e intra-regio- res. Dessa forma, parece útil, para o avanço da
nais, traço indiscutível da realidade brasileira. reflexão no campo da saúde coletiva e para o ru-
Assim, a compreensão e a avaliação das mudan- mo do debate em torno da descentralização da
ças em curso, do ponto de vista que se defende política de saúde, analisar e sistematizar algu-
neste artigo, passa pela perspectiva apontada mas das principais questões em torno da aten-
por Geertz (2001): a compreensão mais geral ção básica no contexto municipal. Mais do que
do processo deve ser buscada a partir da análise trazer novos dados ou informações, procura-se
da diversidade de situações e de contextos lo- aqui uma reflexão sobre os termos do debate da
cais. O que está em jogo, portanto, é a avaliação política voltada para a atenção básica no Brasil.
do processo de implementação da descentrali-
zação/municipalização em saúde, tomando o
devido cuidado com generalizações e conclu- Desafios metodológicos
sões apressadas.
A complexidade da tarefa decorre da neces- O ponto de partida diante do conjunto enorme
sidade de se tomar como ponto de partida as de mudanças recentes no setor saúde vem da
principais características das mudanças desen- necessidade de se delimitar o que de fato é im-
cadeadas com a implantação do SUS no decor- portante de ser avaliado, tendo em vista os
rer da década de 1990. A própria dinâmica des- princípios e valores do SUS. Contextos esta-
centralizadora, que envolve novos atores e con- duais e municipais favorecem ou não o sucesso
textos locais diversos, é responsável por um con- da descentralização, revelando a importância
siderável deslocamento e pulverização do pro- das análises qualitativas, dos estudos de caso e
cesso decisório e, portanto, pela diversidade de das abordagens comparativas. Parece extrema-
cenários locais. Mas a maior dificuldade é da- mente útil a perspectiva avaliativa no campo
da, sobretudo, pela compreensão de como tais das políticas públicas como ferramenta do pla-
mudanças geram impactos diversos, quer na nejamento e da gestão, podendo revelar o rumo
reorganização das secretarias municipais, quer das principais inovações no processo de imple-
na estrutura e na composição da rede ou dos sis- mentação da política de descentralização do se-
temas locais, na extensão e na qualidade da as- tor saúde.
sistência e, enfim, nas condições de acesso aos A avaliação de políticas públicas, preocupa-
serviços de saúde. da com processos de mudança, com resultados
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e impactos da implementação dos programas e ma (McKinlay, 1996; Hartz, 1999). A análise do
políticas, adquire um papel imprescindível em contexto de implantação é imprescindível para
um contexto democrático, de crescente respon- se alcançar uma compreensão mais global da
sabilização do gestor público e de controle so- intervenção (Denis & Champagne, 2000), iden-
cial. As abordagens avaliativas, partindo, fre- tificando processos e resultados intermediários,
qüentemente, da análise do processo através do porém, fundamentais. Processos e resultados
qual decisões são transformadas em ações pro- intermediários são indispensáveis, por sua vez,
gramáticas e projetos de intervenção específi- não só para uma posterior validade do impacto
cos, trazem enorme riqueza explicativa, mas final (Mohr, 1992), como também freqüente-
também desafios metodológicos importantes. mente sinalizam e evidenciam mudanças mais
A perspectiva avaliativa, centrada na explicação substanciais em curso.
das mudanças concretas decorrentes da gestão Como lembra Robert Putnam (1996), é de
pública, procura vincular tais mudanças ao pro- extrema importância, quando se trata de carac-
cesso decisório e ao planejamento das ativida- terizar o desempenho institucional, trabalhar
des, mas, por outro lado, trata de separar, para com indicadores de adesão e compromisso do
efeitos metodológicos, o processo de formula- poder público, por um lado, e co-responsabili-
ção e de implementação de políticas, assim co- zação da população, por outro, antes de se ava-
mo enfatiza a distinção entre planejamento e liarem resultados e impactos finais. Isto é, na
execução de programas. perspectiva avaliativa de políticas e programas
Assim, programas e projetos de intervenção, sociais, a definição de indicadores e resultados
que, na prática, traduzem uma orientação e uma intermediários é extremamente pertinente, já
decisão política previamente tomadas, não ga- que pode explicar o sentido das mudanças em
rantem sua execução e ou implantação, trazen- curso, bem como as diferenças nos impactos fi-
do a indagação sobre em que medida uma de- nais. O desempenho institucional, na perspec-
terminada intervenção foi ou não de fato im- tiva de Putnam, ou seja, a capacidade do gover-
plantada. Ora, perguntar sobre o grau de im- no de implementar políticas, solucionar proble-
plantação de um determinado programa pres- mas e criar serviços, respondendo às demandas
supõe a compreensão do contexto que molda e da sociedade, constitui, nesta perspectiva, uma
condiciona sua operacionalização. A conclusão variável-chave.
aparentemente banal é de que contextos diver- Em resumo, o que se quer ressaltar aqui é
sos e processos específicos de implantação in- que mudanças no desempenho e, portanto, na
fluem nos resultados de uma intervenção. gestão de programas e projetos de saúde, pro-
A partir do questionamento sobre a implan- movendo uma nova institucionalidade e maior
tação ou não do programa é importante compa- responsabilidade pública vis-à-vis maior par-
rar o desenho e as características da intervenção ticipação e controle social são de fato indispen-
planejada com aquelas da intervenção realmen- sáveis para que ocorram impactos positivos na
te implantada (Denis & Champagne, 2000), já oferta de serviços e nas condições de vida e saú-
que o processo de implementação necessaria- de da população. Isto é, mudanças na cultura e
mente altera e modifica a proposta original. no compromisso com a gestão pública são indi-
Além disso, soluções e intervenções podem se cadores importantes – mesmo quando seus efei-
mostrar eficazes em uma determinada situação tos e resultados finais só venham a ocorrer no
e não em outra, o que impõe adequações diver- médio e longo prazos.
sas ao novo contexto. No caso do processo recente da descentrali-
O monitoramento do processo de implan- zação e da municipalização da saúde, a ênfase
tação é extremamente pertinente visto que a deve ser dada nas variáveis explicativas que iden-
presença de atores, interesses diversos e o cená- tifiquem inovações no contexto da gestão, no
rio político-institucional podem explicar o su- compromisso e responsabilidade pública (ac-
cesso ou o fracasso na implantação da proposta, countability). Estas variáveis quase sempre re-
como também a distância entre o planejado e o presentam processos aparentemente simples,
executado. Portanto, tendo em vista que proces- mas que configuram precondições indispensá-
sos determinam resultados, identificar o con- veis para mudanças e impactos mais substan-
texto de implantação dos programas e interven- ciais, como por exemplo, no acesso e na quali-
ções por um lado, e enfatizar a importância da dade da oferta de serviços médico-sanitários.
avaliação processual, por outro, são questões ca- Como diz Putnam, devemos avaliar resultados
da vez mais enfatizadas na literatura sobre o te- diretamente atribuídos ao desempenho dos ser-
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viços de saúde e não as taxas de mortalidade plantação ou ampliação de programas de saúde


em si, isto é, analisar inovações que nem sem- pública, são indicadores significativos de um
pre aparecem refletidas nos clássicos indicado- conjunto mais amplo de mudanças e de expe-
res de saúde da população (Putnam, 1996). riências inovadoras em curso na gestão local do
A análise do contexto de implantação e os setor saúde.
ajustes entre os princípios do SUS e sua execu- Um aspecto metodológico importante vem
ção como política pública são imprescindíveis da constatação da existência de efeitos contra-
quando o que está em jogo é a compreensão e a ditórios ou perversos, alguns previsíveis, diante
avaliação das mudanças em curso e os resulta- da situação de pobreza e de demanda crescente
dos e impactos na saúde da população. Trata-se por assistência e atendimento em saúde. Nesse
de perceber que vicissitudes e obstáculos são caso, e diante da constatação de que a oferta pú-
inevitáveis entre o processo de decisão política blica é freqüentemente precária e deficiente, o
e a implementação. Isto é, entre os princípios compromisso com investimentos na rede pú-
do SUS, por exemplo, e sua execução no con- blica municipal, ultrapassando o circuito clien-
texto dos estados e municípios brasileiros. De telista e assistencialista local, já sinaliza mudan-
qualquer forma, a avaliação da descentraliza- ças importantes. A ausência ou baixo grau de
ção/municipalização em curso não pode igno- cultura cívica e participativa entre nós aparece
rar os valores e princípios do nosso sistema de também como outro fator importante que in-
saúde e se estão sendo ou foram alcançados. A viabiliza ou dificulta o controle da sociedade so-
avaliação pressupõe cotejar a proposta que ins- bre as políticas públicas. Assim, a existência e a
pirou o movimento de reforma sanitária no obrigação da constituição de conselhos muni-
país e as mudanças atualmente em curso. Uma cipais de saúde parecem igualmente importan-
das variáveis-chave, já apontada pela literatura, tes. Finalmente, diante da baixa capacidade téc-
vem da capacidade técnica-administrativa e do nica e financeira da grande maioria dos municí-
desempenho dos gestores estaduais e munici- pios, sua responsabilização crescente quanto à
pais do setor saúde. implementação de programas e políticas de saú-
Importa considerar, por um lado, o conjun- de traz em si um conjunto considerável de ris-
to de mudanças no setor saúde vis-à-vis à uni- cos e incertezas.
versalidade do direito à saúde e aos serviços; a Essas questões têm sido preocupação cons-
integralidade da atenção, pressupondo a oferta tante dos pesquisadores e estudiosos do proces-
pública de ações preventivas e curativas, básicas so de descentralização das políticas sociais e de
e de média e alta complexidade; a hierarquiza- saúde (Andrade, 1996; Souza, 1999 e Arretche,
ção do atendimento, garantindo referência e 2000). Em tais estudos, algumas variáveis rela-
contra-referência diante dos diversos níveis de cionadas às características político-institucio-
complexidade do sistema de saúde e, participa- nais dos municípios têm sido destacadas: au-
ção e controle da sociedade civil na gestão do sência ou fragilidade do corpo técnico burocrá-
processo, incentivando a formação dos chama- tico; dependência financeira frente ao governo
dos Conselhos de Saúde. São princípios e valo- federal; presença e persistência de arranjos polí-
res que serviram de inspiração para a reforma ticos clientelistas; descontinuidade administra-
do sistema de saúde entre nós e que, de fato, tiva e dificuldades na contratação e fixação de
justificam estudos avaliativos mais abrangentes. profissionais mais qualificados nos pequenos
Por outro lado, após uma década de mu- municípios ou naqueles mais pobres. São variá-
danças profundas na estrutura normativa do veis importantes que explicam indubitavelmen-
setor, importa identificar indicadores de inova- te as restrições e limites da descentralização e as
ção gerencial e de desempenho institucional das profundas variações no desempenho técnico-
secretarias municipais de saúde. Uma das ques- político dos gestores locais na prestação de ser-
tões que se defende aqui é a importância da de- viços, fundamentalmente aqueles voltados para
finição de resultados intermediários vinculados educação e saúde.
ao desempenho setorial mais sensível e eficaz: Em termos metodológicos, a complexidade
sensível às demandas do eleitorado e eficaz na vem ainda da necessidade de se incluir no qua-
utilização de recursos limitados para atender a es- dro analítico tanto variáveis contextuais e expli-
sas demandas (Putnam, 1996). A organização ou cativas mais gerais do processo político da des-
reestruturação das secretarias estaduais e muni- centralização, quanto aquelas mais sensíveis ao
cipais, gerando melhores serviços para a popu- conjunto de mudanças intrínsecas à administra-
lação ou ampliando o acesso, garantindo a im- ção e à complexidade do setor, tais como indi-
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cadores de mudanças e inovações importantes Estratégias de implementação
na organização da assistência, na produtivida- da atenção básica
de dos serviços e na mudança do modelo assis-
tencial. Além disso, no caso da saúde, os princí- Do mesmo modo como na história da condição
pios do SUS devem ser traduzidos em catego- humana a descoberta equivale à criação e no pen-
rias mais operativas. O desafio é dado pela difi- samento sobre a condição humana explicação e
culdade de se definirem variáveis que de fato compreensão são uma só coisa, assim nos esforços
traduzam avanços no sentido da garantia da de melhorar a condição humana, diagnóstico e
universalidade e da integralidade dos serviços, terapia se misturam. (Bauman, 2001)
já que indicadores clássicos raramente dão con- Um dos instrumentos fundamentais do pro-
ta de mudanças contextuais mais amplas, no cesso de reforma da saúde foi, sem dúvida, a re-
desempenho institucional e no processo na ges- gulamentação da lei 8.080 de 1990 e da lei 8.142,
tão da rede e dos serviços públicos. Assim, uma do mesmo ano, que tratam das normas gerais
enorme criatividade é exigida dos pesquisado- de funcionamento do SUS, especialmente das
res mesmo na definição de indicadores aparen- transferências intergovernamentais de recursos
temente mais usuais: de investimentos na rede; financeiros para a área. Porém, somente três
de resposta dos gestores locais aos incentivos fe- anos após a lei orgânica é que os critérios para
derais ou estaduais; de expansão ou melhoria o repasse dos recursos do governo federal para
dos serviços; de aumento dos profissionais con- os estados e os municípios tornaram-se efetivos
tratados; de introdução e consolidação de pro- e sistemáticos, através da Norma Operacional
gramas básicos de saúde pública; de desenvolvi- Básica do SUS de 1993 (NOB/93).
mento de projetos intersetoriais e de promoção A NOB/93 entra em vigor no ano seguinte,
à saúde; de maior envolvimento e participação estabelecendo um processo flexível, gradual e
da comunidade, etc. Em conjunto, podem estar negociado para assegurar viabilidade política à
indicando a reorganização da chamada “porta operacionalização da descentralização (Lucche-
de entrada do sistema de saúde” e, portanto, no se, 1996). Neste sentido, estabeleceu responsa-
médio prazo a melhoria do acesso, a mudança bilidades, requisitos e prerrogativas para a ges-
do modelo assistencial vis-à-vis à composição da tão local do SUS, incluindo estados e municí-
oferta entre serviços públicos e privados. pios, sob três modalidades: gestão incipiente,
Enfim, a argumentação central, e que cons- gestão parcial e gestão semiplena. Instituiu ain-
titui um dos grandes desafios para os estudos da novas instâncias colegiadas (as CIB’s e CIT’s)
de caráter mais avaliativo, é de que resultados e que se configuravam como arenas de pactuação.
efeitos virtuosos das transformações em curso, Sob a regulamentação da NOB/93, a descentra-
ainda que intermediários – ou seja, mesmo sem lização, no entanto, caminhou a passos lentos.
dar conta de apontar impactos quer na organi- Até o final de 1997, 57% dos municípios esta-
zação de sistemas locais, isto é, garantindo to- vam enquadrados na gestão incipiente ou par-
dos os níveis de complexidade dos serviços de cial e apenas 2% na condição de gestão semiple-
saúde, quer no perfil sanitário da população – na. Apesar disso, um dos méritos da NOB/93 foi,
são imprescindíveis. Mudanças ocorridas no sobretudo, o de tornar a descentralização atra-
sentido da universalização e da reorganização tiva para estados e municípios, configurando,
da rede e das ações básicas em saúde sob respon- enfim, uma estrutura legal montada pari passu.
sabilidade municipal podem servir indireta- O processo de descentralização se acelera a
mente para a avaliação do processo de descen- partir de 1996, quando são implementadas me-
tralização da rede de serviços de saúde ocorrida didas de incentivo, expressas, sobretudo, na
no Brasil nos últimos anos da década de 1990. Norma Operacional Básica 1996 (NOB/96), pa-
Há que se considerar dentro do contexto de im- ra que os municípios assumam a gestão da rede
plantação da descentralização que a grande de serviços locais de saúde, numa política deli-
maioria dos municípios, no limiar do novo mi- berada do governo central em prol da munici-
lênio, não consegue sequer organizar uma rede palização. A NOB/96 também altera as modali-
de atenção básica ou pelo menos encontra gran- dades da gestão local do SUS, que passam a ser
de dificuldade para isso. Assim, qualquer suces- apenas duas: plena de atenção básica e plena do
so na implantação ou melhoria dessa rede de sistema de saúde. Em linhas gerais, podemos di-
serviços parece um passo fundamental para o zer que a diferença básica entre essas duas mo-
fortalecimento do SUS no país. dalidades de gestão é o fato de que, na primeira,
o poder público municipal tem governabilidade
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apenas sobre a rede de atendimento básico; já pal. Esse novo mecanismo dissocia a produção
na segunda, o município é que gerencia todo o do faturamento, característica central do siste-
atendimento à saúde no seu território, inclusi- ma anterior. Isto é, através do sistema de paga-
ve a rede hospitalar pública e privada convenia- mento por serviços previamente prestados, os
da, tendo para tanto repasse direto de recursos municípios mais pobres e, portanto, sem uma
do Ministério da Saúde para o Fundo Munici- infra-estrutura adequada de unidades e de es-
pal de Saúde, sem intermediação da esfera esta- tabelecimentos de saúde vinham sendo preju-
dual. Uma das questões nevrálgicas do ponto de dicados. Comparados aos municípios mais de-
vista do gestor federal foi especificar mecanis- senvolvidos, recebiam do SUS valores menores,
mos de regulação de forma a garantir não só al- porém coerentes, por um lado, com a precarie-
gum controle sobre essas transferências, mas dade da rede de saúde existente no local e, por
torná-las minimamente atrativas. Tendo em outro, com a quantidade de procedimentos e
vista que o processo vem sendo desde o início atendimentos realizados. Quanto maior o nú-
negociado nos fóruns especialmente criados mero de hospitais, ambulatórios e postos de
dentro do setor e não havendo garantias de re- saúde maior o valor recebido pelos municípios
ceptividade dos estados e municípios, a adesão, junto ao SUS. O antigo sistema, através do fa-
que varia de acordo com a diversidade de situa- turamento com base no número de atendimen-
ções, passava por um cálculo de custos e bene- tos e de procedimentos realizados, perpetuava
fícios políticos, ou seja, entre aquilo que os es- um modelo de pós-pagamento, incentivando a
tados e as municipalidades poderiam ganhar e lógica do aumento crescente de procedimentos
perder nesse processo. e um superfaturamento dos serviços prestados.
A partir de 1998, ano em que a NOB/96 efe- Procedimentos mais caros usualmente predo-
tivamente entra em vigor, há uma alavancagem minavam sobre os mais simples, atuando como
importante no ritmo e no alcance do processo um desestímulo à adoção de medidas preventi-
descentralizador. De fato, no final do ano de vas e de promoção à saúde. O PAB introduz uma
2000, 99% dos municípios brasileiros encontra- outra lógica no financiamento da assistência à
vam-se enquadrados em alguma das duas mo- saúde, dissociando produção e faturamento. As-
dalidades de gestão definidas pelo Ministério da sim, as prefeituras passam a receber regular e
Saúde, sendo que deste total 89,50% (4.928 mu- diretamente recursos para investir naqueles
nicípios) estavam habilitados na condição Ple- procedimentos definidos como prioritários e
na de Atenção Básica (Levcovitz et al., 2001). fundamentais para um programa de prevenção
A principal estratégia do governo ao enfati- e promoção à saúde, consultas médicas e odon-
zar e garantir prioridade ao atendimento bási- tológicas, exames de pré-natal, vacinas, vigilân-
co em saúde se consolida em 1998, com a intro- cia sanitária, etc.
dução do PAB (Piso de Atenção Básica), criado Os recursos do PAB, chegando diretamente
através da Portaria GM/MS n.1882, de 18/12/97. aos municípios mais carentes, com maior défi-
O PAB altera a lógica de repasse de recursos fe- cit de atendimentos e com uma rede de serviços
derais para o sistema de prestação de ações mé- de menor complexidade, devem provocar um
dico-sanitárias e se constitui uma medida deci- impacto no médio e longo prazo na oferta de
siva na perspectiva da descentralização finan- serviços e a introdução de novos programas de
ceira do sistema de saúde no Brasil, incentivan- saúde pública. Em síntese, o PAB traz algumas
do os municípios a assumirem, progressivamen- inovações importantes na medida que incenti-
te, a gestão da rede básica de serviços de saúde. va que uma parcela dos recursos federais, ainda
Visa garantir aos municípios um valor per ca- que muito pequena, seja diretamente alocada
pita em torno de R$10,00 repassado pelo gover- para o custeio de procedimentos básicos em
no federal, destinado exclusivamente ao custeio atenção primária, em uma clara tentativa de
de um elenco predeterminado de procedimen- organizar a porta de entrada da rede municipal
tos e ações. A implantação do PAB traz como de saúde. O resultado esperado é a capacitação
principal novidade a transferência regular e au- das secretarias municipais para responderem
tomática, com repasse federal feito diretamente pelo desenvolvimento de programas, ações e
aos municípios. A condição de habilitação ao procedimentos de atenção básica e de medidas
PAB é definida pela NOB/96, e obriga a criação de promoção e prevenção em saúde, ampliando
do Fundo Municipal de Saúde e do Conselho o acesso à saúde. Assim, a expectativa é que o
Municipal de Saúde, dando relativa autonomia PAB pode alavancar uma lenta e gradual mu-
e crescente responsabilidade ao gestor munici- dança no modelo assistencial, introduzindo me-
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lhorias nas condições de acesso e na qualidade quatro a seis agentes comunitários de saúde. É
do atendimento prestado na rede pública. esta equipe que identifica, mediante diagnósti-
Vale destacar que as mudanças do PAB são co, as necessidades e organiza a demanda a par-
introduzidas pari passu aos incentivos ao desen- tir da comunidade, das famílias e dos domicí-
volvimento de um conjunto de outras medidas: lios, prestando assistência integral e realizando
ações de vigilância sanitária e da implantação atividades de informação, de orientação e de
do Programa de Saúde da Família (PSF) e do promoção da saúde.
Programa de Agentes Comunitários de Saúde O desafio aqui é mostrar em que medida os
(PACS). Para os municípios mais pobres e in- dois programas vêm sendo implementados den-
teiramente dependentes dos repasses federais, tro desse modelo ideal vis-à-vis a um processo
esses incentivos são cruciais, já que eles apre- rápido de expansão para todo o país. Além dis-
sentam capacidade técnica limitada para pla- so, cabe indagar se de fato constituem uma es-
nejar, organizar e montar uma estrutura de ser- tratégia bem-sucedida de promoção à saúde, de
viços. Os municípios maiores e com maior ca- mudança do modelo assistencial de base “bio-
pacidade técnica reivindicam maior autonomia médica”, de melhoria do acesso e, enfim, de in-
na aplicação dos recursos, mas são igualmente clusão social. Isto é, será que o PACS/PSF está de
dependentes dos repasses federais. Outro pon- fato mais sintonizado com as políticas de com-
to que parece relevante é que a verba do SUS e bate à pobreza, de promoção da cidadania e de
de outros convênios da área da saúde, ou seja, a envolvimento dos setores excluídos?
transferência de recursos financeiros do SUS Parece inquestionável a adequação do pro-
para os municípios, é não só importante, mes- grama para o contexto nordestino, dirigido à ex-
mo para os municípios mais ricos e populosos, tensão de cobertura de saúde para populações
como atinge quase 2/3 do total de recursos trans- excluídas, onde 1/3 vive na pobreza absoluta. Já
feridos pela União para a esfera municipal (Pra- sua viabilidade e adaptação ao contexto de gran-
do 17-19/3/2001). des áreas de periferia urbana, no sudeste brasi-
Um poderoso mecanismo de indução utili- leiro, onde a concentração espacial da popula-
zado pelo governo federal para priorizar a aten- ção significa concentração das carências, provo-
ção básica é a adoção do PSF e do PACS. O go- cam novas questões. Nesses locais as soluções
verno federal lança mão de diversos meios para passam quase sempre pela reorganização da re-
tornar atraente para os governos locais a ade- de de saúde e de seu corpo técnico e não pela
são a tais programas. O principal incentivo é o montagem de estruturas de atendimento para-
financeiro, decisivo para o cálculo político dos lelas. Uma das razões parece residir exatamente
gestores municipais em prol da adesão. Ade- no custeio do programa, no caso do PSF, que
mais, dada a condição de programa estratégico, deve ser assumido, em parte, pelas prefeituras.
o Ministério da Saúde vem empenhando esfor- A implementação e gestão da rede de aten-
ços no sentido de fornecer suporte técnico e de dimento básico, se bem que coordenada e in-
gestão para a execução das ações previstas. duzida centralmente, foi delegada de fato aos
Inicialmente, o governo federal assumiu co- municípios, provocando não só inovações, mas
mo prioridade dentro da agenda setorial a im- alguns efeitos perversos nos demais níveis do
plementação do PACS, existente nos estados sistema (Oliveira, 1995), como é o caso daque-
nordestinos desde de 1991, visando estender a les municípios que possuem uma rede de ser-
cobertura do sistema público de saúde às popu- viços mais complexa. Nesses municípios, a difi-
lações rurais e das periferias urbanas, sobretu- culdade é reestruturar os investimentos locais
do para a população materno-infantil. A partir em saúde para uma progressiva e necessária
de 1994, num contexto de mobilização dos se- mudança do modelo assistencial. Os municí-
cretários municipais de saúde em torno da aten- pios situados nas regiões e estados mais desen-
ção básica, o governo federal assumiu a implan- volvidos tendem a reunir os requisitos básicos
tação do PSF como uma estratégia para a mu- necessários para assumirem a gestão descentra-
dança do modelo de assistência à saúde no país, lizada e o desenvolvimento de ações mais com-
prevendo um impacto na reestruturação em plexas, visando à integralidade do atendimen-
todos os níveis de atendimento. As inovações to, à otimização dos resultados e à eficiência na
trazidas pelo PACS/PSF parecem residir na vin- utilização de recursos, já que, teoricamente,
culação da população a uma equipe básica de dispõem de maior capacidade técnica e geren-
saúde, composta por um médico generalista, um cial, bem como maior aporte de recursos finan-
enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de ceiros.
408
Bodstein, R.

Cabe considerar que a oposição às vezes explí- Municípios e descentralização


cita outras vezes sutil à política e ao modelo de for- dos serviços de saúde
talecimento e de priorização da atenção básica aca-
ba por desqualificar outras questões fundamentais: ... A descentralização é a condição para a eficácia
a inadequação do modelo de saúde vigente e o fe- política em razão da exigência de fluxo de infor-
nômeno da desigualdade social, implicando a exis- mação a partir da base e do reconhecimento de
tência de um contingente considerável de popula- sua autonomia (Giddens, 2001). Mesmo não
ção com dificuldade de acessar e se beneficiar das havendo automatismo entre descentralização e
ações e serviços de saúde. O que deve ser enfatizada, maior accountability e controle social, como
por outro lado, é a necessidade de adequação dessa chama a atenção Giddens, o processo de descen-
política aos contextos e realidades locais. Há consi- tralização, com todos os problemas e críticas,
derável evidência empírica a respeito da acentuada parece constituir-se em um avanço no caminho
diferença em relação ao fenômeno da pobreza rural, do diálogo entre as políticas públicas e a socie-
notadamente no Nordeste, e da pobreza concentra- dade. Trata-se de acentuar a importância na so-
da, visível e escancarada presente nas periferias e fa- ciedade moderna de reinventar e ampliar espa-
velas das áreas metropolitanas. Isso certamente tem ços de diálogo político, de negociação e de con-
que ser considerado, justificando a adoção de perfis senso a partir dos interesses e contextos locais.
ou modelos assistenciais diversos e mais adequados. A descentralização, em situação de permanente
Diante da constatação de que os recursos públi- déficit de democracia e de responsabilidade com
cos são escassos e finitos, é crucial determinar on- a gestão pública, embora sob risco de ser encap-
de investir e o que universalizar e disponibilizar co- sulada no circuito do clientelismo/assistencia-
mo atividade, programa e serviço, tamanhos são os lismo de viés populista, constitui pré-requisito
descompassos e vicissitudes entre os princípios do para o fortalecimento da cidadania e do contro-
SUS e sua execução como política pública em um le social.
país, é necessário insistir, com enormes desigualda- No caso da política de saúde e de implanta-
des sociais e regionais, onde a pobreza, a miséria ex- ção do SUS, um aspecto crucial, sem dúvida,
trema e a exclusão social devem ser enfrentadas com foi a criação dos Conselhos de Saúde nas diver-
políticas públicas adequadas. A discussão sobre o sas instâncias de gestão do sistema, indicando
processo de accountability dos gestores e da eficiên- uma nova institucionalidade e a ampliação do
cia e responsabilidade na utilização dos recursos pú- espaço e da agenda pública. Os Conselhos Mu-
blicos ganha importância crescente, assim como o nicipais de Saúde (CMS), na medida em que
desempenho político-institucional das prefeituras constituem pré-requisito para a habilitação dos
e a capacidade de gestão local. municípios na gestão descentralizada, estão
A pergunta-chave aqui é em que medida a polí- presentes, hoje, como se sabe, na esmagadora
tica de reorganização da atenção básica e a peque- maioria dos municípios brasileiros. Se esse
na mudança na alocação de recursos advinda da processo tem levado a um melhor desempenho
implementação da descentralização no setor tem setorial e maior accountability dos gestores pú-
sido suficiente para modificar o padrão de desigual- blicos é algo que vem sendo avaliado e merece
dade no acesso aos bens e serviços de saúde, dado maior aprofundamento. A baixa capacidade de
pela própria heterogeneidade e desigualdade social controle social exercido a partir dos Conselhos
existente no país. Questões determinantes como o Municipais tem sido apontada por diversos es-
aumento dos custos e o declínio da qualidade dos tudos, mesmo em locais com tradição na orga-
serviços, características gerais (e globais) do setor nização de associações de moradores e de mo-
saúde, remetem diretamente a centralidade da dis- vimentos sociais em geral, como no caso do
cussão para a prioridade nos investimentos em pro- município de Duque de Caxias, no Rio de Ja-
gramas de promoção e de atenção básica, tendo em neiro (Bodstein et al., 1999). Certamente, de
vista a necessidade de universalização da atenção antemão, já sabemos dos diversos problemas
primária em saúde. No caso do Brasil, devemos fi- com a capacitação dos conselheiros e de todos
car atentos a nossa realidade: enormes desigualda- os riscos de serem manipulados politicamente
des sociais, intenso processo de urbanização a partir pelo poder local.
das últimas décadas e a limitação de recursos, on- Convém chamar a atenção para a tese da fu-
de necessidades e demandas crescem e se tornam tilidade, tão brilhantemente desenvolvida por
bastante complexas rapidamente, tendendo ao que Hirschman (1992). Baseia-se no argumento de
parece ultrapassar a capacidade de resposta das po- que o diagnóstico de um programa social – a
líticas públicas e dos sistemas de saúde. crítica ao seu funcionamento e aos resultados
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negativos ou pouco expressivos – não invalide e mes desafios. As experiências são desiguais e de
não anule a proposta original e seus princípios difícil avaliação. O diálogo entre academia e ges-
gerais. Como nos mostra o autor, a tensão entre tores adquire crescente importância. No caso
as metas anunciadas de um programa social e da pesquisa e dos estudos de caráter acadêmico,
sua real efetividade é algo bem mais complexo. é crucial, mais do que nunca, a capacidade de
(Hirschman, 1992). Assim, ao que parece, a pro- identificar as perguntas pertinentes e buscar o
posta dos CMS está sintonizada com a necessi- desenho de investigação mais adequado, assim
dade de maior e melhor interlocução entre o como a geração de informação que traga subsí-
poder público e a sociedade, visando responder dios para os gestores e a sociedade de uma ma-
de forma mais eficiente e com maior equidade neira geral. O fato é que experiências virtuosas
às demandas sociais. O processo de descentrali- no setor saúde apontam para a melhoria no de-
zação vis-à-vis à existência dos conselhos parece sempenho gerencial e na maior responsabilida-
estratégia crucial de fortalecimento do espaço de social como principais determinantes do
público. fortalecimento do SUS nos municípios. A reor-
Ainda que fundamentais para o fortaleci- ganização da rede de serviços locais de saúde,
mento do capital social local, os conselhos de- tanto em termos quantitativos como qualitati-
pendem em grande parte do desempenho do po- vos, representa um processo fundamental na
der público, como nos lembra Putnam (1996). reforma setorial e fortemente dependente da
Isto é, quanto melhor a capacidade de gestão capacidade de gestão. Como ressaltamos ante-
pública local, melhor o funcionamento dos riormente, as variações no desempenho geren-
conselhos; sendo assim, a virtude cívica floresce cial explicam, em grande parte, as variações em
e se desenvolve mais facilmente onde os meios termos de resultados e impactos na saúde da
institucionais são mais propícios. Desse ponto população.
de vista, quanto maior a capacidade de gestão,
de planejamento das atividades e prioridades,
o monitoramento e a avaliação de seus resulta- O papel indutor do nível central
dos, tanto maior o espaço para a participação e
o controle social. Tal questão coloca na agenda Importa considerar se, de fato, a política do go-
setorial a necessidade de capacitação e forma- verno federal nas últimas décadas vem induzin-
ção de gestores e de conselheiros, assim como a do a organização e fortalecimento técnico-ge-
divulgação de programas bem-sucedidos, as rencial das secretarias municipais. Parece evi-
chamadas best practices, importantes como efei- dente que na medida em que uma série de pré-
to demonstração. No caso da maioria dos muni- requisitos para a habilitação dos municípios
cípios, formação e capacitação técnica são pro- (plano de saúde municipal, conta PAB, relató-
cessos fundamentais para o melhor desempe- rio de gestão, fundo de saúde, implantação dos
nho das políticas de cunho social. bancos de dados nacionais de saúde, a criação
Outro aspecto que decorre dessa perspectiva dos CMS) é exigida, essa é uma preocupação
de análise vem da constatação de que apesar do presente na estrutura normativa montada. Im-
papel fundamental e insubstituível do poder porta também reconhecer que é exatamente es-
público é cada vez mais presente e mais impor- se conjunto integrado de medidas, e não uma
tante a colaboração e a formação de parcerias medida isoladamente, que constitui o traço ino-
com os demais setores organizados da socieda- vador no desenho da reforma sanitária brasilei-
de. Junte-se a isso a centralidade que adquire pa- ra e no processo de descentralização em saúde.
ra a gestão municipal e para a solução dos pro- Por outro lado, as análises do processo de
blemas sociais o desenvolvimento de políticas implementação da descentralização da saúde
intersetoriais: saneamento, habitação, educação, têm evidenciado o despreparo da esfera muni-
geração de trabalho e renda, etc. cipal e a precariedade da sua estrutura técnico-
O ritmo acelerado da descentralização mu- administrativa voltada à prestação de serviços
nicipal no setor saúde vem demonstrando a de saúde, não sendo raros os exemplos em que
existência de inúmeras modalidades de organi- a própria montagem dessa estrutura coincide
zação dos sistemas locais, originadas da combi- com o momento em que o município assume a
nação entre normas institucionais do SUS, as gestão da rede de serviços e passa a receber di-
singularidades socioeconômicas e as determi- retamente os recursos federais. Assim, a muni-
nações do jogo político local. Demonstram a cipalização dos gastos em saúde, consolidada
criatividade dos gestores locais diante dos enor- nos últimos anos da década passada, tem como
410
Bodstein, R.

contrapartida um esforço crescente e uma enor- da oferta entre o setor público e o privado na
me responsabilidade do município na gestão da prestação de serviços de saúde, sobre a nature-
rede de serviços de saúde e na melhoria das con- za do modelo ou do perfil assistencial e sobre a
dições de saúde. presença e equilíbrio entre os diversos níveis de
Nesse cenário, tem sido fundamental o pa- atendimento: básico e ambulatorial por um la-
pel da esfera estadual no ritmo e no alcance das do e de média e alta complexidade, por outro.
mudanças em curso, já que estratégias de mi-
crorregionalização e outras inovações gerenciais
têm sido incentivadas. Ainda que limitadas Conclusões
dentro do conjunto dos municípios brasileiros,
as iniciativas como as atuais experiências em O argumento central do artigo foi no sentido de
formação de Consórcios Intermunicipais e ou- mostrar a importância que o fortalecimento e
tras formas de colaboração expressam arranjos a reorganização da atenção básica adquirem no
e parcerias fundamentais para a ampliação e di- contexto da política setorial nos últimos anos.
versificação dos serviços. De fato, sem a efetiva O ponto nevrálgico do debate talvez seja a com-
coordenação e planejamento regionais, corre- preensão, e um possível consenso, em relação à
se o risco de que o processo de descentralização necessidade, ainda hoje, de universalização de
se pulverize e perca efetividade, distanciando-se um conjunto de ações e serviços básicos e de
dos principais objetivos do SUS. atenção primária em saúde pública de base mu-
Apesar das profundas mudanças, o contexto nicipal. De fato, uma das principais conclusões
da descentralização no país é marcado, na gran- deste artigo é de que as inovações e os resulta-
de maioria dos municípios, por uma precarie- dos alcançados têm de ser avaliados dentro do
dade e fragilidade estrutural tanto de instalações contexto de mudanças mais gerais que decor-
e capacidade física quanto de recursos humanos rem do papel indutor do nível central e da ca-
e técnicos. Assim, o desafio na implementação pacidade de resposta e de adequação dos mu-
da reforma setorial passa pela organização e nicípios na gestão e prestação de serviços e ati-
produção de uma enorme gama de serviços e vidades relacionadas a este nível de atenção.
ações de saúde voltados para uma clientela po- A estruturação da rede de atendimento bási-
tencial de 170 milhões de pessoas, com 75% co vem sendo um enorme desafio para a maio-
deste total quase inteiramente dependente do ria dos municípios do país ainda hoje. Dessa
setor público. forma, a tarefa de coordenar em nível local o in-
A eficiência na gestão pública, e a capacida- cremento da atenção básica com as demandas
de de regulação crescente do estado e de con- por média e alta complexidade e os princípios
trole social são cruciais, mas não suficientes. O da integralidade do atendimento parece ainda
bom desempenho do setor depende de capaci- mais complexa, mostrando a importância das
dade técnica adequada. A escassez de recursos diversas propostas em curso de regionalização
financeiros e técnicos e a falta de investimentos e de criação de consórcios intermunicipais. A in-
constituem a realidade do setor, agravada pela tegralidade da atenção como princípio do SUS
distorção e desequilíbrio na alocação de recur- é inquestionável. Mas, sem o fortalecimento da
sos. Porém, tal realidade freqüentemente serve rede básica de serviços e mudança do modelo
para esconder a falta de eficiência e de compro- assistencial, sua implementação e resultados
misso com as demandas sociais. são extremamente incertos.
Por outro lado é necessário reconhecer que A responsabilidade municipal com a orga-
não há automatismo entre inovações gerenciais nização da atenção básica e com a prestação de
e melhor desempenho administrativo que ga- serviços a partir da introdução do PAB em
ranta melhores resultados. Existem, por exem- 1998, isto é, da implantação de um sistema de
plo, vários municípios enquadrados na GPSM pré-pagamento, de fato, vem se constituindo
que não conseguem sequer implementar servi- em um poderoso instrumento de mudança e,
ços básicos de saúde pública, como no caso de indiretamente, de capacitação dos gestores lo-
municípios da região norte do país. Do mesmo cais, devendo trazer, no médio prazo, impactos
modo, municípios mais ricos não estão mais positivos na oferta e na qualidade dos serviços.
bem capacitados e nem mais comprometidos Nesta perspectiva, é imprescindível a conjuga-
com a demanda e com a organização da oferta ção de esforços e um certo consenso entre os
de saúde. Indicadores de expansão da rede físi- três níveis da administração pública e a persis-
ca nos dizem muito pouco sobre a composição tência desses arranjos ao longo do tempo, ga-
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Ciência & Saúde Coletiva, 7(3):401-412, 2002


rantindo uma saudável autonomia técnico-ad- parece infrutífero. A mudança do modelo as-
ministrativa diante das constantes mudanças sistencial é fundamental ainda para diminuir a
no jogo político-eleitoral. dependência do setor público diante do setor
A ausência de recursos humanos em saúde, privado, interessado diretamente na crescente
com capacitação técnica adequada, com salários medicalização e hospitalização dos procedimen-
e condições de trabalho atrativos vis-à-vis à fal- tos na área de saúde. Enfim, em termos meto-
ta de equipamentos médicos, mesmo os mais dológicos, a avaliação da atenção básica tem de
simples, constitui ainda hoje uma realidade pa- ser concebida a partir da sua implementação no
ra a esmagadora maioria dos municípios brasi- âmbito municipal com base em um conjunto
leiros e grande obstáculo ao bom desempenho coerente e integrado de medidas e programas.
da gestão municipal. Fortemente induzida pelo governo central
Metodologicamente foi ressaltada a impor- e com pequena (porém crescente) interferência
tância em se distinguir, sem necessariamente do nível estadual, o processo de reorganização
separar, princípios e concepções programáticas da atenção básica é indissociável das inovações
do processo institucional de implementação. e mudanças no desempenho da gestão local e
Por outro lado, foi mostrada a necessidade de da relativa autonomia dos municípios em ter-
se priorizar a avaliação de processo vis-à-vis a mos de implementação de atividades e progra-
contextos específicos. Daí que é fundamental mas de saúde pública. A proposta de universa-
avaliar as inovações no âmbito gerencial e no lização da atenção básica, atualmente em cur-
desempenho institucional para uma posterior so, não pode ser avaliada de forma isolada, sem
avaliação de resultados e impactos mais subs- o contexto mais geral da política setorial e do
tanciais. Dada a reconhecida fragilidade insti- conjunto de medidas e programas implantados
tucional das secretarias de saúde nos municí- a partir de 1998 e que, de fato, dão sentido à
pios, assim como da própria rede local de servi- proposta: o PAB fixo, o PACS/PSF e os demais
ços, políticas e programas de fortalecimento e incentivos que compõem a parte variável do
de reorganização da atenção básica continuam a PAB. Deve ser vista como uma estratégia legíti-
ser prioritários, assim como a avaliação do de- ma e efetiva de descentralização da promoção e
sempenho institucional. da assistência médico-sanitária e de ampliação
Como porta de entrada do sistema e de am- do direito à saúde ainda não inteiramente ga-
pliação da cobertura e do acesso, minorando o rantido pelo poder público. Como programa
déficit na oferta de serviços de saúde, são neces- de saúde coletiva e acompanhado por políticas
sários investimentos na construção, ampliação intersetoriais, exerce um papel central junto às
e manutenção da rede de atenção básica. O ris- políticas de combate à pobreza e à exclusão so-
co continua sendo a inauguração apressada de cial. Além disso, os custos crescentes das ações
módulos de saúde, (principalmente postos e/ou médicas e terapêuticas, bem como o declínio da
minipostos periféricos), sem nenhuma capaci- qualidade do atendimento tornam as estratégias
dade efetiva de atendimento. Instalados em vir- de reorganização e fortalecimento das ações
tude de seu forte apelo eleitoral, esses módulos básicas e de desenvolvimento da atenção pri-
vão, de certa forma, ao encontro das demandas mária um mecanismo efetivo de ampliação da
da população. Porém, sem referência a uma pro- oferta de saúde e de extensão de cobertura, es-
posta mais consistente e um conjunto mais am- pecialmente em áreas carentes de outros recur-
plo de medidas e mudança na reorganização sos médico-assistenciais. São questões aparen-
no modelo assistencial vis-à-vis à introdução temente óbvias, mas que, ainda hoje, parecem
de novos programas de saúde coletiva, como extremamente úteis para o avanço do debate e
nos referimos anteriormente, esse investimento da discussão sobre os rumos do SUS entre nós.
412
Bodstein, R.

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