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DEBATE DEBATE
Primary care in the agenda of public
health sector in Brazil
Regina Bodstein 1
Abstract The article discusses the policies of Resumo O artigo discute a política de reor-
reorganization of the primary health care tak- ganização da atenção básica a partir do pro-
ing the recent process of decentralization of cesso recente de descentralização do SUS no
SUS in Brazil. The central government’s paper Brasil. Enfatiza-se o papel indutor do governo
as inducement is emphasized. This can be ver- central, que, através de um conjunto de medi-
ified by several measures and specific programs das e programas específicos (PAB e PACS/PSF,
(PAB and PACS/PSF, mainly) that transfer for principalmente), transfere para os municípios
the municipal level the responsibility with the a responsabilidade com a atenção básica. As-
primary care. So it is in the municipal level sim, é no nível municipal que ocorre o proces-
that happens the process of implementation of so de implementação dessa política, gerando
that policies generating effects of difficult eval- efeitos de difícil avaliação, dada a diversida-
uation given the diversity of local contexts. The de de contextos locais. A argumentação cen-
central argument emphasizes the importance tral enfatiza a importância de se avaliarem
of the evaluation process and intermediary re- processos e resultados intermediários voltados
sults turned to the institutional performance para o desempenho institucional, que podem
that can be translated in accountability and ser traduzidos em vontade política e compro-
public commitment, administration capacity misso público, capacidade de gestão e maior
and larger control and social participation – controle e participação social, mais do que exa-
rather than final effects or more direct impacts tamente efeitos ou impactos mais diretos sobre
on the offer of services. The conclusion is that a oferta de serviços. A conclusão é de que ape-
in spite of all the difficulties and obstacles the sar de todas as dificuldades e obstáculos o pro-
process has strengthening the capacity of mu- cesso tem implicado o fortalecimento da capa-
nicipal administration regarding the organi- cidade de gestão municipal no que diz respei-
zation of the primary health care. to à organização da atenção básica em saúde.
Key words Primary health care, Decentral- Palavras-chave Atenção básica, Descentrali-
ization of primary health care, Evaluation in zação da atenção básica, Avaliação da atenção
1 Departamento de Ciências
primary health care básica
Sociais, Escola Nacional
de Saúde Pública, Fundação
Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
9o andar, Manguinhos,
21041-210 Rio de Janeiro RJ.
bodstein@ensp.fiocruz.br
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Bodstein, R.
apenas sobre a rede de atendimento básico; já pal. Esse novo mecanismo dissocia a produção
na segunda, o município é que gerencia todo o do faturamento, característica central do siste-
atendimento à saúde no seu território, inclusi- ma anterior. Isto é, através do sistema de paga-
ve a rede hospitalar pública e privada convenia- mento por serviços previamente prestados, os
da, tendo para tanto repasse direto de recursos municípios mais pobres e, portanto, sem uma
do Ministério da Saúde para o Fundo Munici- infra-estrutura adequada de unidades e de es-
pal de Saúde, sem intermediação da esfera esta- tabelecimentos de saúde vinham sendo preju-
dual. Uma das questões nevrálgicas do ponto de dicados. Comparados aos municípios mais de-
vista do gestor federal foi especificar mecanis- senvolvidos, recebiam do SUS valores menores,
mos de regulação de forma a garantir não só al- porém coerentes, por um lado, com a precarie-
gum controle sobre essas transferências, mas dade da rede de saúde existente no local e, por
torná-las minimamente atrativas. Tendo em outro, com a quantidade de procedimentos e
vista que o processo vem sendo desde o início atendimentos realizados. Quanto maior o nú-
negociado nos fóruns especialmente criados mero de hospitais, ambulatórios e postos de
dentro do setor e não havendo garantias de re- saúde maior o valor recebido pelos municípios
ceptividade dos estados e municípios, a adesão, junto ao SUS. O antigo sistema, através do fa-
que varia de acordo com a diversidade de situa- turamento com base no número de atendimen-
ções, passava por um cálculo de custos e bene- tos e de procedimentos realizados, perpetuava
fícios políticos, ou seja, entre aquilo que os es- um modelo de pós-pagamento, incentivando a
tados e as municipalidades poderiam ganhar e lógica do aumento crescente de procedimentos
perder nesse processo. e um superfaturamento dos serviços prestados.
A partir de 1998, ano em que a NOB/96 efe- Procedimentos mais caros usualmente predo-
tivamente entra em vigor, há uma alavancagem minavam sobre os mais simples, atuando como
importante no ritmo e no alcance do processo um desestímulo à adoção de medidas preventi-
descentralizador. De fato, no final do ano de vas e de promoção à saúde. O PAB introduz uma
2000, 99% dos municípios brasileiros encontra- outra lógica no financiamento da assistência à
vam-se enquadrados em alguma das duas mo- saúde, dissociando produção e faturamento. As-
dalidades de gestão definidas pelo Ministério da sim, as prefeituras passam a receber regular e
Saúde, sendo que deste total 89,50% (4.928 mu- diretamente recursos para investir naqueles
nicípios) estavam habilitados na condição Ple- procedimentos definidos como prioritários e
na de Atenção Básica (Levcovitz et al., 2001). fundamentais para um programa de prevenção
A principal estratégia do governo ao enfati- e promoção à saúde, consultas médicas e odon-
zar e garantir prioridade ao atendimento bási- tológicas, exames de pré-natal, vacinas, vigilân-
co em saúde se consolida em 1998, com a intro- cia sanitária, etc.
dução do PAB (Piso de Atenção Básica), criado Os recursos do PAB, chegando diretamente
através da Portaria GM/MS n.1882, de 18/12/97. aos municípios mais carentes, com maior défi-
O PAB altera a lógica de repasse de recursos fe- cit de atendimentos e com uma rede de serviços
derais para o sistema de prestação de ações mé- de menor complexidade, devem provocar um
dico-sanitárias e se constitui uma medida deci- impacto no médio e longo prazo na oferta de
siva na perspectiva da descentralização finan- serviços e a introdução de novos programas de
ceira do sistema de saúde no Brasil, incentivan- saúde pública. Em síntese, o PAB traz algumas
do os municípios a assumirem, progressivamen- inovações importantes na medida que incenti-
te, a gestão da rede básica de serviços de saúde. va que uma parcela dos recursos federais, ainda
Visa garantir aos municípios um valor per ca- que muito pequena, seja diretamente alocada
pita em torno de R$10,00 repassado pelo gover- para o custeio de procedimentos básicos em
no federal, destinado exclusivamente ao custeio atenção primária, em uma clara tentativa de
de um elenco predeterminado de procedimen- organizar a porta de entrada da rede municipal
tos e ações. A implantação do PAB traz como de saúde. O resultado esperado é a capacitação
principal novidade a transferência regular e au- das secretarias municipais para responderem
tomática, com repasse federal feito diretamente pelo desenvolvimento de programas, ações e
aos municípios. A condição de habilitação ao procedimentos de atenção básica e de medidas
PAB é definida pela NOB/96, e obriga a criação de promoção e prevenção em saúde, ampliando
do Fundo Municipal de Saúde e do Conselho o acesso à saúde. Assim, a expectativa é que o
Municipal de Saúde, dando relativa autonomia PAB pode alavancar uma lenta e gradual mu-
e crescente responsabilidade ao gestor munici- dança no modelo assistencial, introduzindo me-
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contrapartida um esforço crescente e uma enor- da oferta entre o setor público e o privado na
me responsabilidade do município na gestão da prestação de serviços de saúde, sobre a nature-
rede de serviços de saúde e na melhoria das con- za do modelo ou do perfil assistencial e sobre a
dições de saúde. presença e equilíbrio entre os diversos níveis de
Nesse cenário, tem sido fundamental o pa- atendimento: básico e ambulatorial por um la-
pel da esfera estadual no ritmo e no alcance das do e de média e alta complexidade, por outro.
mudanças em curso, já que estratégias de mi-
crorregionalização e outras inovações gerenciais
têm sido incentivadas. Ainda que limitadas Conclusões
dentro do conjunto dos municípios brasileiros,
as iniciativas como as atuais experiências em O argumento central do artigo foi no sentido de
formação de Consórcios Intermunicipais e ou- mostrar a importância que o fortalecimento e
tras formas de colaboração expressam arranjos a reorganização da atenção básica adquirem no
e parcerias fundamentais para a ampliação e di- contexto da política setorial nos últimos anos.
versificação dos serviços. De fato, sem a efetiva O ponto nevrálgico do debate talvez seja a com-
coordenação e planejamento regionais, corre- preensão, e um possível consenso, em relação à
se o risco de que o processo de descentralização necessidade, ainda hoje, de universalização de
se pulverize e perca efetividade, distanciando-se um conjunto de ações e serviços básicos e de
dos principais objetivos do SUS. atenção primária em saúde pública de base mu-
Apesar das profundas mudanças, o contexto nicipal. De fato, uma das principais conclusões
da descentralização no país é marcado, na gran- deste artigo é de que as inovações e os resulta-
de maioria dos municípios, por uma precarie- dos alcançados têm de ser avaliados dentro do
dade e fragilidade estrutural tanto de instalações contexto de mudanças mais gerais que decor-
e capacidade física quanto de recursos humanos rem do papel indutor do nível central e da ca-
e técnicos. Assim, o desafio na implementação pacidade de resposta e de adequação dos mu-
da reforma setorial passa pela organização e nicípios na gestão e prestação de serviços e ati-
produção de uma enorme gama de serviços e vidades relacionadas a este nível de atenção.
ações de saúde voltados para uma clientela po- A estruturação da rede de atendimento bási-
tencial de 170 milhões de pessoas, com 75% co vem sendo um enorme desafio para a maio-
deste total quase inteiramente dependente do ria dos municípios do país ainda hoje. Dessa
setor público. forma, a tarefa de coordenar em nível local o in-
A eficiência na gestão pública, e a capacida- cremento da atenção básica com as demandas
de de regulação crescente do estado e de con- por média e alta complexidade e os princípios
trole social são cruciais, mas não suficientes. O da integralidade do atendimento parece ainda
bom desempenho do setor depende de capaci- mais complexa, mostrando a importância das
dade técnica adequada. A escassez de recursos diversas propostas em curso de regionalização
financeiros e técnicos e a falta de investimentos e de criação de consórcios intermunicipais. A in-
constituem a realidade do setor, agravada pela tegralidade da atenção como princípio do SUS
distorção e desequilíbrio na alocação de recur- é inquestionável. Mas, sem o fortalecimento da
sos. Porém, tal realidade freqüentemente serve rede básica de serviços e mudança do modelo
para esconder a falta de eficiência e de compro- assistencial, sua implementação e resultados
misso com as demandas sociais. são extremamente incertos.
Por outro lado é necessário reconhecer que A responsabilidade municipal com a orga-
não há automatismo entre inovações gerenciais nização da atenção básica e com a prestação de
e melhor desempenho administrativo que ga- serviços a partir da introdução do PAB em
ranta melhores resultados. Existem, por exem- 1998, isto é, da implantação de um sistema de
plo, vários municípios enquadrados na GPSM pré-pagamento, de fato, vem se constituindo
que não conseguem sequer implementar servi- em um poderoso instrumento de mudança e,
ços básicos de saúde pública, como no caso de indiretamente, de capacitação dos gestores lo-
municípios da região norte do país. Do mesmo cais, devendo trazer, no médio prazo, impactos
modo, municípios mais ricos não estão mais positivos na oferta e na qualidade dos serviços.
bem capacitados e nem mais comprometidos Nesta perspectiva, é imprescindível a conjuga-
com a demanda e com a organização da oferta ção de esforços e um certo consenso entre os
de saúde. Indicadores de expansão da rede físi- três níveis da administração pública e a persis-
ca nos dizem muito pouco sobre a composição tência desses arranjos ao longo do tempo, ga-
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