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CAPITULO XXI – ENRICAR

- Enricar!

- Louvo a ti, meu irmão, que determinas o melhor para teu bem viver...
Agradeço-vos por dar-me a honra de agir em prol de vossa determinação. Quero ser instrumento
nas mãos de meu Senhor Deus Todo Poderoso e, em nome de nossa mãe Maria, Virgem Santa
Aparecida, conceder-vos a bem aventurança que é de vosso direito a partir deste momento. Peço
somente; cala e ouve! O que queres já é teu... Cala e ouve! Responde somente quando inquirido.
Fala somente quando determinado. Não pergunta! Tudo vos será revelado no devido tempo. Faz
o que mandado. Cumpre vossa obrigação! Sede escravo de vossa vontade e fica conosco até
quando ela o determine ficar... Deixa-nos assim que vosso querer recomendar a saída... Fica até o
fim e recebe tudo o que determinaste para usufruir conforme decida vosso coração. Enfim, usa de
vosso livre arbítrio e faz somente o que for de vossa intenção e, de preferência; Sede Feliz!

Felix ouviu cada palavra com atenção de um aluno em primeiro dia de aula... Nesse dia,
invariavelmente os garotos se sentem assim, como que entrando para um seleto grupo de gentes
vencedoras, pertencentes à confraria dos escrevinhadores, respeitados membros da sociedade
estudantil, alocados alguns níveis acima dos bebes chorões das calças curtas, analfabetos,
rabiscadores de folhas brancas com giz de cera. Ele escutou a fala com aquela convicção de
meninos frente ao professor.
A voz ecoando regras em abundância do outro lado da linha era como um Moises recém chegado
do Monte Sinai com suas Tabuas da lei e a postura do ouvinte era bem característica dos
perseguidos, depois de atravessarem aquele monstruoso Oceano dividido ao meio... Vitoriosos
finalmente. E tanto quanto os ex-escravos judeus; lá também estava ele com aquele peito todo
estufado. Parecia mesmo o tal infante recém chegado à escola primaria. Nessas alturas, os
meninos sempre agem na certeza de haverem galgado nova posição, cheia de importância na
escala social do mundo escolar; então, sentam em suas carteiras individualizadas e carregam, sob
olhares atentos dos irmãos mais novos, os cadernos, onde finalmente escreverão os nomes com as
próprias mãos. E fazem tudo isso com aquela pose, cheios das virtudes que os tornam caras de
sucesso. Caras durões, que nunca mais mijarão nas calças...
E é por isso que nessa boa hora, todos ficam atentos em cada palavra proferida pelo mestre, assim
como Felix ficou concentrado na estranha preleção, e todos os olhos brilham um brilho igual ao
brilho dos olhos de Felix brilhando num olhar encorajado, perdido na penumbra do bar.

Enricar! Quando Felix proferiu o verbo; ele o fez sem muita convicção... Era um bom palpite...
Estava lá, naquela inscrição carimbada na parede do banheiro: Quer enricar?... Liga para o
numero da Ave Maria! A resposta estava cristalinamente apresentada no texto do jornal: Foi
quando desvendei todos os mistérios e determinei: QUERO ENRICAR!

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Ora! Quando o homem perguntou: E o que tu minha irmão, meu irmão, DETERMINASTE para
ti neste bom dia de tua vida? Não havia outra resposta, senão aquela cuja verdade se revelara a
partir dos anagramas construídos como resultado de uma lógica infalível. O jeito Félix de fazer as
coisas; decifração apoiada na dialética inconseqüente de uma centena de chutes esdrúxulos
executados antes da feliz assertiva. Afinal, a voz o questionara: ...O que determinaste?... Era só
seguir o roteiro delineado na escritura: ... Foi quando desvendei todos os mistérios e
DETERMINEI: QUERO ENRICAR! Ele já desvendara todos os mistérios, então, logo, o que
deveria ser determinado agora, não poderia ser outra coisa além de: - QUERO ENRICAR!

É verdade. Estava tudo bem às claras. Parecia fácil... No entanto, na hora de responder à
chamada, Félix amarelou... O medo de suscitar uma desconexão efetivada de maneira perene,
sem outra chance, causou um ligeiro tremor nos lábios e uma respiração descompassada. Por
conta da fala ofegante, que tentou esconder, ele acabou alterando a estrutura sonora da palavra:
Enricar é uma palavra grave cujo acento tônico recai na penúltima silaba e o homem apreensivo
levou a tonicidade da paroxítona para os últimos fonemas, e com esse erro obrigou-se terminar o
som num leve suspiro atônico, emitido forçadamente com o pouco ar restante nos pulmões.
Enrica ar...
Outro motivo que o deixou desconfortável no momento de enunciar a senha se deveu ao fato de
que o verbo em nada combinava com o seu vocabulário cotidiano. E isso o constrangeu... No
conceito dele; era uma palavra bem chula. Para dizer a verdade; era um vocábulo próprio de
Paraíbas - pouco letrados... Peões de obra – sem cultura.
Enricar... O certo era enriquecer. Quer enriquecer? Isto sim uma construção de frase, conforme
mandam as boas regras da gramática... Quer enricar? É coisa de pobre...
Quem quer enriquecer; fala de milhões. Fala em dólares.
Quem quer enricar... Pode estar falando de centavos...
Por conta dessa conclusão de lógica elitista, quando pronunciou o verbo, ele se sentiu como que
esmolando, feito pedinte sentado na calçada, na esquina do Meridien em Copacabana...

Uma vez, como quando executivo da Kent, ele fora encontrar alguns clientes no Hotel e guardou
na memória a imagem de um mendigo barbudo, pés descalços, todo sujo, sentado na calçada, em
frente ao hall de entrada. Felix se lembrou bem de como ficara horrorizado com o descaso da
segurança. Como podiam permitir ao cidadão ficar por ali... Como fosse tudo coisa normal?
Como se não tivessem a responsabilidade de oferecer uma fotografia melhor do país aos
estrangeiros hospedados no lugar... Ele se lembrava bem das feições indigestas do sujeito e de
como elas o abalaram. E foi assim que o narigudo se sentiu ao dizer aquela palavra tola... Enricar.
Ainda, para complementar a cena; Felix desconfiou haver um acento Português na misteriosa voz
empolada do telefone. Na visão dele, para maior constrangimento, a situação lembrava os
estrangeiros do Meridien oferecendo esmola para o mendigo brasileiro, que nesse caso, era ele...
Claro, nem pensou em desligar, mas, causou-lhe abalo aquela sensação desagradável de, na trama
em andamento, interpretar a classe inferior diante de um maldito Portuga. Entrementes, era certo
que ele jamais interromperia aquela ligação; mesmo que o reconhecessem como o pobretão
esmoleiro da esquina... Félix queria enricar e essa era a única coisa importante naquela cena.
Ademais, poderia não ser tão ruim assim, porque, pensando melhor... Ele não tinha certeza se o
sujeito era mesmo natural da boa terra de Camões. De fato, aquela estranha maneira de falar
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quase que induzia o locutor a dar formas diferentes à pronúncia corriqueira e, desse jeito,
floreado, seria mesmo possível enganar o ouvinte. E havendo essa possibilidade, de que os
meneios exigidos para executar a tal dicção extravagante causassem causarem a falsa impressão
de haver um cidadão Lusitano no outro lado da linha, Felix sentiu-se mais tranqüilo de nãoquanto
a estar se rebaixando perante olhoares internacionais...

- Diga Irmão! Posso questionar-te a respeito de algumas coisas?... Somente para conhecer-te
melhor?
- Claro. Estou a sua inteira disposição... Tenho muita experiência no que se refere a grandes
corporações e por certo, possuo uma serie de qualidades que hão de interessar ao grupo. Por isso,
estou à vontade para responder quaisquer questões ao meu alcance nesse momento...
- Ótimo! Faria-me muito feliz, em primeiro lugar, saber de ti algo a respeito de tuas pretensões,
teus desejos, enfim... O que tu gostas?... O que te faz feliz?...
- Do que eu gosto? Não esperava essa pergunta, mas... O que me faz feliz?... O que me faz
feliz?... Bem, eu gosto de dinheiro! Se me derem o dinheiro; o resto eu farei sozinho...
- Ótimo! Muito boa resposta! Parabéns!
- É isso mesmo... O dinheiro é suficiente para que eu seja Feliz...
- Muito bom, mesmo... Estou deverás surpreendido e, considerando tua resposta, eu tenho uma
alcunha perfeita para tua pessoa. Não te preocupes... Receberas um novo nome, temporariamente,
para que possas se identificar junto a nossa irmandade. Eu o chamarei: Babaquara!
- Ãh? Como?
- Babaquara! Guarde bem tua nova alcunha, meu irmão! Dentre nós, tua graça será Babaquara!
Repete, por favor...
- BA – BA – QUA – RA? É isso? Babaquara! Certo?
- Muito Bem! De acordo... Babaquara!
Pois, então... Sempre quando nos contatar deverás te apresentar; Babaquara! Essa será tua nova
denominação e ela será muito importante em nossas relações. Fazemos desta forma, preocupados
unicamente com teus pudores. Queremos preservar-te o anonimato até que venhas confiar
definitivamente na seriedade de nossas intenções. Temos certeza que ao nos conhecer mais a
fundo, te quedara mais tranqüilo para detalhar maiores informações sobre tua pessoa. Daremos
tempo ao tempo para que tudo aconteça como Deus nos guiar... Amém?...
Ah! Sim... Haveria de tua parte algum sentimento que o coloque em contra esse novo nome?
Podemos chamá-lo deste modo... Por enquanto?
- Babaquara? Soa estranho. Parece coisa de índio... Mas, sem problemas...
Babaquara! Nada contra, não... Para ser sincero; eu até gostei!
- Ótimo! Com o tempo acostumaremos com esse novo chamamento e logo será tão natural como
teu próprio nome... Tenho certeza!
- Ah! Certamente! É só uma questão de habito, mesmo...

- Ótimo! Assim poderemos prosseguir em nosso bom caminho...


Com grande respeito, quero sinceramente pedir-te que aceites antecipadas excusas, pois, devo
buscar junto a ti apenas uma informação pessoal... Garanto que não comprometera tua identidade
e nem trará qualquer constrangimento a tua pessoa, contudo, a questã é de suma importância para
fazer avançar nossos negócios. Gostaríamos de saber tua nacionalidade...
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- Como assim?
- És brasileiro? Onde nascestes?... Quem são teus pais?... São brasileiros? Qual tua ascendência?
- Ah! Claro! O senhor me pegou desprevenido, outra vez... Ok. Bem, eu nasci aqui no Rio
mesmo... Ali no bairro das Laranjeiras. Meu pai era Português. Ele veio para cá com uns dezoito
anos junto com seus dois irmãos. Meus tios voltaram para Europa e meu Pai ficou aqui porque
havia conhecido minha mãe. Ela era mineira. O que sei é que por parte de mãe; meu avô era
Espanhol e minha Avó era mineira também... E é mais ou menos isso. Por parte do meu Pai eram
todos Portugueses... Então é isso... Eu sou daqui do Brasil, mas tenho forte ascendência européia.
Aliás, vivi dois anos na Europa onde me formei no Howard Administration Institute na Inglaterra
e também por um ano estive estudando nos Estados Unidos... Ok?
- Perfeito, Babaquara! Tu és mui preciso em tuas respostas... Facilita-me o trabalho. Tens grande
poder de concisão e na mesma medida expressas tuas idéias com clareza cristalina.
- Obrigado. Esta é uma das virtudes necessárias para sobreviver na minha área... Sabe? Eu
trabalhav...
- Sim! De fato deves ser alguém de sucesso em tua profissão. Não tenho dúvidas disso... Posso
imaginar pela singela amostra que com felicidade estou tomando contato, mas, devo pedir: Não
avancemos em informações com as quais ainda não estamos preparados para lidar. Sim?
- ok. Desculpe-me... Estou um tanto ansioso... Isso não se repetirá... Garanto!
- Oh! Por certo, seguiremos sem transtornos... Muito bem! Então és brasileiro?... Natural?...
Veja é muito importante... Não nos engane... És brasileiro legitimo? No futuro, caso tudo
aconteça de acordo com nossas esperanças; terás de comprovar tua Nacionalidade...
- Não haverá qualquer problema nesse assunto, eu garanto! Sou brasileiro, carioca e flamengo
com muito orgulho e com muito amor! Rsrsrsrs
- Vejo que tens senso de humor também... Surpreende-me! Cada vez gosto mais de ti,
Babaquara... Gosto mesmo, de verdade...
- Obrigado!
- Então, vencida esta etapa sigamos em frente...
Babaquara, dizia-me tu... Gostas de dinheiro! Posso imaginar que o tens como grande solução de
teus problemas?
- Não há duvida... Costumam dizer... Aquele velho ditado: O dinheiro não traz felicidade... Mas
eu discordo completamente dessa afirmação. Tenho sim capacidade de gerenciar grandes somas
de dinheiro e, a partir delas, produzir muita felicidade... Tanto para meus clientes como para
mim. Acredite! E posso dar total garantia disso...
- Acredito!
- Éh! Tenho vasta experiência quando se trata de Mercado Financeiro...
- Acredito! Claro... Ora! Então, tu és um Administrador Financeiro? Um Financista...
- É! Pode-se dizer que sim... Por sinal, muito competente!
- Cada vez mais gosto de ti, Babaquara!
- Obrigado! Espero que continuemos assim...
- Sem dúvida!... E para que tudo seja conforme nos levam os caminhos do Senhor, buscaremos
elucidar algumas das duvidas que devam estar a afligir-te o coração...
Então, vamos dialogar mais diretamente a respeito de nossa proposta e do motivo de estarmos
mantendo esta conversa... Amém?
- Pois não...
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- Muito bem! Antes mais uma informação... É certo que, de alguma forma, nós o impactamos
com duas mensagens; na primeira delas havia uma pergunta e uma recomendação e na segunda,
um enigma... Correto?
- É foi isso mesmo...
- Apenas para constar... Gostaríamos de saber onde e quando mantivestes o contato com cada
uma delas?
- O contato? Onde eu vi a mensagem? Bem... Havia uma espécie de carimbo... Era um carimbo
meio azul com a Pergunta... Quero dizer... Bem... Era... Era... Um desenho...
- Sim. Babaquara!
- ok. Era um desenho numa parede... Não lembro bem... Acho que era na parede de um
banheiro...
- Sim...
- Acho que era no banheiro do Clube.
- Clube?
- Não! Quer dizer; era um banheiro... Foi no banheiro do Jokey Club... Claro...
- Ca-rim-bo... Ba-nhe-iro… Jo-key... Clu-b... Estranho!
- Agora me lembro... Foi num domingo. Fui almoçar com a família no Jokey e quando fui ao
banheiro notei a inscrição por ali... No inicio, não entendi muito bem... Devo confessar; o que me
chamou a atenção mesmo foi aquela referencia a mãe Maria, já que em minha casa somos todos
católicos... O senhor sabe?... Aquela coisa de ser uma Casa Portuguesa, com certeza... Entende?
- Amém!
- Aliás, por coincidência, naquela manhã tínhamos assistido à missa, como sempre, e resolvi
levar todos para o Jokey... Almoçar fora... Entende? Em família...
- Amém, Babaquara! È bom saber que comungamos da mesma fé... E depois?
- Depois? Bem, almoçamos e fomos para casa... E mesmo sabendo que meu Flamengo sofrera um
massacre no Sábado, ainda pude acompanhar Vasco e Fluminense antes do dia terminar... Apesar
da derrota de meu time, foi um bom fim de semana. Gosto disso para relaxar das tensões da
semana que é sempre muito intensa no meu trabalho...
- Sim. Mas quando tivestes contato com a segunda mensagem...
- Ah! Foi no jornal... Era terça-feira e eu estava folheando o Jornal de Domingo. Foi na seção...
Eu não lembro bem... Estava lendo o jornal e me deparei com aquela linda oração em
homenagem a Nossa Senhora. Eu não pude deixar de dar a atenção merecida a uma noticia tão
importante para mim... Eu logo reconheci a ligação entre as mensagens e rapidamente decifrei o
enigma... Questão de horas... Umas quatro horas para ser sincero...
Eu fui o primeiro a ligar?
- O Primeiro?... Ora, Babaquara... Não te preocupes com isto! Não estais numa corrida. Aqui nos
interessa única e exclusivamente os caminhos que trilhastes para chegar até nós... Como a mão
invisível o guiou nesta boa jornada... Somente estes fatos são relevantes para nosotros. E pelo que
vejo; tua fé na Virgem Santa o trouxe até aqui, sem que houvestes te preocupado a direção de
teus próprios passos. Isto me alegra o coração, verdadeiramente... Amém! Parabéns, Babaquara!
- E eu fico feliz que a Mãe Maria tenha me guiado até aqui... Graças a Deus! Amém!
- Amém! Mas, prossigamos... Ciente de tua jornada, posso agora expor um pouco mais sobre os
motivos de havermos criado este labirinto para que pudéssemos tê-lo junto à nosotros.

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Por tua própria conta já deves ter percebido que tal condição não esta acessível a qualquer ser
humano. Buscamos trazer para nosso convívio somente pessoas que possuam dons especiais.
Gentes que não passam pela vida como meros coadjuvantes e que têm dentro de si um olhar
diferente para aquilo que outros consideram apenas simples paisagem cotidiana...
- Isso mesmo! Foi isso mesmo que pensei...
- Cala e Ouve! Babaquara! Cala e Ouve!
- Oh! Desculpe-me!...
- Para tanto, haveria uma condição aleatória regida pela cuja vontade divina, cujo objetivo seria
dar chance e o tamanho da a fé de cada agraciadoum conduziria na melhor maneira de conduzi-
lo pelo bom caminho espontaneamente o agraciado até nós... Deste modo, pPrimeiro, o querer de
Deus escolheria alguns, dentre milhões, para fazer parte do grupo a ser impactado pelas duas
mensagens. D e depois, tomando ciência delas, por elas deveria o contemplado demonstrar
interesse tal que, acreditaacreditando, sse e se deixasse envolver por nossa propositura a ponto de
dedicar-se a desvendar o enigma. ... Amém?
Então, em verdade, seria a fé quem o guiaria na execução dose seus movimentos de cada novo
irmão... Assim cCoomomo ocorreu contigo, Babaquara!
E, ao final de tudo, nós firmamos um compromisso de fé com cada irmão que estiver disposto a
nos acompanhar nesta jornada. Prometemos um vultoso premio... E o que nós te prometemos,
Babaquara?
- Enricar!
- Correto! Prometemos riqueza. Dissemos para executar uma ligação telefônica e, se acaso
ansiasses mesmo tornar-te rico, deveríeis determinar esse desejo com toda força de teu coração. E
eu lhe digo: Tudo que determinastes será realidade em pouco tempo!

Agora. Peço que tu sonhes por um minuto. Quero que tu me digas como te vês sendo rico! Diga-
me, irmão! Diga-me o que é um homem rico na tua concepção? Diga-me...
- Ok! Eu confesso que nem preciso sonhar porque já conheci gente verdadeiramente rica e
acredite, eu nem me imagino rico como eles... Pelo menos agora... Ainda não! É claro que se eu
tiver um Milhão de Dólares já é um bom começo! Aliás, um milhão de Dólares nem faz cócegas
no humor dessa gente. Para eles, isso é dinheiro de pinga! Eu, para lhe ser franco... Eu não
acredito que vocês tenham bala para tanto... Mas, isso não me preocupa! Não estou contando com
essa soma vultosa... Sou um sujeito realista! Não me iludo com fantasias!
- Entendo Babaquara! Diga-me então, como é a vida dessa gente rica que você conhece?
- Ah! Nada lhes falta... Ok?
Havia esse velho... Eu o conheci... Cuidei de alguns de seus investimentos. Ele era Holandês.
Tinha negócios no mundo inteiro. No Brasil concentrou-se na área de minérios e de
telecomunicações. Nunca falamos de aportes menores do que dez milhões... Dólares. É óbvio!
Houve uma vez em que ele me ligou de Londres e marcamos uma reunião para as dezessete
horas... Ele passou por Paris, antes de desembargar no Rio. Fez aquilo como quem está em
Niterói e marca encontro em Copacabana, mas dá uma paradinha no Caju antes de seguir até a
Praia... Compreende?
Enfim, essa é uma vida de rico. O mundo é pequeno e o trabalho não vai muito além de saber o
que acontece com seu dinheiro!
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- Por acaso tu não estarias citando nosso mui estimado irmão Barão Stefan Van Ceulen?

Félix fez um silêncio surpreso. O nome de Sir Stefan fora apresentado em meio à conversa sem
que ele o houvesse mencionado. A voz o indicou apenas com base nas parcas informações que
ele dispusera tão rapidamente. Sir Stefan não era homem publico, ao contrário era pessoa de
hábitos recatados e odiava holofotes. De fato, o empresário tinha a discrição quase como uma
obsessão e, portanto, saber dele e reconhecê-lo a partir de dados tão superficiais demonstrava, no
mínimo, que o interlocutor do outro lado da linha; ou era alguém informadíssimo ou alguém que,
verdadeiramente, mantinha um estreito relacionamento com o Multimilionário Holandês.
Nesse momento, a credibilidade nas palavras daquela voz soando no estranho telefonema elevou-
se ao alto grau da fé dos beatos, quando eles iluminam a noite carregando as velas acesas pedindo
alguma graça para seus santos de devoção. Afinal, a referência era demasiadamente respeitável
para ser desprezada. Caso Mister Stefan estivesse ligado ao grupo, sua presença era uma garantia
mais que judiciosa de que o projeto era serio e muito importante. Tratava-se sem duvida de
alguma coisa grande. O Holandês não se envolveria se fosse algo que não rendesse lucro além de
oito dígitos... Isso era certo.

O homem escondido no fundo botequim deu outro gole num uísque estranho alardeado como
produto estrangeiro. Era um produto internacional sim, apenas engarrafado no Brasil, pois que a
matéria prima advinha da melhor procedência; scotch feito a base de legitimo malte importado da
escócia. Ele sabia... Na realidade, o Portuga falsificara a bebida no ultimo final de semana
utilizando um nacional de terceira linha. Claro, o preço valia a merda que estava tomando. Aliás,
substituía com vantagens o maldito Bitter causador de um terrível mal estar no dia em que
resolvera entregar-se como cobaia das proezas praticadas pelo dono daquela verdadeira fabrica de
ilusões. Já estava se tornando habito. Toda vez que cismava inventar algum novo drink em suas
incursões criativas pelo mundo etílico, lá vinha o Português, com aquela cara entusiasmada,
oferecer a novidade.

Depois de bebericar o tal uísque, Felix ficou pasmado olhando para o nada segurando o celular ao
ouvido... Ele se lembrou do dia quando conhecera o velho.

Na verdade ele nunca trocara palavra diretamente com o homem. A reunião a qual Félix se
referira ao responder a pergunta sobre sua visão da vida em riqueza realmente acontecera, mas,
com algumas diferenças, “pouco relevantes”, cujo roteiro alterado não prejudicaria a ninguém.
Naquele fim de tarde, o contador de estórias comparecerá ao anfiteatro de reuniões da Kent,
apenas para demonstrar os números da conta que pertencia a sua superintendência. Depois de
executar sua parte ele se retirou educadamente, invisível como entrara... O melhor da conversa
ficara com Arquimedes e Bressan... Caso houvesse dúvidas seria chamado novamente... Saiu do
recinto agradecendo a atenção e voltou para sua sala onde ficou esperando... Rezando para que
surgisse alguma dúvida e Sir Stefan percebesse que o cara naquele lugar era ele, o verdadeiro
produtor dos lucros daquela conta... No entanto, nada se passou além do tempo vazio ouvindo a
própria respiração, enquanto revisava os números e as palavras proferidas em sua magistral
intervenção.

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Ao final da reunião, quando a noite encobria o Rio de Janeiro junto a uma fina garoa carregada
do frio de Junho, Félix acompanhou o Presidente da Kent e o Vice até um clube afastado da
cidade. Havia essa reserva de jantar para três pessoas... E Sir Stefan, como Arquimedes
costumava titular o Holandês, não pode acompanhá-los devido a compromissos outros que
exigiam sua presença física no local... Infelizmente...
Ele marcara encontro com uma bela prostituta, acompanhante habitual em suas visitas relâmpago
ao Brasil.
Então, aconteceu daquela vaga aberta deixar os parceiros de empreitada um tanto constrangidos
diante do funcionário faminto. E eles, por educação, resolveram convidá-lo reconhecendo todo
seu mérito no excelente trabalho desenvolvido como responsável da conta. O lisonjeado
prontamente aceitou a oferta, imaginando-a sincera. Não era... E assim foram aproveitar as
deliciosas comidas em variados pratos de uma cozinha altamente requintada de nível
internacional. A oportunidade foi além das expectativas e o homem dos números pode até fumar
um charuto com a dupla de Diretores, após a refeição. Era um dos prazeres cultivados pelo
Milionário ausente; apreciar um bom charuto. E o trio, estando ali em comemoração ao sucesso
da reunião, resolveu homenageá-lo degustando alguns cubanos no melhor estilo revolucionário.
Ocuparam o espaço apropriado para uma boa conversa e para fumação. No reservado ficaram
acomodados em confortáveis poltronas e Arquimedes sugeriu que Félix o seguisse na escolha de
uma combinação divina: O excelente fumo do Vegas Robaina Don Alejandro, um Double
Corona, acompanhado de um bom vinho do Porto Tawny 20 anos da Real Companhia Velha.
Bressan foi mais convencional na pareceria e preferiu o Cohiba Esplendidos cumpliciado ao
Cognac de mesma marca; Cohiba extra, perfeitos após o jantar. As poltronas, as taças e os
charutos obrigaram a que todos tomassem aquelas posturas de civilidade citadina, de
sobrancelhas arqueadas e de pernas cruzadas em sobre coxas. Apenas o Vice presidente cruzou-as
em quatro deixando bem a mostra suas meias azuis escuras ressaltadas sob o preto das calças,
denunciando a condição de ex-casado, solitário.
Havia sorrisos de vitoria espalhados no ar juntamente com a névoa produzida pela queimação do
fumo.

- Minérios e Telecomunicações... Foi o que disse Sir Stefan! Arquimedes recordou as áreas onde
o empresário concentraria seus investimentos.
- É jogada grande. Esse cara só se mete em coisa grande... Lucro menor de oito dígitos ele nem
conversa! Reforçou Bressan antes de bebericar o conhaque.
Então o presidente acomodou-se melhor dando pinta de querer dar continuidade àquela conversa.
Primeiro emoldurou o espaço com uma densa baforada e na seqüência enunciou seu pensamento
sorrindo. (- O Filho da Puta...). Era um sorriso malicioso que ele dirigia para Bressan na poltrona
a sua frente. Depois jogou mais fumaça no ar e foi erguendo a cabeça, ressaltando o avantajado
pomo de adão no pescoço, para observar o gás se desfazendo no ambiente enquanto falava:
- O Filho da Puta me ligou de Londres e antes de vir para cá, ele ainda passou por Paris... Ah!
Ah! Ah! Rico Filho da Puta!
Bressan com a cara insossa de sempre achou graça da risada do amigo e fez uma pantomima
utilizando a taça de conhaque, para debochar da situação. (-Entendi!). Ele gesticulou como se
apanhasse um telefone antigo e discasse com muita dificuldade, o numero no disco do aparelho.
Pôs a língua para fora da boca, entre os dentes, como fosse um idoso. Fez a mímica fingindo
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ajeitar um monóculo para encontrar números inscritos no papel fictício, seguro com a mão do
charuto. Depois imitou a voz empolada do velho ao pronunciar compassadamente as palavras
segurando tremulamente a parte auditiva do fantasioso equipamento antigo(charuto) perto a
orelha e o fone (taça) próximo a boca:
- Alô! Arquimedes? Escuta com atenção! Eu estou em Niterói e vou dar uma paradinha no Caju
para tomar uma gelada e depois te encontro em Copa... Ok? My friend! Ah! Ah! Ah!
Felix riu um pouco mais alto e um pouco além dos demais. Eles se entreolharam e Bressan
dirigiu a atenção e a palavra, que até então reservara ao Presidente, diretamente para ele:
- Meu caro, Félix... Tú podes te considerar tocado por Deus... Hoje ficastes há quase um metro de
Sir Stefan, um dos homens mais poderosos do Planeta. Para um cara destes; um milhão de
dólares nem faz cócegas no humor, meu irmão... Vida de Milionário é assim; o mundo é pequeno
e o trabalho não vai muito além de saber o que acontece com teu dinheiro, amigo! É isto aí!
Arquimedes ergueu sua taça e tocou a taça do Vice num timtim enigmático:
- E nós estamos a caminho, parceiro!
- Viva!
Logo se puseram a completar o brinde sorvendo um gole de suas bebidas, enquanto o cálice de
Félix ficou desprezado, pendente no ar, intocado, solitário...

- Babaquara! Babaquara! Estais por aí?...


- Oh! Sim. Estou aqui... Distrai-me por um momento... Perdão!
- Peço que esqueças o Barão por enquanto...
Meu irmão, eu necessito novas respostas e algumas confirmações de tuas informações. Peço tua
total atenção! Necessito de absoluta sinceridade em tuas réplicas. Atenção, Babaquara! Quero que
retornes apenas Sim ou Não para cada questão que formularei... Somente Sim ou Não!
Compreendestes?...
- Sim!
- Muito bem! Vejamos... És homem?
- Ãh?
- Apenas Sim ou Não, Babaquara! És homem?
- Sim!
- És mulher?
- Não!
- És ser humano?
- Sim! Rssrs!
- És barata?
- Não! Rsssrs!
- Hoje é Quarta-Feira?
- Sim!
- Estás falando ao telefone?
- É claro... Ou melhor; Sim! Perdão!
- Estás falando ao telefone?
- Sim
- Estás sozinho?
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- Sim!
- Estás em companhia de gente de teu convívio?
- Não!
- Alguém te acompanha nesta ligação?
- Não!
- És casado?
- Sim!
- És Solteiro?
- Não!
- Tens filhos?
- Sim! Um casal!...
- Apenas Sim ou Não... Por favor!
- Desculpe-me!...
- Tens filhos?
- Sim!
- És Brasileiro?
- Sim!
- És estrangeiro?
- Não!
- Teu Pai ainda vive?
- Não!
- Teu pai era Português?
- Sim!
- Tu és Português?
- Não!
- Nascestes no Rio?
- Sim!
- Nascestes no bairro das Laranjeiras?
- Sim!
- Encontrastes a primeira mensagem num Banheiro?
- Sim!
- Alguém te informou a respeito da primeira mensagem?
- Não!
- Encontrastes a segunda mensagem num jornal?
- Sim!
- Alguém te informou a respeito da segunda mensagem?
- Não!
- Decifrastes as mensagens sem ajuda?
- Sim!
- Comentastes com alguém sobre as mensagens?
- Não!
- Queres enricar?
- Sim!
- Espera Babaquara!...
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....
- Encontrastes a primeira mensagem no banheiro do Jokey Clube?
- ...
- Babaquara? Sim ou Não!... Encontrastes a primeira mensagem no banheiro do Jokey Clube?
- Não!
- Espera...
...
- Babaquara! Peço que guardes segredo desta nossa conversa. Nenhum comentário. Ninguém
deve saber do que falamos! Voltaremos aos negócios mais tarde. Chama-nos ainda hoje, às vinte
e duas horas. Sejas preciso! Não adiantes e nem atrases teu compromisso para conos...
...

O aparelho emudeceu. Félix o conferiu como quem imagina ter o poder de consertá-lo apenas
com o olhar... O celular apagara completamente. A bateria que se esgotara no meio da
conversação, era agora aquele lixo descartável amaldiçoado por não se deixar consumir por mais
alguns minutos. (Celular de Merda!).
Será que o homem interpretaria aquela desconexão abrupta como falta de educação? Será que os
míseros segundos restantes daquela fala interrompida eram palavras importantes? Eram
recomendações prodigiosas ou apenas uma despedida nada especial? Somente um até mais ver
cotidiano sem maiores implicações para o dialogo? (Então, até logo, Babaquara!). De qualquer
maneira, ainda havia chance de continuar no jogo. A voz especificou o horário: Vinte e duas
horas. Tudo indicava que ele ainda estava dentro. Será? Nem tudo... O executivo sabia a cagada
que fizera. A estória do banheiro... Ele se empolgara... (Merda!). Tudo corria bem até aquele
momento... Depois daquele conto de vigário do almoço com a família cristã no Jokey Clube, o
interlocutor efetivou a tal bateria de perguntas esquisitas...
Esquisitas?... Esquisitas para quem não conhece os meandros destas organizações.
Certamente, havia do outro lado da linha um detector de mentiras medindo as reações dele em
cada momento da conversa. Daí a razão de perguntas como: Você é um ser humano? É óbvio que
o retorno a essa questão nunca deixara de ser o SIM. Nunca será diferente do SIM... Afinal,
qualquer ser inteligente, falante e consciente, se presume, seja um ser humano e, portanto, com
felicidade irá confirmar essa situação. Irá respondê-la com a convicção de veracidade inconteste
dos homens de bem. Felix sabia que era assim que se coletava o material para medir a quantidade
de stress na voz do respondente. Era uma ferramenta perigosa... Ele sabia como faziam... O
método chegava a ser simplório. Tão simples que ele não viu qualquer dificuldade em
compreendê-lo quando lhe explicaram...
O analista constrói um padrão que determina quando o som emitido traz a emoção da verdade.
Posteriormente, ele junta as peças e estabelece uma matriz... A matriz da verdade. Ela contém
uma série de dados precisamente ponderados de cada nuance encontrada na voz sob investigação;
alterações na respiração, inspiração, inflexão sonora, mudança de tonalidade, tudo o que
aconteceu quando a fala tratou de assuntos comprovadamente sabidos como observações exatas
de fatos notórios. Na seqüência há a coleta de informações através de uma bateria de questões
requeridas em um teste e, finalmente, quando o investigador interpreta todos os dados se
utilizando da tal matriz, quando correlaciona os resultados dela com as respostas de interesse do

1
grupo contratante, ele revela com relativa certeza; até onde se pode ou não creditar fidúcia às
palavras de um interrogado.

Félix sabia dessas minúcias a respeito daquela metodologia de bisbilhotagem porque a Kent
adotava o sistema muito antes e bem depois de haver a proibição.
Na época, quando se colocou em pauta a aprovação de uma Lei coibindo testes monitorados com
detectores de mentira, houve muito debate nos meandros do mercado. A possibilidade de
proibirem tal pratica realmente causou certa preocupação com o assunto, mas, depois de analises,
conversas, diálogos, idas e vindas, todos concluíram que a legalidade da ação consistia em ser ou
não ser flagrado no momento do ilícito. Esse era o ponto nevrálgico da situação, em qualquer
outro caso seria palavra contra palavra e, ao final de um moroso e dispendioso processo a dúvida
resistiria.
Enfim, esta era a tese: Haveria no Tribunal um Juiz capaz de determinar onde estava a verdade?...
Sem utilizar o aparelho?... Não?... Que ironia! Então, para infelicidade do elemento auditado,
tudo acabaria em Pizza, porque na corte todas as palavras têm o mesmo peso de verdade, somente
uma prova pode mudar essa prerrogativa e, na falta dela, o caso é inconclusivo.
Mas, não valia à pena arriscar-se ao sabor da sorte, deixando a possibilidade de uma prova partir
do próprio interrogador e, por isso, decidiu-se por colocar mãos a Obra contra a proposta de Lei...
No entanto, apesar dos esforços de lobistas dos grandes conglomerados, o senado Brasileiro
proibiu o uso do polígrafo por parte de empresas na condução de testes para seleção de pessoal;
considerou um desrespeito a dignidade da pessoa humana... Pelo menos assim, discursou o
Político, representante dos trabalhadores, no momento de aprovar a lei, em 2002.
No seio da Kent, como na maioria das instituições preocupadas com as questões financeiras do
mundo, existia muita discussão a respeito dessa falácia que chamavam de Dignidade Humana...
Como essa regra protegeria a tal dignidade do homem? O aparelho era um instrumento fatal
apenas para mentirosos... Quanto aos homens honestos e de boa vontade, havia entre setenta e
oitenta por cento de chance de terem suas virtudes reconhecidas pelo equipamento. Era uma
máquina do bem.
Contudo, como Cristo falhara ao tentar convencer o mundo inteiro, também nesse caso a
unanimidade não compareceu e, com o passar do tempo proliferavam as costumeiras explicações
filosóficas para proteger ladrões e sem vergonhas. As malditas especulações sobre a “boa” lei
versavam a respeito de verdade e mentira e sobre os Direitos Humanos; aquele direito que
qualquer pé rapado teria de ser sempre acreditado a priori. E costumavam repetir: Antes de tudo
deve-se confiar na palavra de um homem, até que algo se comprove contrario a essa assertiva.
Eles lembravam a exaustão que, muito além de questiúnculas comerciais, obrigatoriamente, no
conceito básico da jurisprudência, para desfazer a convicção natural existente na interação entre
pessoas exigia-se prova de grande valor, cabal... Era necessária uma manifestação com tal força
que fosse impossível desconsiderá-la na hora de formar opinião. E mais... A revelação capaz de
demover essa fé própria do homem se alimentar na pureza da outra alma humana, deveria ser tão
hermeticamente avassaladora que nenhuma dúvida pudesse existir a respeito dela.
Eram esses argumentos que pairavam a favor da lei, sempre emitidos por bocas pouco afeitas à
concorrência num mercado global em recessão.
Todavia, no andar da carruagem, como de costume, a realidade se sobrepôs a filosofia... Como
sempre acontece com esse tipo de postulado, a lei fez pouco sucesso entre os empresários. E esse
1
resultado era Pule de dez, em todas as apostas na Bolsa de Valores, pois todos sabiam; quando se
trata de ganhar dinheiro a ação prevalece sobre a vontade. O sonho dos idealistas deve dar lugar a
quem realmente faz o que deve ser feito pela sociedade... Portanto, saber o tamanho da podridão
entronizada no seio das relações mercantis foi e continua sendo, ainda hoje, uma atitude mais
regular do que essa tolice de respeito ao ser humano.

Revivendo a experiência proporcionada por esse modelo de relacionamento humano, Félix


captou aquela ação tão ordinária no seu antigo mundo e nem por um segundo considerou-a
desrespeitosa. Era valida. Enfim, Sir Stefan tinha todo direito de cuidar de seus negócios como
melhor lhe aprouvesse e, se alguém queria entrar no seu jogo deveria seguir as regras dele. Ok?
Era direito dele... Esse sim um Direito de verdade; um direito líquido e certo: O fabuloso Direito
a Propriedade.

Artigo XVII.
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Quem ousaria se apresentar discordante de propositura tão irretorquível?

O direito de capitalizar o progresso de uma vida inteira de trabalho e transportá-lo por gerações
esta lá, assegurado no artigo dezessete da Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma carta
assinada em 1948, pelos países fundadores da Organização das Nações Unidas no calor do pós-
guerra, quando a miséria campeava o mundo destruído pela barbárie... Esta lá a garantia de que
até mesmo o mais humilde dos homens pode desfrutar de tudo que tenha conquistado com a força
de seu trabalho... O direito à propriedade é algo sagrado... Tão sagrado que chega a ser
considerado por alguns como a base da sociedade moderna.

Quem ousaria discordar?

Havia aquele gordo, cabeludo e calvo, barba enrolada e olhos super aumentados por causa dos
óculos de fundo de garrafão. Parecia ter o pé na cozinha. Em algum ponto de sua linhagem
certamente existia um negro ou uma negra catada no meio do mato determinando a batatice do
nariz e os lábios grossos de zulu que ornavam a redondice do rosto germânico. Uma fala baiana
bem arrastada misturada com aquelas puxadas de “esses” acariocadas pelo tempo de Rio de
Janeiro. Era Professor de Ética... Relações Humanas e Ética Profissional. Lecionar Ética em
Curso de Administração é como ensinar Sociologia para docentes de Odontologia.... Haveria no
mundo, enrolação maior do que aqueles discursos esquerdóides?...

É o que determina o Ter acima do Ser.


Eles tentam apresentar o Direito à propriedade como fosse outro tipo de direito, superior ao
Direito humano, mas, pelo contrario, ele é uma aberração, principalmente se analisado dentro do
contexto da Carta da ONU.
Não há falácia ao afirmar que de todos os direitos consagrados na Declaração da ONU nenhum
deles é mais fantasioso do que o Direito à Propriedade.

1
Ao analisar cada item desta convenção podemos perceber que todos emanam em essência da
necessidade de dar vazão às capacidades e também resguardar o bem viver mesmo sob as
condições limitadas do plano físico, mental, social e espiritual do ente humano. Portanto, são
prerrogativas formadoras de um alicerce que garante o progresso dos homens como seres
integrantes da natureza e de uma sociedade civilizada em evolução.
Já, o Direito à Propriedade, não passa de uma convenção estabelecida apenas para garantir a
posse daqueles que até aquele momento possuíam e para garantir que eles pudessem possuir
mais. Apenas isso... Não fosse assim, a renda não teria se concentrado nas mãos cada vez mais
ricas daqueles já ricos desde aquela época. Não fosse assim, não haveria expansão da população
vivendo abaixo da linha da miséria e a degradação da vida humana seria um processo esquecido
no tempo e não uma realidade em aceleração como o é atualmente.
Analisemos:
Cada ponto da Declaração procura garantir ao homem uma vida prospera no âmbito ideal de um
ser civilizado. Logo de início, o Artigo primeiro consagra os princípios defendidos pelos tão
Burgueses Revolucionários Franceses:

Artigo I
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Liberdade, igualdade e Fraternidade...


É disso que fala a Constituição do homem por que em essência quando formos livres e iguais
poderemos ser verdadeiramente fraternos e a civilização terá atingido seu auge; a felicidade será
uma realidade e nós poderemos dispensar governos e representações para vivenciar a verdadeira
humanidade. Isso é dignidade Humana.
E o segundo artigo exige que tudo isso aconteça sem distinção de qualquer natureza. Serão felizes
homens, mulheres, negros ou brancos, de qualquer crença ou lugar... Todos... Igualmente.
O Terceiro item versa sobre o direito a sentir-se seguro como ser vivente. No mundo dos homens
deve reinar a Paz.
Na seqüência, do quarto ao sexto artigo, há a preocupação em extinguir a tortura e a escravidão
do dicionário humano. Nenhum homem machucará outro ou dele se aproveitara para realizar seus
interesses. Depois, no sétimo item, mesmo para os homens que se desviarem do bom caminho; se
garante o julgamento justo, independente de qual seja o delito. Adiante, segue-se na mesma linha
e outros direitos desses acusados são discutidos até o décimo artigo.
No décimo primeiro parágrafo é justamente quando se expõe a presunção de inocência...
Não existem culpados à priori, não existem mentirosos, existem apenas homens de palavras
sagradas e verdadeiras até que haja prova atestando o contrario daquilo proferido por seus lábios
puros. Somente dessa forma será possível colocar em xeque a lisura de atos e palavras emanados
por uma criatura pertencente à raça humana, de outro modo, atenta-se contra a dignidade, que é
valor fundamental na construção de um mundo civilizado e, portanto, de vital preservação para o
futuro do homem. Mas, sigamos em frente...
O Artigo doze diz que todos os seres humanos têm direito a intimidade e que não podem sofrer
constrangimentos de qualquer natureza. É o que se denomina corriqueiramente de respeito ao
próximo.
1
Dando continuidade em tão breve analise dessa Carta de Princípios, vê-se que a ONU com a
preocupação de determinar uma vida de boa-venturança aos cidadãos sob sua proteção, no
Parágrafo Treze, enfatiza que é permitido ao homem transitar pela terra. Sim... Nesse ponto
garantem-se os caminhos livres para qualquer pessoa que deseje ir e vir e não se impõem
restrições; pode o homem exercer tal direito para onde e quando lhe for mais prazeroso. E nessa
mesma atmosfera, enquanto que no item quatorze a instituição reconhece que o homem não
nasceu para ser encarcerado e lhe dá permissão para fugir do cativeiro, o décimo quinto parágrafo
lhe confere direito de pertencer há um lugar no mundo. São medidas de respeito à vontade do
ente humano ser e estar nesse Planeta.
A Carta da ONU também, em seu Artigo Dezesseis, diz que o homem pode amar e construir uma
relação a partir desse amor. Vale lembrar que, no segundo item, a Convenção impõe que todos
esses direitos sejam concedidos sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição. Enfim, pode-se amar independente de opção Sexual... É
um direito.
O Item dezessete é o famoso direito à propriedade, o qual será destacado para uma posterior
analise mais aprofundada. A Cláusula Dezoito garante a liberdade de opinião e de expressão,
enquanto que a vigésima sexta promove o direito de criar, pensar e imaginar... E é por isso que
são estas as primeiras determinações a serem descumpridas quando a verdade não pode vir à tona.
Nessa mesma linha, o artigo Dezenove é o guardião da liberdade de reunião e de formação de
grupos... Em alguns momentos da historia este foi praticamente um direito a rebelião.
O Artigo Vinte cuida para que ao homem não seja negado o trabalho. É inerente a existência
humana transformar as coisas da terra em seu beneficio. Mas, a carta também se preocupa em
garantir ao trabalhador o repouso e o lazer conforme é tratado no seu Item vinte e quatro, sem
contrapartidas.
As clausulas de Vinte e Um a Vinte e Três e mais a clausula Vinte e Oito se preocupam em que
os homens possam governar e ser governados por instituições protegidas e protetoras dos direitos
humanos. E por incrível que pareça, o item Vinte e Nove obriga... É um item muito importante,
pois é um dever inscrito numa carta de direitos; o Artigo Vinte e Nove determina a todos os
homens constituírem, seguirem e garantirem leis que promovam esses direitos. E, finalmente,
com esse mesmo espírito de autoproteção, a Carta da ONU, em seu último artigo, no Artigo
Trinta, impede a revogação ou alteração ou supressão de quaisquer Direitos nela inscritos.

É inegável que cada frente abrangida pela Carta de Direitos Humanos teve seu fundamento numa
atitude humana ou na construção de uma sociedade civilizada ou na consolidação desse estado de
vida venturoso. Todavia, quando analisamos o Direito a Propriedade, podemos percebê-lo como
um intruso malfeitor improdutivo aos objetivos almejados pela ONU ao instaurar essa
Constituição de existência Humanística. Porque se o Direito de ir e vir esta libertando o homem a
partir de sua capacidade de locomoção e o Direito ao amor provem de haver essa teimosa virtude
humana de estabelecer com o mundo uma relação além do frio contato racional, não existe
qualquer razão natural ou de necessidade vital que justifique a existência do tão decantado Direito
à Propriedade.
Não há razão alguma para alguém ter posse de qualquer coisa e nem de qualquer coisa ter um
dono, afinal, o nascer das coisas não requer submissão a um senhor e nem a vivencia lhe é
1
comprometida de qualquer maneira pelo fato de não estar sob rotulo de propriedade. Então, do
ponto de vista daquilo a ser possuído; a inexistência do Direito à Propriedade em nada afetara o
pleno aproveitamento da vida. Com relação ao proprietário também vale a conclusão. Em não
havendo Direito a propriedade nenhum homem, pelo fato de não ser dono do que quer que seja,
será privado de qualquer elemento essencial ao seu viver. Nada exige o homem como proprietário
ou requer tornar-se propriedade do homem para exercer sua função no mundo e nada concede ou
deixa de conceder ao ser humano o exato valor de sua existência pelo fato de não pertencer a
alguém. Nada, absolutamente nada.
Enfim, não pode o Homem viver sua natureza sem transitar pelo mundo, não pode viver sem
amor ou aproveitar sua existência alijado de paz ou justiça, calado, proibido de pensar e se
expressar ou de reunir-se como ser gregário que é... Não pode o homem ser feliz sem essas
singelas garantias que a Carta lhe confere, mas a prerrogativa de Propriedade em nada altera o
estado natural de coisa alguma, assim como não tem o mínimo poder de influenciar na essência
vital de qualquer indivíduo. Essa é a verdade... E é sem dúvida uma boa razão para considerar-se
o Direito a Propriedade como um intruso improdutivo na vida dos homens.
Contudo, ainda haveria quem instasse no limite da discussão a respeito da necessidade de
extinguir o ter na existência humana, uma teórica possibilidade de conjugar tal verbo dentro de
algum processo construtivo. E por esse caminho, reclamaria que, no âmbito de tal conjectura, em
extremo, poder-se-ia dar ao homem, pelo menos, o direito de propriedade sobre seu próprio
corpo. E poder-se-ia reputar tal possessão pelo fato de ser toda estrutura física primordialmente
dele e também porque dentro de contexto normal, essa composição funciona de modo natural
exclusivamente sob controle de suas faculdades mentais. Então, deveria ser aceito como dono do
corpo o elemento pessoa constituído em tal carcaça.
Todavia, mesmo neste caso limite, poder-se-ia intervir e considerar que o corpo é o próprio
homem e, portanto, ainda que pareça uma posição radical; poder-se-ia defender que tal situação
se refere essencialmente ao fato de ser, donde jamais seria permitido tratar como assunto próprio
das questões do ter. Afinal, o homem é também essa coisa corpórea e deste modo, não pode ser o
sujeito possuidor daquilo que ele mesmo o é. Em suma; ninguém pode ao mesmo tempo ser e ter
o que se é.
Então, considerando tal lógica, fica claro que; se acaso o homem tivesse o corpo como
propriedade, jamais poderia ser ele próprio o todo do tal corpo. São situações excludentes; se a
estrutura pertence ao individuo dono, ela deixa de ser ele, significa dizer que ele(dono) inexiste
como corpo e, nessas condições, esse bem possuído pode ser qualquer outro corpo, menos o dele
(dono). Donde se conclui para todos os fins que, ou o ser humano é o corpo e o corpo existe ou
ele é um ente possuidor de outra massa corpórea que não é ele mesmo e, nesse caso, ele, como
corpo, não existe. E nesse ponto, a lógica cartesiana, que sempre se impõe sobre todas as coisas,
toma lugar para contrapor-se à Propriedade e consumar a excludência basicamente estabelecida
entre ser e ter: Ninguém pode ter antes de ser. Ninguém pode ser aquilo que tem e jamais poderá
ter o que não existe, portanto, com relação ao seu próprio corpo, resta ao homem somente o
Império do Ser...
Enfim, com base na conclusão racional, obrigatória, nessa reflexão, cabe até questionar-se: Se
nem ao próprio corpo pode o ente humano reivindicar o Direito a Propriedade... O que mais ele
poderia querer ter?

1
A resposta ao questionamento deve se atrever enfrentar o Direito a Propriedade, já que o cerne
desta questão não esta no querer e sim na sobrevivência ante as possibilidades geradas pelo Ter
ou não Ter. E entendendo que o Ser ou não Ser mais abrangente do que o tão declamado
verso Shakespeariano da trágica duvida de Hamlet já o é em si um fato consumado, resta
comprovar a dispensável experiência do ter em suas mais diversas dimensões.
Acontece que no mundo verdadeiro o Ser tem responsabilidade capital sobre os destinos das
coisas e dos homens, ao passo que o Ter serve para nada. Aliás, existe um paradoxo incomodo
nessa demanda que se apresenta na contramão do ponto central considerado pelos Donos do
Poder ao inventarem o tal Direito a Propriedade. Era certo; havia sim, apenas como propaganda, a
vontade de garantir um proprietário para cada coisa existente no mundo. Entrementes, por trás
desse pano de fundo, também era certo; eles queriam somente o abono para suas más intenções.
Eles queriam que cada coisa existente até no menor pedacinho de terra, cada árvore, animal,
pedra, centímetro a centímetro de solo e subsolo, litro por litro d’água do rio, do mar, cada pingo
de chuva, pertencesse a alguém para em seguida dele tomarem o bem sem qualquer oposição. E
eles sabiam que essa fiança duradoura, para que tudo ficasse submetido há um dono, criaria, em
verdade, milhões de candidatos a proprietários para resguardarem o direito de posse daqueles
realmente detentores do todo... Eles mesmos.
Contudo, há esse paradoxo: É interessante observar que, enquanto o Direito a Propriedade cria
milhões de interessados e poucos contemplados, a abolição dessa conjectura seria responsável
por cunhar um novo mundo cheio de donos, visto que todos teriam direito a tudo. E esse é um dos
motivos pelo qual se pode reputar a esse Direito o titulo de mera ficção improdutiva, já que sua
existência retira da humanidade as prerrogativas que advém da posse e sua extinção confere aos
homens todos os benefícios de proprietário.
É deveras interessante, avaliar essa consideração na visão dos detentores do poder. Eles não têm
duvidas, o contraponto feito assim, de forma irrefutável, desvendando a mentira intrínseca à
concepção desse Artigo impróprio, já traz dentro de si a conclamação ao homem rebelar-se em
prol da verdade que lhe garantirá a felicidade. E, por isso, esses Senhores procuram por todos os
meios ridicularizar e erradicar das discussões tais idéias, ditas infantis. Mas, cabe ao homem
consciente insistir manter sobre a mesa esse ponto de vista ingênuo para avaliação de todos.
Então, para cultivar o tema dentro do campo pueril dos idealistas, vale radicalizar instigando no
seguinte sentido: Se quando considerado apenas sob argumento de ser uma disposição
improdutiva, o espúrio Direito a Propriedade constitui dolo suficientemente grave para ser sacado
da Carta e, se sob tal enfoque, procede que a extirpação seja realizada sem suscitar duvida de se
haver praticado boa ação e ainda ao executor de tal medida recomenda-se não guardar o menor
constrangimento perante os poucos prejudicados... O que será permitido fazer contra tal
aberração aprofundando a analise sobre outros aspectos dessa diretiva? Sim... Porque há outra
razão que advoga pela aniquilação dessa praga, reforçando a conclusão apreciada na tese da
improdutividade.
O caso é que esse intruso não vem a ser somente uma determinação neutra na dinâmica da vida
humana, pior, vai além... Ele é um mal bem maior, porque ao mesmo tempo em que se apresenta
como instrumento impotente na natureza é, também, elemento contra producente da realização
humana: A propriedade como fator impeditivo da felicidade, de maneira ampla e perversa, se
interpõe entre os homens e os benefícios de se viver sob domínio da civilidade, pois foi
constituída conscientemente para esse fim. É uma arma que se propõe um obstáculo
1
intransponível. São barreiras poderosas cujas posições contra a emancipação da sociedade foram
precisamente locadas ao longo do caminho, com objetivo de prender o Ser Humano num
território limitado pela mediocridade servil. E nessa condição segue oprimindo-o como fosse ele
o culpado de ser o que é e de ser o fracassado; responsável por não conseguir ter o que precisa e
por não conquistar o que quer.
As armadilhas que fazem o sucesso dessa manipulação funesta são obscuras para maioria das
pessoas e o resultado é a desilusão que abate o Planeta feito uma peste aniquiladora das
esperanças nas potencialidades do homem. Tudo para felicidade dos Senhores das Riquezas.

Por outro lado, é fato claramente inegável que, em sua própria concepção, o Direito a
Propriedade, além de ser disposição antagônica a todos os outros direitos, é também excludente,
visto que para se operar sua garantia nas relações do dia a dia, nenhum outro direito pode se
manifestar conjuntamente. E tal particularidade revela-se em reluzentes camadas de agonia
quando se defrontam as necessidades dos homens e os quereres dos proprietários em qualquer
esfera do poder. Nessa hora, não há duvidas da vitoria.
No sentido de corroborar esse titulo de exterminador de prerrogativas, verificar a intromissão
perversa da propriedade sobre cada Direito Humano mostrará quão nefasta é a contribuição desta
iniqüidade aos desígnios de uma vida plena. Para tanto, é só questionar se cada uma das
disposições da Carta da ONU pode valer em consonância com o Direito a Propriedade.

Logo no inicio, as constatações pavimentarão o caminho contra os Donos do Poder:

A Carta começa dizendo que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos... Será?
Qual a igualdade entre os nascidos em uma favela e aqueles do apartamento de luxo em Copa?
Onde esta a liberdade e a dignidade dentro de um barraco de madeira dois por dois? A
propriedade é absolutamente incompatível com essa primeira disposição, porque um nascerá lá,
em berço de ouro, com direito a tudo, ao passo que outro será trazido ao mundo sob o fogo
cruzado das balas perdidas, sem direito algum. Portanto, não é necessária a palavra de
especialistas para saber que dentro dessa configuração, jamais prosperarão as vontades dos
revolucionários franceses.
E na seqüência, o segundo artigo propõe que serão todos tratados sem distinção de qualquer
natureza. Quem consegue conceber um mundo onde haja tratamento idêntico ao rico e ao pobre?
Impossível. Quem tem coragem de imaginar a justiça atuando com o mesmo rigor com que age
contra o cidadão comum quando o réu é um abastado notório, pertencente à elite possuidora dos
bens de uma sociedade inteira? Não. Ninguém é tolo assim... Então, também sob o manto da
propriedade, pode-se desconsiderar como clausulas integrantes das prerrogativas inerentes ao ser
humano; os tais julgamentos justos e toda aquela letra morta sobre inocência até que haja boa
prova em contrario. Sem dúvida, impossíveis.
O direito a sentir-se seguro jamais poderá ser exercido, enquanto houver o direito a propriedade.
Nunca houve uma guerra na historia do mundo moderno que não tivesse como verdadeira
motivação bens e poder. E pode-se apontar a escravidão e a tortura como facetas próprias de
movimentos violentos estimulados pela mesma causa dos ignorantes confrontos regionais,

1
jogando-se por terra qualquer possibilidade de abolição dessas terríveis praticas como deseja a
Carta.
Seguindo em frente na confrontação entre os diversos artigos e a vontade dos Senhores do mundo
e para não fugir a rotina, constata-se que a intimidade e o direito a não ser constrangido também
têm seus limites diante do Poder. Quando a porta do banco trava e a Negra deve despir-se para
comprovar ser mais digna que a maquina que protege o dinheiro, ninguém tira a razão do maldito
equipamento. Afinal, ali é um local sagrado onde se guardam as propriedades e todos a ele devem
essa submissão incondicionalmente bovina. E nessa linha pode-se também enterrar o desejo de ir
e vir, cujo ser humano poderá exercer desde que sim, seja proprietário e respeite a propriedade
em primeiro lugar. Esqueça o banho na praia exclusiva do condomínio de luxo, não há como
chegar ali sem ser um dos possuidores das chaves da felicidade.
Claro, se não pode ir ou vir sem os dotes necessários, muito menos terá permissão o ser humano
parar em algum lugar com suas mãos completamente vazias e cometerá maior pecado ainda se
resolver amar e a partir desse amor desejar constituir uma grande família cheia de relações
fraternas. Um Louco! Portanto, em sintonia com a supremacia do ter pode-se engavetar também o
Direito ao Amor e a possibilidade de pertencer a algum lugar no mundo. Quem tem coragem de
se opor?...
O Direito de opinião e expressão sob ordens dos proprietários tornou-se Direito de espalhar
mentiras e inventar realidades altamente benéficas aos interesses do Poder. Quem tem a coragem
de apostar na imparcialidade dos meios de comunicação ou na lisura desinteressada dos juízos
apresentados ao publico pela imprensa. Poucos ingênuos... Por certo!... E enterrem-se na mesma
cova rasa as vãs tentativas de criar, pensar ou imaginar, haja vista estarem também submetidas às
limitações do Direito à Propriedade Intelectual. Como é possível essa excrescência? Propriedade
Intelectual? Como se algum ser humano tivesse o poder de criar, pensar ou imaginar algo sem
base numa realidade já existente, em informações e criações concebidas por outros seres
humanos? Como pode alguém tomar para si a criação de um software sem ter roubado da
matemática e da filosofia o âmago daquilo que disse original seu? Quem pode se considerar dono
das ondas que transitam livres na natureza sem nem homenagear aquele que constituiu a forma de
captá-las? E este mesmo homem; como pode se autodenominar inventor sem trazer a lembrança
aqueles pensadores da física, cuja consciência verdadeiramente humana obrigaria sem relutância,
assumir que, a falta de tais ensinamentos transcendentes no processo criativo faria com que sua
bendita invenção jamais chegasse nem ao nível da especulação? Então! Para que o destino se faça
sob o império do ter; que seja cumprida a ordem emitida pelos Senhores do Planeta: Meta-se o
Direito de usar a cabeça por conta própria a sete palmos de profundidade e salguem a terra! Sem
piedade, por favor!

E até aquela liberdade de professar a Fé, tão importante para os homens, esta de joelhos para o
Direito a Propriedade. Basta dizer que um dos chefes da maior igreja ocidental já revelou que a
Santa Mãe Maria, Virgem progenitora de Jesus Cristo, deu o recado sem tergiversar, mas usando
dos simbolismos e palavreado exótico próprios para interpretações humanas, tal qual o costume
do adorado filho e de seus seguidores. Ela, quando resolveu dar as caras em Fátima, uma cidade
de Portugal, foi logo anunciando, secretamente, à garotinha Lucia, que uma sociedade sem ricos e
sem pobres, igualitária, era coisa do demônio. E assim, deixou bem claro para os bons

1
entendedores; nada de Teologia da Libertação e que sejam louvadas as Propriedades do Opus Die
e que tudo siga o bom caminho em nome do Trabalho, Família e Propriedade. Amém!

Não! Não é mentira. Tudo é verdade. Cada item da Carta confrontado ao poder dos proprietários
vai se desfazendo a olhos vistos e a realidade é que esta é a razão porque a Felicidade não é
cotidiana na vida dos Homens.
O que lhes é permitido, afinal? O que podem Ser sem ter? O que podem fazer sem ter?
Encontrar-se, talvez?...
Quem deseja se reunir? Para quê? Cantar? Dançar? Comer? Conversar?...
A Propriedade é comercial? Tem alvará?
Havia aquela Escola de Samba que tentou ensaiar seus passos para o Carnaval, ali, na mesma rua
onde os lojistas montavam o presépio no Natal e promoviam seus shows para chamar a
clientela... Ganha um doce quem adivinhar se pode a Agremiação juntar seu grupo e aproveitar o
espaço... É obvio que não, pois o Direito a reunião e a formar grupos esta submetido ao tamanho
das posses. Dependendo do montante investido será permitido formar grupos na ordem de
milhões de pessoas e a reunião poderá acontecer em qualquer ponto do planeta, porém, ao
contrário, a união dos homens sem nada, segundo o manual dos proprietários, será sempre
impedida. E essa atitude deve prevalecer mesmo que o tal ajuntamento ameaça alguma represente
ao poder. Deve ser proibida simplesmente por não ter. É lei. Não se podem abrir exceções...
Deve-se resguardar o ter acima de todas as criaturas da terra, independente de ser ou não ser
oposição, apenas por querer ser sem ter. É um cuidado preventivo.

E caso seja considerada a legalidade de Ser, num âmbito mais geral, verifica-se que nenhuma lei
pode existir sem que esteja submetida aos interesses do Direito a Propriedade. Por isso, não há no
mundo governo acima desse Poder. Por isso, nenhum estado entre as Nações da Terra está
concebido filosófica e estruturalmente livre para promover os Direitos Humanos. E por isso, sob
jugo dessa ordem perversa, as instituições atendem prioritariamente as demandas da Propriedade.
E é a partir dessa configuração que se tem como conseqüência a inversão dos valores, que
historicamente suprime das aspirações dos homens qualquer possibilidade de vida digna.
Essa verdade é absolutamente transparente quando se observa a Humanidade do ponto de vista
dos avanços conquistados na trajetória demarcada por seu processo civilizatório e se constata que
nenhum milímetro separa a consciência comunitária dos homens atuais daqueles bárbaros pré-
medievais. Um fracasso total... Definitivamente, tudo constituído há pelo menos um milênio nos
laços de compromisso dos Seres Humanos com seus Pares, seu Planeta e seus Deuses se mantêm
indelevelmente intocado e, mais decepcionante ainda é saber que em alguns aspectos dessas
relações, mesmo o primitivismo já está em processo de deterioração.
São notas tão vergonhosas que deveriam suscitar tomadas de posições radicais dos indivíduos
conscientes da terra, simplesmente porque é inumano; qualquer estudo estabelecerá facilmente a
alta correlação existente entre o progresso científico, o aumento da produtividade, a concentração
da riqueza e o crescimento da miséria... Tudo unicamente em prol do ter pelo ter para ter mais.
Em face do exposto, por derradeiro, cabe alertar a todos os racionais seres viventes, preocupados
ou não com o futuro do Planeta, sobre as conseqüências eminentemente nefastas a sobrevivência
do homem com a continuidade desse processo suportado nas condições impostas pelo Direito a
Propriedade:
2
Há que se puxar o freio abruptamente, sem receios, sem rodeios, dispensando etapas, pois o
movimento de destruição potencializado por esse sistema é um redemoinho cuja espiral está em
aceleração constante. E, quando esse monstro atingir certo ponto de autonomia, nem ele mesmo
será capaz de reverter os danos causados por sua própria atividade devastadora, como pregam
alguns hipócritas. Depois, a prosseguir nessa ação, a mecânica de extermínio se tornará tão
poderosa que força alguma a deterá, será indestrutível...
Teme-se já haver ultrapassado tal ponto.

Direito a Propriedade x Direitos Humanos


O Futuro do Homem é agora ou nunca
Benedito Carlos Lucio Jesus dos Santos
Filósofo, Sociólogo e Historiador
Relações Humanas e Ética Profissional

Por um misero segundo brotou na parte consciente da mente de Félix, flashes de uma Palestra a
que ele comparecera no tempo quando ainda imaginava ser possível aprender algo de proveitoso
vindo diretamente da boca daquele gordão escroto. Recordou a apostila subversiva precariamente
copiada em mimeografo, fora dos portões da escola. Surpreendentemente não riu dele, como
sempre fazia no último ano da faculdade, pelo contrário, tentou lembrar-se melhor do semblante
daquele professor que um dia admirara pela inteligência e dignidade com que se apresentava nas
aulas. Mas, o esforço foi em vão... Talvez, bloqueara num canto obscuro do cérebro as
recordações do homem a quem por tanto tempo desprezara apenas em razão de pensar diferente...
Chacoteava-o exclusivamente, pela petulância que ele tinha de pensar diferente da maioria...
Pensar diferente de quem realmente fazia diferença e merecia ser admirado no mundo dos bem
sucedidos de roupas alinhadas e barbas bem feitas. (Ah! Cacete!).

Deu o ultimo gole no Uísque e, antes de repousar a nota sobre a mesa, apresentou-a balouçante ao
distante dono do boteco. Acenou o dinheiro como estivesse numa platéia espanhola durante a
tourada. A encenação dessa pretensa espanholada durou até receber o positivo do Português, que
era a tão ansiada permissão para retirar-se do local. E, antes de deixar a mesa, engendrou os
costumeiros movimentos de homem alcoolizado para apanhar alguns papéis amassar e enterrá-los
nos bolsos junto com o celular, a agenda e a caneta. Na sequencia botou o paletó sobre os ombros
e vagarosamente vagou em direção ao toalete do pulgueiro, elaborando as possibilidades quando
retomasse o contato com a voz abissal.

CAPITULO XXII – OS FAMOSOS TAMBÉM CHORAM

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Lá estava novamente... A descarga continuava quebrada e o mosaico na parede se diluía na
desatenção com que mirava a miséria espalhada por ali. Estava puto da vida. (Celular do
Caralho!). Não se aventuraria pelas bandas do Porto naquele fim de tarde, quase noite, para tentar
outros aparelhos junto da vagabunda, Lady Telemar. E não viu outra saída senão deixar gravado
o código do telefone fixo de sua casa na Bina delatora, acoplada ao equipamento do pessoal de
Sir Stefan.
Ele tinha uma Bina em casa. O aparelho fora inventado por um brasileiro, em 1982, para
identificar chamadas. O tal Nélio Nicolai queria evitar trotes e criou esse dispositivo capaz de se
comunicar com as centrais telefônicas do País e trazer para o visor, na casa do usuário, o numero
do agente responsável pela discagem sacana.

O terror tomou conta de Félix quando percebeu que fazer a chamada a partir do telefone fixo de
sua casa era a única saída possível de encaminhar com propriedade o compromisso, logo mais à
noite. Era um terror porque para executar a ligação as vinte e duas horas, conforme solicitara a
voz gutural, ele denunciaria o numero de seu telefone e fatalmente teria sua vida desnudada sob
todos os aspectos particular e... Público. (Porra! Porra! Porra!).
Enquanto, se preparava para urinar na louça gosmenta da latrina, já que a cocaína lhe faltara
porque a esquecera no baldinho de jardinagem misturada as folhas do Fícus de sua fachada,
preocupado, ele procurava outras soluções para o problema. Porém, o circulo sempre se fechava
quando, para desespero recorrente, Félix se via utilizando o telefone de sua própria casa. Afinal,
nenhum celular em sua residência possuía créditos. Todos, como bons Pais-de-santo, estavam
prontos apenas para recepcionar a tagarelice dos amigos que ligavam para os filhos, as
solicitações de traduções dirigidas à esposa e o silencio que era a marca registrada do aparelho
dele. Restava somente o fixo, que Simone conservava vigiado, apartado das crianças, com a base
principal no quarto do casal e apenas outra extensão móvel na cozinha, que, a fim de evitar uma
conta impagável, ela recolhia quando se retirava para cama.
A missão de Félix consistia em apoderar-se do aparelho e evitar o acesso da Xereta ao dialogo
que travaria com o homem da voz. Se a mulher acompanhasse a conversa pela extensão seria o
fim; ela não entenderia nada e poria tudo a perder com um monte de perguntas, que até então
havia contido no âmago de sua natureza curiosa.
Simone era um detetive do tipo chato. Estava amarrada, por assim dizer, mas a vontade de
emparedá-lo todas as noites era notória. Ela calava. Parecia não querer saber... Contudo, por
dentro, o bichinho da tagarelice fofoqueira carcomia as entranhas de modo tão violento, que a
única saída era se entregar ao trabalho até cair no sono.
Às vezes a vontade dele era acreditar que a esposa agia daquela maneira simplesmente porque
não queria constrangê-lo... Quem sabe? Muito embora, fosse uma elaboração plausível essa
estória sobre evitar embaraços; a consideração de que talvez, ela tivesse medo de saber o que
poderia o marido estar aprontando por aí, era uma tese bem mais viável no histórico de suas
vivencias. O fato é que, independente dos motivos, a Mulher já ha algum tempo o poupava dos
interrogatórios habituais que ela teimava em conduzir no tempo antes da Grande briga.
A Grande Briga aconteceu numa estranha noite, quando ele chegou um tanto alto, mais
embriagado e mais tarde do que de costume... Houve um entrevero com direito a apontar o dedo
na cara e falar umas verdades. Com direito a jogar cinzeiro nas paredes e dar tapa na cara e de
levar tapa na cara. E, com direito a ir embora com as crianças para casa da mamãe e de ficar
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esperando no portão para pedir desculpas chorando e de voltar estabelecendo novas regras de
relacionamento.
E sob o calor dessa situação apareceu aquele amigo de Simone. Ele era colega do tempo de
faculdade. Apareceu do nada prometendo cuidar dela e das crianças, caso ele fosse enjaulado. O
sujeitinho, Pé rapado, apareceu lá, na casa da Sogra, todo engomadinho. Um sapatinho mal
engraxado, o carro de segunda mão e sabendo tratar-se dele, marido, estacionado ali, perto do
poste, aproximou-se tentado parecer simpático. Apresentou-se: Gustavo! Chamou-o “Seu Félix”.
Disse que estava ali para ajudar naquela hora difícil e, prometeu... Foi quando o sangue de Félix
subiu a cabeça. Prometeu: - Olha! Se preocupa não, seu Félix. Se a casa cair pro Senhor, a gente
segura a onda com a Simone! Ela era minha namorada na faculdade e eu sou tipo um irmão dela.
Compreende? Tamô aí pro que der e vier!...
(Filho da Puta!). O marido entrou na casa da sogra, puxou a mulher para o quarto e resolveu a
situação em três horas de choradeira.

Então, havia esse obstáculo; Simone deveria ser mantida a distancia daquela importante
conversação. Era imprescindível aos negócios. E, não obstante a e essa precisão, tal dificuldade
se constituía em apenas uma parte do problema... Félix tinha mais medo do que seu próprio
passado podia representar de mal ao possível acordo ressurreicionista...

Ele sabia que eles detinham todas as condições para dissecá-lo por completo e tinha certeza de
que fariam exatamente isso a partir do momento quando tomassem posse de seu código
telefônico. O nome e o endereço seriam na pratica dados obtidos instantaneamente e, depois, o
conhecimento de todo resto, aconteceria naturalmente em pouco tempo, ato continuo à primeira
descoberta. (Ah! Merda!)

Félix sentiu vontade de chorar. Como alguém podia viver com aquela vergonha? É justo pagar
uma pena tão pesada por tanto tempo; ainda mais sendo inocente?

Dr. Delegado Protógenes...

O homem sentindo-se injustiçado deixou as últimas gotas de urina vazando pelo chão, enquanto
os rabiscos da parede ganhavam contornos estranhos. Ali, onde antes um carimbo da sorte o
impactara com a boa mensagem, agora dois traços paralelos que formavam um pênis gigante se
transformavam num nariz ligeiramente afilado. As bolas do saco foram tomando formato de
óculos guardiões de olhos penetrantes e o restante da face foi desenhado a partir de nuances nos
tons do reboco, efeito ótico produzido pelo bolor na parede. Logo todos os traçados tomaram a
forma do rosto inesquecível do Federal.

- Muito bem! Aqui está o Delegado Protógenes, conforme sua solicitação, meu chapa!
Era o grandalhão com caras de poucos amigos, quem retornava da sala de reuniões acompanhado
por aquele sujeito, cuja presença motivara os insistentes apelos do Narigudo risonho e instalara o
mal-estar entre ele e a dupla hollidiana de clones tupiniquins.

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O Executivo engraçadinho ainda secava os olhos quando aconteceu a entrada do Delegado. Ele
tratou de recolher os últimos murmúrios da gargalhada a qual se entregara no momento em que
percebera o rabo de cavalo do baixinho esvoaçando no ar, idêntico ao corte usado por sua matriz
americana. Nessa hora, o Dr. Protógenes apareceu por detrás do Schwarzenegger e com seu jeito
solene, na passagem, deu um leve toque de mão no ombro de Dani DeVito, para demonstrar tê-lo
notado no ambiente. O baixinho limitou o retorno do cumprimento ha um ligeiro aceno de cabeça
que o homem nem tomou ciência, pois, mantendo o deslocamento, já se encontrava alguns passos
adiante, onde parou e permaneceu de pé, ao lado da cadeira de visitas, em frente a mesa de Félix.

Engraçado... Era mais baixo que esperava e mais novo também; entre quarenta e cinqüenta anos,
muito embora aparentasse ser bem mais jovem. Cabelo preto, bem penteado e pele escura,
amorenada, pouco mais clara que o tom de pele dos indianos. O policial tinha negros como
ascendentes, certamente... Donde se concluía; não era de família tradicional. (Veio de baixo...).
No bolso externo, sobre o peito, do terno azul escuro, um distintivo com o brasão da Policia
Federal e na lapela um broche discreto da bandeira do Brasil. (Nacionalista...). Tinha jeito serio
de quem não sabe fazer brincadeiras triviais, jeito de CDF que nunca fala nada trivial, sempre
quando abre a boca é para emitir palavras importantes. Parecia falar pouco e quando o fazia, fazia
assim; sempre olhando bem dentro dos olhos da vitima... Penetrando na alma do bandido.
Nenhum sorriso...

- Pois não... Eu sou o Delegado Protógenes. O Senhor gostaria de falar comigo? Seja célere, por
favor!

A voz dele era inconfundível. Foram praticamente as únicas palavras que ouviu do homem, mas,
sob quaisquer condições, reconheceria pelo resto da vida, aquele som retilíneo, sem eco,
percorrendo no ambiente, seco. Havia algo diferente no sotaque, no timbre, na forma de se
expressar que na ocasião causara medo em Félix e ainda o sensibilizava da mesma forma, depois
de tanto tempo.

A imagem perdeu nitidez e os rabiscos voltaram a tomar lugar no painel das imoralidades. As
preocupações de Félix retornaram ao momento atual... Ele não tinha dúvidas, quando os homens
de Sir Stefan se apoderassem de seu nome, através das informações do cadastro na Telefônica,
imediatamente eles o lançariam num site de buscas na internet. (Só pra ver o vai dar...)

- Então?... O que queria falar comigo, senhor?

Protógenes o inquiriu direta e friamente, sem cumprimentos e sem preocupar-se em ajeitar o


ambiente para o importante dialogo proposto pelo dono da sala ao solicitar-lhe a presença.
Talvez, o Grandão o envenenara querendo encalacrar a negociação, simplesmente por se achar
colocado a parte. Não! Não parecia ser o caso... O federal não parecia ser alguém que se deixasse
levar tão facilmente.
Finalmente Félix pode encarar os olhos do tal delegado e, como por encanto, o homem se
infiltrou nele com um olhar deveras penetrante e de súbito quase tomou conta de sua persona. Tal
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experiência deu a sensação de haver uma onda elétrica a invadir-lhe a mente de maneira tão
violenta que chegou a pensar tratar-se de um choque a partir do celular em seu bolso. Mas, não
era... Ele ficou paralisado por um momento, parecia sob controle de um terceiro, faltou-lhe ar e
sentiu a espinha congelar. Foi quando tomou ciência do que se passava ali. Sim! Estava
explicado...
Aquele olhar... Queria intimidá-lo, o Filho da Puta...
Claro. Coisas de neurolingüística...
Mas ele estava preparado.
Neurolingüística... (Aceito o desafio...).

E o que é a Neurolingüística?...

Foi a primeira pergunta que o Consultor fez para a classe de candidatos a executivos canibais.
Eles se mantiveram quietos. E na esperança de se tornarem os mais bem preparados em devorar
seus pares, seguiram atentos aos bons ensinamentos.
Eles sonhavam; munidos daquelas armas, quando soltos no mercado, conquistariam o mais alto
posto na escala dos homens canibais e liquidariam seus adversários sorvendo-os em pratos frios.

É ainda uma ciência em concepção e, aparentemente, com muitas definições sem aceitação
plenamente tranqüila entre os estudiosos. E, muito embora a unanimidade não habite nesse
território, tampouco seja esse um mundo sem concordâncias pontuais regularmente acolhidas em
teses reconhecidas pela classe. Como por exemplo, no caso especifico do foco de observações,
cujo ponto pacífico reconhece que o mérito da disciplina envolve a elaboração da linguagem
humana e de que trata os aspectos desse processo sob ótica consideravelmente extensa. E na
questão da amplitude do estudo também é inteiramente aceito que a neurolinguistica enfoca o
objeto não apenas em nível físico como abstrato e tanto em estado de sanidade normal, como no
campo patológico. Há também o entendimento de que a matéria estuda a mecânica do cérebro
humano procurando compreender como o homem trabalha o universo que envolve a língua,
independente de sua elaboração falada, escrita ou cognitiva. Enfim, disseca todo o processo da
comunicação entendo que o ser humano é uma fonte de sinais bem mais ampla do que fala e
escreve e uma antena receptora que vai muito além dos sentidos básicos.

Dentro dessa conceituação fundamental é que a PNL - Programação Neurolinguística busca criar
modelos que favoreçam o homem em suas relações de nível particular ou profissional.
O QUE CERTAS PESSOAS DE SUCESSO TÊM OU TIVERAM QUE EU NÃO TENHO?
O QUE EU DEVO FAZER PARA CONSEGUIR O MESMO RESULTADO DE SUCESSO DESSAS PESSOAS?
QUANTO TEMPO EU LEVARIA PARA CONSEGUIR RESULTADOS REAIS QUE MODIFICASSEM A MINHA
VIDA?

São questionamentos válidos quando se leva em conta a idéia de que o ser humano está
submetido a sua visão do mundo e que tal percepção pode ser alterada. Assim sendo, a
neurolinguistica possibilita ao praticante realizar uma reprogramação permitindo trabalhar
problemas caros ao sucesso nas relações humanas desde o medo de falar em publico, dificuldade
em dizer não, parar de fumar ou até acabar com a gagueira. E é nesse momento que entram em
2
campo as técnicas muito próprias dessa ciência, geralmente conduzidas pelo que se denomina
Modelagem.

E modelar nada mais é do que tentar reproduzir as qualidades que levam ao sucesso para que o
modelado também possa atingir o topo num empreendimento específico. Por exemplo; sabendo
que Henry Ford, Thomas Edson e Silvio Santos como tantos outros, são personalidades de
sucesso que nunca freqüentaram o banco de uma universidade e entendendo que todas as pessoas
possuem todos os recursos neurolinguisticos necessários para também enfrentarem as situações
como vencedoras; o que lhes falta é aprender onde, como e quando usar esses dotes naturais para
transformar o seu potencial em êxito real. E nesse ponto, poderemos contar com as experiências
dos indivíduos citados como rica fonte de estudos para delinear caminhos mais seguros rumo ao
sucesso.

"Nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de uma pessoa quanto a falta de dinheiro." (John Kenneth)
Não importa quanto DINHEIRO tem, onde MORA se é HOMEM ou MULHER, qualquer um pode se TORNAR
MILIONÁRIO!

Em suma, o resultado final da Modelagem deve proporcionar ao individuo conhecimento


suficiente para, com base em mapas sensoriais constituídos a partir de experiências vitoriosas, ele
próprio também manipular suas qualidades em prol dos objetivos dele.

Mas, dentro da PNL há outras técnicas muito poderosas que possibilitam ir além de construir essa
nova pessoa confiante e feliz consigo mesma. E elas partiram do principio de que havendo o
método seguro de alguém induzir a si para melhorar o próprio desempenho, então conseguir
resultado análogo com outrem, dependeria somente de descobrir os caminhos certos para operar
no âmago dele. E essa tecnologia se aprofundou a tal ponto que permitiu até mesmo alguém
incutir na mente de um homem pensamentos de orientação conveniente apenas aos interesses
desse experto. A Hipnose.
Desse modo, criaram-se procedimentos como ressignificação e sugestão que podem ser muito
perigosos se utilizados sem critérios éticos. Pois que, a Ressignificação vai dar novos significados
ao sentido geral utilizado para o termo e pode transformar “matar” em atitude prazerosa e, por
outro lado, a Sugestão pode colocar na mente da pessoa essa idéia de matar alguém. Então, na
pratica, essas técnicas fazem quase uma lavagem cerebral na vitima e a compelem, como estando
em transe hipnótico, obedecer qualquer ordem do mandante, sem se dar conta de estar sendo
controlada e sem perceber o estado alterado de sua consciência.
E esse é um método comumente usado em diversos campos do relacionamento humano,
principalmente onde se faz necessário domínio sobre o espectador para atingir o objetivo com
sucesso. Podemos reconhecer o uso de tais instrumentos quando um bom professor quer
sintonizar alunos de sua classe na freqüência adequada para tirarem o melhor proveito da aula ou
quando o pastor procura trazer a audiência para um ponto ideal de louvação em rituais religiosos.
Nesse ultimo caso, poderíamos apreender muito do desenvolvimento desse método, apenas
acompanhando as reações dos participantes durante os eventos. Observando o comportamento
dos fiéis, notaríamos que, mesmo antes de iniciar o culto propriamente dito, eles já estariam
sendo preparados para receber a boa mensagem. Tudo emoldurado para esse fim: A espera, o
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ambiente, a iluminação, uma musica ritmada entre 50 e 70 batidas por minuto tocando no mesmo
compasso dos corações e toda misancene que envolve cada rito em particular. Tudo como parte
integrante e indispensável da fase de abertura no processo de Hipnose. No que diz respeito ao
aspecto físico dos praticantes, poderíamos assinalar que; independente do desconforto das
instalações, a maioria deles, logo sentiria o corpo bem relaxado e os olhos ligeiramente dilatados.
E esses sinais ganhariam mais nitidez a medida que entrassem em transe, ao atingirem o estado
alfa, que é o momento quando estariam vinte e cinco vezes mais sugestionáveis do que o estado
de plena consciência – Beta. Nessa bendita hora, seria possível que, mesmo sentadas, as pessoas
começassem oscilar o corpo para frente e para trás e as mãos se dispusessem no ar a fim de
louvarem o Senhor de acordo com a programação de reuniões anteriores. Daí para frente, através
de canções e da vocalização hipnótica do Pastor o serviço seria completado. Os fiéis seriam
impactados pela voz do orador ritmada num balanço de 45 a 60 oscilações por minuto até
atingirem o ponto Maximo no estagio Alfa e as sacolinhas correrem pelo recinto coletando as
doações espontâneas.

Agora; imagine tal poder utilizado em meio de um processo de negociação?

Há varias atitudes, posturas e olhares durante as fases de comunicação entre seres humanos que
permitem reconhecer o intento, muito alem do que é falado. E a partir desses sinais também é
possível produzir outros que controlem a situação a favor daquele conhecedor das técnicas de
Neurolinguistica. Pavlov estudava os condicionamentos e conseguia fazer um cão salivar de fome
ao ouvir uma campainha e apesar disso não avançar na comida... Era educação? Não! O animal
sabia que, se avançasse sobre o suculento bife antes de a luz vermelha se apagar, tomaria um
choque terrível. Isso é condicionamento.
No caso de convencer indivíduos a comprar suas idéias, convertê-los, para ser tecnicamente mais
exato; é necessário trabalhar as emoções de modo a elevar seu ponto de excitação a níveis tão
extremos, que dentro de tal situação torne-se possível obstar o discernimento de qualquer pessoa
e predispô-la a subjugação mental. Então, o elemento sob domínio, tendo seu Estado de Espírito
alterado dessa forma, certamente responderá com maior prontidão a campainha e a luz vermelha,
do que ao comando de sua frágil inteligência.
E por incrível que, para o leigo, possa parecer coisa de menor importância; um instrumento muito
próprio de promover o ambiente propício para se realizar a conversão das pessoas, é o inocente e
poderosíssimo: Sorriso.
Um sorriso é uma ferramenta hipnótica que impõe ao outro o pano de fundo no qual se
desenvolvera o dialogo sobre determinado tema. Independente do quão sério possa ser o assunto,
o outro, dominado, receberá as mensagens com espírito aberto e, portanto, em total confiança ao
interlocutor.
Por outro lado, o mau humor e a sisudez também são armas devastadoras dentro do espectro da
conversão. Elas buscam criar ambiente de tensão e gerar a incerteza que, aliada ao desprezo
destroçando a auto-estima do adversário, o colocam em condições bem apropriadas de ser
controlado.
Outra boa maneira de tomar o controle para si é estar no patamar superior ao do oponente.

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O Delegado Protógenes, baixinho invocado, ficara em pé para se manter acima de Félix e dessa
maneira impor-se a fim de levar vantagem na negociação. (Você é bom amigo... Mas, aqui tem
bala na agulha...). O superintende da Kent, sem notar a estranheza da ação, coçou o nariz
limando-o com o indicador por varias vezes e depois ele o apertou outras tantas usando a pinça
feita com o polegar e o indicador. Era um artifício para aprofundar o combate a coceira, que se
estendia na parte interna de seu naso incomodado. Os homens se riram da bizarrice, mas o Chefe
se conversou sério, concentrado, esperando o desenrolar da cena.

Só pode ceder quem tem... E quem tem; tem o Poder...


O Executivo, Dono da Sala, apontou a cadeira vazia a sua frente, como que dando ao outro a
permissão para ocupar o lugar. Seria como se o Delegado somente sob esse comando pudesse
sentar e no fim, caso se acomodasse na cadeira de vistas, conforme demandado na licença
emitida, ele estaria obedecendo a ordens do manda chuva bem disposto em seu trono, do outro
lado da mesa. (Vamos ver quem controla quem?...) O delegado recusou o convite e se mostrou
um tanto impaciente. Tinha uma operação em andamento e não podia perder tempo. Estava
gerando tensão para desestabilizá-lo. (Ah! Esperto, hein?). Félix sorriu. O Homem não mudou
sua feição de enfadado e continuou em silencio esperando... (Ok? Entendi... Vamos ver do que tú
é capaz sem os teus capangas?...)

- Será que podemos conversar a sós?


- Não! Não tenho assuntos pessoais a tratar aqui e, portanto, os homens ficam...

Medo... Quando se trata de apoderar-se da mente alheia, esse é um estado interessante para ser
trabalhado. O fato é que, dominado pelo medo, é impossível a alguém discordar de que o outro
conduza o processo. (Perfeito! Está apavorado, não é amigo?... É um sinal de fraqueza. E é bom
que tu saiba que eu sei do teu medo, mermão...).

- Ah! Claro... Como não? O Senhor certamente ficara mais a vontade assim... Acompanhado...
- Vamos!... Do que se trata?...

O ambiente é muito importante.


Alguém fora de seu habitat natural é como um peixe fora d’água; ele se sente desprotegido e
tende a deixar por conta de um guia experiente os passos de sua jornada. E o condutor será a
pessoa cujo conhecimento sobre o terreno apresente-se superior ao do forasteiro. (Então, vamos
sair daqui, policial. Eu vou levá-lo para inferno... Vamos ver do que você é feito? Vou levá-lo
para um Morro Carioca! Vou levá-lo para a Fortaleza do trafico, lá no Morro dos Macacos! Seu
verme, Safado! ).
De repente Félix sorriu. Era um sorriso estranho. Não combinava com a imagem externa dele e
tampouco seu novo jeito de se expressar corporalmente, em complemento as palavras, mostrou-se
inadequado ao Perfil do engravatado, com qual Protógenes se deparara ao entrar na sala.
Nitidamente os erres e os esses começaram encompridar e raspar além da dicção normal de um
carioca médio e pulularam gírias estranhas ao vocabulário de alguém habituado ao jargão da
Bolsa de valores.

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- Olha aí, mermão! O Lance é nosso! Tem essa bucha toda que tu tem de passá pros truta lá de
cima... Eu To sabendo... Mas... E se... Na moral... E se tu... Chegando, aqui... No pedaço... E se
tu... De repente; tú chegô tarde e perdeu uns pexe? Saco a parada?

O Delegado não acreditava na metamorfose sofrida pelo gaiato em sua frente. Via-se um idiota
tentando parecer malandro de morro, que sem motivo aparente ficava apontando aqueles dedos
em formato de pistola na direção dele, como fosse um cantor de rap. Protógenes usou os
vocábulos inicias da fala do burguês, vocalizando-os em tom de ironia para alertá-lo sobre o
perigo que corria e dar-lhe chance de repensar a doidera que eram aquelas atitudes:

- Olha aí, meu irmão! Seus olhos estão um tanto dilatados demais para conversar comigo hoje...
Entendeu?

Os olhos do Federal se fixaram nos olhos vermelhos de Félix e ele estava tão excitado que nem
ouviu direito as palavras pronunciadas pela autoridade. Mas, tinha certeza dos passos a dar nos
caminhos para o sucesso. Fundamental, disso sabia muito bem; não podia perder o embate
psicológico se desenrolando ali e a ultima coisa que poderia fazer era desviar o seu olhar dos
olhos do policial. Foi quando arregalou bem as pálpebras e cerrou os dentes e quase encostou seu
nariz no nariz do oponente, na hora de aprofundar a mirada, igual fazem lutadores de boxe antes
da luta...
...

Protógenes sorriu um sorriso de escárnio... O contendor postado sobre o pedestal da vitoria, logo
entendeu o que havia por detrás daquele risinho pedante. (Está com medo, né? Filho da Puta!) E
apesar de controlar toda situação com grande maestria, ele se desesperou...
De súbito, o irônico agente da policia o surpreendeu com uma atitude esquisita, nada
convencional para o ambiente de disputa, onde se travava a batalha pela melhor posição nos
negócios. O desespero atacou-lhe quando avistou o Delegado executando movimentos iniciais de
retirada... Não podia deixá-lo partir. Qual era a jogada do homem agora? O executivo negociador
precisava desvendar o enigma daquela tática suicida empregada pelo oponente...
Claro! O Policial não acreditava que ele, um mero empregado, tivesse bala na agulha para levar a
cabo as negociações? Era lógico? Como não percebera a situação? O cara não iria perder tempo
numa transação efetivada com pessoal de segunda classe na hierarquia da empresa... Nada mais
óbvio!... Puta que o pariu!...
O quadro completo era o seguinte: O Delegado estava lá, na sala de reuniões, com os Cabeções e,
de repente, saiu dessa central e foi até o porão para encontrar, a ele, um Zé Ninguém. Daí, o
Manézão quis negociar... Só sendo muito trouxa! (Burro! Burro! Burro!). As digreções
desenrolavam indiferentes à realidade acontecendo no ambiente e independente do que ele
concluía com seus botões, as costas do homem já estavam à amostra dando a certeza de sua
saída... Foi quando Félix encontrou a solução. (Claro!). Ele tinha de agir rapidamente e atacou:

- Ei! Mermão!... Não acabei contigo, ainda!

2
Protógenes enervou-se. O engraçadinho tinha passado dos limites... Deveria ter mais cuidado
com aquele jeito de tratá-lo cheio de intimidades, como fosse ele um malandro do morro.
Mermão?... Não havia palavra mais odiada no dicionário do Policial, do que aquela marca
registrada dos otários metidos a espertos, principalmente quando pronunciada daquela maneira
chula. Então, o Delegado reverteu o movimento de egressão e, dedo em riste, retornou decidido a
aplicar um sermão pouco amigável no Palerma. Surpreendeu-se... O homem tinha desaparecido...
Não podia acreditar, mas era verdade... O Babaca se atirara para debaixo da mesa. Nesse
momento o comissário teve certeza; o cidadão havia enlouquecido e precisava de tratamentos
médicos. Talvez a pressão da situação... A maioria das pessoas não tem a experiência de conviver
em local com tantas armas, carregado de desconfiança, praticamente tratadas como prisioneiras,
visto que não podem movimentar-se à vontade e até para conversar pedem permissão. Então,
algumas explodem... Outras simplesmente piram, principalmente sob efeito de drogas, como no
caso do moço, ali, escondido no vão da mesa.
Contudo, nova surpresa tomou conta do ambiente quando o executivo surgiu detrás do balcão
trazendo consigo uma maleta cromada do tipo 007. Os homens que até então haviam se entregado
a uma boa gargalhada diante do inusitado que era alguém se comportar daquela forma louca com
o Chefe, silenciaram estupefatos.
Félix manteve aquele sorriso sarcástico nos lábios. A curiosidade matou o gato. (Então, agora tu
se interessou, né... Malandragem? Curioso, né? Agora tu é meu, cara!). Enquanto girava a maleta,
ainda fechada, para que a boca dela se encontrasse de frente para o Policial no momento da
abertura, ele lançava, em bom som, uma senha misteriosa no ritmo exato de cessarem seus
acordes juntamente com o término do movimento:

- Então, galera! Vamos falar sério...

O Delegado se aproximou ajeitando os óculos e foi nessa hora que Félix apertou o botão
responsável por destravar o fecho da pasta que se abriu automaticamente. Protógenes mirou as
notas por alguns instantes... Reação alguma esboçou até olhar para o homem e balançar
vagarosamente a cabeça, como quem está elaborando sua decisão.
Os olhos de Félix se arregalaram tanto quanto o sorriso e ele gesticulando tal qual mágico que
acabara de retirar o coelho da cartola, reforçou a sensação produzida pelo impacto daquela visão:

- Cinqüenta Mil Dólares!

O Policial tornou positivar com a cabeça, meneando-a em concordância à fala conduzida pelo
Gravatinha metido a malandro de morro. Foi quando o demonstrador complementou sua
informação com outra noticia alvissareira de grande importância para os homens ali, circundando
a mesa.

- Tem muito mais de onde veio este!

Depois de algum tempo coçando o queixo pensativo, Protógenes virou-se para o Grandalhão e o
questionou curioso:

3
- Tem certeza que esse cara não está na tua lista? O Senhor é?... Senhor Félix, correto?
- Ok! Ok! Correto!
- Félix de Souza Santos Junior... É o único Félix que tem na Corretora. Já conferi doutor! Tá não!
- É o Senhor? Félix de Souza Santos Junior?... É o Senhor?
- A seu dispor... Mermão!
- Mas, então?... Que merda, esta acontecendo aqui?...
...

O Chefe da Operação voltou-se para seus homens parecendo repreendê-los, mas Félix chamou-
lhe a atenção novamente:

- Tem muito mais de onde veio este. Doutor!

O Sorriso permanecia frisado na boca, enquanto o executivo ajeitava a gravata depois de enxugar
o suor da testa com as costas da mão. Ele, ao amoldar os cabelos com os dedos, já dava como
missão cumprida aquelas tratativas, visto que, naquela altura do campeonato, restava tão somente
acertar os últimos detalhes e outras formalidades inúteis. Félix repetira a frase sobre a existência
de quantia muito superior àquela exposta na maleta, apenas para acrescentar o titulo de “Doutor”
em referencia ao Delegado Federal, porque, convencido de estar sob patrocínio do poder exercido
pelas verdinhas nas almas dos Homens, concluiu; com tal garantia podia tranquilamente
dispensar a antiga atitude de confronto. E, plenamente convenceu-se de haver acertado na
mudança de tática, quando avaliou os sinais de retorno claramente posicionados em seu favor.
Principalmente após a manifestação do Delegado, na qual, o agente, sem saber, demonstrara os
resultados da boa medida como extremamente acertados... Afinal, Protógenes, sem maiores
preocupações, mesmo estando diante de seus comandados, como fosse matéria cotidiana em sua
pratica profissional, não se furtou aprofundar-se nas entranhas do negócio:

- Só para eu entender melhor, Seu Félix... O Senhor poderia repetir sua proposta?
- Ok? É muito simples... São apenas dois de tua lista, que deverão ficar de fora... E quando isso
acontecer... Já, agora, na mesma hora, vocês saem com a entrada. Liberou, pegou a grana,
entendeu? O resto pega no máximo em uma semana...
- Calma, calma, amigo... Mermão! Calma! Vamos ver se entendi?... Meu caro Sr. Félix... Eu
relaxo o flagrante de duas pessoas; recebo os cinqüenta mil dólares, que estão nessa maleta, e,
depois, no Maximo em uma semana receberei o restante?
- Sim! É isso... Eu posso lhe garant...
- Calma mermão! Calma! Vamos por partes... Se eu não der flagrante em duas pessoas, recebo
esses cinqüenta mil dólares. Esse dinheiro que esta aí, nessa maleta... Essa grana, antes se
encontrava embaixo de sua mesa e o Sr. pegou e o colocou sobre a mesa... Certo? E essa é a
minha entrada, apenas a primeira parte da propina para começar o negócio? Depois eu recebo
mais... Correto?
- Ok!
- Ok? É isso ou não é isso... É sim ou não? Em português... Custa falar Português?
- Sim! É isso aí... Cacete! Está tão difícil de compreender?...

3
- Agora... Diga-me camarada! E qual é o nome dessas duas pessoas por quem devo fingir; não
estavam aqui no momento da operação? Quem eu devo livrar do flagrante? Quem são esses dois
felizardos a quem devo liberar, para ganhar, como primeira parte do acordo, os cinqüenta mil
dólares desta pasta?
- Arquimedes e Bressan. O presidente e o vice-presidente... O Doutor os conheceu ali, na sala de
reuniões... Os outros; o Senhor pode levar a todos. Só dois, Doutor! A grana é boa!
- Sim... Claro!Estou vendo! Mas, veja... Eu quero deixar tudo bem explicado para evitar que
depois haja algum mal entendido? Arquimedes e Bressan?

Protógenes dirige o olhar para o grandalhão que confere sua lista:

- Arquimedes Abreu de Lima e Castro e Paulo Nobre Bressan, Doutor... Sim. Estão na lista...
- Ótimo! São estes dois que devemos retirar do Flagrante, Sr. Félix?
- Sim, Doutor! São estes dois...
- Perfeito, mas, ainda querendo tudo bem esquematizado, nessa linha, eu gostaria de saber; quem
lhe autorizou ou mandou fazer essa negociação? Quem está por trás de toda transação? Sim. Por
que o Sr. não tem essa condição... Nós sabemos...

Félix logo pressentiu o interesse oculto por detrás daquela pergunta; o Delegado estava querendo
se garantir de receber a segunda parcela, então ele, procurando intimidar o homem e evitar
maiores constrangimentos, resolveu que deveria retornar a sua vocalização malandra e assim
consolidar o fechamento da operação mais celeremente:

- Vamos deixar claro que a Parada está coberta por cima, mas, o doutor sabe que fonte é um B. O.
que a gente segura sozinho, né?
- Entendi... Não pode falar, não é? Por acaso seriam os Dois, aí... O... O ... Essa dupla, aí?...

Percebendo a falha de memória pelo estalar dos dedos do chefe, o homem da lista se apressou em
ajudá-lo com os nomes: - Arquimedes e Bressan, Doutor!

- Justo! Por acaso não seriam estes dois ou apenas um deles, os sujeitos ou o sujeito por trás desta
proposta?
- Não, Doutor! Nada a ver... Vem de cima! É poder Divino. Sacou?
- Perfeito... Agora, só para encerrar; vamos falar sobre o mais importante: Qual é o montante que
envolve essa segunda parte, que receberei para liberar os Senhores... Arquimedes e Bressan do
flagrante?

Felix arrumou a gravata novamente, endireitou o paletó conferindo o fechamento do segundo


botão e se preparou para encerrar a negociação. Fez tal cena para causar expectativa, não
demasiada, afinal, queria terminar a conversa em clima descontraído. Possivelmente, se
encontrariam mais tarde para acertar os detalhes de pagamento daquele montante final e não
perderia a oportunidade de fazê-lo amigavelmente em algum American bar, num papo regado a
whisky, legitimo scoth, com maioridade comprovada. Desse modo, utilizou a melhor arma para
impor esse espírito cordial na alma dos negociadores adversários; o Sorriso:
3
- Primeiro. Vamos combinar que estamos falando sobre dinheiro de verdade, ou seja, não estamos
falando de Real... Ah! Ah! Ah!

O silencio da assistência não intimidou o gravatinha:

- Ok. Nós estamos falando da verdinha... Dólar! Mermão!


...
- Ok. Vamos falar de sete dígitos aqui... Gosta de valores com sete dígitos? Eu adoro! Então,
vamos multiplicar por dez essa parada aí da maleta, sacou?
- Não enrola meu irmão... De quanto estamos falando para liberar o vice e o presidente do
flagrante?
- Porra! Só fazer a conta; To falando de quinhentos e cinqüenta paus! Cinqüenta agora e
quinhentos depois...
- Meu irmão... Eu não quero receber paus! Quero saber quanto eu vou receber, em dinheiro, para
livrar o Arquimedes e o Bressan! Quanto e como vou receber?
- Ok. Veja bem... Tu sai com cinqüenta mil dólares... Dólares... Agora! Sacou? E, depois, em
uma semana, tu recebe mais Quinhentos mil dólares. Entendeu?
- Entendi...

Protógenes conferiu as notas na maleta, retirou uma amostra do dinheiro involucrado por uma fita
de papel, certificou-se haver outra fileira de pacotes abaixo do primeiro nível. Depois conferiu ser
o maço feito de notas verdadeiras e, pela primeira vez, respondeu ao sorriso do Narigudo com
outro sorriso de cumplicidade. O delegado atirou a propina de volta para dentro da maleta e
andando vagarosamente se aproximou do Arnold Shwazeneger brasileiro:

- Conan!
- Pois não, Doutor!
- Faz o seguinte Conan; explique para o Senhor Félix como tratamos esses assuntos em nosso
departamento...
- Com prazer Doutor!

Quando o Policial fortão iniciou seu deslocamento em direção ao corruptor, surgiu detrás
daquele corpanzil o cameraman que filmara toda a cena, desde o principio. Ele projetara o
equipamento por entre o braço de Conan movimentando-o discretamente a medida do
deslocamento de Protógenes e agora podia agir livremente circulando pela sala. Nessa hora, o
baixinho que sofrera a gozação de Félix, rotulado pelo executivo como clone de Dani DeVito,
logo retirou do bolso um desses celulares incrementados. Ele, até então mais afastado, assistira de
camarote ao desenrolar da conversa, fingindo nenhum interesse na transação ocorrendo ali na
sala. Manteve-se imóvel, sentado em frente ao computador e levantara somente quando da
abertura da maleta. Agora o homenzinho do terno amarrotado se aproximava jocoso, lentamente,
realizando sua gravação extra-oficial, ao que o delegado visivelmente incomodado, alertou:

- DeVito! Não quero sacanagem... Sem constrangimento, DeVito!


3
- Porra, Doutor! Esse merece...

De acordo com a análise de um famoso Jurista, a prisão em flagrante é ato estatal de força,
classificado como uma modalidade de prisão cautelar de peculiar característica, submetida ao
seguinte raciocínio: "É prisão porque restringe a liberdade humana; é penal porque foi realizada
na área penal; é cautelar porque expressa uma precaução, uma cautela do Estado para evitar o
perecimento de seus interesses; e é administrativa porque foi lavrada fora da esfera processual,
estando, portanto, pelo menos no momento de sua realização, expressando o exercício da
atividade administrativa do Estado.". O Delegado, apesar do transcorrer inusitado da trama,
queria por tudo conservar a lisura da ação, como era de seu costume, então, endureceu a voz ao
comandar:

- Guarda isso DeVito e ajude lavrar o auto!

O baixinho imediatamente recolheu o aparelho e acompanhou sorridente ao Grandão executando


a prisão. Conan se aproximou de Félix e, retirando as algemas do bolso do colete apanhou-o pelo
ombro buscando forçá-lo girar e ficar de costas para ele.

- Senhor Félix... O senhor está preso!

Não... Nada destas coisas de ler direitos. Isso é artifício usado em filme. Aquela falação toda de
película americana é pura ficção: "Você está sendo preso; tem o direito de permanecer calado.
Tem o direito a um telefonema para avisar seus familiares e tem direito à presença de
advogado...". Não. O direito à dignidade já é per si direito garantido ao detido e, portanto,
obrigatório de ser assegurado pela autoridade responsável da prisão em flagrante. Não há
qualquer descrição do conteúdo da voz de prisão no Código de Processo Penal e, se existisse; o
teor de todo procedimento, estaria ali esmiuçado e seria obrigatório o devido registro no auto de
prisão. A voz de prisão é peça tão dispensável, que não precisa nem mesmo constar no processo.
Félix já estava quase dominado, quando entendeu por completo o que se passava ali. Ele estava
sendo preso. Não podia ser preso! O delegado permanecia serio acompanhando a ação a
distancia, praticamente no meio da sala. Uma das mãos do malandro já ganhara parte do
bracelete, mas, ele se recusava expor a outra para ser definitivamente algemado...

- Não pelo amor de Deus, Doutor!

Conan tentava não usar de força excessiva contra aquele Zé Mané, contudo o homem se debatia e
gritava cada vez mais choroso e mais alto à medida que crescia o desespero:

- Pelo amor de Deus, Doutor! Eu tenho mulher e filhos! Pelo amor de Deus... Não faça isto
comigo! Pelo amor de Deus... Era só brincadeira! Eu juro que nunca mais faço isto! Doutor
Protógenes, eu tenho mulher e filhos! Pelo amor de Deus, Doutor... Eu tenho família! Não me
prende! Pelo amor de Deus! Não me prende!

3
O cameraman aproveitando a liberdade de movimentos transitava pendularmente ao evento,
buscando a melhor posição, o foco que permitiria sua lente extrair as mais emocionantes tomadas
daquela cena insólita. E o Cristão arrependido choramingava desbragadamente. Ele, mesmo
contido pela dupla hollidiana conseguiu executar uma proeza digna de espetáculos circenses. No
auge da desesperação, Félix desvencilhou-se dos federais e pulou de barriga sobre a mesa.
Escorregou por toda a extensão do tablado levando consigo a montoeira de papeis, CDs e outros
apetrechos próprios de seu trabalho. Ao final da jornada, a queda o levou direto aos pés de
Protógenes e neles se agarrou para, rapidamente, pôr-se de joelhos. Agora, segurando as pernas
do delegado pelas calças, tal qual faz a criança amedrontada quando se agarra aos pais, o recém
convertido, com grandiloqüência chorosa, em nome de Deus Pai Todo Poderoso, implorava
Liberdade:

- Pelo amor de Deus, Doutor! Pelo amor de Deus! Não me prende! Eu tenho medo da cadeia,
doutor! Eu tenho mulher e filhos! Pelo amor de Deus, Doutor! Eu tenho família! Eu juro que
nunca mais faço isto de novo! Nunca mais... Eu juro! Pelo amor de Deus! Não me prende! Eu
tenho medo!...

Protógenes colocou a mão na cabeça do Filho de Deus agonizante e quase suspirou:

- Calma! Calma!

Conan e DeVito se atiraram sobre o pedinte e finalmente forçaram a proximidade dos punhos até
executarem o click das algemas; sinal que declarava Félix definitivamente preso em flagrante
delito... Estava dominado. E finalmente ciente dessa situação, as forças dele se esvaíram, mas as
lagrimas intensificaram; ensoparam ainda mais o rosto contorcido do arrependido e escorreram
pelo nariz e até pela orelha, respingaram pelo chão acompanhando o resmungo arrastado de dor,
choro de homem arrasado por ver seu mundo se acabar num minuto, no simulacro de uma
traição:

- Não! Pelo amor de Deus! Eu tenho mulher e filhos! Pelo amor de Deus! Eu tenho família! Pelo
amor de Deus! Não! Não! Pelo amor de Deus!

O Flagrante estava consumado. Protógenes saiu da sala e o religioso chorão ficou em companhia
da dupla de Federais. Então, eles o sentaram na cadeira de visitas, onde permaneceu com as mãos
para trás, presas, cabeça baixa, emitindo os murmúrios, enquanto as lagrimas pingavam da face,
escorridas pelo nariz... Conan ainda magoado com a atitude histérica do homem no inicio da
historia, a forma jocosa com que o tratara, resolveu chamar-lhe a atenção:

- Nós te avisamos... Panacão! Parece que tem merda na cabeça!


- Conan... Deixe o cara... Agora já foi, colega! Nós tentamos cantar a bola...
- Companheiro! Tu acredita que exista alguém mais anta que esse otário, aí? Não... Me diz
DeVito! Tu já viu algum bicho pior que esse? Tentamos avisar!...
- Colega! Eu to pra ver coisa pior! Ah! Ah! Ah! Mas, agora já foi... Desencana e vamos lavrar
essa porra desse auto...
3
Não mais de trinta minutos se passaram até Protógenes aparecer com toda gangue enfileirada.
Depois do Delegado e de alguns policiais, os capturados seguros por pares de agentes, vinham
logo atrás, mantendo a cabeça tão baixa que até pareciam o celebre corcunda de Notre-dame. A
primeira era uma mulher, a secretária, Ivonete Zamorano. Thiago e Sérgio, que eram gerentes da
superintendência de Félix, vinham na sequencia e caminhavam praticamente de cócoras
escondendo-se, envergonhados, diante dos celulares dos outros funcionários. Depois seguiam
também com postura idêntica a de Quasimodo, as duas cabeças do esquema, Bressan e
Arquimedes. Por fim, mostrando-se bastante satisfeitos com o resultado da operação, duas
dezenas de agentes carregando computadores e caixas lacradas com documentos, fechavam o
cortejo. Os agentes lacraram a sala de Félix com adesivo próprio para este fim colado no friso
entre a porta e a parede, como já haviam feito com as janelas e encaminharam o Malandrão para
seu lugar na fila...
Novamente Félix pôs-se a chorar e gritar implorando para Protógenes liberá-lo daquela situação
amedrontadora. Ele berrava e se debatia, no entanto, estava irremediavelmente dominado nos
braços de DeVito e de Conan. Então, num movimento súbito jogou-se ao solo e tentou rolar para
perto do delegado que já se encontrava próximo à saída. Nesse momento, devido ao
direcionamento de alguns agentes que caminharam à frente, o equipamento de entrada automática
abriu... Um bando de jornalistas e câmeras assomou porta adentro em direção ao homem
algemado, caído no chão. Imaginavam truculência Policial, contudo, gravaram a cena onde ele
gritava sua súplica:

- Doutor pelo amor de Deus... Me livra dessa, Doutor! Eu te dou a grana que tú pedir... Eu tenho
grana! Pelo amor de Deus... Vamu conversar, doutor!

A dupla de policiais já não conseguia conter ao homem, satisfatoriamente, estava sentindo-se


acuada. Eles tentavam evitar aparecer na tela como agentes violentos e, apesar da ajuda de outros
companheiros, o prisioneiro, agora em pé, pode se aproximar ainda mais de Protógenes.
Em meio a essa confusão, o Homem detectou a preocupação do grupo de agentes federais; eles
tentavam evitar a ação dos repórteres, cuidando de não causarem qualquer impressão de haver
violência no recinto. Então, Félix teve a sensação de ser possível retomar o poder para suas mãos.
Por isso, apesar das algemas mantendo-as presas, ele sentiu-se livre e, desse modo, disposto a
controlar a cena novamente, tomou coragem e entabulou a tática para demover o homem de levá-
lo em cana na frente da imprensa. Conforme entendeu a situação, planejou o melhor caminho
para a liberdade e concluiu que; constranger o Comissário o faria recuar da decisão de prender
alguém tão poderoso, como ele, capaz de colocá-lo em maus lençóis diante dos repórteres.
(Agora tú é meu, Filho da Puta!). E como todo ambiente favorecesse a encenação, o Senhor dos
Destinos passou a vociferar impropérios contra o Federal:

- O caralho que tu não tenha um preço, Filho da puta! Todo mundo tem preço, Babaca! Fala teu
preço... Ta na minha mão, Babaca! Fala... Tu é meu, Troxão! Verme! Tem que morrer... Policia
tem que morrer! Tu vai morrer... Filho da Puta! Eu pego tu, seu Filho da Puta! Vai comer na
minha mão! Otário! Eu tenho grana, seu otario! Eu sou elite... Tu não pode me prender! Otário!

3
A tela da TV frisou a figura do Chefão da Quadrilha da Bolsa: Félix de Souza Santos. Ele estava
com a boca aberta, sobrancelhas praticamente unidas, caracterizando o tamanho da raiva que
sentia ao declarar-se personalidade acima da lei, imune a ação policial, pelo fato de ser rico. Um
carimbo em vermelho selou três palavras sobre o rosto da figura escrota: CORRUPÇÃO NUNCA
MAIS!
Ele estava em todos os jornais da noite. O ancora chacoalhava a cabeça negativamente quando
anunciava a repetição daquela imagem lacônica de quão repugnante poderia ser a alma humana
destituída de todos os seus escrúpulos. Era sim uma das mais tristes visões da realidade de um
País dominado pela corrupção: Os Federais tentando segurar o bandido e ele berrando palavrões
contra o delegado, como possuidor de direitos acima das leis, simplesmente por pertencer à elite.
E o giro pelos canais de televisão dava a exata noção do furor com que aquelas imagens
atingiram a população...
- Vem aqui! Vem aqui, vagabundo! Vem gritar comigo desse jeito que te dou uma porrada que
você vai voar longe, seu vigarista! É Vigarista! É covarde esse aí... Vagabundo!...

- Eu vou pedir a palavra porque eu tenho um furo de reportagem para dar... É quente, hein!
Agora, no intervalo, eu estava falando com uma fonte... É coisa de arrepiar os cabelos! Olha,
dizem... Isso é uma informação não confirmada... Eu vou dar aqui, porque a gente é jornalista e
tem o dever de informar... Eu ainda não confirmei, mas a fonte é quente... Olha! Parece que tem
droga nessa estória toda... Éh! É isso aí... Nós vamos continuar investigando, mas, que ele esta
envolvido com o narcotráfico... Olha, é quase certo! Precisa ver até que ponto ele estava usando a
Bolsa para esquentar a grana do tráfico. Repito! Não é confirmado ainda, hein! Mas tem muito
caroço nesse angu... O babado é forte! Pode acreditar...

- Em minha opinião; agora eu vou dizer como analiso esse caso: Eu creio que esse tal de Félix
ainda é só a Ponta do iceberg... Louco ele não é... Essa estória... Na qual ele disse ter o Poder
divino... Como é? Que ele estaria resguardado pelo Poder Divino... Meu amigo! É certo, que o
recado era o seguinte: Eu sou o café pequeno! E tem mais... Esse cara não solta o nome do
grandão nem se meterem ele no Pau de Arara...
- Fala! Ah! No Pau de Arara, fala...
- Pode até ser... Só que em minha opinião: Antes de ele falar qualquer coisa... Ou ele estará
livre... Soltinho... Em Cancun, rindo da cara da gente... Ou estará no inferno. Sabe? Comeu uma
comida estranha na prisão e morreu de congestão, igual aquele seqüestrador do Silvio Santos.
Lembra?

- Pena de Morte! Nesse ponto nós devemos dar o braço a torcer... A China está com a razão: Lá,
um meliante, sem vergonha, como esse, já estaria bem encaminhado e a conta da bala seria paga
pela família.

Simone chorava amparada pela mãe que, a cada oportunidade, quando a tristeza parecia amainar
no coração da filha, voltava repetir: - Eu disse que não prestava!

3
Quando os homens de Sir Stefan digitassem Felix de Souza Santos no site de vídeos da rede
mundial de computadores, receberiam como resposta mais de duas centenas de arquivos
lembrando a passagem.
O primeiro vídeo já passara a casa do milhão em apresentações. Era um hit. O mundo inteiro o
conhecia. Nem o Jovem que conseguia introduzir uma cobra no próprio ânus e retira-la pelo
cordãozinho amarrado no rabo, depois de o animal se perder lá por dentro, ainda não atingira a
metade das aparições do “Malandro Chorão voando por cima da mesa para não ir em cana”. E o
segundo colocado, um vídeo clipe amador de Rap, não ficava muito atrás... Aliás, o Rap da
Corrupção fizera sucesso tão estrondoso que conferira ao MC Cabeleira, o compositor, a
condição de celebridade instantânea do ano. Em questão de meses ele saíra de uma Favela na
zona leste Paulistana para tornar-se astro do Hip Hop nacional com sua letra ácida mesclada às
imagens do maior ladrão da historia do País atirando-se por sobre a mesa, rastejando pelo chão,
chorando e xingando a policia.

Rap da Corrupção
Ta legal, vamu fala, Tu foi pra Pra te botar no Bem na foto.
mermão! Disneylândia. melhor lugar? Enquanto cheira e
Quem é o otário? Um campinho no fuma
Não sei não Peri, É tua a cobiça A vida desfruta
Se sou eu ou se é Ta no teu bolso aí? Tanto mais A taça borbulha e
você. Quem vai Menos enchente, pratica... Mais atiça faz espuma e o
sabe? menos mal, no E a grana grande vampiro mama
Eu só to trocando pantanal, Fica com teus Na hora em que
uma idéia E um metrô parente, gente de reclama
Fazendo um descente em sangue Enterra logo esse
comentário Tiradentes! cerradando dente Filho da puta.
Porra! Tu levou o Tudo você quis Na hora de dividir
futuro de uma pá Só pra te fazer feliz tudo La na Suíça. Sei lá.
de criança Não sei quem é o
Nunca boto isso na Mas um dia Se liga na fita! otário?
balança? PA PA PA PA Não sei se sou eu
Tem consciência do O teu dia vai chega Então tu vai ficar Nem sei se é você
que fez? E quando chega lá por lá Eu só estou
Da sacanagem, da Na hora de enterra Naquele canto que trocando uma idéia
morbidez? Vai ter que paga ninguém quer ficar Fazendo um
Sem dó... O Truta! comentário
Neguinho querendo Pensa! Enterrado com Talvez a
escola lá no Capão Ninguém vai aqueles, com eles mensagem seja
Tu levou embora segura a tua Irmãos, manos, veia
até o pão Aquela é a hora da pretos e pobres Não paga o
A mina precisando verdade nua e crua Sem nada, sem os salário...
de hospital, etc... e Ninguém vai cobres
tal segura a bronca Levados por sua
E lá em Quem vai molha a turma
Brasilandia? mão branca

3
Certamente, segundo ditava a lógica, aqueles responsáveis por levantar a ficha de Félix,
deveriam, depois de apreciarem o tal Rap exaltação, tomar contato com a estrondosa Campanha:
Corrupção nunca mais. Eles poderiam até comprar camisetas que apresentavam o executivo
corruptor, com sorriso característico e postura parecida a de um mágico, oferecendo, em sua
frente, uma maleta cheia de dinheiro e pronunciando sua frase célebre: Tem muito mais de onde
veio este! Claro, que reconheceriam a figura, não só pela cena peculiar ilustrada em montagens
de todos os tipos nos diversos vídeos expostos na rede, mas, principalmente, pelo tamanho do
nariz do personagem principal. E abaixo da imagem, o slogan obrigatório no material da
campanha: Corrupção Nunca mais. Além desse exemplar famoso, haveria muitos mais à
disposição dos interessados; outra série também composta de modelos tão ilustres quanto o
destacado Mr. Magic, como ficou conhecida a peça entre os universitários. De fato, a moda Félix
ganhou notoriedade e tal qual grife estrangeira faturou milhões. E óbvio, o sucesso de vendas
aconteceu sem conferir um tostão à estrela da propaganda. Essa figura dramática era a
representação mais clara da idéia de toda campanha. Ao mirar a imagem, mesmo em distancia
considerável, qualquer pessoa logo percebia do que se falava ali: Corrupção, Falcatrua,
ladroagem, desonestidade... O homem tornou-se um símbolo: Era a encarnação perfeita da
asquerosa falta de caráter imperante no seio da sociedade. E todos, agora, podiam apreciá-la em
suas múltiplas facetas; voando por sobre a mesa, rolando no chão, rastejando algemada com as
mãos para trás, chorando em close ou raivosa com expressão desequilibrada.
Félix odiava todas aquelas imagens e mensagens hipócritas, todavia, muito além da dor
lancinante infligida pelas feridas abertas por filmes e matérias jornalísticas, agonizava a cada
golpe aplicado através de charges e caricaturas, elaboradas com deliciada crueldade. Era
recorrente aparecerem certos retratos pictóricos de cartunistas maldosos com os quais a multidão
fazia questão de açodá-lo, sempre quando devia comparecer ao tribunal ou deixar o condomínio
para qualquer outro compromisso conhecido pela imprensa. O Publico carregava fotos da prisão
dele e invariavelmente os repórteres entrevistavam alguém, geralmente mais exaltado, erguendo
algum cartum de pagina inteira, pedindo a pena capital, falando contra a justiça, comprada, que
tinha coragem de deixar transitar livremente o Chefe da Quadrilha da Bolsa. Eram desenhos
muito competentes, freqüentemente publicados em revistas de grande circulação e faziam sucesso
imediato. Havia uma charge muito famosa onde ele, como sempre, aparecia algemado e seguro
pelos braços por Conan à esquerda e Dani DeVito à direita. A cara dele tristonha, chorosa, era
bem destacada no quadro onde o Grandalhão perguntava ao baixinho: Tem muito mais de onde
veio este? Ao que DeVito respondia: Este? É ruim, hein? Mermão!
Félix não odiava a caricatura pela situação apresentada, tal avacalhação já nem lhe afetava mais,
o ponto causador de tanta repugnância naquela peça, era exatamente o mesmo que o aborrecia
profundamente, aos sábados, num programa humorístico. A cena era cíclica; o personagem de
nome Feliquíz, um mendigo, que tinha como um de seus bordões: Tem muito mais de onde veio
este... Vivia querendo aplicar golpes de variados tipos e sempre era flagrado por um Policial
disfarçado. A autoridade após revelar-se e dar voz de prisão ao meliante, queria algemá-lo.
Contudo, a missão era difícil... Ele se atirava por sobre a mesa, depois, mesmo capturado, se
jogava ao chão e chorava muito... Esse era um momento assas hilário porque, através de um
artifício, o ator fazia com que a água jorrasse de seus olhos em grande quantidade e fosse ejetada
3
longe, molhando a todos ao redor. O tal de Feliquíz implorava a liberdade e se esgoelava pedindo
“Pelo amor a Deus” até quando, se vendo irremediavelmente preso, ao final da cena, ele olhava
para a câmera em close e falava: Faisso não! Eu tenho medinho! Depois era levado, sempre
estapeado pelos agentes. Porem, enquanto era retirado para fora do cenário, Feliquíz soltava outro
bordão famoso: Eu sou elite! Eu sou elite! Não podem me prender... Eu sou elite!
Felix simplesmente detestava o quadro, e assim, como as caricaturas, os queria distantes de sua
vida, mas eles sempre vinham até ele das maneiras mais inusitadas, em qualquer lugar do mundo,
menos no bar de sua solidão. O lugar parecia estar fora do mundo. Nada afetara aquele espaço
imune de intromissões alheias e jamais houvera olhar diferente, nem a piadinha recorrente após o
pagamento da conta. (Ei! Félix?... Tem muito mais de onde veio este?).
O motivo de tanta ojeriza pelas sátiras, em papel ou em imagem, não era outro senão, o exagero
do Nariz. Os responsáveis por tais peças aumentavam absurdamente o órgão e tornavam-no mote
principal da chacota. Desse modo, em geral, os personagens tinham dicção anasalada, viviam
enfiando o cheirador avantajado nos olhos das pessoas, quando as encaravam de olhos
esbugalhados:- Eu sou Elite! Eu sou Elite! E não raramente apareciam com o narigão preso em
ratoeiras ou em outras armadilhas preparadas para pegar vigaristas. A febre era tanta que, no
carnaval, milhares de foliões desfilaram com o Nariz de Félix. E até uma apresentadora de TV,
quando ensinava suas receitas, usava o tal instrumento para cheirar a comida e apreciando o olor
gostoso transmitir para a audiência, a sensação de estar experimentando também a certeza de um
sabor delicioso. Esse era o martírio de Félix...
Muitas vezes chorou escondido no banheiro de casa, mirando-se no espelho e querendo cortar
aquele naso gigante. Sentia-se o próprio Zenti Naigu, um monge budista morador em Ikenoo e,
segundo Ryunosuke Akutagawa - o escritor japonês que o inventou, era também outro ser
humano abatido pela depressão a partir das línguas malignas e faladoiras. A comiseração era de
igual natureza, mesmo considerando a estruturas físicas; o nariz do Monge, diferentemente do
formato nasal de Félix que se atirava à frente parecendo lança, era caído abaixo do queixo. De
fato, Naigu tinha um apêndice tão avantajado que, para o mesmo não se perder dentro da sopa,
necessitava um discípulo a sustentá-lo com ajuda de uma enorme régua de madeira, durante a
refeição. E, Félix aceitaria, com o mesmo entusiasmo do monástico Oriental, a receita para
diminuir-lhe o nariz, independente do quão abominável pudesse parecer o modo de ministrá-la,
desde que obtivesse o mesmo sucesso conferido ao monge. Ele não teria dúvidas; tendo garantia
de obter os resultados similares ao do japonês, se submeteria ao tal tratamento cruel de bom
grado. Sim. Podiam enterrar-lhe o órgão em água fervente, e depois pisoteá-lo por horas, até
ganhar as purulentas feridas, tal qual no acontecera a Naigu. E mesmo que tais erupções dessem
ao naso aparência de ave depenada, como no caso da aberração japonesa, poderiam também
extirpar esses grãos gordurosos com uma pequena pinça metálica causando, da mesma forma,
sensação idêntica à formicação ocasionada ao monge. E, finalmente, poderiam refogá-lo, sem dó,
novamente, para consolidar os melhores efeitos da terapêutica. Tudo isso com a mais vibrante
concordância do narigudo se, acaso, acordasse na manhã seguinte, como Naigu, com a aparência
dos seres humanos normais, principalmente no que se refere à parte olfativa.
Félix nem imaginava haver, na vida real ou na literatura, alguém tão conhecedor da dor que o
afligia. Talvez, por isso, ele até preferisse o destino do personagem criado por Nicolai Gogol,
escritor Russo; o Major Kovaliov, que perdeu o nariz numa manhã frugal e iniciou desesperada
busca em toda cidade, com um lenço escondendo o rosto ornado somente com dois buracos no
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seu centro, onde deveria naturalmente repousar o apêndice nasal. Certamente, o gravatinha, em
total discordância com o autor, jamais se deixasse entregue a uma caçada tão alucinante, como
aquela empreendida na ficção de Gogol. Não. Nunca. Seria impossível a alguém testemunhá-lo
anelante em trôpega carreira pelas ruas do Rio de Janeiro, atrás de uma anomalia como aquela...
Percorrendo as instituições daquela maneira doida, ainda mais se lamentando; não ser uma
orelha, dedinho do pé ou qualquer outra parte do corpo. Ou mesmo imaginando que, ao invés do
nariz, melhor seria chorar o sumiço de posses cujo valor despertasse maior interesse à sociedade;
um artigo de prata, um relógio ou qualquer outro item desse gênero. Tivesse a sorte de
desgrenhar-se daquela maldição em forma de espeto, seria o homem mais feliz do mundo, mesmo
que se lhe sobrassem somente as cavas das narinas... Tais orifícios lhe pareciam, no momento,
mais simpáticos ao desenho do rosto do que aquele funesto nariz caricatural.

Interessante que o incomodo tão profundamente arrasador no tempo dos fatos, fosse arrefecendo
a medida do amainamento da azucrinação por parte dos meios de comunicação. No decorrer de
alguns meses após o primeiro ano da ocorrência, principalmente quando o personagem
humorístico inspirado em seu perfil deixou de aparecer na tela, o pretenso narigão já nem lhe
parecia tão abominável e nem tão maiúsculo como o fizeram crer. Assim como Naigu e
Kovaliov, ele também não retornara à relação anterior que mantinha com o seu naso; não havia
mais aquela sensação de completa indiferença quanto ao estado daquela parte do corpo, tampouco
evitava os espelhos ou as câmeras fotográficas como acontecia na fase aguda do caso. Claro,
procurava sempre a visão frontal que garantia a agradável impressão de ter o nariz mais curto. E
sonhava também, quando metesse a mão na grana proveniente da venda da casa, enfim,
submeter-se a uma cirurgia reparadora, que lhe melhorasse a estima e o apresentasse distante da
figura escrota que tanto sucesso fizera apoiada no tamanho descomunal de seu naso.
Simone concordara com tal posição e já realizara todo levantamento para efetivar a decisão,
assim que o dinheiro se tornasse disponível em sua conta. Era só esperar...

Mas ali, naquele banheiro, talvez a falta de um nariz de tamanho, nem tanto colossal, fosse uma
dádiva de Deus, não por questão de anatomia, pois, parecia mais caso de ciúmes frente à fama
conquistada por apenas uma parte do corpo, do que comoção face ao constrangimento vivido
naquela fase. E sim, porque, a deficiência física tivesse o formidável poder de evitar tão próximo
contato com o mais intenso, penetrante e fétido odor passível de ser cultivado num ambiente
lacrado. Por mais que freqüentasse o lugar não habituava ao cheiro e nem à assistência. Há pouco
sentira a presença de um balofo a espera do termino do serviço e em não se aquentando, o fulanão
urinou no outro canto. Depois, ao final da mijada, sem a menor cerimônia, retirou-se limpando as
mãos nas calças. Então, a pressa em desocupar o local, envolvia especificamente o visual e o
aroma terrivelmente piores, que o clima com qual convivera por três meses na cela da delegacia
na Policia Federal.
Cento e cinqüenta e Nove dias, esse fora o tempo trancafiado num espaço exíguo, contado em
minutos, junto de outros gravatinhas tão perigosos quanto ele... Passou choramingando e jurando
inocência até ficarem prontas as transcrições das últimas escutas efetuadas no celular de Bressan.
Aliás, Bressan e Arquimedes receberam seus habeas corpus três horas após a prisão e treze horas
depois, capturados sob novas acusações, foram libertados novamente, também em tempo recorde,
pelo Juiz Presidente do Supremo Tribunal Federal, o mesmo que operara a primeira soltura. O
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magistrado proferiu a inédita decisão sob suspeição de seus pares. A classe jurídica espantou-se
diante da deliberação positiva, porque além do ineditismo e da fragilidade de argumentos, havia
também uma gravação extremamente comprometedora, na qual, a dupla, em conversa trivial,
falando sobre a possibilidade de serem presos, confessava ter medo apenas das decisões
proferidas por juízes na primeira instância. Os bandidos de colarinho branco, ao mesmo tempo
em que confidenciavam entre si esse temor pelo processo no nível base da magistratura,
festejavam a tranqüilidade da vitoria certa no resultado angariado no Tribunal Maior da Nação,
onde tudo, diziam rindo, estava dominado... Quanto a Félix, ele teve de esperar... Aguardar até o
juiz tomar conhecimento das gravações efetuadas no dia de sua prisão para, enfim, decidir
libertá-lo. Liberou o maluco a pedido do próprio Promotor que nada encontrara contra o tal Chefe
da Quadrilha da Bolsa, nem ao menos um fio de cabelo que pudesse ligá-lo a sua própria
Organização. Muito ao contrario, os agentes, quanto mais investigavam mais se convenciam da
inocência do monstro. Durante os levantamentos sempre se deparavam com provas em sentido
inverso a tese do envolvimento de Félix no mega esquema de desvio do dinheiro publico. Claro, a
opinião consolidou-se diante das provas coletadas no bloco das últimas escutas telefônicas; elas
apresentavam os diálogos do Vice Presidente da Kent com um Doleiro do esquema, antes de
haver a prisão:

Resumo de Telefonema
Emissor: Paulo Nobre Bressan (Bressa) - BRE
Receptor: Ademir Francisco de Carli (Bola) - CAR

CAR: – Alô?
BRE: - Bola?
CAR - Ele...
BRE: - Bressan!
CAR - Diz parceiro!
BRE: - Escuta... Tu te lembra daquele retorno?(Troca de Reais por Dólares)... O galo...
(cinqüenta mil dólares) Lembra?
CAR - Certo! Claro? Ta tudo em cima...
BRE: - Então... Estamos num aperto aqui... Quem ira apanhar contigo... É carne nova, hein?...
(Sr. Félix é Desconhecido do Sr. Carli – Bola).
CAR - Mas é gente tua?(Do esquema/ Da quadrilha).
BRE: - Não! Não! É por isso que estou te chamando... É de fora! (Não pertencente a quadrilha). É
virgem de tudo, Hein! (É Honesto).
CAR - Brinca não, Bressa! Como é que faço com a parada toda? Esta tudo aqui, organizado...
Brinca não, Bressa!... Maaasss... Vai dar pra fazer no escuro?(Entregar o dinheiro distante da
vigilância. Sem entrar no shopping, longe de câmeras e sem contabilização).
BRE: - Não! É por isso que estou ligando... Tem que ser no oficial! (Contabilizado)
CAR - Brinca não... Porra! Como eu faço agora?... Está tudo aqui...
Booommm.... Eu vou analisar o borderô, depois te ligo...
BRE: - Não! Não! Sem essa!... Já despachei o Pêra! (Laranja/Inocente útil).
CAR - Porra, Bressa! Tú é de fuder... Porque não fala comigo antes... E se...
BRE: - Te vira aí! Tenho de desligar...
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CAR - Porra! E como vou reconhecer essa porra desse Lima (Laranja/Inocente útil), quando ele
chegar?
BRE: - Ele vai se apresentar... Vai dizer que é da Kent. (Corretora Kent Investiments) É um
narigudo. Tchau!
BRE: Desliga.

Resumo de Telefonema
Emissor: Ademir Francisco de Carli (Bola) - CAR
Receptor: Paulo Nobre Bressan (Bressa) - BRE

BRE: - Alô! Fala Bola...


CAR: - A Parada está a caminho! (Cinqüenta mil Dólares entregues ao Portador Félix).
BRE: - Muito Bom! Muito Bom! Então já saiu daí?....
CAR - Éh! Puta Zé Ruela Falador, du caraio! Bressa!
BRE: - Foi no Oficial, né?
CAR - Opa! Tudo nos conformes... Contou lá... Lá na saleta! Gravado... Tudo! Assinou! Estou
aqui com os documentos... Tudo certinho! Agora tu deve formalizar a papelada por aí... Pra
fechar tudo direitinho!
BRE: - Claro! Aqui deste lado não terá problemas... Tranqüilo! Depois te mando a solicitação e
tudo mais... Ok?
CAR - Ta ok! Agora... Só pra te avisar: Eu não sei se esse cara chega aí, hein?... Eu não sei não,
hein? Ele ta ligadasso!(Sr. Félix se encontrava sob efeito de cocaína)
BRE: - É mesmo, é? Que merda!
CAR - Porra, Bressa! Faz mais isso não, parceiro! Já te avisei... Manda soldado. (Cúmplices) Só
Soldado ou vem você!...
BRE: - Esse é um dos motivos, porque ele ta fora!(Fora da Organização) Essa porra já esta
queimando ele em todo lugar... Fica muito imprevisível... Que Merda! Como eu não percebi?...
CAR - Sei lá... Te cuida, parceiro!
BRE: - Obrigadão, Bola! Depois ajeito as coisas por aqui... Abração!
BRE: Desliga.

Finalmente livre da jaula, Félix pode acompanhar os protestos contra a liberação do Chefe da
Quadrilha da Bolsa, mesmo diante de insistentes negativas das autoridades sobre a inocência dele
com relação a estas acusações. Os responsáveis pelo processo se desdobravam, mas parecia
impossível; eles, a todo custo, tentavam explicar tratar-se de tão somente um Otário que, sob
efeito de drogas, tentara efetivar uma loucura vã para se promover junto aos chefes. Nesse
momento, tornava o repórter: - Sim! Claro... Estamos sabendo... Todavia, esse tal Félix, CHEFE
DA QUADRILHA, quando da tentativa de corromper o delegado...
E tudo acabava no exato ponto donde iniciara a reportagem: - Então, é isso, Sandra! Esse foi o
Promotor tentando explicar o relaxamento da Prisão de Félix de Souza Santos Junior, o CHEFE
DA QUADRLHA DA BOLSA DE VALORES!... Obrigada! Agora nós vamos repassar o
espetacular momento da prisão do CHEFE DA QUADRILHA... rsssrrss... DA BOLSA, no qual
ele Tsc! Tsc!... Se atira.... Qui! Qui! Qui! Por sobre a mesa e rola Qui! Qui!... No chão.... Quá!
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Quá! Quá! Desculpem! Quá! Quá! Quá! É uma das prisões mais Qui! Qui! Quá! Quá! Quá!...
Extravagantes da historia; Acom... Quá! Quá! Quá! Panhem... Quá! Quá! Quá!... aí! Quá! Quá!
Quá! Quá! Quá! Eu não agüento! Tsc! tsc! Desculpem! Quá! Quá! Tsc! Tsc! Passa logo essa
merda... Quá! Quá! Quá!...

Não havia dúvidas. Os investigadores, a serviço do Holandês, apresentariam esse vídeo; no qual a
famosa âncora, premida pela incontinente gargalhada, não resistira à demora do editor em
apresentar as imagens e, envergonhada, emitira aquela palavra chula, nada compatível com o
assunto e menos ainda de acordo com os padrões de qualidade do Jornal mais importante do País.
A “Merda” falada por Sandra naquela audiência, talvez tenha fedido o suficiente para prejudicar
sua permanência na posição de apresentadora principal, mas certamente não cheirava tão mal
quanto o ar impregnado no banheiro do bar. A maldita atmosfera fétida ocupando esse lugar ermo
conseguiria expulsar até mesmo um elemento sedento de solidão como no caso de seu mais
ilustre visitante.
Os ombros dele estavam caídos e o paletó escorregou sobre a poça de urina perto de seus pés.
Abaixo-se lentamente para apanhar a roupa e, no movimento, conferiu a parede hieroglifada...
Não! Nem a mensagem enricadora e nem a cara do Dr. Protogenes se encontravam por ali, havia
somente um Pinto mal desenhado; sinal da sobriedade voltando, do corpo se livrando dos efeitos
alucinógenos daquele Uísque de Bosta...
Félix se retirou dali, imaginando recompor-se totalmente para não falhar em sua participação às
vinte e duas horas, visto que a possibilidade de perdão existia... Alguma razão havia por trás do
fato de aquele grupo tanto citar a Virgem Santíssima. Não era a toa que como boa Mãe, ela era
conhecida não somente como a redentora com também pelo hipocorístico A Protetora ou pelo
apodo A Compadecida. Não! Não existia pecado que o coração dela, aquele coração materno e
cheio de amor não pudesse perdoar... Félix acreditou que no momento certo, tal qual ocorria na
famosa peça de Suassuna, O Auto da Compadecida, ela apareceria para livrar-lhe a cara e
possibilitar aquela chance de a Fênix ressurgir das cinzas... Sim! Jogou o paletó por sobre os
ombros, ergueu a cabeça e saiu dali, deixando pelo caminho um rastro de mijo que escorria pelas
mangas do blazer.

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