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FASS – FACULDADE SÃO SEBASTIÃO

LA LUZ ES COMO EL ÁGUA:


UMA QUESTÃO DE FÍSICA QUÂNTICA OU DE REALISMO
MARAVILHOSO?

CLEBER JOSE CHAVES DE CARVALHO JERÔNIMO


Profª. Me. ROSELIANE SALEME
Literatura Hispanoamericana II: Construção de Identidade

São Sebastião
2009
CLEBER JOSÉ CHAVES DE CARVALHO JERÔNIMO

LA LUZ ES COMO EL ÁGUA:


UMA QUESTÃO DE FÍSICA QUÂNTICA OU DE REALISMO
MARAVILHOSO?

Trabalho de conclusão do curso de Letras


Português e Espanhol e suas Literaturas
das Faculdades São Sebastião para
obtenção de graduação sob orientação da
Professora Me. Roseliane Saleme.

São Sebastião
2009
Cleber José Chaves de Carvalho Jerônimo

LA LUZ ES COMO EL ÁGUA:


UMA QUESTÃO DE FÍSICA QUÂNTICA OU REALISMO
MARAVILHOSO?

Apresentação de monografia às Faculdades São


Sebastião, como condição parcial para a
conclusão do curso de Graduação em Letras
Português e Espanhol e suas Literaturas.

São Sebastião, ____________________

BANCA EXAMINADORA

______________________________
ORIENTADOR

______________________________
ARGUIDOR

______________________________
ARGUIDOR

MÉDIA FINAL:_____________
À minha mãe Fátima, mulher forte cujo único ponto fraco é seu filho.
A meu pai, homem simples e de uma sabedoria ímpar.
À minha irmã Janaina por tudo.
À minha orientadora e amiga, Profª Me. Roseliane Saleme pelo carinho e tanto
acreditar em meu potencial.
A todos os meus professores do curso de Letras Português e Espanhol e suas
Literaturas, por compartilharem de seu conhecimento.
A meu amigo Prof° Doutorando Lucelmo Lacerda de Brito, pela paciência e colocar
meus pés no chão.
À minha irmã de coração Michelle Beisiegel da Silva pelo companheirismo.
“(…) las cosas tienen vida propia (...) todo es cuestión de despertarles el ánima”.
García Márquez
JERÔNIMO, Cleber José Chaves de Carvalho. La luz es como el água: uma
questão de Física Quântica ou Realismo Maravilhoso . 2009. 45 f. Monografia
(Graduação) – FASS – Faculdades São Sebastião, São Sebastião, 2009.

La luz es como el água – uma questão de física quântica ou realismo


maravilhoso versa sobre o possível ponto de intersecção entre a teoria literária e os
conceitos físicos, procura-se descrever uma análise literária na qual se priorize
incitar o leitor a realizar uma leitura mais aprofundada do texto, recorrendo como
instrumento mediador o imaginário e como ferramental balizador a ruptura dos
paradigmas de realidade e irrealidade. Utiliza-se a física quântica, a teoria do caos e
a teoria relativista com o intuito de promover um maior entendimento da obra em si,
corroborado pelos traços de realismo maravilhoso dessa obra de García Márquez.

Palavras-chave: García Márquez - imaginário – Teoria Quântico-relativista – Teoria


do Caos – Realismo Maravilhoso
JERÔNIMO, Cleber José Chaves de Carvalho. La luz es como el água: uma
questão de Física Quântica ou Realismo Maravilhoso . 2009. 45 f. Monografia
(Graduação) – FASS – Faculdades São Sebastião, São Sebastião, 2009.

„La luz es como el agua - una cuestión de física cuántica o realismo maravilloso‟
habla sobre el posible punto de intersección entre la teoría literaria y los conceptos
físicos, trata de describir un análisis literario cuya prioridad es provocar una lectura
más allá del texto, utilizando el imaginario como herramienta mediadora y como
instrumento para romper los paradigmas de la realidad y la irrealidad. Se utiliza la
física cuántica, la teoría del caos y la teoría relativista con el fin de promover una
mayor comprensión de la propia obra, apoyados en la esencia de la literatura en esa
obra de García Márquez.

Palabras-clave: García Márquez - imaginario – Física Cuántico-relativista – Teoría


del Caos – Realismo Maravilloso
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
1 INDEFINIÇÕES ...................................................................................................... 14
1.1 Indefinições do Conto ...................................................................................... 14
1.2 Indefinições do Fantástico ............................................................................... 14
1.3 Indefinições: Realismo Mágico ou Maravilhoso? ............................................. 16
1.4 Indefinições: Relativizando os Conceitos Físicos ............................................ 18
2 NAVEGANDO DO CONTO .................................................................................... 21
2.1.1 Realidades: Realismo no conto .................................................................... 21
2.1.2 Realidades: Espaço ...................................................................................... 21
2.1.3 Realidades: Tempo ....................................................................................... 22
2.1.4 Realidades: O cotidiano ................................................................................ 23
2.2.1 Navegando pela narrativa ............................................................................. 25
2.2.2 Entre o Maravilhoso e o onírico .................................................................... 25
2.2.3 Sob a luz da semiótica .................................................................................. 26
2.2.4 Um mergulho nas personagens .................................................................... 28
2.3.1 Realismo Maravilhoso................................................................................... 30
2.3.2 Maravilhoso ou disfarce? .............................................................................. 31
2.4.1 Dos conceitos físicos .................................................................................... 36
2.4.2 Do quântico-relativista ao caos ..................................................................... 38

3 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................ 41
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 43
ANEXO - LA LUZ ES COMO EL AGUA .................................................................... 45
10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto de estudo o conto La luz es como el


água (1992), de Gabriel Garcia Márquez, escritor colombiano, obra esta enquadrada
no gênero literário Realismo Mágico, sendo ele, de acordo com Valdez-Mozes apud
Lopes (2008, p. 383) um dos seus maiores representantes.
La luz es como el água, provoca um momento de inquietação resultante de
sua leitura: as situações elencadas no conto seriam possíveis?
Segundo Ataíde (1973) ao escrever uma obra é bom que o autor não se
arrisque empregando o irracional ou impossível quando esta apresentar cunho
fantástico, entretanto se for pertinente à construção da obra como um todo, traçando
laços fortes e bem amarrados em sua tecitura, tornando a narrativa indestrutível em
relação à sua estrutura, unindo o lógico e o excepcional, aí sim poderá empregar o
recurso do irracional e improvável, resultando desta feita, em uma obra de primeira
qualidade.
Diante do mundo moderno e toda sua agilidade, o homem, tem ficado cada
vez mais à mercê de seu tempo, ou, de sua falta de tempo. Tudo se tornou urgente,
sem possibilidade nem tempo para falhas, o stress diário empurra e emperra esse
homo sapiens, impulsionando-o para um posicionamento ante a realidade cada vez
mais introspectivo, isolando-o dentro de si, denotando neste recorte, a relevância
deste estudo: trazer de volta o sonho, o mundo das possibilidades presentes no
imaginário infantil, arrancando esse homem do seu íntimo e fazendo-o imaginar, ao
mergulhar nesta obra de García Márquez de tamanha complexidade e que ao
mesmo tempo resgata sua ingenuidade.
Strathern (2009, p. 77) interpreta que “[n] o tipo de fantasia de García
Márquez, há sempre uma sensação de que qualquer coisa vai acontecer” e afirma
que ou nos apaixonamos por sua obra desde a primeira frase ou tornamo-nos
totalmente indiferentes a toda construção de sua “realidade poética”.
Gabriel José García Márquez nasceu em Aracataca (Colômbia), tem uma vida
literária bastante produtiva, faz um registro da América Hispanica que emerge e em
1982 recebe o Premio Nobel de literatura e em 1992, ele publica Doce cuentos
peregrinos, no qual consta o conto La luz es como el água conforme Dasi (s/d):
11

Em 19921 escreve Doze contos peregrinos. Segundo o próprio autor


se trata de: “uma coleção de contos curtos, baseados em feitos
periódicos, mas redimidos de sua condição mortal pela astúcia da
poesia”. Muitos deles, antes de ser finalmente contos, foram histórias
escritas com outras finalidades: cinco foram notas de jornal; outros
cinco, roteiro de cinema e um, uma série de televisão. (s/p)2 (sic)

Todorov (2004, p. 81) defende que “a literatura deve ser compreendida na sua
especificidade, enquanto literatura, antes de se procurar estabelecer sua relação
com algo diferente dela mesma”. Desta forma, margearemos a linha divisória entre o
fantástico e a realidade, apontando hipóteses de realidade apoiadas em abstrações
e interpretações da Física em seus vários campos do conhecimento, seja ela
Tradicional ou Experimental3, sem a pretensão de descaracterizar a obra em relação
ao estilo a que pertence, estilo este promovido pelo distanciamento do real “sem
criar tensão ou questionamento” (Camarini 2008) conceituando o corpus desta
análise como “Realismo Mágico” ou “Realismo Fantástico” ou ainda “Realismo
Maravilhoso”, estilo que, também segundo Chiampi (1983) é caracterizado pela
naturalização do insólito e do sobrenatural.
Em Indefinições, faremos um aporte de alguns pesquisadores que estudaram
a questão do fantástico presente na literatura, sua definição, manifestação, e a
constituição de uma literatura maravilhosa chegando ao Realismo Maravilhoso com
o intuito de tornar mais acessível à compreensão do corpus deste trabalho.
Navegando, tendo como porto partida o conto, teceremos uma análise do
objeto de estudo deste trabalho, utilizando os recursos propostos no embasamento
teórico, marcando a ecleticidade de García Márquez em seus nuances de real e
fantástico, buscando os traços distintivos dessa escrita.
Remaremos um pouco sob a luz da linguística e semiótica e apontaremos
uma vertente do real implícito na voz de García Márquez com a finalidade de
enriquecer um pouco mais as possíveis análises que se possa fazer desta obra
literária, reforçando o entendimento de que nada é escrito ao acaso.

1
Há que se fazer uma ressalva, a data mencionada por Martinez Dasi se refere à data de publicação
do livro, García Márquez data o conto como escrito em (mês) 1978, no referido livro.
2
Tradução minha de “(...) En 1992 escribe Doce cuentos peregrinos. Según el propio autor se trata
de:” una colección de cuentos cortos, basados en hechos periodísticos, pero redimidos de su
condición mortal por las astucias de la poesía”. Muchos de ellos, antes de ser finalmente cuentos,
fueron historias escritas con otros fines: cinco fueron notas periodísticas; otros cinco, guiones de cine
y uno, un serial de televisión.” MARTÍNEZ DASI, O. Apunte biográfico, disponível em
http://www.sololiteratura.com/ggm/marquezbiografia.htm acessado em 12/09/2009 as 19:55hs.
3
Não é nossa intenção rotular nenhuma forma de conhecimento científico, todavia utilizamos o termo
“experimental” devido a não ampla divulgação dessas ciências.
12

Embarcaremos na viagem do conto e teceremos as hipóteses explicativas


sobre os acontecimentos da narrativa, procurando um elo que faça a ponte entre a
literatura e os conceitos físicos, salientando que não cabe em uma análise literária a
elaboração de fórmulas matemáticas para a comprovação de fatores de uma
narrativa ficcional, porém, é nosso interesse provocar a reflexão sobre os tópicos
abordados para que se atinja a percepção da inexistência de um real absoluto.
Por fim, tentaremos utilizar alguns princípios físicos para elucidar, entender e
explicar alguns pontos do conto, com a intenção de ampliar as interpretações
possíveis e libertar-nos dos grilhões da maioridade que já não permite a instauração
do onírico tão presente no impúbere.
No capítulo final, encerraremos este trabalho de maneira sucinta com nossas
considerações sobre o tema.
13

1 INDEFINIÇÕES TEÓRICAS

Neste capítulo, formaremos uma corrente estrutural crescente para embasar


nossa análise, traremos algumas definições do conto, sua estruturação e elementos
essenciais; entraremos no gênero fantástico, com suas vertentes até desaguar nas
definições do Realismo Maravilhoso, sendo esta enxurrada teórica iluminada com
alguns relampejos dos conceitos Físicos com lampejos das Teorias físico-quântica-
relativistas e caos.

1.1 Indefinições do Conto

A obra em estudo manifesta características constitutivas do conto, gênero


literário que segundo Massaud Moisés (1988, p. 21) é definido como uma fração
dramática, de caráter continuado, de cujo passado ou futuro não tem maior
importância, quando muito apenas funcionam como preparativo para o ápice da
trama, assumindo valor sólido somente o momento em que se dá à narrativa. É uma
“(...) obra fechada, dramaticamente circunscrita”.
Quanto à organização, Moisés (1988, p. 25) aduz que o conto pode ser
comparado a “uma célula, com seu núcleo e o tecido ao redor, o núcleo possui
densidade dramática, enquanto a massa circundante existe em sua função” (p. 25),
há em todo o conto fatores comuns a todas as formas de narrativa (personagens,
espaço, ação, tempo, etc), no entanto no núcleo é que o desenrolar da trama
acontece com real importância dramática. “Assim sendo, o que importa num conto é
aquela (s) personagem (ns) em conflito, não a (s) dependente (s); o espaço onde o
drama se desenrola, não todos os lugares por onde transita a personagem, e assim
por diante...”.
Assimilando o conto como uma manifestação literária caracterizada pela
utilização de uma única célula dramática, na qual se desenvolve toda ação na
narrativa, percebe-se que na construção de La luz es como el água, nos é
apresentada uma pequena turbulência na qual é realizado a mistura do real com
elementos fantásticos, os fatos inusitados ou inesperados transbordam no
transcorrer da diegése de maneira muito própria.
Ainda segundo o Professor Moisés (1988, p. 23) é preciso “compreender-se
melhor que no conto tudo deva convergir para essa impressão singular, (...) ele
14

opera com a ação e não com caracteres. (...)”, logo, todo contista tem em mente que
não é recomendável a inserção de descrições alongadas na construção da narrativa,
visto que seu desenvolvimento tende a ser estritamente objetivo, a criação das
personagens também deve ser objetiva, “embora as personagens estejam longe de
ser confundidas com bonecos de mola nas mãos do ficcionista. (...) jamais pode
permanecer longo tempo em sua analise”, assim, serão abordados somente os fatos
imprescindíveis para cumprir o intento deste trabalho.

1.2 Indefinições do Fantástico

Todorov (1970) apud Sá (2003, p. 35) demonstra as condições para


instauração do fantástico em uma obra literária, para tanto expõe três condições
para sua manifestação: “a hesitação provocada no leitor como reflexo da narrativa,
uma atitude que rejeite a leitura alegórica ou poética da obra (...) e, como condição
não necessária, a identificação do leitor com um personagem, preferencialmente o
narrador”.
Partindo desta assertiva, Todorov (1970) apud Sá (2003, p.35), definiu “o
fantástico através [sic] do posicionamento entre dois mundos, o real e o
sobrenatural. Entretanto, colocando-se em foco a realidade humana que
proporcionará contornos tanto ao real quanto ao sobrenatural”, sendo este
pensamento alicerçado na sociedade ou cultura do mundo que será criado
ficcionalmente.
Conforme Méletinski (1984)4 apud Chnaiderman (1989, p. 78), o formalista
russo Propp (1984) em sua publicação “A morfologia do conto maravilhoso”, traça
uma linha geral de análise para todos os contos de cunho fantástico, procurando a
universalidade desses contos. Como resultado desse estudo, estabeleceu 31
funções5, obtidas por meio da fragmentação e segmentação da estrutura do objeto
que serviria como fórmula metodológica de criação e análise para todos os contos
fantásticos, estabelecendo que “a narrativa nos contos de magia teria leis: a
sequência dos elementos seria sempre, rigorosamente, idêntica. Todos os contos de
magia são monotípicos quanto à construção.”

4
MÉLETINSKI, E. M. “O estudo tipológico-estrutural do conto maravilhoso” in Propp, V. Morfologia do
conto maravilhoso, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1984.
5
Por função, compreende-se o procedimento de um personagem, definido do ponto de vista de sua
importância para o desenrolar da ação”. (PROPP, 1984, p. 26).
15

Ainda apoiados no estudo de Méletinski (1984) apud Chnaiderman (1989, p.


95) com foco no aprofundamento feito nos estudo de Propp (1984) por Greimas
(1984)6 no qual “conservou apenas vinte funções, ligando cada par segundo o
critério de implicação ou disjunção”, desta forma todo conto segue um receita natural
para construção da narrativa de um conto, “na primeira metade do conto, sempre
haveria um elemento negativo que apareceria positivamente na segunda metade”,
nesta classificação independe a presença ou ausência do herói.
Todorov (2004, p. 152) expõe que “o gênero fantástico é, pois definido
essencialmente por categorias que dizem respeito às visões na narrativa; e, em
parte, por seus temas”, assim o próprio título do conto já o insere no gênero
fantástico.
Segundo Todorov (1981, p. 82) a vacilação do leitor ante a realidade
apresentada, na qual ele, o leitor, se identifica com o personagem principal da trama,
de forma que a veracidade do acontecimento “pertence à realidade, já seja
decidindo que este é produto da imaginação ou o resultado de uma ilusão; em
outras palavras, pode-se decidir que o acontecimento é ou não é.”
Todorov (2004, p. 150-1) instrui que “o fantástico implica, pois uma integração
do leitor tem dos acontecimentos narrados; esse leitor se identifica com a
personagem”, entendendo aqui uma função de leitor implícito assim como no texto
existe a função do narrador implícito inscrito no texto seguindo a movimentação das
personagens.
Bessière apud Camarini (2008) explana que o termo fantástico faz alusão a
uma estrutura previamente entendida e caracterizada pela contradição e recusa
recíproca ao mesmo tempo implícita de ordens divergentes: o natural e o
sobrenatural.
A literatura de ficção fantástica se utiliza da incerteza para criar um clima
envolvente para que o leitor permaneça ali, hesitando diante da ambigüidade
apresentada pelo próprio objeto literário. A hesitação causada pelo estranhamento
contido no fantástico gera espanto também nas personagens que vivenciam a
diegése.

1.3 Indefinições: Realismo Mágico ou Maravilhoso

6
PROPP, V.I. Morfologia do conto maravilhoso, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1984 (org.
Boris Schnaiderman).
16

De acordo com Lopes (2008, p. 381), “em 1925 foi utilizado pela primeira vez
o termo Realismo Mágico pelo historiador Franz Roh (1890-1965), publicado pela
Revista Ocidente”, cujo título é “O Realismo Mágico”.
O realismo mágico, segundo Valdez-Moses apud Lopes (2008, p. 383) é
caracterizado por um forte entrosamento entre o real e o fabuloso. “A fusão do real e
do mágico, na sua proposta, pode ser entendida como tendo uma linhagem dupla,
ou melhor, como uma convergência de duas tradições narrativas distintas”.
Congregando do mesmo entendimento Chiampi na voz de Camarini (2008, p.
02) aclara um pouco mais a questão terminológica do realismo mágico/maravilhoso:

Essa confusão terminológica é apontada por Chiampi (1980), em um


dos poucos livros publicados no Brasil a respeito do tema - O
realismo maravilhoso: forma e ideologia no romance hispano-
americano -, quando aponta ser este termo “onipresente e de uso
indiscriminado na crítica hispano-americana”, assinalando “o
processo de esvaziamento conceitual que o realismo mágico sofreu
na aplicação à produção literária” da América hispânica (1980, p. 19 e
22). Após examinar criticamente os conceitos de mágico, fantástico e
maravilhoso, e discutir detalhadamente as oscilações conceituais do
termo realismo mágico/realismo maravilhoso, a autora evidencia “a
pertinência das reflexões de Carpentier sobre a fenomenologia da
percepção do maravilhoso na realidade, posto que abrem caminho
para a análise das relações pragmáticas do texto literário” (CHIAMPI,
1980, p. 39). Opta, assim, pela expressão “realismo maravilhoso”,
para “situar o problema no âmbito específico da investigação literária”
(CHIAMPI, 1980, p. 43), já que considera o termo “mágico” como
“tomado de outra série cultural” (CHIAMPI, 1980, p. 43).

Neste trabalho, fora eleito o termo Maravilhoso, ao invés de Realismo


Fantástico ou Realismo Mágico, termos estes amplamente difundidos dentre os
teóricos, em razão do contato com o trabalho desenvolvido por Chiampi (1983, p.
54), no qual faz uma distinção entre, Maravilhoso, Fantástico e Mágico: o último está
diretamente ligado a magia, o anterior atrelado ao sobrenatural (fantasmas e
aparições) e o primeiro remete à ideia de fato insólito, inesperado, inexplicável, sem
relação com sobrenatural ou magia.
De acordo com Chiampi (1983, p. 54) o Realismo maravilhoso é caracterizado
por tornar natural o inusitado, insólito e sobrenatural, maravilhoso e o extraordinário,
o que escapa ao curso diário das coisas e da realidade humana. Maravilhoso é o
que contém maravilha, do latim mirabilia, ou seja, coisas “admiráveis” (belas ou
execráveis, boas ou horríveis) opostas aos naturalia”7.

7
Tradução minha de: (...) maravilloso es lo “extraordinario”, lo “insólito”, lo que escapa la curso diario
de las cosas y de lo humano. Maravilloso es lo que contiene la maravilla, del latin mirabilia, o sea
cosas “admirábles” (bellas o execrables, buenas u horribles), opuestas a los naturalia.(pag. 54)
17

O Realismo Fantástico não está preocupado com o real nem com o irreal
segundo Chiampi (1983, p. 54), “o fantástico se conforma com fabricar hipóteses
falsas (ou seja, o “possível” é improvável), em desenhar a arbitrariedade da razão” 8,
não oferecendo nada além da incerteza, “se constroem sobre o artifício lúdico do
verossímil textual, cujo projeto é evitar toda afirmação, todo significado fixo” (p. 67)9.
Contentaremo-nos com a inserção de mais uma definição e nomenclatura,
dentre tantos outros estudiosos possíveis quanto ao enquadramento do objeto
dentro da literatura, neste selecionado para análise, segundo Spindler (1993, p. 79)
o realismo metafísico, induz a um senso de irrealidade pela técnica do
estranhamento, descrevendo uma cena como se fosse algo novo e desconhecido
“sem recorrer explicitamente ao sobrenatural, como nas narrativas surrealistas e em
alguns textos de Kafka de Buzzati e de Murilo Rubião”.
Há que se fazer bem entendido a linha divisória entre o gênero Fantástico e o
Realismo Maravilhoso que apesar de tênue, na primeira terminologia é criado um
ambiente envolvente e ambíguo, elaborado para cativar o leitor, retomando as
considerações de Todorov (2004) a hesitação é indispensável para sua instauração,
sendo este o contraponto principal para sua diferenciação, na segunda terminologia
não há um clima de mistério, conforme Barthes apud Lopes (2008, p. 383) o mesmo
não ocorre no realismo mágico, “em que não há hesitação, uma vez que os eventos
considerados irreais fluem naturalmente”, e que Todorov (1981, p. 30) chamaria de
um “maravilhoso puro”, “os elementos sobrenaturais não provocam nenhuma reação
particular nem nos personagens, nem no leitor implícito”.

1.4 Indefinições: Relativizando os Conceitos Físicos

A Teoria da Relatividade Restrita formulada por Albert Einstein, publicada em


1905, tem seu cerne na questão do ponto de observação, como afirma Villate
(2005)10, onde se pode inferir um determinado conceito dependendo de qual seja o
posicionamento do observador diante do fato ou objeto observado. Apropriadamente
Daniel (2008, p. 36) pondera que “essa peculiaridade de como e de onde olhar o real
é comparável a interpretação física, dada por Albert Einstein (...) O intuito aqui não é

8
Tradução minha de: (...) Lo fantástico se conforma con fabricar hipótesis falsas (o sea lo “posible” es
improbable), en diseñar la arbitrariedad de la razón,(…) (p. 66)
9
Tradução minha de: (...) se construyem sobre el artificio lúdico de lo verosímil textual, cuyo proyecto
es evitar toda aserción, todo significado fijo. (p. 67)
10
Teorias da luz. Experiências, Jaime E. Villate, Departamento de Física - Faculdade de Engenharia -
Universidade do Porto - Exposição na Biblioteca da FEUP - 21 de Abril a 13 de Junho de 2005
18

simplificar a Teoria da Relatividade Restrita, (...)”, menos ainda descaracterizar


qualquer conceito estabelecido sobre a literatura em exame, apenas pretendemos
nos utilizar desse ferramental para aumentar a amplitude dos alçapões ocultos no
texto literário.
Capra (2004, p. 67) de maneira simples, explica o impacto desta teoria e o
conceito de espaço e tempo estabelecido nesse novo paradigma no qual se
descobre que toda medição do espaço e tempo são relativas. Mesmo antes de
Einstein se sabia que o posicionamento de um objeto no espaço somente seria
possível mensurar de acordo com outro objeto e doravante também o tempo se
mostra relativo.
Ainda referenciando Capra (2004, p. 53 a 69) com relação ao tempo ser
relativo, descreve um experimento mental fundamentado no campo quântico, no
qual os “sistemas observados se descrevem em termos de probabilidades 11”.
O experimento consiste na observação teórica de dois irmãos gêmeos que
seriam separados num dado momento de sua vida e um deles seria enviado numa
viagem ao espaço exterior num longo e rápido percurso, e o outro gêmeo ficaria aqui
na Terra esperando.
Quando do retorno desta viagem, o gêmeo que esteve fora terá menos idade
que o irmão que ficou a espera, pois para ele o tempo passou de forma diversa a de
seu irmão, não que o tempo necessariamente tenha corrido para trás, mas sim pelo
fato de que “os relógios em movimento vão mais devagar, o tempo passa em
câmera lenta. Estes relógios podem ser de qualquer tipo: mecânicos, atômicos ou
inclusive o próprio coração humano” 12.
Assim o tempo na teoria quântica também é relativo, dependendo de um
referencial e ou observador e de acordo com a formulação relativista E=mc2 criada
por Einstein, massa e o tempo de um objeto variam com sua velocidade, o ponto de
observação é essecial. Assim, a energia cinética13 do elétron acelerado converte-se
em massa14, assim Capra (2004, p. 83) expõe que “a quantidade de energia contida,

11
Tradução minha de: (...) los sistemas observados se describen en términos de probabilidades.
Capra (2004, p. 53)
12
Tradução minha de: (...) Esto significa que los relojes en movimiento van más despacio, el tiempo
se ralentiza. Estos relojes pueden ser de cualquier tipo: mecánicos, atómicos o incluso el latido de un
corazón humano. Capra (2004, p. 69)
13
Cabe relembrar que a energia cinética segundo a física tradicional ou clássica, estudada dentro da
Mecânica, versa sobre o movimento, independentemente das causas que o produzam, entendida
como a potencial energia armazenada nos corpo, tanto em repouso quanto em movimento.
14
Massa é a quantidade de matéria que constitui um corpo.
19

por exemplo, em uma partícula, é igual à massa da partícula c2, o quadrado da


velocidade da luz”15.
Paralelamente Dos Anjos (s/d, p. 286), na Física Tradicional, de acordo com
os estudos sobre luz de Louis de Broglie, aponta que a luz apresenta uma natureza
dualística, ora se comportando como partícula, ora como onda, logo, pode-se
considerar o entendimento que Isaac Newton pregava, de que a luz é constituída por
partículas materiais, ou mesmo o conceito de Huygens, que considerava que a luz
era uma onda, convergindo para as teorias de Einstein.
No entendimento de Gleick (s/d, p. 23) a Teoria do Caos é a vertente da
Física que versa inicialmente sobre a estrutura organizacional dos fenômenos
naturais, estuda os padrões indeterminísticos estabelecidos mesmo dentro de uma
aparente desordem, e para ser entendida, é preciso que se conheça pelo menos três
conceitos básicos:

O primeiro foi apresentado no final do século passado pelo precursor


da Teoria do Caos, o matemático francês Jules Henri Poincaré (1845-
1912), [...] veio dele a noção de que uma pequena causa pode levar a
grandes efeitos. Com o tempo, o enunciado ficou conhecido [...] como
Efeito Borboleta. [...] Outro princípio geral, o da sensibilidade às
condições iniciais, foi formulada pelo meteorologista americano
Edward Lorenz, nos anos 60. Ao fazer simulações em computador
sobre o deslocamento das nuvens, ele descobriu que o resultado final
variava sutilmente, de acordo com a quantidade de números
colocados depois da vírgula. [...] Outro suporte da Teoria do Caos são
as repetições de um mesmo tipo de estrutura, as bifurcações ou
ramificações [...].

A Terceira Lei de Newton ou Princípio da Ação e Reação, é explicada por


Anjos (s/d, p. 76), da seguinte forma: “se um corpo A aplica uma força em outro
corpo B, este também aplica em A uma força de mesma intensidade e mesma
direção, porém em sentido contrario”, é possível transcrever que um acontecimento,
por mais sutil que seja, possivelmente influenciará o resto do universo alhures,
fazendo assim, uma ponte com as Teorias Quântica, Relativistas e Caóticas.

15
Tradução minha de: (...) La cantidad de energía contenida, por ejemplo, en una partícula, es igual a
la masa de la partícula c2, el cuadrado de la velocidad de la luz. (pág. 83)
20

2 NAVEGANDO NO CONTO.

A análise que neste momento se principia, tem seu foco em abordar o maior
número possível de interpretações desta obra de García Márquez e mostrar que
essa Nau não precisa necessariamente permanecer presa à poita de uma vertente
literária ou mesmo de um campo do conhecimento científico.
Procuraremos respeitar os sistemas básicos de analises literárias, sobretudo,
das analises de contos quanto aos elementos fundamentais de organização, mas é
na intersecção do Literatura Realista com o Realismo Maravilhoso que nossa
navegação tomará nova dimensão.

2.1.1 Realidades: Realismo no conto

O professor Massaud Moisés (2004, p.378-9) o realismo é uma forma de


manifestação estética cujo cerne seja o “real”, composta por todos os elementos
naturais contido no mundo físico e social, surgindo como oposição ao Romantismo
que planava em meio ao imaginativo idealizado, ocorre que em La luz es como el
água é apresentado elementos comuns as demais narrativas em sua construção,
suscitando a inúmeras identificações sobretudo com a narrativa realista, ambienta
um mundo constituído natural e real com situações corriqueiras do cotidiano como
denotaremos nos próximo sub-capítulos.
Para Barthes (1968) apud Lopes (2008) “a imitação de modos não ficcionais,
como história ou jornalismo, ou o uso abundante de detalhes são fundamentais para
criar o “efeito do real””, de maneira que a escrita de García Márquez nos proporciona
uma riqueza de informações a fim de naturalizar os elementos da narrativa.

2.1.2 Realidades: Espaço

O espaço físico, segundo o Professor Moisés (1987), não ocupa grande


função na estrutura de um conto, visto que a diegése deverá acontecer em algum
lugar, seja ele e externo ou interno, em face da necessidade de ser objetiva a
construção textual, que é um predicativo do conto.
Ataíde (1973, p. 50) pondera que “o espaço geográfico é importante para a
localização o desenvolvimento dos fatos”, então em La luz es como el água o
espaço ambientado é natural, a narrativa se passa em Madrid, Espanha, para a qual
21

se mudou-se a família que protagoniza o núcleo dramático do conto, vinda de


Cartagena de Índias (Colômbia):

Na casa de Cartagena de Índias havia um pátio com um flutuante


sobre a bahia, e um refúgio para os iates grandes. Ao passo que aqui
em Madrid vivem apertados no quinto andar do número 47 do Paseo
16
de la Castellana (...) (García Márquez).

Com o intento de aprofundar a questão espacial, Ataíde (1973, p. 50)


considera mais importante “aquela vinculada a um estado anímico” refletindo o
comportamento humano, devendo este ser entendido “como conexa a outros
constituintes ficcionais”, assim pode-se apurar a necessidade de expressão
impressa no conto, quando García Márquez ambienta a narrativa, em sua quase
totalidade, em um apartamento na cidade de Madrid (Espanha), temática que será
mais aclarada em nosso capítulo Maravilhoso ou disfarce?.

2.1.3 Realidades: Tempo

A definição de tempo feita por Ataíde (1973, p. 47) é sintetizada como “a


velocidade com que a narrativa se movimenta” assim o tempo em que se dão os
acontecimentos é cronológico17 para reforçar a sensação de realidade e aumentar
sua intensidade e naturalidade, García Márquez introduz marcas temporais
bastantes claras em toda diegése.
Dimas (1985) apud Costa (2008) explana que o espaço preenche funções que
extrapolam a verossimilhança necessária para o entendimento das ações e
situações das personagens, contribuindo de forma significativa para o entendimento
final de um texto.
O autor proporciona com toda nitidez que seja identificado à época do ano em
que os fatos são contados, lê-se que estão próximos ao natal: “No natal os
pequenos voltaram a pedir um bote de remos” 18
e ao fazer menção aos filmes que
os pais vão assistir no cinema, García Márquez nos situa mais uma vez no tempo,
fica entendido que o desencadeamento dos episódios narrados advém da década de

16
Tradução minha de: (...) En la casa de Cartagena de Indias había un patio con un muelle sobre la
bahía, y un refugio para dos yates grandes. En cambio aquí en Madrid vivían apretados en el piso
quinto del número 47 del Paseo de la Castellana.(...) (García Márquez)
17
Pela definição de Ataíde (1973) “tempo cronológico é aquele que se mede pelo relógio, pela
sucessividade dos dias e das noites, pelo movimento da terra e da lua, pela alternância das
estações.” (p. 47)
18
Tradução minha de: (...) En Navidad los niños volvieron a pedir un bote de remos (...)” (García
Márquez)
22

70, momento em que de fato estava em cartaz nos cinemas “El ultimo tango en
Paris” e “La Batalla de Argel”.
Traços temporais são referenciados na trajetória narrativa, sendo um dos
mais significativos, o transcorrer das semanas explicitado pelas datas em que
ocorrem os fatos maravilhosos no conto, todas as quartas-feiras, robustecendo a
questão de continuidade temporal: “Na noite de quarta-feira, como todas as quartas-
feiras, os pais foram ao cinema” 19
(García Márquez), ou ainda “(...) meses depois,
ansiosos de ir mais longe, (...)20 (García Márquez).
Cano (2006, p. 72), a respeito do trabalho desenvolvido por García Márquez,
o compara a Salman Rushdie e afirma que o desenvolvimento da narrativa é feito
com total naturalidade “o autor colombiano não mostra nenhuma preocupação nem
pela credibilidade no que esta contando nem em separar os planos de realismo e
fantasia”21, comparação esta que concordamos em parte, pois, por mais que não
haja a intenção consciente de vincular seu texto com a realidade, García Márquez
fortalece o aspecto realista, ao procurar manter um tempo cronológico na narrativa,
determinando o modus vivendis daquela família.

2.1.4 Realidades: O cotidiano

As ações cotidianas da família protagonizante do corpus em análise são


relatadas almejando ressaltar o vínculo com a realidade, de maneira que García
Márquez apresenta toda a rotina familiar abordando os conflitos naturais de
convivência e as posturas adotadas, cada qual de acordo com sua função dentro
dessa estrutura.
Os usos e costumes familiares ficam externados em alguns trechos desse
objeto de estudo, seja explicita ou implicitamente, tal como quando no início da
narrativa, rapidamente, é realizada uma conversa em família à mesa, “revelou o pai
no almoço” 22
(García Márquez), trecho em que mostra uma situação extremamente
real, em cuja unidade familiar, ao menos os patriarcas decidem sobre os rumos a
serem tomados em relação aos anseios dos menores.

19
Tradução minha de: (...) La noche del miércoles, como todos los miércoles, los padres se fueron al
cine.
20
Tradução minha de: (...) Meses después, ansiosos de ir más lejos, (...) (García Márquez)
21
Tradução minha de: (...) El autor colombiano no muestra ninguna preocupación ni por la credibilidad
de lo que está contando ni por separar los planos de realismo y fantasía; (...) (García Márquez)
22
Tradução minha de: (...) -reveló el papá en el almuerzo- (…) (García Márquez)
23

Caracteriza uma família comum, numa cidade comum, com discussões


também comuns, estipulam suas regras e valores familiares, acordam e desacordam
sobre diversas temáticas, há até um fator pedagógico implícito nesta passagem
audível na fala da Mãe: qual seria a melhor maneira de estimular o desenvolvimento
escolar dos filhos? Segundo as palavras da personagem Mãe, não seria comprando
a dedicação dos filhos, a ponto de considerar a promessa como dívida de jogo,
entretanto havia a necessidade de cumpri-la: “Pois, ao final, nem ele nem ela
puderam se negar, porque lhes haviam prometido um bote de remos com seu
sextante e bússola, se ganhassem o laurel do terceiro ano primário, e haviam
ganhado.23” (García Márquez)
Num outro momento da diegése, García Márquez manifesta a curiosidade
humana, fator inerente ao cotidiano natural, personificando-a por meio da
necessidade das crianças de testar se a informação sobre a origem da luz recebida
do narrador é verídica, logo, elas, no desenvolvimento do conto, pedem aos pais um
bote de remos, para navegar nesta luz, servindo como moeda de troca a maior
dedicação aos estudos.
Os pais mesmo que sem entender o por quê daqueles pedidos e um tanto
relutantes, vão atendendo-os na mesma proporção em que os pequenos, mostram
seu empenho nos estudos, cedendo a esta espécie de barganha, ainda que a mãe
se mostre contraria a isso: “(...) sua esposa, que era a mais contrária a pagar dívidas
de jogo (...)” 24
(García Márquez) e seria de fato esta uma dívida de jogo, logo esta
passagem nos serve como estimulo a aceitação desta realidade como cotidiana,
vivenciada em qualquer estrutura familiar.
Até este ponto da narrativa, todos os indícios apontam para uma construção
literária realista, verossimilhante25, mesmo o pedido do bote de remos, que é neste
momento a manifestação da imaginação das crianças desejando entrar num mundo
de fantasia. No entanto, um novo caminho é tomado no desencadeamento dos
acontecimentos, fatos fantásticos são inseridos no texto.

23
Tradução minha de: “...Pero al final ni él ni ella pudieron negarse, porque les habían prometido un
bote de remos con su sextante y su brújula si se ganaban el laurel del tercer año de primaria, y se lo
habían ganado.” (García Márquez)
24
Tradução minha de: “...su esposa, que era la más reacia a pagar deudas de juego...” (García
Márquez)
25
Segundo Todorov (1979, p. 97) “Fala-se da verossimilhança de uma obra, na medida em que ela
tenta fazer-nos crer que se submete ao real e não às suas próprias leis; quer dizer, o verossímil é a
máscara com que se dissimulam as leis do texto, e que nos daria a impressão de uma relação com a
realidade.” apud
24

2.2.1 Navegando pela narrativa

Em La luz es como el água é narrada a história de dois irmãos menores, Totó


e Joel, que alimentam um desejo: navegar na luz, fato este incitado por uma
personagem secundária, cujo nome não é feito menção que, todavia, desempenha
duas funções essenciais no conto: é o narrador e é quem acende o estopim da
imaginação de Totó e Joel, quando afirma que a luz é como a água:

Esta aventura fabulosa foi o resultado uma brincadeira minha quando


participava de um seminário sobre a poesia dos utensílios
domésticos. Totó me perguntou como era que a luz acendia só com o
apertar de um botão, e eu respondi sem pensar duas vezes.
- A luz é como a água – lhe respondi: alguém abre a torneira, e sai 26.
(García Márquez)

É preciso notar que o fantástico que será apresentado num primeiro momento
se resume ao imaginário das crianças, quando esse onírico se manifesta
palpavelmente estabelece-se um padrão de acontecimentos que vão se
intensificando gradativamente.

2.2.2 Entre o maravilhoso e o onírico

Ainda que numa obra literária não se tenha a pretensão de descrever a


realidade como conhecemos e estar apenas atrelada a verossimilhança, no contexto
da narrativa o gatilho que serviu para desencadear todo o processo, foi a sugestão
do narrador, logo é possível seguir outra linha de raciocínio: se encararmos de
acordo com o postulado de Freud em relação ao estudo e interpretação dos sonhos,
podemos notar que todas as viagens incursionadas na luz, acontecem nas noites de
quarta-feira, os pais jamais presenciam os fatos, pois saem sempre para ir ao
cinema e quando retornam estão as crianças dormindo e tudo na casa esta em
ordem.
Num primeiro momento, podemos deduzir que logo após a saída dos pais, as
crianças cairiam nos braços de Morfeu e então todo o plano narrativo aconteceria no
plano dos sonhos. Sigmund Freud (1999, p. 270), afirma que “o sonho é, antes,
construído por toda a massa de pensamentos oníricos, submetida a uma espécie de

26
Tradução minha de: (...) Esta aventura fabulosa fue el resultado de una ligereza mía cuando
participaba en un seminario sobre la poesía de los utensilios domésticos. Totó me preguntó cómo era
que la luz se encendía con sólo apretar un botón, y yo no tuve el valor de pensarlo dos veces.
-La luz es como el água - le contesté: uno abre el grifo, y sale. (García Márquez)
25

processo manipulativo em que os elementos que têm apoios mais numerosos e mais
fortes adquirem o direito de acesso ao conteúdo do sonho (...)”, no entanto, esta
argumentação não nos é válida, pois no final do conto as crianças têm uma morte ao
que tudo indica física, e não somente os dois, mas todos os colegas de sala
também, descartando essa possibilidade.

2.2.3 Sob a Luz da semiótica

Fazendo uma digressão bastante pertinente, ao considerar toda a saga desta


narrativa e enxergarmos pelo viés da Semiótica greimasiana 27 na visão de Barros
(2007), será notado que o bote de remos, que é a primeira manifestação do desejo
dos protagonistas, pode se atribuir, segundo Barros (2007), que é o objeto de valor
do programa narrativo28 inicial, doravante PN1 e sequência, que após provas,
anteriores ao inicio da narrativa, resultam em junção do sujeito actante com o objeto
de valor e com o objetivo é dar continuidade no sistema actancial do conto, são
inseridos outros programas: PN2, sendo o objeto de valor um equipamento mergulho
/ pesca submarina e PN3, cujo objeto de valor seria uma festa com todos seus
colegas de classe, todos terminando em junção com seus objetos-valor.
Consonante a Chnaiderman (1989, p. 93-4) efetuamos uma ponte com o
pensamento de Greimas, que adaptou as 31 funções determinadas por Propp, por
excluir a necessidade da existência de um herói, visto que no Realismo e tampouco
no Realismo Fantástico a presença do herói inexiste, e as reduz a 20 funções.
Sob este prisma, após uma rápida análise da estrutura dessa diegése,
reconhecemos algumas funções estipuladas por Greimas, como:
Ausência: existe um afastamento espacial por parte dos personagens pais,
que vão todas as noites de quarta-feira ao cinema e deixam as crianças em casa,
explicitado em “Na noite de quarta-feira, como todas as quartas-feiras, os pais foram
ao cinema” 29 (García Márquez).
Proibição vs. Violação: subjetivamente, há uma determinação implícita no
texto dos pais ante aos jovens, para que mantenham a disciplina dentro do

27
Teoria desenvolvida por A. J. Greimas e pelo Grupo de Investigação Sêmio-linguistica da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais de Tartu.
28
O programa narrativo ou sintagma elementar da sintaxe narrativa define-se com um enunciado de
fazer que rege um enunciado de estado. Integra, portanto, estados e transformações. Barros (2007,
p. 20)
29
Tradução minha de: “(…) La noche del miércoles, como todos los miércoles, los padres se fueron al
cine. (…) ” (García Márquez).
26

apartamento, que não subvertam a ordem, ordem esta que é violada com as
pequenas incursões na luz quando os pais saem.
Partida: no desenrolar da narrativa, vemos mais de uma partida que podem
ser referidas sob a óptica desta função, tanto a partida ou saída dos pais para irem
ao cinema como citado em função anterior quanto à própria morte dos jovens
afogados, entendendo morte como partida do plano terrestre para outro plano astral.
Atribuição de uma prova vs. Enfrentamento da prova: os pais condicionam à
entrega dos presentes desejados, objetos-valor, as crianças, após identificarem uma
melhora nos estudos, prova esta que os jovens aceitam prontamente, expresso no
trecho “(...) Mas a final nem ele nem ela puderam se negar, porque lhes fora
prometido um bote de remos com sextante e bússola se ganhassem o laurel do
terceiro ano primário,30 (...)”(García Márquez).
Recepção do ajudante: devido à dificuldade de levar o bote ate o apartamento
os protagonistas, pedem auxilio aos seus colegas de sala para apoiá-los nessa
empreitada, como vemos em “(...) os meninos convidaram a seus condiscípulos para
subir o bote pelas escadas31 (...)” (García Márquez).
Deslocamento espacial: o deslocamento espacial com significância que
abstraímos do conto é o ir vir dos pais, expresso varias vezes na narrativa e
constante da função Ausência, Partida e Retorno.
Retorno: como contrapartida de cada saída dos pais para irem ao cinema, há
o retorno deles ao lar, expresso em “(...) até que os pais voltavam do cinema e os
encontravam dormindo32 (...)” (García Márquez).
Atribuição de uma tarefa vs. Êxito: a mesma prova atribuída aos jovens num
dos itens anteriores é realizada com grande eficácia pelos meninos, cumprindo-a
acima das expectativas, identificadas na passagem “(...) Mas Totó e Joel, que
haviam sido os últimos nos anos anteriores, ganharam em julho as duas gardênias
de ouro e reconhecimento público do diretor 33
(...)” (García Márquez).
Reconhecimento: os pequenos após desempenharem a tarefa atribuída a eles
30
Tradução mina de: “Pero al final ni él ni ella pudieron negarse, porque les habían prometido un
bote de remos con su sextante y su brújula si se ganaban el laurel del tercer año de primaria, (...)”
(García Márquez).
31
Tradução minha de: “(…) los niños invitaron a sus condiscípulos para subir el bote por las
escaleras, (...)” (García Márquez).
32
Tradução minha de: “(…) hasta que los padres regresaban del cine y los encontraban dormidos
(...)” (García Márquez).
33
Tradução minha de: “(…) Pero Totó y Joel, que habían sido los últimos en los dos años anteriores,
se ganaron en julio las dos gardenias de oro y el reconocimiento público del rector.(…)” (García
Márquez).
27

pelos país, recebem o reconhecimento publico por sua conduta, o que é notado no
fragmento “(...) Na premiação final os irmãos foram aclamados como exemplo para
escola, e lhes deram diplomas de excelência.34 (…)” (García Márquez)
Como é visto várias são as funções que não são contempladas utilizando a
propositura de Propp, visto que o texto não resiste à análise feita com esse
ferramental, e ainda, pela similaridade, segundo Greimas apud Chnaiderman (1989,
p. 94) “para classificar os contos maravilhosos seria preciso que algumas da funções
se excluíssem mutuamente, o que não acontece”, ficaria, portanto, após considerar o
estudo inicial de Propp sobre o conto maravilhoso e apoiando-nos em Greimas, a
função resumida a “atribuição de uma tarefa difícil / êxito”: os meninos recebem em
troca do atendimento ao seu pedido, a tarefa de dedicarem-se mais aos estudos,
tarefa que desempenham e ultrapassam as expectativas.

2.2.4 Um mergulho nas personagens

Faremos aqui a inserção de algumas teorias que se fazem necessárias,


assim, Brait (1985, p. 64) explica a função de narrador personagem servindo como
testemunha, no qual “o narrador, de forma discreta, vai criando um clima de empatia,
apresentando a personagem principal de maneira convincente e levando o leitor a
enxergar, por um prisma ao mesmo tempo discreto e fascinado, a figura do
protagonista”, do mesmo modo, Moisés (1987, p. 36) afirma que quando “se trata
duma personagem secundária que nos conta a história da principal, à distância entre
o leitor e o conteúdo da narrativa aumenta, pois os acontecimentos se passam com
uma terceira personagem. (...) pode constituir, mais do que as outras, um disfarce do
autor.”, reforçado por Chiampi (1983, p. 68) quando esclarece que há “um dispositivo
narracional clássico do texto fantástico – o narrador que se levanta como
testemunha e conta uma história já ocorrida” 35
, fator este que concordamos, visto
que há todos os indícios dentro do conto, apontando para esta conclusão:
a) Só há discurso direto livre por parte do narrador em um único momento.
b) Em todas as outras situações do conto, o narrador não está presente, não
poderia servir como testemunha, pois não está lá.

34
Traduçã minha de: “(…) En la premiación final los hermanos fueron aclamados como ejemplo para
la escuela, y les dieron diplomas de excelencia.” (García Márquez).
35
Tradução minha de: un dispositivo narracional clásico del texto fantástico – el narrador que se erige
um testigo y cuenta uma historia ya ocurrida”. Chiampi (1983, p. 68)
28

Em relação às demais personagens desempenham a função de coadjuvantes,


personagens secundárias, sem maior expressão, entretanto, segundo Brait (1985, p.
49): “Uma outra função passível de ser desempenhada pela personagem é, segundo
os autores que se apóiam em vários outros críticos, a de agente da ação.”, assim
elenca-se seis categorias alternantes para as personagens de acordo com os
estudos desenvolvidos por E. Souriau e W. Propp.
Desta forma temos, conforme Brait (1985), condutor da ação 36, oponente37,
objeto desejado38, destinatário39, adjuvante40 e árbitro ou juiz41, que se alternam
mutuamente, exemplificando:
O narrador é o condutor da ação e oferece o objeto de desejo (a possibilidade
de a luz ser como a água) ao destinatário (as crianças).
As crianças tomam para si o objeto de desejo e assumem a partir deste
momento da narrativa a função de condutor da ação.
Os pais exercem as funções simultaneamente de oponente, adjuvante e juiz,
visto que, são os que podem conceder auxiliar ou negar o objeto de desejo aos
condutores da ação (protagonistas), e quando o faz tornam se os pais a função de
condutores da ação.
Os colegas de classes e as demais personagens apenas exercem a função
de adjuvantes na narrativa, exceto nos raros episódios que se assumem como
condutores da ação.
De acordo com Massaud Moisés (2004, p. 26) “as personagens (do conto)
tendem a ser estáticas ou planas: porque as surpreende no instante climático de sua
existência, o contista as imobiliza no tempo, no espaço e na personalidade”,
entretanto, “los niños” sofrem mutações em seu comportamento, vão melhorando, se
aplicando com mais afinco para alcançarem seu objeto de desejo no decorrer dos
fatos narrados.

2.3.1 Realismo Maravilhoso

36
Condutor da ação: personagem que dá o primeiro impulso à ação; é o que representa a força
temática: pode nascer de um desejo, de uma necessidade ou de uma carência; (p. 49) (Brait, 1985)
37
Oponente: personagem que possibilita a existência do conflito; força antagônica que tenta impedir a
força temática de se deslocar; (p. 50) Idem
38
Objeto desejado: força de atração, fim visado, objeto de carência; elemento que representa o valor
a ser atingido; (p. 50) Ibidem
39
Destinatário: personagem beneficiário da ação; aquele que obtém o objeto desejado e que não é
necessariamente o condutor da ação; (p. 50) Ibidem
40
Adjuvante: personagem auxiliar; ajuda ou impulsiona uma das outras forças; (p. 50) Ibidem
41
Árbitro, juiz: personagem que intervém em uma ação conflitual a fim de resolvê-la. (p. 50) Ibidem
29

García Márquez, aos poucos vai inserindo em sua narrativa fatores maravilhosos,
num primeiro momento quando os pais presenteiam as crianças com o bote que
tanto queriam, o pai informa: “O problema é que não há como subi-lo nem pelo
elevador nem pela escada, e na garagem na há mais espaço disponível” 42
(García
Márquez), e ainda assim, as crianças com a ajuda de seus amigos levam o bote até
o apartamento.
Parafraseando Lewis (2009, p. 80) os fatos extraordinários não se cobrem
hipoteticamente de probabilidades com a finalidade de agregar conhecimentos sobre
a vida real, tecendo uma nova realidade diante desse improvável. “É precisamente o
contrario. A probabilidade hipotética é apresentada no sentido de tornar os eventos
estranhos mais plenamente imagináveis”, assim este evento causa estranhamento, e
nos faz indagar se seria possível terem realmente levado o bote até o apartamento.
Segundo Todorov (2003, p. 150) “a fé43 absoluta, como a incredulidade total, nos
levam para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida”, em outras palavras é
possível perceber que se não houver o fator estranhamento, se o que é apresentado
for crível totalmente ou inacreditável isso desmontaria a caracterização do fantástico.
Arrigucci (1987, p. 144) classifica este dito estranhamento, como o embate
entre a inteligência lúcida e certos episódios desconcertantes, o artifício de
estranhamento causado por fatores inverossímeis, “se revelam zonas obscuras de
nosso ser”, perdendo assim o vínculo com a realidade convencional, inserindo-nos
no “mundo do louco, da criança, do sonho, do mito e da poesia”.
Na sequência da narrativa, nos deparamos com o insólito: “Os pequenos,
donos e senhores da casa, fecharam portas e janelas, romperam uma lâmpada
acesa da sala. Um jorro de luz dourada e fresca como a água começou a sair da
lâmpada quebrada.44” (García Márquez), diante desta apresentação do fato
fantástico, agora, nesta realidade ficcional, temos uma nova verdade estabelecida: é
possível navegar na luz.
De posse desta informação, e devido ao “espírito aventureiro” natural do ser
humano, após esta descoberta fantástica, navegar sobre a luz seria algo superficial
demais, então as crianças se veem obrigadas a fazer incursões mais profundas,

42
Tradução minha de: (... ) El problema es que no hay cómo subirlo ni por el ascensor ni por la
escalera, y en el garaje no hay más espacio disponible.” (García Márquez)
43
O termo “fé”, no contexto, entenda-se como acreditar, não se relacionando com religião.
44
Tradução minha de: (...) Los niños, dueños y señores de la casa, cerraron puertas y ventanas, y
rompieron la bombilla encendida de una lámpara de la sala. Un chorro de luz dorada y fresca como el
agua empezó a salir de la bombilla rota. (García Márquez)
30

acarretando na necessidade de equipamentos mais específicos, como os que


pedem aos pais, cito equipamento de caça submarina, mergulho.
O pedido final de Totó e Joel, no encerramento do conto é recebido com certa
euforia pelos pais, encarando esse pedido como uma forma de amadurecimento das
crianças, afinal, ao passo que em outros momentos pediam coisas que para eles era
inútil, desta vez foram bastante coerentes, apenas desejavam uma festa com todos
seus colegas de classe.
Para surpresa dos pais e todos os moradores da cidade, quando os pais
retornam ao apartamento, encontram os bombeiros arrombando o local e dentro do
apartamento encontram todas as crianças participantes da festa mortas afogadas na
luz que transbordava do apartamento.

2.3.2 Maravilhoso ou disfarce?

A diegése do conto de García Márquez oferece uma série de pistas sobre a


provável intenção desta criação, em se considerando os aspectos implícitos no texto.
Todorov (1981, p. 36) exalta que “o leitor (esta vez real e não implícito) tem todo o
direito de não ter em conta o sentido alegórico indicado pelo autor, e de ler o texto
descobrindo nele um sentido muito distinto”, não há texto ingênuo e sim leitura
ingênua. Existe uma carga política inerente à narrativa de cunho denunciativo que
García Márquez se utiliza para que o fantástico, realismo mágico camufle os
registros históricos.
Sobre o exposto, Chiampi (1983, p. 105) pondera que esta obsessão em
reportar os fatos históricos ainda carentes de registro verbal; e se encontra
amplamente difundidos no romance realista mágico; pode ser entendida como “o
modo dilemático e barroco de interpretar uma sociedade imersa em violentos
contrastes sociais e brutais anacronismos econômicos 45”.
Novamente nos servindo da fala de Chiampi (1983, p. 63) quando explana
que “a fantasticidade é, fundamentalmente, um modo de produzir no leitor uma
inquietação física (medo e outras variantes) por meio da inquietação intelectual
(dúvida)”, García Márquez em La luz es como el água, utiliza esse recurso da
incerteza, comum a este gênero diegético, pelo qual será nosso ponto de partida

45
Tradução minha de: (...) “el modo dilemático y barroco de interpretar una sociedad inmersa en
violentos constrastes sociales y brutales anacronismos económicos.” (Chiampi, 1983, p. 105)
31

para uma pequena investigação para averiguar o que está oculto por baixo desse
realismo mágico.
Conforme Leal apud Chiampi (1983, p. 29) “o realismo mágico é, mais que
nada, uma atitude, ante a realidade... (232)46” e esta foi a forma que García Márquez
teria encontrado para demonstrar sua inconformidade com a realidade de seu país,
e ainda segundo Strathern (2009, p. 15) o autor ao evocar a historia atual da
“América Latina, com suas injustiças, horrores e derramamento de sangue” assume
um tom sombrio.
É manifestada, desta feita, a ideologia política de García Márquez, não
necessariamente partidária, mas sim com a intenção de evidenciar a urgência de
criar ou reforçar uma identidade social, tema este recorrente em diversas literaturas,
principalmente nas em formação.
O corpus em questão denota em suas entrelinhas, marcas fortes desse apelo
ideológico de García Márquez, no sentido de que é preciso se posicionar ante a
realidade, transparecendo indícios bélicos em seu traçado.
O conto proporciona uma informação conflitante, ora faz menção à Espanha
em “De acordo – disse o pai, o compraremos quando voltarmos a Cartagena 47”
(García Márquez), ora a Colômbia, como alude em “na casa de Cartagena de Índias
havia um pátio (...)48” (García Márquez), afinal a qual Cartagena pertence a
narrativa?
Nesta linha de pensamento, identificamos um acontecimento importante no
ano de 1978, ano este em que García Márquez escreve La luz es como el água,
consta da publicação do Jornal El País datado de 19 de abril de 1978, em
atendimento a uma convocação feita pelo Partido Cantonal, cerca de 10 mil pessoas
se concentraram na tarde de segunda-feira para solicitar que Cartagena (Espanha)
se tornasse Província49, rememorando o ato de julho de 1873, quando os Federais
intransigentes tomaram o Ajuntamento dos Federais benévolos, se apossaram da
cidade e do porto e então proclamaram o grito cantalonista de viva Cartagena.
García Márquez utiliza a estrutura do realismo-mágico para provocar uma
reação em seu leitor a titulo de protesto, apresenta o insólito e deixa pairar

46
Tradução minha de: (...) El realismo mágico es, más que nada, una actitud ,ante la realidad.. [232]”
(Chiampi, 1983, p. 29)
47
Tradução minha de: (...) De acuerdo -dijo el papá, lo compraremos cuando volvamos a Cartagena.
(García Márquez)
48
Tradução minha de: (...) En la casa de Cartagena de Indias había un patio (...) (García Márquez)
49
Entenda-se como Unidade Federativa de alguns países, equivalente a Estado (divisão política)
32

entendimentos inúmeros que se entendido por este viés, podemos interpretar como
a personificação da indignação do autor devido ao não respeito da identidade
Cartagenense, por isso a confusão proposital, e deixando intrínseca a ideia de
revolução. Propõe, neste contexto, um levante assim como o de Cartagena
(Espanha) focando o resgate da memória coletiva de Cartagena (Colômbia), para
exemplificar, elegemos algumas palavras / trechos-chave, para aclarar este excerto.
Segundo o próprio autor, “Doce cuentos Peregrinos” foi baseado em
periódicos, antes de serem contos, cinco foram notas de jornal, outros cinco, roteiro
de cinema e um, uma série de televisão.
Além da referência feita à manifestação pela provincialização de Cartagena
(Espanha) tornando latente o sentimento de auto-afirmação da identidade
Colombiana, no mesmo ano em que García Márquez escreveu este conto, podemos
identificar outras marcas claras deste sentimento na voz do autor, tal como os filmes
que os personagens pais vão assistir no cinema: “La batalha de Argel” (filme
baseado na guerra de independência da Argélia em relação à opressão colonial
francesa, década de 50) e “El último tango en Paris” (obra fílmica cujo ponto alto é o
pacto de silêncio feito entre os protagonistas, serve como símbolo do anseio de
liberdade e o medo da repressão), ambos com apelo revolucionário.
Ademais, outros trechos50 desta obra podem ser destacados do texto, na
sequencia em que se apresentam para iluminar a senda traçada nos interstícios da
escrita de García Márquez, tais como observado no quadro abaixo:
Excerto Análise subjetiva
“(…) y un refugio para dos As palavras “refúgio” e “apertados”, transmitem a
yates grandes.” sensação de prisão, perseguição, somente precisa de
“(…) aquí en Madrid refugio aquele que é perseguido.
vivían apretados (…)”
“Los niños, dueños y Neste trecho, os protagonistas assumem a função de
señores de la casa, poder dentro da narrativa, subvertem a ordem
cerraron puertas y estabelecida, como em estados de exceção.
ventanas, y rompieron la
bombilla encendida (…)”

50
Optamos por manter estes excertos no idioma original para preservar sua integridade em relação a
traduções que por ventura viesse a distorcer sua significação, salientando que toda tradução é uma
re-escritura do objeto traduzido, podendo incorrer em vicio na tradução.
33

“(…) el nivel llegó a cuatro Tradicionalmente é realizado o enterro dos mortos em


palmos.” covas de sete palmos de profundidade, identificamos
aqui uma presença fúnebre: quatro palmos seria a
medida de uma cova rasa.
“(…) cuando participaba Esta fala do narrador nos remete a reuniões sindicais,
en un seminario sobre la estudantis ou qualquer outra organização que pleiteie
poesía de los utensilios uma renovação, traz consigo a ideia de revolução,
domésticos.” passeata, “panelaço”.
“-La luz es como el agua - Oxímoro: vida é como a morte: luz e água de acordo
le contesté: (…)” com diversas culturas humanas são símbolos de vida e
renascimento, simbolicamente a junção desses
elementos seria o prenúncio da morte das crianças.
“(…) aprendiendo el Manejar o sextante e a bússola é facilmente associável
manejo del sextante y la a manejo de equipamentos bélicos, treinamento para
brújula.” alguma forma de combate.
“(…) Con todo: máscaras, Igualmente, a presença do bélico na diegése do conto,
aletas, tanques y se faz reforçada mais intensamente pela “escopeta de
escopetas de aire ar comprimido” e “a banda de guerra”, dando o tom de
comprimido.” armamento pesado e pelotão de soldados.
“Los instrumentos de la
banda de guerra, (…)”
“(…) y rescataron del Fala do autor51 afirmando que deseja trazer à luz a
fondo de la luz las cosas identidade nacional ocultada pelos resquícios da
que durante años se colonização ainda tão presente em sua cultura.
habían perdido en la
oscuridad.”
“Los utensilios Mais uma vez, García Márquez, faz alusão ao bélico
domésticos, en la plenitud na narrativa, os utensílios domésticos voando com
de su poesía, volaban con suas próprias asas se comparam às baterias
sus propias alas por el antiaéreas.
cielo de la cocina.”
“(…), y el televisor de la A expressão “boiava de costas” pode aduzir a que se

51
Identificamos esta fala como sendo do autor, pois é a do narrador do conto, corroborado pelo entendimento de
Massaud Moisés (1987) ao denotar que este tipo de construção poderia “ser um disfarce do autor” (p, 36)
34

alcoba principal flotaba de crie uma tela na qual a cena retratada seja de corpos
costado, (…)” abandonados ou despachados nos rios, ato rotineiro
quando em regime de exceção.
“En Madrid de España, Neste ultimo trecho do conto, García Márquez faz a
una ciudad remota de amarração da tecitura do conto, fechando a trama com
veranos ardientes y uma crítica ao seu povo, ao qual conclama a uma
vientos helados, sin mar reação a constante opressão, legado dos
ni río, y cuyos aborígenes colonizadores, e falta de reação pela defesa de sua
de tierra firme nunca unidade identitária, lançando mão da afirmação de que
fueron maestros en la os aborígenes de terra firme, os colombianos, nunca
ciencia de navegar en la foram mestre na ciência de navegar na luz, nunca
luz.” souberam como reivindicar, lutar, até mesmo pegar em
armas, para defender seus interesses e cultura. García
Márquez clamaria pela união popular, sabendo que a
grande massa poderia até mesmo destituir um
governo.

3.4.1 Dos conceitos físicos

O conto de García Márquez, como aludido no capítulo anterior, é conceituado


como “Realismo Maravilhoso”, o que abre precedente para uma interpretação muito
mais ampla sobre sua significação e conforme Lewis (2009, p. 102) “não há
nenhuma obra na qual, lacunas não possam ser preenchidas (...)”.
Ordenando e selecionando os elementos da narrativa de forma linear,
direcionando o foco actancial aos protagonistas, Totó e Joel, obteremos,
sucintamente, o seguinte resultado:
1 - Recebem a informação de que a luz é como a água;
2 - Pedem aos pais um bote e equipamentos de mergulho;
3 - Levam com a ajuda de seus colegas o bote pela escada até o
apartamento;
4 - Quebram uma lâmpada e dela jorra luz como se fosse água;
5 - Utilizam o bote e os demais acessórios para navegar na luz;
6 - Desbravam a profundidade da luz e resgatam objetos perdidos;
7 - Pedem uma festa com todos os colegas de sala;
35

8 - Varias luzes são rompidas e inundam todo apartamento;


9 - A luz transborda pelas janelas do apartamento e ilumina toda cidade;
10 - Os bombeiros chegam e encontram os corpos das crianças afogadas na
luz.

3.4.2 A questão de ponto de vista

É lícito que o ser humano tenha uma resistência natural em negar ou aceitar
fatos novos, estranhos ao seu mundo de conhecimento, mas ao considerar de
maneira, por mais superficial que seja a física quântica, a noção de realidade pode
tomar outra proporção. Se considerarmos a realidade vista por um sujeito que possui
algum tipo de demência ou transtorno mental, mesmo que em meio a alucinações
diversas, ali, dentro de seu universo mental, existe uma realidade “real”, retomando
o conceito de Einstein, tudo está diretamente relacionado com ponto de vista do
observador.
Sá (2003, p. 49) denota que a consciência do individuo é decorrente de sua
forma de encarar a realidade, se a percepção de mundo tiver sofrido algum tipo de
interferência, tais como o uso de drogas, os sonhos, a esquizofrenia, a realidade
será enxergada de uma maneira desvirtuada, “para o fantástico a alteração no
estado de consciência, seja ela de que maneira for, provocaria um desvio na
concepção de mundo realista”.
A construção da narrativa utilizada por Márquez utiliza a inversão dos
acontecimentos por meio de uma reminiscência do narrador, fato que pode
direcionar a análise ao princípio quântico-relativista: estruturalmente cria uma ruptura
temporal por meio desse chiste na narrativa.

“Esta aventura fabulosa fue el resultado de una ligereza mía cuando


participaba en un seminario sobre la poesía de los utensilios
domésticos. Totó me preguntó cómo era que la luz se encendía con
sólo apretar un botón, y yo no tuve el valor de pensarlo dos veces.
-La luz es como el agua -le contesté: uno abre el grifo, y sale.”
(García Márquez)

Assim, dado que o estopim dessa viagem poderia ter sido o fator psicológico,
a sugestão e no desfecho do conto, as crianças apresentam uma morte ao que tudo
indica física, García Marquez nos faz embarcar nesta viagem e interpretar que neste
momento a consciência no aparelho mental extrapolaria a barreira espaço-temporal
36

e continuado a desbravar as profundezas da luz, assumindo a função de emissores


de luz ao invés daquela que desempenhavam anteriormente, hipoteticamente seus
corpos permaneceriam inertes, como se estivessem em animação suspensa, o
tempo para eles teria prosseguido diferentemente das demais personagens dado
que seu referencial de realidade adquiriu neste momento caráter único.
Abstraindo-nos ainda mais nesta questão, se referenciarmos a descrição do
experimento mental de Einstein apud Capra (2004) sobre os gêmeos viajantes e se
considerarmos o estado de excitação dos protagonistas, presumível em face dessa
nova realidade instituída, é passível de credito que o fato físico, a morte das
crianças, seria decorrente da alteração de seus relógios biológicos.
Garcia Márquez ao descrever o jato de luz que jorra da lâmpada quebrada
pelos jovens, a predica como dourada e fresca, relativiza a questão material e
transita entre a visão denotativa para a conotativa atribuindo a luz além do caráter
visível, dourada, algo perceptível por meio de sensação térmica, rompe o paradigma
aceito do fator incandescente costumeiro da luz, ainda que seja uma luz artificial
fluorescente esta jamais se manifestaria fria no sentido de refrescar como afirma na
obra.

3.4.2 Do quântico-relativista ao Caos

Em consoante aos entendimentos quânticos, tudo no universo tem uma


relação mútua, no primeiro caso, se aplicássemos conceitualmente a Teoria do Caos
ao interpretarmos o momento em que Joel e Totó são induzidos pela afirmação do
narrador de que “a luz é como a água”, essa sugestão desencadeia uma sequência
de processos similares ao “Efeito Borboleta”, a hipótese assentada no imaginário
das crianças, assim como o bater de asas referenciado em nosso embasamento,
influencia indiretamente a realidade ficcional que principia no conto, dado que a
probabilidade52 de repetição deste mesmo evento (sugestão vs manifestação física)
ocorrer é quase nula, e dá inicio aos acontecimentos do conto que cuminam com o
afogamento das crianças, ressaltando nosso entendimento de que a partir do
estabelecimento da primeira ocasião em que a luz assume as características da

52
Enfocamos que segundo Capra (2004, p. 53) “en la teoría cuántica los sistemas observados se
describen en términos de probabilidades”.
37

água cria-se uma relação direta de acontecimento atrelado ao fato gerador, causa e
efeito.
Em relação aos itens 2 (dois) e 7 (sete) se trata de uma estratégia do autor de
criar uma realidade ficcional verossimilhante, conforme aludimos em capítulo
anterior.
No item 3 (três) uma particularidade nos provoca curiosidade: o pai afirma que
não é possível levar o bote pelo elevador e nem pela escada, haja vista que não
haveria espaço suficiente para manejar o bote naquele local, e ainda assim “los
niños” subiram com o bote pelas escadas com ajuda de seus colegas de sala, mas
como?
Analisando literária e não literalmente a Terceira Lei de Newton, seria
possível transcrever que um acontecimento, por menor relevância que tenha,
possivelmente influenciará o resto do universo, reforçado por nossa interpretação da
Teoria do caos, e voltando-a para o objeto em estudo, quando se lança ao cosmo
uma vontade, um desejo, um pensamento, entendendo aqui pensamento com um
ato físico-biológico, no qual a comunicação feita entre um neurônio e outro se
pronuncia por meio de impulsos elétricos que geram freqüência eletromagnética, que
por sua vez pode ser aferida por instrumentos utilizados hoje na medicina, tal como
o eletro encefalograma, ele ou essa energia projetada alcançaria dimensões aquém
do entendimento humano, e é lançado de volta a quem deu inicio a esse ciclo, ação
e reação, conversando claramente com o que preconiza a teoria quântica ao
interpretar energia como essência do universo, pois considera a massa constitutiva
de todas as coisas, uma manifestação energética, logo não podendo ser destruída
apenas alternando de forma (cf. Capra 2004, p. 83).
Nos itens 4 (quatro), 8 (oito) e 9 (nove), García Marquez realiza em sua
literatura o antes impensado, a luz com todos os seus atributos e peculiaridades
transmuta seu aspecto convencional para assumir as particularidades da água, mas
afinal a luz é como a água?
Não nos aprofundaremos sobre outra área do conhecimento cientifico, a
Química, pois não é esse nosso foco de trabalho, apenas rememoraremos a
definição hoje de domínio público que a composição da água, por sua formulação é
a junção de duas partículas materiais de hidrogênio e uma de oxigênio (H2O), possui
massa e pode se apresentar em três estados físicos – sólido, liquido e gasoso.
38

A luz, por sua natureza, apresenta um caráter dualístico, retomando as


palavras de Dos Anjos “ora se comportando como partícula, ora como onda”, logo,
podendo ser considerado o entendimento de Isaac Newton de que a luz é
constituída por partículas materiais, ou mesmo o conceito de Huygens, que
considerava que a luz era uma onda.
Partindo dos apontamentos anteriores, é possível perceber uma relação entre
o caráter físico da água e o da luz: ambas podem se propagar como ondas, ambas
preenchem o espaço onde se encontram e ambas são compostas de partículas
materiais.
Já nos itens 5 (cinco) e 6 (seis) é inevitável o entendimento de haver neste
mergulho algo mais complexo: a luz, considerando a Teoria Relativista,
alegoricamente serviria como um “portal dimensional”, pelo qual seriam levados a
outra dimensão, paralela a esta, e em que os objetos perdidos a muito tempo e
encontrados por eles ali estavam presentes, logo, seria uma ruptura no espaço-
tempo, propiciado “[pel] a contração da distância e a dilatação do tempo são efeitos
relativistas reais” de acordo com os estudos de Einstein, segundo Villate (2005, p.
05)53.
E finalmente item 10: As crianças mergulhadas na luz, após terem navegado
pelo apartamento, morrem afogadas... Na luz?
Como expusemos luz e água cultivam certa semelhança, ambas ocupam
lugar no espaço e ambas possuem massa, posto que a física Quântica, mais
precisamente na teoria do Caos procura explicar a aleatoriedade dos movimentos
naturais, tal como o porquê da formação repentina de redemoinhos num rio que
corre lentamente, sem que haja uma causa aparente, e a probabilidade de esses
fatos se repetirem e ou descrever um padrão dado que são indeterminísticos.
Poderíamos supor que naquela data, naquele apartamento em Madrid,
reuniram-se fatores, ao acaso, talvez o número de lâmpadas rompidas ao mesmo
tempo, talvez o desejo de toda criançada de ver concretizado o relato dos dois
irmãos, talvez aquele fio dourado pintado no bote de remos, talvez a necessidade de
fuga das crianças daquela realidade e tantas outras suposições possíveis, no
entanto imprescindíveis para compor a cena em foco, teriam contribuído para
intensificar a densidade da luz, aumentando a concentração substancial da massa

53
Teorias da luz. Experiências, Jaime E. Villate, Departamento de Física - Faculdade de Engenharia -
Universidade do Porto - Exposição na Biblioteca da FEUP - 21 de Abril a 13 de Junho de 2005
39

nela contida, a ponto de ao ser inalada, essa luminosidade teria invadido os pulmões
das crianças, expulsando todo o ar, ocasionando o afogamento em luz.

4 CONSIDERAÇÕES

Em face de nossas colocações em todo o transcorrer deste trabalho e


apoiados em nosso embasamento teórico, teceremos algumas considerações a
nosso ver fundamentais para o perfeito entendimento de nossa propositura.
Preocupamo-nos do inicio ao fim desta análise em ampliar a visão sobre o
conto La luz es como el água e aclarar que numa obra literária há sempre varias
interpretações possíveis, bastando para tanto recolher os elementos necessários
para criar os conectivos de coerência que deram suporte para afirmar ou negar algo
sobre a obra em análise, devendo esta ser entendida como mais uma possibilidade
interpretativa.
Procuramos não nos estender sobre os temas abordados por uma questão de
legitimidade, pois um aprofundamento maior, por exemplo, nas temáticas voltadas a
Física, implicaria necessariamente a inserção de formulações matemáticas que não
nos seriam pertinentes, dado que conforme ponderamos no inicio do trabalho, não
tínhamos a intenção de descaracterizar a obra, nem violar os padrões da estética
Realista Maravilhosa.
Não tivemos a pretensão de afirmar ou negar a possibilidade de
concretização dos fatos maravilhosos engenhosamente tramados pelo autor do
conto, mas navegando pelos conceitos quânticos, caóticos e, sobretudo das teorias
relativistas de Einstein passamos a observar essa realidade literária bem mais
próxima à realidade não literária, mais palpável, ainda que não seja essa a função
deste estudo.
Constatamos como resultado de nossa análise que em La luz es como el
água são apresentados fatores marcantes de Realismo Maravilhoso,
indubitavelmente, os evento inexplicáveis, insólitos são aceitos com total
naturalidade por todos os participantes de narrativa, não causa o estranhamento
explicitado por Todorov (1981) que se assim o fosse, o inseriria no gênero fantástico.
Acreditamos que tenhamos cumprido com nossa propositura inicial, visto que
a intersecção dos conceitos físicos com a teoria literária nos foi de grande valia por
nos proporcionar um encontro muito singular com a literatura de García Márquez,
40

afastando as margens restritivas da realidade convencional e fazendo fluir o rio do


imaginário, essencial para a ampliação da visão de mundo e do real, pautado à luz
do processo criativo.
Como resultado, vemos que esse ponto de intersecção, é um terreno muito
fecundo para alicerçar a tecitura de diversos estudos sobre essa e outras obras
literárias, dando uma maior liberdade na análise.
A mescla do realismo com o maravilhoso visto pelo viés dos conceitos físico-
quântico-relativistas nos propicia remar em direção ao campo do imaginário, das
probabilidades e principalmente das possibilidades que podem resultar em avanços
significativos na ciência em geral, basta relembrar que parte das comprovações
empíricas da física partiram de experimentos mentais, transitando inicialmente na
esfera das ideias, desta feita, não somente em razão da obra corpus deste trabalho,
vemos García Márquez como autor à frente de nosso tempo.
41

REFERÊNCIAS

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2002. 134 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em
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42

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SILVA, Lidia Basso e. Teoria do Caos. Revista Espaço de Sophia, n. 08, p. 08, Nov
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STRATHERN, Paul. García Márquez em 90 minutos. Trad. Lygia Maria Jobim. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar 102, 2009.

TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. Trad. Leyla Perrone-Mosés. São


Paulo: 4 ed. Perspectiva 206, 2004.

_________________. Introdução à literatura fantástica. Trad. Silvia Delpy. México


D.F.: Premia S.A, 96 p., 1981

_________________. Poética da Prosa. Trad. Maria de Santa Cruz. São Paulo:


Edições 70, 1979.
43

ANEXO - La luz es como el agua54.

En Navidad los niños volvieron a pedir un bote de remos.


-De acuerdo -dijo el papá, lo compraremos cuando volvamos a Cartagena.
Totó, de nueve años, y Joel, de siete, estaban más decididos de lo que sus padres
creían.
-No -dijeron a coro-. Nos hace falta ahora y aquí.
-Para empezar -dijo la madre-, aquí no hay más aguas navegables que la que sale
de la ducha.
Tanto ella como el esposo tenían razón. En la casa de Cartagena de Indias había un
patio con un muelle sobre la bahía, y un refugio para dos yates grandes. En cambio
aquí en Madrid vivían apretados en el piso quinto del número 47 del Paseo de la
Castellana. Pero al final ni él ni ella pudieron negarse, porque les habían prometido
un bote de remos con su sextante y su brújula si se ganaban el laurel del tercer año
de primaria, y se lo habían ganado. Así que el papá compró todo sin decirle nada a
su esposa, que era la más reacia a pagar deudas de juego. Era un precioso bote de
aluminio con un hilo dorado en la línea de flotación.
-El bote está en el garaje -reveló el papá en el almuerzo-. El problema es que no hay
cómo subirlo ni por el ascensor ni por la escalera, y en el garaje no hay más espacio
disponible.
Sin embargo, la tarde del sábado siguiente los niños invitaron a sus condiscípulos
para subir el bote por las escaleras, y lograron llevarlo hasta el cuarto de servicio.
-Felicitaciones -les dijo el papá ¿ahora qué?
-Ahora nada -dijeron los niños-. Lo único que queríamos era tener el bote en el
cuarto, y ya está.
La noche del miércoles, como todos los miércoles, los padres se fueron al cine. Los
niños, dueños y señores de la casa, cerraron puertas y ventanas, y rompieron la
bombilla encendida de una lámpara de la sala. Un chorro de luz dorada y fresca
como el agua empezó a salir de la bombilla rota, y lo dejaron correr hasta que el
nivel llego a cuatro palmos. Entonces cortaron la corriente, sacaron el bote, y
navegaron a placer por entre las islas de la casa.
Esta aventura fabulosa fue el resultado de una ligereza mía cuando participaba en

54
O conto La luz es como el agua, está disponivel em: http://www.ciudadseva.com/textos/cuentos/
esp/ggm/luzescom.htm acessado em 09 de nov 2009 às 15 hs e 21 min.
44

un seminario sobre la poesía de los utensilios domésticos. Totó me preguntó cómo


era que la luz se encendía con sólo apretar un botón, y yo no tuve el valor de
pensarlo dos veces.
-La luz es como el agua -le contesté: uno abre el grifo, y sale.
De modo que siguieron navegando los miércoles en la noche, aprendiendo el
manejo del sextante y la brújula, hasta que los padres regresaban del cine y los
encontraban dormidos como ángeles de tierra firme. Meses después, ansiosos de ir
más lejos, pidieron un equipo de pesca submarina. Con todo: máscaras, aletas,
tanques y escopetas de aire comprimido.
-Está mal que tengan en el cuarto de servicio un bote de remos que no les sirve para
nada -dijo el padre-. Pero está peor que quieran tener además equipos de buceo.
-¿Y si nos ganamos la gardenia de oro del primer semestre? -dijo Joel.
-No -dijo la madre, asustada-. Ya no más.
El padre le reprochó su intransigencia.
-Es que estos niños no se ganan ni un clavo por cumplir con su deber -dijo ella-,
pero por un capricho son capaces de ganarse hasta la silla del maestro.
Los padres no dijeron al fin ni que sí ni que no. Pero Totó y Joel, que habían sido los
últimos en los dos años anteriores, se ganaron en julio las dos gardenias de oro y el
reconocimiento público del rector. Esa misma tarde, sin que hubieran vuelto a
pedirlos, encontraron en el dormitorio los equipos de buzos en su empaque original.
De modo que el miércoles siguiente, mientras los padres veían El último tango en
París, llenaron el apartamento hasta la altura de dos brazas, bucearon como
tiburones mansos por debajo de los muebles y las camas, y rescataron del fondo de
la luz las cosas que durante años se habían perdido en la oscuridad.
En la premiación final los hermanos fueron aclamados como ejemplo para la
escuela, y les dieron diplomas de excelencia. Esta vez no tuvieron que pedir nada,
porque los padres les preguntaron qué querían. Ellos fueron tan razonables, que
sólo quisieron una fiesta en casa para agasajar a los compañeros de curso.
El papá, a solas con su mujer, estaba radiante.
-Es una prueba de madurez -dijo.
-Dios te oiga -dijo la madre.
El miércoles siguiente, mientras los padres veían La Batalla de Argel , la gente que
pasó por la Castellana vio una cascada de luz que caía de un viejo edificio
45

escondido entre los árboles. Salía por los balcones, se derramaba a raudales por la
fachada, y se encauzó por la gran avenida en un torrente dorado que iluminó la
ciudad hasta el Guadarrama.
Llamados de urgencia, los bomberos forzaron la puerta del quinto piso, y
encontraron la casa rebosada de luz hasta el techo. El sofá y los sillones forrados en
piel de leopardo flotaban en la sala a distintos niveles, entre las botellas del bar y el
piano de cola y su mantón de Manila que aleteaba a media agua como una
mantarraya de oro. Los utensilios domésticos, en la plenitud de su poesía, volaban
con sus propias alas por el cielo de la cocina. Los instrumentos de la banda de
guerra, que los niños usaban para bailar, flotaban al garete entre los peces de
colores liberados de la pecera de mamá, que eran los únicos que flotaban vivos y
felices en la vasta ciénaga iluminada. En el cuarto de baño flotaban los cepillos de
dientes de todos, los preservativos de papá, los pomos de cremas y la dentadura de
repuesto de mamá, y el televisor de la alcoba principal flotaba de costado, todavía
encendido en el último episodio de la película de media noche prohibida para niños.
Al final del corredor, flotando entre dos aguas, Totó estaba sentado en la popa del
bote, aferrado a los remos y con la máscara puesta, buscando el faro del puerto
hasta donde le alcanzó el aire de los tanques, y Joel flotaba en la proa buscando
todavía la altura de la estrella polar con el sextante, y flotaban por toda la casa sus
treinta y siete compañeros de clase, eternizados en el instante de hacer pipí en la
maceta de geranios, de cantar el himno de la escuela con la letra cambiada por
versos de burla contra el rector, de beberse a escondidas un vaso de brandy de la
botella de papá. Pues habían abierto tantas luces al mismo tiempo que la casa se
había rebosado, y todo el cuarto año elemental de la escuela de San Julián el
Hospitalario se había ahogado en el piso quinto del número 47 del Paseo de la
Castellana. En Madrid de España, una ciudad remota de veranos ardientes y vientos
helados, sin mar ni río, y cuyos aborígenes de tierra firme nunca fueron maestros en
la ciencia de navegar en la luz.

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