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Auschwitz

concentra todas as contradições


das sociedades modernas
Ferran Gallego, professor de História do
Hitler e os
seus homens: Fascismo na Universidade de Barcelona, não
a elite
do nazismo acredita que possamos compreender o século
não incluía
apenas XX e mesmo os dias de hoje sem entender
inadaptados
como, no país de Bach e Kant, se exterminaram
milhões de seres humanos em nome da
civilização, da cultura e do “triunfo da vontade”.
José Manuel Fernandes

Livros
Entre o operário ferroviário de Muni-
que que fundou o partido nazi, Anton
Drexler, e o militar aristocrata, mor-
finómano e decadente que chegou a
ser o número dois do III Reich, Her-
mann Göring, parece ir a distância de
um mundo. Porém, no ambiente de
colapso social, económico e moral da
Alemanha do pós-guerra, gente imen-
samente diferente haveria de se jun-
tar, pouco a pouco, para protagonizar
uma experiência de transformação
revolucionária com as mais trágicas
consequências para o país e para a
Europa.
Conversar com Ferran Gallego a
propósito do seu “Os Homens do
Führer: A Elite do Nacional-Socialis-
mo 1919-1945” (Esfera dos Livros) é
tentar perceber que elementos da
nossa cultura, hoje como então, tor-
naram possível uma deriva cujos fan-
tasmas ainda não se afastaram por
completo das sociedades contempo-
râneas.
Nos 12 retratos que traça no
livro, surgem personagens
que nem sempre caem no
estereótipo do nazi bruto e
animalesco, homens complexos
e contraditórios. Até que ponto
era complexo e variado o
nacional-socialismo?
Suficientemente complexo e variado
para ter conseguido conquistar o
apoio de dezenas de milhões de ale-

18 • Sexta-feira 12 Fevereiro 2010 • Ípsilon


Ferran Gallego
ENRIC VIVES-RUBIO

acredita que
as raízes
do nacional-
socialismo estão
presentes em
fenómenos
actuais como o
terrorismo basco

tores do nazismo saíram do cristianis-


mo protestante e, também, de entre
os católicos. Para um cristão todas as
vidas valem o mesmo; para um nazi
as vidas não têm todas o mesmo valor,
podem até não ter nenhum valor.
Pior: há vidas que o nazi considera
portadoras de infecções sociais e, por-
tanto, que têm de ser “extirpadas”.
Temos porém de olhar para o nazis-
mo na sua época, compreendendo o
trauma que a sociedade europeia sen-
tiu na sequência da I Guerra Mundial.
Creio que foi Dostoiévski que escre-
veu que se Deus morre tudo passa a
ser permitido, e foi um pouco isso que
aconteceu na Europa nessa altura.
Teve-se a percepção de que a emer-
gência de um enorme poder técnico
permitiria ultrapassar os limites da
Humanidade, e isso coincidiu com um
momento em que desapareceram as
baias morais. Foi uma mistura explo-
siva.
Nos anos de 1930 a democracia
não era popular na Europa,
praticamente só o Reino Unido
mães normais, que não eram sádicos resistiu à vaga das ditaduras…
nem extremistas. De facto estamos O nazismo era único, mas movimen-
demasiado habituados a olhar para tos como o fascismo italiano, o fran-
os nazis como uns brutos e a reduzir quismo espanhol, e tantos outros,
o nazismo ao seu carácter monstruo- foram movimentos que se afirmaram
so. Isso acontece porque é mais có- como revolucionários, que se senti-
modo olhar para esse fenómeno des- ram protagonistas num momento de
sa forma, porque assim consideramos É mais cómodo mudança, e que acabaram por ter al-
que foi uma loucura que nada teve a gumas relações de parentesco mesmo
ver connosco e com a história euro- olhar para o não tendo sido idênticos. Partilhavam
peia. Porém o nazismo foi uma deriva uma cultura anti-democrática que
patológica da mesma cultura euro- fenómeno [do queria destruir a herança de 1789, o
peia que foi capaz de conceptualizar legado da Declaração dos Direitos do
os direitos humanos. O que hoje nos nazismo] como Homem e do Cidadão. Há uma passa-
surge como completamente extrava- gem nos diários de Goebbels em que
gante foi, na altura, adoptado como uma loucura que ele escreve: “Hoje acabou a História
uma ideologia normal por milhões de que começou em 1789”. Queriam des-
pessoas, atraindo até grandes intelec- nada teve a ver truir o sentido da política tal como se
tuais como Martin Heidegger, milhões afirmara desde a Revolução Francesa,
de cidadãos que viram no movimen- connosco e com a ou mesmo da Revolução Americana.
to um sinal de que a Vontade podia Queriam acabar com a ideia de cida-
vencer a Razão. história europeia. dãos iguais e substitui-la pela da co-
O discurso da vontade, a munidade de células que habitam
afirmação política de que [Mas] o que hoje num mesmo organismo, num mesmo
somos capazes se quisermos: corpo nacional.
essa linguagem ainda hoje está nos surge como Drexler, o primeiro
presente no espaço público… companheiro de Hitler que
É por isso que continua a ser impor- completamente retrata no livro, o operário
tante estudar o nazismo, pois ele nas- ferroviário que funda o partido,
ceu da nossa cultura. Há discursos e extravagante é tratado de uma forma quase
comportamentos que podem regres- compassiva. Ele declara-se
sar, há pedaços da nossa cultura que foi adoptado ao mesmo tempo socialista e
fizeram o nazismo e não desaparece- alguém que aspira a resgatar
ram, como as identidades radicais, a como uma a sua comunidade. Porquê a
obsessão pelo triunfo individual, a referência a socialismo?
indiferença moral. O nazismo foi pos- ideologia normal No centro da Europa houve uma tra-
sível porque se acreditou que o mun- dição que opunha o chamado “socia-
do do século XIX tinha sido destruído por milhões de lismo alemão” ao “socialismo marxis-
e se podia fazer o que se quisesse em ta”, mas que entendia o socialismo
nome da comunidade e com a força pessoas como um “comunitarismo naciona-
da Vontade. lista” e não tinha raízes nos movimen-
Todos os que retrata são ateus ou tos operários clássicos.
agnósticos. Há alguma relação Mas tanto um como o outro
entre a ausência de religião e de detestavam a burguesia.
relação com Deus e o advento O nazi via na burguesia um sinal da
destas ideologias? degenerescência ideológica e cultural
O nazismo não pode aceitar um Deus e por isso também a desprezava. Era
que afirma que os homens são todos um símbolo da decadência contra o
iguais e feitos à sua imagem e seme- qual havia que desencadear um mo-
lhança. Há um espiritualismo nos na- vimento de regeneração. Os nazis
zis, mas que afirma a superioridade declaravam-se mesmo anti-capitalis-
de uma comunidade-raça. Não foi por tas, o que não é estranho num movi-
acaso que muitos dos grandes oposi- mento que cresceu nos meios po-

Ípsilon • Sexta-feira 12 Fevereiro 2010 • 19


Os 12 de Hitler
“Os Homens do Führer” organiza-se em torno
de 12 figuras que, entre 1919 e 1945, tiveram
influência junto de Hitler ou marcaram o destino Gregor Strasser Joseph Goebbels Robert Ley
O estratega dos sucessos eleitorais. O ministro da Propaganda. É O líder da Frente Alemã do Trabalho.
do nacional-socialismo. Pedimos a Ferran Gallego Uma figura muito desconhecida, ele que concebe a comunidade É pena que a sua figura seja tão
para, em poucas palavras, nos dizer quem foram o grande estratega do partido, que popular alemã unida sob o nacional- pouco conhecida, porque dirigiu
e que papel desempenharam esses membros faz dele um grande movimento de socialismo como algo que tem de ser a organização de massas mais
da elite nazi. massas, e o único no movimento construído através da persuasão, da importante do III Reich. Foi essa
que poderia ter substituído Hitler. capacidade de a fascinar utilizando organização que neutralizou e,
Se tivesse sido ele a ganhar, teria, os novos meios de comunicação depois, canalizou a energia da classe
provavelmente, conduzido o social. É o homem que acredita e operária alemã. Enquadrava-a e
nacional-socialismo à unidade com que quer que os outros, mais do que neutralizava qualquer elemento de
a direita alemã em vez de instaurar terem medo do nacional-socialismo, oposição ao nazismo que surgisse
uma ditadura. acreditem na sua doutrina. na classe operária.

Anton Drexler Julius Streicher Ernst Röhm Hermann Göring Baldur Von Schirac
Operário ferroviário e fundador O Gauleiter de Nuremberga. Um O líder das SA, morto depois da O chefe da Luftwaffe, antigo herói Dirigente da organização estudantil,
do partido de que Hitler viria professor de província obcecado liquidação dessa milícia às mãos da I Guerra. Chega a ter uma mais tarde Gauleiter de Viena. Era
a ser o líder incontestado. Um com o judaísmo, que usava para das SS. É um militar que vê o mundo enorme influência no partido, um cobarde. Originário de boas
patriota que acreditou que era justificar todas as suas frustrações como um militar e que acredita, de que é a segunda figura, mas famílias, com ligações à nobreza,
possível conquistar os operários pessoais. Um dos protagonistas depois da queda do Império, que vai perdendo essa influência conservador, foi encarregue de
para o nacionalismo alemão. mais sinistros do movimento deve transformar-se num militar ao entrar num processo de substituir os estudantes mais
Testemunhou a transformação nacional-socialista, pornógrafo, revolucionário, num miliciano. decadência pessoal por causa da radicais, de origens mais humildes,
desse projecto no Estado nazi e não violento, que até muitos nazis Acredita que o nacional-socialismo sua dependência da morfina. Era que inicialmente estavam à frente
o denunciou. desprezavam. tem de ser um movimento armado e militar de carreira, vinha da elite do das organizações nazis estudantis.
que as suas tropas de choque serão Império, foi o grande contacto entre Em Nuremberga portou-se como
a base da nova Alemanha. Hitler e a alta burguesia alemã. um cobarde a quem só interessava

pulares e cujos dirigentes vieram nima, e mesmo que a maioria não Wehrmacht com as SS, que desempe-
de baixo. De resto, a elite alemã des- fosse entusiasta, considerava, prosai- nharam papéis distintos, não há dú-
prezava-os. Mas também não eram camente, que o nazismo lhe tinha vida de que muitos militares profis-
proletários, antes gente marginaliza- proporcionado uma vida melhor. sionais foram responsáveis por actos
da: Hitler, o pintor que fora repudia- Mais: temos testemunhos de alemães e por ordens que violavam todas as
do; Goebbels, o licenciado que tem que nunca se manifestaram, que não leis da guerra. Isso sucedeu sobretudo
de trabalhar no balcão de um banco. eram nazis, e que não resistiram não a Leste, naquela que foi a verdadeira
Eram também gente que a guerra e por terem medo da repressão mas por guerra de Hitler. Aí a Wehrmacht não
o pós-guerra tinham atirado para as recearem ir contra a onda de entu- hesitava, por exemplo, em abandonar
margens da sociedade, mesmo quan- siasmo que Hitler gerou. Na Alemanha os prisioneiros, e muitas vezes fuzila-
do vinham de boas famílias. Pessoas dos anos 30 era possível uma pessoa va-os – metade dos prisioneiros de
revoltadas, rejeitadas. Goebbels, por desconfiar das suas próprias convic- guerra russos são deixados morrer.
exemplo, foi obrigado a deixar a na- ções por se sentir tão isolada… Ao mesmo tempo a Wehrmacht tole-
morada porque estava desempregado Além de Göring, não há mais rava as acções das SS contra os judeus.
e a família dela era rica e não o acei- nenhum militar entre os 12 A Leste travou-se uma guerra muito
tava. Muitos partilhavam por isso um companheiros de Hitler que suja, uma guerra total como não há
enorme ressentimento contra uma escolheu. Porquê? A Wehrmacht memória e que hoje temos muita di-
sociedade que os deixara de fora. comportou-se realmente como ficuldade em compreender em todas
Considerando a variedade um exército profissional imune as suas dimensões.
de histórias pessoais, e de à influência do nazismo? Os E como explicar o fenómeno
percursos, dos 12 protagonistas crimes foram das SS? dos Einsatzgruppen, esses
que retrata no livro, podemos Foi muito doloroso fazer a escolha esquadrões encarregues de
concluir que os alemães dessas 12 figuras e é pena que não te- exterminar os judeus depois da
acabaram por ser, como nha podido incluir alguns militares, invasão da URSS, grupos que
alguns defendem, não apenas ou outras figuras importantes como eram integrados muitas vezes
enganados, mas antes “carrascos Ribbentrop ou Hess. Uma das razões por soldados ou até polícias que
voluntários”? por que deixei muitos militares de um dia podiam estar a vigiar
Isso é esquecer que Hitler, mesmo fora foi porque optei por retratar um uma pacata rua de Hamburgo
5 Mar’10
0 quando já era chanceler, nunca ven-
ceu umas eleições como maioria ab-
grupo de políticos que está com Hitler
desde muito cedo. Os militares eram
e, no dia seguinte, a matar um
judeu com uma bala na nuca em
Concerto sex, 21:45 soluta. Muitos opunham-se-lhe quan- profissionais, apareceram mais tarde, Kiev?
do chegou ao poder. E se depois a e embora tivesse sido muito interes- É um fenómeno muito impressionan-
Alemanha não se transformou numa sante analisar a forma como a tradi- te o dessas pessoas “cinzentas”, mui-
prisão gigante onde meia dúzia de ção nacionalista prussiana do exérci- tas vezes soldados na reserva, cida-
brutos mantinha o povo aterrorizado, to foi pervertida pelo nacionalismo dãos que tinham vivido como adultos
/ Nigéria isso ficou a dever-se ao grande suces- nazi isso não cabia nesta obra. Houve na República de Weimar e votado nos
Um dos pais do Afrobeat oferece uma noite de so económico do nazismo dos primei- alguns que se opuseram a Hitler e fo- social-democratas, e que ali actuavam
ritmos alucinantes. Venha a Tondela conhecer ros anos. Nessa época, a democracia ram destituídos ainda antes de a II às ordens das SS. Não eram delin-
o músico que Brian Eno definiu como “o maior tinha, para a maioria das pessoas, a Guerra começar; contudo, a verdade quentes, não eram lúmpen, mas fize-
baterista de todos os tempos”. imagem de um regime associado a é que as forças armadas também acei- ram-no… Assim como também encon-
desemprego, hiperinflacção, humi- taram como um adquirido positivo a tramos entre os SS académicos, jovens
lhação. Não temos números para me- destruição da República de Weimar. cultos, alguns deles com carreiras bri-
A 19
9 Fev
v’110: Virgem
m Suta
a dir a popularidade de Hitler, mas sa- Se não podemos acusar os militares lhantes, mas que se tinham deixado
A ACERT É UMA ESTRUTURA APOIADA POR bemos, por exemplo, que 75 por cen- de cumplicidade directa com o Holo- fanatizar. Não podemos continuar a
Associação Cultural e Recreativa de Tondela
Rua Dr. Ricardo Mota, s/n; 3460-613 Tondela to da acção da Gestapo decorria de causto, podemos acusá-los de terem olhar para eles apenas como brutos,
t +351 232 814 400 w www.acert.pt
denúncias, sinal de que a sociedade convivido com naturalidade a ditadu- pois há muita investigação recente
se auto-vigiava. A resistência foi mí- ra. Mesmo assim, e sem confundir a que nos mostra como, por exemplo,

20 • Sexta-feira 12 Fevereiro 2010 • Ípsilon

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