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O RISCO À MARGEM DO DIREITO AMBIENTAL: UM ESTUDO

A PARTIR DA NANOTECNOLOGIA

Roberto de Oliveira Almeida1

1 INTRODUÇÃO

A partir do desastre da usina nuclear de Chernobyl, em 1986, a sociedade se viu


às voltas com um mundo que oferece mais riscos à medida que se moderniza. O projeto de
uma sociedade controladora dos efeitos colaterais oriundos do processo de industrialização é
frustrado na Segunda Modernidade. Foi a partir desta constatação, extraída do acidente em
Chernobyl, que o sociólogo alemão Ulrich Beck elevou o risco para o centro da teoria social.
Com efeito, em sua construção teórica, Beck considera o risco como um elemento-chave para
o entendimento do mundo contemporâneo.

Além de transformações políticas, sociais e econômicas, os riscos engendraram


mudanças jurídicas. Os instrumentos tradicionais de imputação de responsabilidade, por
exemplo, foram modificados substancialmente com vistas a acompanhar as novas
propriedades dos riscos oriundos do processo de radicalização da modernização. Os princípios
da precaução e da prevenção tornaram-se vetores interpretativos imprescindíveis para a
aplicação da legislação ambiental. A inclusão dos leigos no debate acerca dos riscos também
foi ampliada através da possibilidade de participação em audiências públicas, conselhos e
comitês e enquanto legitimados para propor ação popular.

Em que pese esta mudança ontológica por que passou o Direito Ambiental – do
dano ao risco – ainda existem riscos desconhecidos oriundos de novas tecnologias que
permanecem à sua margem. O presente artigo tem como escopo analisar os riscos advindos da
nanotecnologia e as conseqüências que sua permanência à margem do debate jurídico traz
para os fundamentos do Direito Ambiental contemporâneo.

2 MODERNIDADE E RISCO

A modernização impõe o confrontamento das premissas fundamentais do sistema


social e político da sociedade industrial. Esse choque não se constitui uma revolução ou crise.
Em verdade, o sucesso da modernização inicia um processo de destruição criativa da
civilização industrial, o que Beck denomina de modernização reflexiva, que provoca uma
dissolução das premissas e dos contornos da sociedade, abrindo sendas uma nova
modernidade.

Por reflexividade deve-se entender uma autoconfrontação com os efeitos da


sociedade de risco. Isto se deve pelo fato de que a transição da sociedade industrial para o
período de risco da modernidade ocorre de maneira despercebida, não constituindo uma opção
que se possa escolher ou rejeitar no decorrer dos processos de disputas políticas. Assim,
diante dessa transição autônoma, despercebida e indesejada, são verificados efeitos da
sociedade de risco que não são assimilados pelos padrões institucionais da sociedade

1
Acadêmico do décimo período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), em
São Luís (MA). e-mail: roberto.almeida@msn.com
industrial. Nesta, os conflitos acerca da distribuição de bens (empregos, renda, seguridade
social) constituíam um tema central. Na sociedade do risco, ao contrário, surgem conflitos de
responsabilidade distributiva, isto é, conflitos acerca da distribuição, controle, prevenção e
legitimação dos riscos decorrentes do avanço tecnológico e científico.2

O processo de modernização torna-se um problema na medida em que as


instabilidades e riscos são oriundos das novidades tecnológicas e organizacionais introduzidas
de forma não refletida na sociedade. Começam a tomar corpo, na sociedade de risco, as
ameaças produzidas no desenvolver da sociedade industrial, levando ao surgimento da
necessidade de redefinir os padrões relativos à responsabilidade, segurança, controle e
distribuição das conseqüências dos danos. Nesta nova época, devem ser levadas em conta
também as ameaças potenciais, que escapam à percepção sensorial e não podem ser
determinadas pela ciência.

O risco, para Ulrich Beck3, é um conceito relativamente novo. Em que pese a


possibilidade de se entender a sociedade como uma resposta a todos os perigos possíveis, é só
com a modernidade que nasce o conceito de risco. Em épocas mais remotas, em que a
humanidade se via à mercê de catástrofes naturais ou intervenção dos deuses, estar-se-ia
diante de perigos. Estes compreendem todas as ameaças que não são interpretadas como
condicionadas pelos seres humanos. O conceito de risco, por outro lado, surge com as
decisões humanas, isto é, são originados pelo processo civilizacional e modernização
progressiva. A civilização – que busca tornar previsíveis as imprevisíveis conseqüências das
suas decisões, que busca controlar o incontrolável e sujeitar os efeitos colaterais a medidas
preventivas – acaba por criar o risco.4

Na sociedade contemporânea, contudo, esta lógica do seguro privado é


confrontada pela mudança substancial nas qualidades dos riscos. Isto porque o cálculo do
risco pressupõe um acidente, isto é, um acontecimento delimitado social, espacial e
temporalmente. Na atualidade, os riscos oriundos das novas tecnologias presentes na Segunda
Modernidade fazem com que já não seja possível determinar o grupo de pessoas afetadas,
tampouco delimitar territorialmente as conseqüências e muito menos precisar até quando estas
perdurarão.5 O imprevisível já não pode ser antecipado e não há respostas institucionalizadas
para os riscos.

São inúmeros os riscos advindos da radicalização do processo de modernização.


Podem ser citadas a energia nuclear, o plantio e consumo de organismos geneticamente
modificados, o uso de agrotóxicos e a utilização de células-tronco pela medicina. Tais riscos
têm várias características em comum: não podem ser limitados em espaço e tempo, não
existem certezas científicas acerca das suas possíveis conseqüências ao meio ambiente e são
objeto de debate jurídico. Contudo, há riscos advindos de novas tecnologias que ainda estão à
margem do Direito Ambiental, não sendo por ele regulamentados e cujo debate acadêmico
ainda é incipiente. É o caso da nanotecnologia.

2
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK, Ulrich;
GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social
moderna. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. p. 17.
3
Cf. BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hacia una nueva modernidad. Ed. Paidós Ibérica: Barcelona, 1998.
4
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo: Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. Trad. Luiz Antônio
Oliveira de Araujo. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 115.
5
LEITE, José Rubens Morato, AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed.
rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 13.
3. NANOTECNOLOGIA E RISCOS DE GRAVES CONSEQUÊNCIAS

As possibilidades de manipulação de materiais em escala nanométrica foram


aventadas em 1959, a partir da apresentação do físico Richard Feynman, no encontro anual da
Sociedade Americana de Física. Em sua palestra intitulada “Há mais espaço lá embaixo”
(There’s plenty of room at the bottom), Feynman defende a ausência de quaisquer obstáculos
teóricos à construção de dispositivos bastante pequenos, compostos por elementos igualmente
diminutos. O termo “nanotecnologia”, contudo, veio a ser utilizado somente em 1974, quando
Norio Taniguchi, pesquisador da Universidade de Tokyo, se referiu à habilidade de engendrar
materiais precisamente ao nível nanométrico.6

Os termos “nanotecnologia” e suas demais variações são derivados da palavra


grega “nano”, que significa “anão”. Um nanômetro (1nm) é o equivalente a um bilionésimo
de um metro. Medidas nessa escala são difíceis de imaginar. A título de comparação: uma
pulga possui 1.000.000nm (um milhão de nanômetros); um fio de cabelo humano, por sua
vez, possui 80.000nm (oitenta mil nanômetros); um glóbulo vermelho possui cerca de
7.000nm (sete mil nanômetros); bactérias possuem 1.000nm (mil nanômetros).7

3.1 Nanopartículas naturais e artificiais

Partículas em nanoescala não são novas e sempre estiveram presentes na natureza.


Contudo, há uma diferença substancial entre estas e as artificialmente manufaturadas.
Partículas de sal, por exemplo, são solúveis em água. Se inaladas, ao entrarem em contato
com o tecido, imediatamente se dissolvem e perdem a sua forma. Partículas oriundas de
processos de combustão, apesar de insolúveis, têm uma grande tendência à aglomeração,
formando micropartículas de diferentes propriedades. Nanopartículas artificialmente
manufaturadas possuem propriedades bem diferentes das naturais e isso constitui o seu grande
atrativo. Ao contrário das naturais, elas têm tendência à dispersão, dado o seu revestimento
peculiar. A lógica é simples: a fim de evitar que nanopartículas se aglomerem e formem
micropartículas – o que geraria uma perda de propriedades alcançadas com a miniaturização –
estas são revestidas de maneira especial. Assim, não importando quanto tempo passe, as
nanopartículas artificiais continuam reativas e bastante móveis. 8

3.2 Nanomateriais na indústria

Nanomateriais interessam à indústria por vários motivos. Partículas menores do


que 50nm já não são regidas pelas clássicas leis da física, mas da física quântica. Isso
significa que nanopartículas podem assumir diferentes propriedades óticas, magnéticas e
elétricas, o que as distingue substancialmente das partículas maiores da mesma família.
Também, devido à dimensão reduzida, a razão entre massa e superfície é diferenciada. Quanto
menor um corpo, maior é a superfície em relação a sua massa, o que significa dizer que,
quanto menor a partícula, mais átomos existirão na sua superfície e menos átomos em seu
interior.9 Por exemplo, uma partícula de 30nm possui somente 5% dos seus átomos na sua
6
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING. Nanoscience and
nanotechnologies: opportunities and uncertainties. Plymouth: Latimer Trend Ltd., 2004. p. 5. Disponível em:
http://www.nanotec.org.uk/finalReport.htm. Acesso em: 25/03/2009.
7
SWISS REINSURANCE COMPANY. Nanotechnology: small matter, many unknowns. Zurich: SwissRe,
2004. p. 5. Disponível em: http://www.swissre.com/INTERNET/pwsfilpr.nsf/vwFilebyIDKEYLu/ULUR-
5YNGET/$FILE/Publ04_Nanotech_en.pdf. Acesso em: 25/03/2009.
8
Ibid., p. 13.
9
Ibid., p. 12.
superfície, enquanto uma partícula de 3nm possui 50%. Pelo fato de reações químicas
catalíticas e de crescimento ocorrerem nas superfícies, os nanomateriais se tornam bem mais
reativos do que os mesmos materiais em largas partículas.10

Nanomateriais já são utilizados em larga escala pela indústria. Na medicina, os


avanços em nanoescala podem ser vislumbrados quando nanomateriais passivos ou ativos são
utilizados para aplicar drogas em locais e momentos desejados, reduzindo efeitos colaterais,
levando a uma melhor resposta do organismo e à utilização de menores dosagens. Substâncias
como beta-ciclodextrina ou HDL sintético (High Density Lipoprotein) – o colesterol bom –
são utilizadas em antiinflamatórios, antialérgicos, antiácidos e no tratamento de determinados
tipos de câncer.11 A indústria de protetores solares utiliza dióxido de titânio e óxido de zinco,
cujo principal atrativo é a possibilidade de absorver e refletir raios ultra-violetas ao mesmo
tempo em que são transparentes à luz visível.12

No ano de 2002, a instituição ETC Group, por ocasião da publicação de um


estudo, afirmou que em 2012 todo o mercado de informática (eletrônicos, magnéticos e óticos
inclusos) seria dependente de nanomateriais.13 Tal previsão vem se mostrando acertada na
medida em que os recentes lançamentos da área da informática, em sua grande maioria,
utilizam a nanotecnologia. Modernos microprocessadores, memórias flash, microchips e
monitores em LCD (cristal líquido), atualmente, dependem de nanotubos de carbono para que
sejam produzidos.

Nanomateriais também são utilizados pela indústria na produção de revestimentos


e superfícies. Nanopartículas de dióxido de silício são largamente utilizadas em vidros, dada a
sua capacidade de absorver a luz, gerando, assim, propriedades anti-reflexos. Vidros
revestidos por dióxido de titânio ativado possuem propriedades auto-limpantes e anti-
bacterianas.14

No setor energético, o armazenamento e a geração de energia também se tornaram


mais eficientes a partir da utilização da nanotecnologia. Nanopartículas de íon lítio
contribuíram para a redução no tamanho e aumento da capacidade dos dispositivos de
armazenamento. Na fabricação de células fotoelétricas – capazes de gerar energia a partir da
luz do Sol – polímeros e células nanocristalinas aumentam a eficiência e redução de custos
dos materiais. Por conta da grande área de superfície, possibilitam o aumento da absorção de
energia a partir da utilização de menor espaço.15

3.3 Nanomateriais e o corpo humano

O contato das partículas com os seres humanos ocorre, essencialmente, de três


maneiras: se inaladas, engolidas ou absorvidas pela pele. Para essas três vias, o organismo
humano possui defesas naturais contra matérias a ele estranhas. A despeito do funcionamento
de tais mecanismos e da prévia existência de nanopartículas naturais, novos questionamentos
10
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit., p. 7.
11
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST. Future Technologies, Today’s Choices: Nanotechnology,
Artificial Intelligence and Robotics; A technical, political and institutional map of emerging technologies.
Londres: Greenpeace Environmental Trust, 2003, p. 28. Disponível em
http://www.greenpeace.org.uk/MultimediaFiles/Live/FullReport/5886.pdf. Acesso em: 25/03/2009.
12
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit., p. 10.
13
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST, 2003, op. cit., p. 22.
14
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit., p. 11.
15
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST, 2003, op. cit., p. 30.
devem ser feitos quando da absorção de nanopartículas artificiais. Com o tamanho reduzido,
alto grau de reatividade e grande área de superfície, materiais que seriam considerados
inofensivos podem representar um grande perigo para os seres humanos.

Nanopartículas, se inaladas, podem causar danos completamente diferentes dos


causados por partículas de maiores dimensões. Em primeiro lugar, dado o seu tamanho
reduzido, nanopartículas podem penetrar mais profundamente nos pulmões. Existem
evidências científicas de que determinadas partículas escapam à defesa do sistema respiratório
e, ao atingirem os alvéolos (onde ocorrem as trocas gasosas), penetram na corrente sanguínea.
Além da possibilidade de penetração de nanopartículas na corrente sanguínea e do acesso
irrestrito aos demais órgãos, o sistema respiratório pode ser danificado pela simples presença
das mesmas.

Tal nocividade é conseqüência direta de dois fatores. O primeiro, relativo à


sobrecarga dos fagócitos (células encarregadas de eliminar matéria estranha ao sistema
respiratório). Isto ocorre quando os “invasores” excedem a capacidade de defesa das células.
Como conseqüência, há inflamações nos tecidos pulmonares e o enfraquecimento do seu
sistema imunológico, o que deixa o organismo mais propenso a infecções.16

A reatividade dos nanomateriais, a depender do seu revestimento, pode causar


danos químicos ao tecido que com eles estiver em contato. Tal reatividade é devida à presença
de radicais livres, que são átomos que possuem um número reduzido de elétrons. Estes
átomos “furtam” elétrons de células vizinhas para aperfeiçoar sua própria estrutura, criando,
assim, outro radical livre. Este novo radical livre também irá “furtar” elétrons das outras
células, e assim por diante, gerando uma reação em cadeia. A formação de radicais livres é
comum em um organismo saudável, onde existem, inclusive, enzimas responsáveis pela sua
eliminação. Porém, tais processos ocorrem localmente e em um ambiente quimicamente
equilibrado. Os radicais danosos, cujos efeitos são intensificados por fatores exógenos
(nanopartículas reativas, radiação, raios solares, e.g.), prejudicam tal equilíbrio químico do
organismo e podem contribuir para a formação de tumores.17

Outra via de acesso ao corpo humano é o trato intestinal. O sistema digestivo


possui duas funções básicas: ingestão de alimentos e expulsão de matérias indesejadas pelo
organismo. As substâncias “desejadas” são digeridas por enzimas e absorvidas pelo intestino,
enquanto as nocivas são mantidas no trato intestinal e eliminadas na forma de fezes ou pela
via dos nódulos linfáticos.

Nanopartículas são absorvidas pelas placas de Peyer, que são nódulos de tecidos
linfáticos associados ao intestino. Tais nódulos absorvem partículas maiores em bolhas e as
transporta aos vasos linfáticos, onde são eliminadas pelo organismo. O problema relacionado
aos nanomateriais é que estes, ao penetrarem no sistema linfático, podem chegar à corrente
sanguínea.18

Quando as nanopartículas transpõem a barreira de tais órgãos de acesso ou quando


são inseridas deliberadamente na corrente sanguínea (medicamentos e contrastes), uma nova
série de questionamentos emerge. Em regra, partículas estranhas, quando presentes no sistema
circulatório, são absorvidas por fagócitos e são expulsas do organismo. Nanopartículas de
16
SWISS REINSURANCE COMPANY, 2004, op. cit., p. 16.
17
Idem.
18
Ibid., p. 20.
tamanho inferior a 200nm não são absorvidas por fagócitos, mas, surpreendentemente, por
células que sequer desempenham a função de defesa. Uma vez absorvidas por tais células
(glóbulos vermelhos, e.g.), podem transitar pelo organismo. Coração, medula, ovários, fígado,
músculos e até mesmo o cérebro – o mais protegido órgão do corpo humano – são penetrados,
sem maiores dificuldades, por nanopartículas presentes no sangue.19

Nanomateriais que atingem a corrente sanguínea se acumulam, principalmente, no


fígado. A sua presença pode desencadear processos inflamatórios, lesões ao seu tecido e, a
depender do grau de reatividade das nanopartículas, também é possível que se formem
tumores.

3.4 Nanomateriais e o meio ambiente

Por conta das técnicas de produção e da grande disseminação dos nanomateriais,


estes podem ser despejados na água ou no ar e, em última instância, o solo e os lençóis
freáticos podem ser atingidos. Além disso, nanopartículas vêm sendo utilizadas, cada vez
mais, em materiais descartáveis, o que torna inevitável o seu contato com o meio ambiente
quando estes são reciclados ou eliminados como lixo. Por constituírem uma nova classe de
materiais não-biodegradáveis, as conseqüências para o meio ambiente e o seu comportamento
a longo prazo são difíceis de prever.

Ao contrário das partículas oriundas da combustão de diesel, nanopartículas


artificiais não tendem a se agregar, permanecendo e se espalhando pela atmosfera por muito
mais tempo, o que aumenta significativamente a possibilidade de inalação por seres humanos
e animais.

Nanopartículas também podem contribuir para o aumento da distribuição de


poluentes no solo. Esta conclusão foi obtida através da observação dos colóides, cujas
propriedades permitem a sua união com poluentes insolúveis em água e metais pesados. Por
serem menores e apresentarem maior área de superfície, uma maior quantidade de poluentes
pode se unir às nanopartículas, sendo absorvidos em maior quantidade e em maior velocidade
pelo solo.20

A partir das incertezas científicas, emergem cenários mais pessimistas. O que


aconteceria se nanopartículas altamente tóxicas fossem espalhadas pelo meio ambiente? Seria
possível retirá-las de circulação? Haveria alguma possibilidade de removê-las da água, solo
ou ar? A eliminação de nanopartículas do meio ambiente constitui um desafio aos cientistas,
já que os procedimentos até então estudados são de alto custo e inadequados para a utilização
em larga escala. Na remoção das partículas de líquidos, os procedimentos mais utilizados são
a centrifugação e ultrafiltragem.21 Quando se trata da purificação do ar, filtros atualmente
utilizados em prédios e fábricas possuem poros grandes demais para a retenção de
nanopartículas. Questões relativas à pressão do ar e ao bloqueio dos poros por partículas
maiores são alguns problemas que devem ser superados para que os nanomateriais possam ser
retidos.

Neste cenário de ausência de certeza científica (ou, pelo menos, de certezas


científicas contraditórias) em torno dos riscos relacionados à nanotecnologia, emerge o debate
19
Ibid., p. 22.
20
Ibid., p. 29.
21
Ibid., p. 30.
sobre a invisibilidade do tema para o discurso jurídico, anonimato este parcialmente resultante
das lacunas de conhecimento quanto às tecnologias infinitesimais. Este é o nó górdio do
trabalho que ora se apresenta, ponto que se objetiva discutir no item subseqüente.

4. A NANOTECNOLOGIA À MARGEM DO DIREITO

O desenvolvimento econômico e industrial ocorre de maneira cíclica. Uma análise


histórica dos dados demonstra que este é marcado por grandes “picos” e “vales”, que
representam momentos de grande expressão econômica acompanhados por momentos de
recessão. A partir dos estudos de Schumpeter, foi possível verificar a existência de ciclos
econômicos consubstanciados em processos de destruição criativa, que consistem em períodos
cujas ondas de inovações revolucionam a estrutura econômica vigente. Impulsionadas pela
concorrência, estas ondas fazem com que os novos produtos, processos e métodos de
organização industrial se sobreponham aos antigos.22

Nas décadas de 1970 e 1980, Freeman e Perez notaram que tal processo inovativo
não modifica somente as estruturas econômicas vigentes, mas todo o aparato institucional
estabelecido, mudando a forma do progresso tecnológico em um sentido amplo e construindo
um novo paradigma técnico-econômico. Para que um novo paradigma técnico-econômico
desloque o antigo completamente, tornando-se dominante, é necessário que satisfaça três
condições: custos decrescentes, incremento na oferta e aplicações penetrantes.23

Este novo paradigma técnico-econômico inaugurado pela sociedade de risco –


onde a modernização, em seu sucesso, ameaça a existência humana – inicia um processo de
destruição criativa cujas conseqüências institucionais são bem mais profundas. Por conta da
insuficiência dos instrumentos (ou procedimentos) ora instituídos para a proteção ambiental,
surge a necessidade de correção deste quadro. Para Morato Leite, o Direito Ambiental
contemporâneo orbita ao redor de três eixos de argumentação: a necessidade de adequação
aos novos direitos ambientais, a revisão da forma de funcionamento dos tradicionais
processos de decisão e quais as perspectivas acerca deste novo Direito.24

Os novos direitos ambientais a que se refere Morato são caracterizados, agora,


pela recuperação dos ideais éticos do meio ambiente, bem como uma perspectiva do mundo e
da natureza enquanto ecossistema, dando-se ênfase aos ideais de solidariedade e
responsabilidade no trato do bem ambiental. Para que haja o desenvolvimento e organização
destes instrumentos de planejamento e gestão dos ecossistemas complexos, deve-se
considerar, assim, o elemento risco.25

O risco, por sua vez, desafia o Direito Ambiental, levando-o a se questionar sob
que condições esta salvaguarda coletiva e transgeracional pode ser concretizada. Para
Benjamin, o Direito do Ambiente passa de um direito de danos (preocupado em reparar ou
quantificar os prejuízos ao meio ambiente) para um direito de riscos, cuja principal
preocupação é evitar a degradação ambiental. Para que o Direito se ajuste às incertezas e para

22
SANTOS JUNIOR, J. L.; SANTOS, W. L. P.. Nanotecnologia e riscos ambientais: uma reflexão sobre a
ingerência das ciências humanas sociais na construção de um debate crítico. In: Anais do IV Encontro da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ambiente e Sociedade. Brasília-DF: Anppas, 2008, p. 6.
23
Ibid., p. 8.
24
LEITE e AYALA, 2004, op. cit., p. 202-203.
25
Ibid., p. 204.
que sejam corrigidas as suas desfuncionalidades e deficiências, deve lançar mão de um
sistema de avaliação integral dos riscos.26

Para que o Direito do Ambiente compreenda os problemas ambientais e ofereça


soluções viáveis e suficientes, este deve recorrer, inevitavelmente, ao conhecimento
científico. Entretanto, no quadro de incertezas produzidas pela própria ciência, para que haja a
caracterização do risco ambiental – que já não é mais prévia ou previsível – mandados de
proporcionalidade e complexos julgamentos políticos e sociais se tornam extremamente
necessários.27

Indo além, Portanova entende que as novidades do Direito Ambiental


contemporâneo não se restringem às ampliações na abordagem do tema, mas também na
mudança de atitude e comportamento que este conjunto de normas, princípios e valores tem
imposto sobre a própria ciência jurídica, questionando os seus fundamentos epistemológicos.
Esta mudança nos paradigmas nas ciências jurídicas leva a uma abordagem epistemológica do
direito que confronta o próprio comportamento da sociedade. Não estão em xeque, tão
somente, os princípios ortodoxos que fundamentam a atual ciência jurídica. Há a necessidade,
para a civilização, que haja uma mudança de atitude com vistas a estabelecer um ordenamento
jurídico que tenha como norte a sustentabilidade das atuais e futuras gerações.28

Um quadro representativo desta virada epistemológica por que passa o Direito do


Ambiente pode ser vislumbrado na esfera da tutela jurídica do dano ambiental, onde já não se
exige que este se enquadre na moldura convencional de imputação da responsabilidade. A
percepção da existência dos riscos invisíveis da Segunda Modernidade também leva à ruptura
com os requisitos da certeza e atualidade do dano, passando o Direito Ambiental a ser guiado
pela aplicação das suas normas à luz do princípio da precaução, onde a dúvida e a incerteza
possuem um papel determinante no atuar preventivo.29 Porém, lembra De Giorgi, tais
princípios consistem em premissas que adquirirão realidade somente quando da sua aplicação,
isto é, através da sua construção na práxi decisória.30 Enquanto existirem riscos, como a
nanotecnologia, que passam ao largo do debate jurídico, tais princípios consistirão, somente,
em premissas.

Atualmente, a nanotecnologia carece de regulamentação. Não há legislação


federal que verse sobre a matéria, restando arquivada a única tentativa nesse sentido, referente
ao Projeto de Lei nº. 5.076/2005. Os regulamentos do Ministério da Ciência e Tecnologia
contemplam, tão somente, questões relativas ao desenvolvimento econômico e tecnológico,
omitindo-se nas questões relativas aos riscos. Também não há precedentes jurisprudenciais e
o debate acadêmico ainda é incipiente. Estes fatores demonstram o desafio imposto ao Direito
quando da necessidade de concretização de instrumentos de proteção em face de ameaças que
sequer por ele foram reconhecidas. Num retorno à perspectiva construtivista proposta por

26
BENJAMIN, Antonio Herman de V. e SICOLI, José Carlos Meloni. (Orgs.). Anais do 5º Congresso
Internacional de Direito Ambiental, de 4 a 7 de junho em 2001. O futuro do controle da poluição e da
implementação ambiental. São Paulo: IMESP, 2001, p. 61.
27
LEITE e AYALA, 2004, op. cit., p. 209.
28
PORTANOVA, Rogério. Direitos Humanos e Meio Ambiente: Uma Revolução de Paradigma para o século
XXI. In: LEITE, José Rubens Morato, BELLO FILHO, Ney de Barros. (Orgs.). Direito Ambiental
Contemporâneo. Barueri: Manole, 2004, p. 622-623.
29
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no
direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 142.
30
GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1998, p. 158.
Beck: se o reconhecimento dos riscos corresponde à institucionalização dos perigos e
oferecimento de respostas para estes, isto significaria dizer, diante da inexistência destas, que
os riscos não são reconhecidos pelo Direito como tais. Apesar de oferecerem ameaças à
sociedade.

Os riscos da Segunda Modernidade, quando assim reconhecidos, impõem ao


Direito a necessidade de apresentar respostas em contextos de incerteza. A nanotecnologia,
por outro lado, faz transparecer a já obsolecência dos instrumentos de que lança mão o Direito
quando da tentativa de oferecer respostas à Segunda Modernidade e seus desdobramentos.
Esta ameaça aos pilares da lógica e racionalidade sobre os quais repousa o Direito denota a
necessidade de elaboração de um novo paradigma que, eficientemente, seja capaz de regular a
sociedade global do risco e assegurar uma nova segurança jurídica e social.31

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS

1. O processo de modernização reflexiva, além de engendrar mudanças políticas e


sociais, tem como conseqüência a necessidade de adequação dos instrumentos jurídicos
ortodoxos à nova realidade dos riscos ambientais.

2. A nanotecnologia, a despeito da potencialidade de causar danos à saúde


humana ou ao meio ambiente, ainda é pouco debatida não é objeto de lei federal ou
regulamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, o que denota a invisibilidade do tema
para o discurso jurídico.

3. A permanência da nanotecnologia à margem do debate jurídico e o seu não


reconhecimento enquanto risco demonstram a obsolescência dos instrumentos de proteção ora
estabelecidos, impondo, ao Direito, a necessidade de revisão dos seus paradigmas
epistemológicos de racionalidade com vistas a uma nova segurança jurídica e social.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In:
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política,
tradição e estética na ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1997.

BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hacia una nueva modernidad. Ed. Paidós Ibérica:
Barcelona, 1998.

BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo: Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.
Trad. Luiz Antônio Oliveira de Araujo. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

BENJAMIN, Antonio Herman de V. e SICOLI, José Carlos Meloni. (Orgs.). Anais do 5º


Congresso Internacional de Direito Ambiental, de 4 a 7 de junho em 2001. O futuro do
controle da poluição e da implementação ambiental. São Paulo: IMESP, 2001.

31
LEMOS, Marco Antônio da Silva. O Direito como regulador da sociedade de riscos. In: VARELLA, Marcelo
Dias (Org.). Direito, Sociedade e Riscos: a sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco: Rede
Latino-Americana e Européia sobre Governo dos Riscos. Brasília: UniCEUB, UNITAR, 2006, p. 328.
GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST. Future Technologies, Today’s Choices:


Nanotechnology, Artificial Intelligence and Robotics; A technical, political and institutional
map of emerging technologies. Londres: Greenpeace Environmental Trust, 2003, p. 28.
Disponível em http://www.greenpeace.org.uk/MultimediaFiles/Live/FullReport/5886.pdf.
Acesso em: 25/03/2009.

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