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CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Fortaleza
2009
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BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Crístian Saraiva Paiva (Orientador)
_____________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Fleming Câmara Vale (UFC)
_____________________________________________________
Profa. Dra. Andréa Borges Leão (UFC)
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Retrato
AGRADECIMENTOS
Aos meus avós, pelos exemplos de vida, e aos meus tios e primos,
pelas maravilhosas horas juntos, pelo apoio e incentivos de sempre, e pelas
palavras de amor e conforto que sempre me dedicam.
RESUMO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 09
1.VELHICE,MULHER E LITERATURA................................................................. 12
1.1 Velhice e Envelhecimento......................................................................... 12
1.2. Velhice em tempos de incerteza e insegurança ....................................... 18
1.3. Gênero, Estudos sobre Mulheres e Ciências Sociais ............................... 22
1.4. Literatura e vida social: o feminino nas narrativas .................................. 26
1.5. O uso da literatura como objeto de pesquisa sociológico ........................ 28
INTRODUÇÃO
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Sobre a noção de personagens conceituais, ver Deleuze/Guattari (1992) e Paiva (2009).
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2
Os livros de Clarice Lispector referidos foram originalmente publicados nas seguintes datas: Laços de
Família em 1960; A via crucis do corpo e Onde estivestes de noite, em 1974.
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1. 1. Velhice e Envelhecimento.
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Trecho retirado do livro Saber Envelhecer de Cícero, 44 a. C.
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4
Já no Egito e em todos os povos da Antiguidade procuravam-se, com a medicina, a filosofia e a
metafísica religiosa disponíveis, as causas para o envelhecimento.
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5
NASCHER, Ignatz Leo. Geriatrics. Philadephia, 1914.
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uma pessoa menor, incapaz para compor tal grupo - “algumas vezes
considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem” (GOFFMAN, 1982,
pág. 12). A(s) característica(s), considerada(s) negativa(s), depreciativa(s),
constitui(em) um estigma.
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Sobre as discussões acerca das novas noções de se referir a experiência do envelhecer, ver Debert
(2004), Barros (1998); Britto da Motta (1997; 2004).
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suas opções de vida já traçadas desde a infância – eram criadas para casar e
procriar ou servirem a Deus – não tinham o direito de escolha ou de modificar
essas determinações, assim como, ao ficarem velhas tinham que assumir o
papel da avozinha querida, assexuada, sensível e compreensiva com todos a
sua volta.
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Podemos referir, no campo da sociologia, como autor principal que tratou teoricamente dessa categoria
o pensador húngaro, de cultura alemã, Karl Mannheim, que escreveu um ensaio em 1928, intitulado “O
problema das gerações”, que se encontra parcialmente traduzido em Mannheim (1982). Sobre esse ensaio,
ver os comentários de Domingues (2002) e Weller (2007).
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Aos poucos esses estudos sobre a vida das mulheres vão exigir que
outros fatores sejam agregados, como trabalho, escolarização, corpo, lazer,
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Para Bourdieu, deve-se relacionar o exercício da atividade literária às suas condições sociais e aos tipos
de constrições estruturais que pesam sobre elas. O conceito principal do autor, para essa discussão, é a sua
sociologia dos campos. Campos, definido brevemente pelo próprio autor, são “espaços estruturados de
posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser
analisados independentemente das características de seus ocupantes [...]. Há leis gerais dos campos:
campos tão diferentes como o campo da política, o campo da filosofia, o campo da religião possuem leis
de funcionamento invariantes (BOURDIEU, 1983, p.89).
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CAPÍTULO II:
AS AFLIÇÕES DE EXISTIR NUM CORPO VELHO: CORPO E
SEXUALIDADE NA VELHICE.
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Definição retirada do Dicionário On-line Aurélio, disponível em:
http://www.dicionariodoaurelio.com/dicionario.php?P=Simbolo.
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10
Durand faz referência aqui ao que Bachelard (2006) chama de devaneio de um sonhador de palavras, ao
perceber as maravilhas (ou graças) das palavras femininas (anima - devaneio) em oposição à rudeza das
palavras masculinas (animus - sonhos). Para o autor, a imaginação se manifesta de três formas: através do
devaneio, no plano consciente; do sonho, no plano do inconsciente; e do delírio, que seria a loucura. O
devaneio seria uma espécie de animação e companhia para a alma. A anima se sobrepõe ao animus
formando uma consciência sonhadora, fazendo com que as imagens se juntem formando um diálogo
harmonioso.
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senso comum que distingue o corpo do indivíduo, como se esse corpo pudesse
ser analisado isoladamente, sem a presença do sujeito e da cultura em que ele
está inserido, que também tem referência em Durkheim quando afirmou que a
corporeidade é da ordem do orgânico e por isso não pode ser de interesse das
ciências sociais.
2. 5. As Mulheres...
2. 5. 1. Ruído de Passos
“Tinha a vertigem de viver.”
Dona Cândida Raposo, aos 81 anos, quis saber por que “o desejo de
prazer não passava”. Procurou, então, seu ginecologista e com muita
vergonha, mas muita vergonha mesmo, o perguntou de cabeça baixa, o porquê
que ainda vivia aquele inferno, afinal de contas já eram oitenta e um anos.
Como era possível? Porque não passava? Seu médico apenas respondeu que,
infelizmente, não passa nunca, que era assim mesmo. Com espanto, a senhora
o perguntou enfim: “Então era isso a vida, essa falta de vergonha sem fim?”,
em seguida (e com desespero) indagou sobre o que poderia fazer para resolver
esse sofrimento. O que fazer com isso? Procurar alguém?... Mas ninguém vai
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Não demorou muito e ela logo pediu outro remédio para que o
rapaz pudesse voltar, e dessa vez não teve o menor pudor, levou o rapaz até
seu quarto e pediu para lhe dar um beijinho, que para o espanto do rapaz que
lhe ofereceu o rosto, ela devorou sua boca. Muito nervoso o rapaz pediu para
que ela se controlasse, e para uma surpresa ainda maior, ela se declara para
ele e pede para que vá para a cama com ela. Pronto! Estava doida! E foi o que
ele a perguntou: “Tá doida?!”. Foi o que todos passaram a pensar sobre Maria
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Angélica, pois só estando louca para, numa altura dessas da vida, se apaixonar
por um garoto que só aceitou ir para cama com ela em troca de um carro.
Foi quando despertou, devido ao frio que passava por seu corpo
como uma lâmina fina, que a senhora se deparou com o seu corpo no espelho.
Achou muito curioso uma velha nua. Mas não se prendeu à imagem por muito
tempo e saiu de casa novamente, pois lembrara que havia planejado comprar
uma nova écharpe de lã, mas volta logo para casa.
nessa altura não é mais possível ser outra pessoa. Ela era ela e pronto. Era
assim que acreditava como certo.
A mulher foi tomada por um sentimento que julgou juvenil, e por isso
foi olhar-se no espelho para ver se tinha uma expressão bestial, mas o que
encontrou foi um rosto parado que há muito não representava o que sentia.
Tornara-se apenas uma máscara de mulher velha. Continuou olhando-se no
espelho e teve a sensação de ser, por fora, alguma coisa seca, como um figo
seco. Não se sentia esturricada por dentro como era seu corpo por fora11.
11
Há um belo conto de Virginia Woolf que narra essa relação problemática entre o espelho e a mulher
idosa: “A dama no espelho: reflexo e reflexão”. In: WOOLF, Virginia. Contos completos. São Paulo:
Cosac Naif, 2005.
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A luta contra o corpo (LE BRETON, 2003) está ligada à mais segura
verdade corporal: a morte. A imagem do corpo velho traz imediatamente a idéia
de fim da vida. Modificar esse corpo, torná-lo “máquina”, “imaterial”, é a ilusão
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de burlar esse fim. Assim, a juventude, diz Debert (2004), “perde conexão com
um grupo etário específico, deixa de ser um estágio na vida para se
transformar em um valor, um bem a ser conquistado em qualquer idade,
através da adoção de estilos de vida e formas de consumo adequadas”
(DEBERT. Pág. 21, 2004).
O dilema vivido pela Sra. Xavier está imerso no discurso que separa
o corpo do sujeito. O corpo envelhecido é o fruto seco (o figo) incapaz de
produzir admiração e prazer, mas que tem como “recheio” uma pessoa que
continua desejando prazer e que não se sente seca e esturricada como a
imagem do seu corpo. Quando a personagem se encontrou com o espelho e se
viu como um figo seco, não se reconhecendo, nos faz pensar na imagem de
uma rosa. A delicadeza e frescor das flores são sempre muito associados à
feminilidade. Muitas vezes é na velhice que as pessoas percebem/relatam o
indesejado, porém inevitável, encontro do inconsciente atemporal com o corpo,
âmbito da temporalidade. Não foi diferente com a Sra. Xavier. Ao se olhar no
espelho se sentiu úmida por dentro, mas esturricada por fora. Sentiu que seu
rosto tinha se transformado numa máscara sem expressão alguma.
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Tira-se dos velhos o direito se sonhar sobre si, sobre o que sequer
para si. É quase como um pecado. Só os jovens têm o direito de projetarem
imagens positivas para si, os mais velhos podem, no máximo, sonhar com o
que já aconteceu. Para eles só a nostalgia, nada de projetos, nada de
devaneios. Afinal de contas, vão morrer mesmo. É como se a velhice tirasse a
capacidade de projeção de imagens das pessoas, tornando-as prezas ao real,
ao concreto.
eles nem teriam se conhecido. Era a resposta que todos se davam. Mas qual o
motivo dessa paixão despertar tanta rejeição, não só dos outros, mas do
próprio garoto? De onde vinha tanto nojo do rapaz ao ir para a cama com
Angélica?
12
As mediações econômicas estão muito associadas às interações afetivo-sexuais entre pessoas de
gerações distintas, em que o mais velho situa-se como provedor de presentes (objetos, viagens,
oportunidades, além, mas nem sempre, de dinheiro), e o mais novo é o quem recebe essas dádivas. No
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caso de se tratar de um homem velho e uma mulher nova, há certa tolerância com esse arranjo e alguma
margem para se pensar que além do interesse financeiro, há outras possibilidades de legitimidade desse
erotismo intergeracional. Quando se trata de mulheres velhas e rapazes, há ainda uma intensa reprovação
moral sofrida pela senhora. Resta pouca ou nenhuma margem para ser reconhecida a legitimidade desse
arranjo.
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...existem tipos de família não conjugal (polígama ou não); só este fato basta
para convencer de que uma família conjugal não provem de uma
necessidade universal, sendo, pelo menos, concebível que uma sociedade
pode possa existir e manter-se sem ela. Daí o problema: se a universalidade
da família não é o efeito de uma lei natural, como explicar que a
encontramos por quase todo lado? (LÉVI-STRAUSS, 1986, pág. 75).
13
Existe um livro de Christopher Lasch, com um título que faz eco a essa idéia da família como refúgio:
Refúgio num mundo sem coração. A família: santuário ou instituição sitiada? Ver LASCH (1991).
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3. 4. As mulheres...
3. 4. 1. Feliz Aniversário.
Dona Anita estava fazendo naquele dia oitenta e nove anos. Sua
filha, Zilda, preparou uma festinha para receber a família e juntos
comemorarem o aniversário da matriarca. Como estava sozinha para preparar
tudo, cuidou de arrumar a mesa e os enfeites bem cedo para que desse tempo
de estar tudo pronto na hora marcada. Esticou a toalha na mesa, deixou os
guardanapos e copos coloridos prontos, pendurou os balões e, também para
adiantar o expediente, vestiu a aniversariante, pondo desde ai a presilha em
torno do pescoço, o broche e um pouco de água-de-colônia para disfarçar o
cheiro de guardado.
Dona Anita tivera seis filhos, mas foi à Zilda, sua única filha mulher,
que recaiu a responsabilidade do cuidado da mãe na velhice. Logo no inicio da
festa pôde-se perceber o clima que cercava a família. As noras se olhavam,
quando se olhavam, com desprezo e ressentimento. Nem todos os filhos,
também por ressentimento, compareceram. A anfitriã estava visivelmente
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vinho. A neta, sem saber direito o que fazer, lhe deu um copo com apenas dois
dedos de vinho.
3. 5. Inquietações...
Por sua vez, Dona Anita não pertencia àquele lugar que lhe fora
destinado no laço familiar e social. Não pertencia àquela festa. Muito menos
pertencia aquela família! Era a mãe de todos, mas desejava que não fosse. Era
a “dona” da festa, mas não lhe agradava ser. Não reconhecia aqueles seres
patéticos como seus frutos. Tinha o peito vazio ao olhar sua família. Tinha raiva
de todos eles; os via como ratos. Dona Anita parecia oca!
14
A narradora pede que procure o significado da palavra no dicionário, mas adianta – manigança:
prestidigitação; manobra misteriosa, artes de berliques e berloques.
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[...] E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada, sorrindo! (pág. 57) [...]
Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. (pág. 58) [...] Cordélia
olhava ausente para todos, sorria. (pág. 59) [...] E Cordélia, Cordélia olhava
ausente, com um sorriso estonteado, suportando sozinha o seu segredo. (pág.
63) [...] Dona Anita, com o punho sobre a mesa, nunca mais ela seria apenas o
que ela pensasse. Sua aparência afinal a ultrapassara e, superando-a, se
agigantava serene. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre
a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez:
É preciso que saiba. È preciso que saiba. Que a vida é curta. Que a vida é
curta. Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance.
Cordélia olhou-a estarrecida.e, para nunca mais, nenhuma vez repetiu –
enquanto Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela mãe
culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás implorando
à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante,
enfim agarrar a sua derradeira chance de viver. Mais uma vez Cordélia quis
olhar. (LISPECTOR. Pág. 64, 1998.)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
mesmas, como podemos ver nos casos de Dona Cândida e da Sra. Xavier.
Mesmo com todo o debate feito pelos estudos sobre a “destaturalização” da
sexualidade e pela crítica feminista, a culpa ainda é uma constante para essas
mulheres.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_____ A cidade dos velhos, in: VELHO, Gilberto. (Org.) Antropologia Urbana.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
BAUER, Martin W., GASKELL, George (Ed.). Pesquisa qualitativa com texto,
imagem e som. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
_____. O Segundo Sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1970.
______. A margem feminina da escrita. Letras & Letras, v. 77, p. 10-11, 1992.
DELEUZE, Gilles e Félix Guattari. O que é Filosofia?. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1992.
GOTLIB. Nádia Battella. Clarice: uma vida que se conta.São Paulo: Ática,
1995.
KEHL, Maria Rita. “Minha vida daria um romance”. In: BARTUCCI, Giovanna
(org.). Psicanálise, literatura e estéticas de subjetivação. Rio de Janeiro: Imago,
2001.
______ Sociologia (org. por Marialice Foracchi). São Paulo: Ática, 1982.
MANNONI, Maud. Elas não sabem o que dizem: Virginia Woolf, as mulheres e
a psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
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RODRIGUES, José Carlos. Tabu do Corpo. 7.ed., rev. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 2006. (Coleção Antropologia e Saúde).