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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO


Jor

FACULDADE DE JORNALISMO
Reportagem descritiva, bloco e fragmento
COIMBRA, Oswaldo. O texto da reportagem impressa. São Paulo:
Ática, 1993, p. 86-103
Ao começarmos a estudar a reportagem narrativa, vimos que a característica
fundamental da estrutura de seu texto é a de conter os fatos organizados dentro de
uma relação de anterioridade ou de posterioridade. Por conter os fatos assim
organizados, ela pode mostrar mudanças progressivas de estado nas pessoas e nas
coisas, através do tempo. Vimos, também, que por isso ela se distingue da reportagem
dissertativa, cuja estrutura de texto se apóia num raciocínio explicitado, seguido de
fundamentação, o que lhe dá a natureza de uma relação lógica.
A estrutura de texto que analisaremos nos próximos itens -a descritiva - conquanto
abrigue pessoas e coisas como a da reportagem narrativa, ao contrário dela, mostra-as
fixadas num único momento, sem as mudanças progressivas que lhe traz o tempo. O
que, de qualquer modo, não significa ausência de ação, de movimento. Como mostram
Fiorin e Savioli, os verbos de movimento porventura presentes na descrição exprimem
ações que ocorrem num único instante - aquele apreendido pelo texto (cf. Fiorin &
Savioli, 1990, p. 297). Isto aparece neste trecho do texto assinado por Narciso Kalili
sobre os mineiros de Criciúma, no sul de Santa Catarina - "Eles vivem embaixo da
terra" -, na Realidade de junho de 1967, à página 128.
O centro de Criciúma é formado por uma área de dez quarteirões. Na praça principal se
encontram o monumento aos mineiros, a enorme igreja matriz e mais dez pequenos bares,
onde velhos e moços sentam-se para tomar cafezinho ralo. Entre os bancos de madeira
envernizada, rapazes e moças conversam sem muita animação, andando sem rumo ou
parados em pequenos grupos. Ao lado da igreja, um campo de balão, espécie de boliche,
reúne velhos em manga de camisa e chinelos. Nas ruas, carros último tipo ao lado de
velhos caminhões. Meninos descalços e maltrapilhos correm em grupos, uma caixa nas
costas, uma palavra e um gesto de mão:
- Graxa?
Mulheres doentes com crianças nos braços pedem esmolas.
O trecho do texto assinado por Kalili, além de ter todos os verbos no presente, a
indicar a simultaneidade das ocorrências que registra - nas quais, portanto, não há
progressão no tempo -, tem ainda outra característica da descrição, decorrente da
primeira, apontada também por Fiorin e Savioli. Podemos modificar a ordem das frases
- correspondentes a subtemas, a serem estudados adiante - que não alteraremos a
relação cronológica das ocorrências. Se inicialmente dissermos que meninos descalços
e maltrapilhos correm em grupo, depois, que um campo de boliche reúne velhos e, por
fim, que rapazes e moças conversam entre bancos de madeira na praça, esta completa
alteração na organização do texto não provocará nenhuma modificação de seu sentido.
O que, obviamente, ocorreria se o texto fosse narrativo ou dissertativo.
Uma última característica desse tipo de texto - que também estudaremos adiante -
visível no trecho transcrito da matéria é a pormenorização - o detalhamento - do
momento apreendido. Assim, o cafezinho que velhos e moços tomam nos bares do
centro da cidade é ralo. Os bancos onde rapazes e moças conversam são
envernizados. E a própria conversa deles transcorre sem muita animação.

Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)


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Fragmento, bloco e reportagem Quando se descreve algo, aquilo que é


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descrito está geralmente inserido numa história ou num raciocínio. Um objeto,
lembram Muniz Sodré e Helena Ferrari, em Técnica de redação o texto nos meios de
comunicação, não vale por si mesmo, nem paira autônomo, fora de sua história ou de
seu contexto.
Não se descreve uma coisa, pessoa, lugar, época, etc. sem levar em conta, ou subentender,
a história desse objeto descrito (1977, p. 105).
Para a confecção do texto de reportagem tal fato tem duas conseqüências decisivas:
(a) há descrição dentro da reportagem narrativa, quando o objeto é inserido na sua
história, e, dentro da reportagem dissertativa, quando é inserido num raciocínio; (b)
há narração e dissertação dentro da reportagem descritiva, pelo mesmo motivo: o que
se descreve numa matéria jornalística ou é elemento de uma história ou é parte de um
raciocínio explícito. Pois, segundo Sodré e Ferrari,
Não se pode mais entender descrição como um processo desligado da narração e da
dissertação (1977, p. 105).
E Roberto Magalhães reafirma:
A divisão que se faz em discurso narrativo, descritivo e dissertativo é na verdade mais de
efeito didático, uma vez que, geralmente, essas modalidades coexistem e se completam
(s.d., p. 94).
Segundo este autor, a classificação de um texto em narrativo, dissertativo e descritivo
se justifica apenas pela dominância nele de uma destas modalidades sobre as outras.
Essa dominância pode ser percebida pela maneira como cada modalidade integra um
mesmo texto. Do ponto de vista que nos interessa aqui - o da modalidade descritiva -
verificamos que ela pode estar presente no texto como:
1º) Fragmento descritivo
Na reportagem narrativa, segundo Lopes e Reis, há sempre fragmentos portadores de
informações sobre as personagens, os objetos, o tempo e o espaço que configuram o
cenário das ações (cf. Lopes & Reis, 1988, p. 23). Essas informações (ou esses
informantes, segundo Barthes) servem, como veremos quando estudarmos
detalhamento, para enraizar o texto na realidade. Sua acumulação cria o "efeito de
real", gera verossimilhança.
A Folha de S. Paulo, em seu Manual geral da redação, criou uma norma estabelecendo
quais informações devem fazer parte do fragmento descritivo que, necessariamente,
terá de acompanhar qualquer personagem nos textos de notícias do jornal. Diz o
manual que a personagem da notícia:
Deve ser qualificada pela condição ou cargo que exerce e pela sua idade (1987, p. 82).
E prossegue:
Pode-se omitir a idade de pessoa referida ocasionalmente no texto. Qualificações passadas
(ex-presidente, ex-prefeito) só devem ser utilizadas quando relevantes no contexto. A idade
do personagem da notícia deve ser informada entre vírgulas, logo após o seu nome. Se ele
não quiser ver sua idade publicada pelo jornal, o desejo deve ser respeitado [... ]. Quando
a naturalidade do personagem da notícia for uma informação relevante, ela também deve
constar do texto ("o químico João da Silva, 34, maranhense") (1987, p. 82).
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Os fragmentos portadores de informações servem também como indícios. Lopes e Reis


definem indício como elemento que asseguraDEaJORNALISMO
FACULDADE previsibilidade das ações das
personagens. O retrato de uma personagem pode conter indícios da seqüência de
ações que essa personagem irá desenvolver. Do mesmo modo, a descrição de um
espaço geográfico ou social pode contribuir para o desenrolar da narrativa (cf. Lopes &
Reis, 1988, p. 23).
2º) Bloco descritivo
a) Na reportagem narrativa. No capítulo em que estudamos o espaço narrativo, vimos
que, às vezes, blocos (trechos compactados e contínuos) de natureza descritiva
interrompem o desenrolar da ação. Dissemos que, quando esses blocos são
introduzidos pelo próprio narrador, há, então, a chamada ambientação franca e que há
ambientação reflexa quando quem os introduz é alguma personagem. Dissemos,
ainda, que esses blocos, se forem muito extensos, podem criar um vazio narrativo. No
entanto, se forem utilizados com habilidade pelo narrador auxiliarão na criação do
ritmo que ele quer imprimir à narrativa, criando alguns efeitos semelhantes (e outros
diferentes) àqueles obtidos com os recursos de aceleração e retardação, analisad9s em
capítulo anterior.
Segundo Bourneuf e Ouellet, a descrição dentro da narração pode atuar como: (a)
desvio: quando, por exemplo, a descrição de um ambiente garante um momento de
repouso, após uma passagem muito ativa e agitada; (b) suspense: quando é inseri da
num momento crítico da ação, aguçando a curiosidade do leitor quanto ao que virá em
seguida; (c) abertura: quando antecipa de algum modo o desenrolar da história; (d)
alargamento: quando recupera uma informação já fornecida pelo texto e a
complementa com outras, detalhando-a. No Jornalismo, dá origem ao box (apud
Dimas, 1987, p. 41).
É como abertura que a descrição da situação do Estado do Piauí funciona no início do
texto assinado por Carlos Azevedo, na Realidade de abril de 1967, à página 44 - "O
Piauí existe". Antes de começar a narrativa da dura vida de Cecé, um garoto que
sobrevive engraxando sapatos de passageiros, no aeroporto de Teresina, o narrador,
de certo modo, já a antecipa nas quase 60 linhas de bloco compactado, no qual
apresenta o Estado.
O crescimento demográfico é alto: as famílias têm de 5 a 12 filhos e dois terços dos
habitantes têm menos de 18 anos, mas só há escolas primárias para 150 mil crianças.
Assim, três quartos dos piauienses são analfabetos. Milhares estão doentes, pois os 13
hospitais, os 50 postos de saúde e os 32 de assistência médica são insuficientes para tratar
todos ... A terra está mal dividida: ou latifúndios para criação de gado, ou minifúndios
impraticáveis para a lavoura [...].
b) Na reportagem dissertativa. Um dos processos de desenvolvimento do parágrafo
dissertativo, como observamos quando estudamos a reportagem dissertativa, é o da
descrição de detalhes, o processo que ocorre, sobretudo, após um tópico frasal inicial.
A própria denominação deste tipo de desenvolvimento já deixa claro que, embora seja
parte do parágrafo dissertativo, ele tem as características do texto descritivo, quer
dizer, seus verbos indicam ocorrências simultâneas, a ordem de suas frases pode ser
modificada sem se alterar a relação cronológica das ocorrências, o momento
apreendido é pormenorizado em detalhes. O desenvolvimento do parágrafo utilizado
por nós para exemplificar o que é um tópico frasal inicial - no item sobre tópico frasal -
é por descrição de detalhes. Ver na página 30 o parágrafo com seu tópico frasal
"Certo, o Pantanal é todo ele um show" e o bloco descritivo que lhe segue.
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3º) Reportagem descritiva


Se, como acabamos de constatar, tantoFACULDADE DE JORNALISMO
o texto narrativo como o dissertativo podem
incorporar trechos descritivos, por seu lado, o texto descritivo pode, também, ter (e,
em geral, tem) trechos narrativos e trechos dissertativos. Afirmam Sodré e Ferrari:
Uma reportagem totalmente descritiva corre o risco de tornar-se discursiva ou
extremamente fria (1977, p. 115).
Conforme os autores citados, com raras exceções, as reportagens inteiramente
descritivas tornam-se pouco comunicativas, quando não desagradáveis. É o que ocorre
freqüentem ente nas reportagens com descrições técnicas, de algumas editorias
especializadas.
A reportagem descritiva pode tornar-se bastante interessante se nela forem
introduzidos recursos narrativos.
A descrição é dinamizada por pequenas situações sem importância fundamental, mas que
enriquecem o texto, assegurando-lhe ritmo próprio (Sodré & Ferrari, 1977, p. 115).
Mesmo um tipo de reportagem que, geralmente, tende para o descritivismo, como a de
turismo, pode se tornar mais fluente se vier a agregar em seu texto trechos narrativos
e dissertativos. A revista Quatro Rodas, por exemplo, publicou na sua edição de julho
de 1990, à página 92, matéria turística sobre a região francesa de Provença. Vejamos
como, num de seus trechos, misturam-se os três tipos de textos. O trecho inicia com o
tópico frasal contendo um fato decorrente de dois fatos motivadores, apresentados
logo em seguida, no desenvolvimento, dentro de uma relação efeito e causas.
Encerrado o parágrafo dissertativo, inicia-se outro narrativo, pontilhado de fragmentos
descritivos:
Que ninguém estranhe esta mistura de turismo cultural com autódromos. Primeiro, porque
o automobilismo é tremendamente popular na França. Segundo, porque os guerreiros da
antiga Roma já usavam a região da Provença (então Província Gallia Narbonnensis) para
testar suas bigas. Ao sairmos do autódromo, apenas 8 quilômetros adiante, encontramos
um belo vestígio romano: a Pont du Gard, de 275 metros de comprimento e 50 de altura,
conduzindo um aqueduto e uma pista sobre o rio Gard - pista muito estreita para nossos
cavalos modernos (na verdade, 204 cv cada um).
Seguimos então para sudeste, rumo a Montpellier e Sete - onde a bela paisagem dos iates e
veleiros no porto contrasta com a pista de provas da Goodyear, construída em meio aos
canais.
Depois, Aigues Mortes, cidadezinha medieval cercada de muralhas em meio a lagoas e
pântanos.

A divisão do que se descreve Neste item, vamos analisar a divisão do


texto descritivo e verificar o que podemos encontrar descrito em textos. Comecemos
observando a descrição de uma coisa: um sistema de irrigação simples na matéria "O
espaguete faz chover", publicada na Globo Rural, de janeiro de 1987, à página 24:
O conjunto inteiro começa com uma boa fonte de água - nascente, ribeirão ou poço - capaz
de suprir a área a ser irrigada. É nessa fonte que se instalam os canos de PVC, partindo de
uma motobomba compatível com o tamanho da plantação. A esses canos liga-se um
registro. Ao registro liga-se uma tubulação secundária de conduíte de 1'1/4 de diâmetro. É
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dessa tubulação de conduíte que vão partir, a intervalos de mais ou menos 1 metro, os
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conduítes paralelos, de meia polegada, DE JORNALISMO
que receberão os aspersores e que devem ter,
logicamente, a extensão dos canteiros ou leirões que serão molhados.
De início, podemos perceber que a totalidade do sistema de irrigação foi dividida em
partes. O "conjunto inteiro" foi repartido em: fonte de água; motobomba; canos;
registro; tubulação; conduítes; aspersores. Observamos, depois, que cada parte da
divisão do sistema foi considerada isoladamente.
Esses dois aspectos da descrição do sistema de irrigação estão presentes na descrição
de todo objeto. Entendemos objeto - já frisamos anteriormente - como tudo o que é
perceptível por qualquer dos sentidos. Toda descrição inicia com uma totalidade - o
tema - para, em seguida, dividi-la em partes - nos subtemas -, como mostra
Magalhães (s.d., p. 102). Abreu explica como um ambiente, por exemplo, que na vida
real compõe uma totalidade, ao ser descrito, aparece em pedaços:
Quando alguém nos diz, por exemplo, "Havia uma grande sala retangular", geralmente,
imaginamos uma sala vazia. Se esse mesmo alguém nos diz "No centro dessa sala havia um
piano negro, coberto de pó", passamos a imaginar a sala com um único móvel, um piano
negro. E, dessa maneira, vamos mobiliando a sala, aos poucos, temporalmente (1989, p.
36).
Encontrados os subtemas - as partes, os pedaços da totalidade - há, então, o que
Magalhães chama de predicação e que, de fato, é o detalhamento, como veremos
adiante. Cada subtema é caracterizado, através de qualidades que lhe são atribuídas,
das ações que executa, das comparações que se lhe fazem. Por exemplo, o subtema
fonte de água, do tema sistema de irrigação, recebe três predicações (detalhes): boa;
capaz de suprir a área a ser irrigada; (nela) se instalam os canos de PVC.
Os dois aspectos que observamos nesta descrição de uma coisa - o sistema de
irrigação -, o da divisão de sua totalidade em partes e o da predicação (do
detalhamento) de cada uma de suas partes, podem também ser encontrados nas
descrições de ser, paisagem, situação, mundo psicológico e mundo imaginário, isto é,
em tudo que contém um texto descritivo, como veremos a seguir. Os subtemas foram
separados por barra nas exemplificações.
Ser
Galinhas gigantes:
[...] os galos de uma dessas raças, a brahma-dark, os maiores galináceos do mundo,
chegam a 90 cm de altura e 8 quilos./ As galinhas atingem até 60 cm de altura e 5 quilos,!
enquanto uma caipira dificilmente supera os 30 cm e os 2 quilos ("Galinhas gigantes",
Globo Rural, janeiro de 1987, p. 88).
Paisagem
A ilha de Fernando de Noronha:
[...] enormes paredões de rocha negra batidos pelo mar,/ aves que voam sob um sol forte/ e
cavernas submarinas cobertas de esponjas e corais coloridos ("Ilha das Sereias conquista
o visitante com sua beleza natural", Folha de S. Paulo, capa do Caderno de Turismo, 26 de
julho de 1990).
Situação
A de um astronauta em viagem espacial:

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[...] sofrerá a falta de peso,/ a solidão/ e o silêncio cósmico,/ e se manterá à custa de


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estranhos alimentos ("Você suportaria?", DE JORNALISMO
Realidade, fevereiro de 1967, p. 42).
Mundo psicológico
Crise de angústia:
É como se uma grande mão estivesse o tempo todo me apertando o peito.! Às vezes começo
a chorar de repente feito uma bola. Choro por um motivo à-toa, que nem sei qual é ("O
homem está angustiado", Realidade, agosto de 1967, p. 116).
Mundo imaginário
O sonho da vitória da seleção brasileira, na Copa do Mundo de 1966:
Quando o estádio de Wembley ouviu o apito final do juiz, Abel, o mais jovem dos jogadores
da seleção brasileira, desmaiou em campo./ Os outros 10 não perceberam nada. Saltavam
e gritavam como loucos, aos abraços e beijos./ Com os braços apontando o céu, os punhos
cerrados, Gilmar berrava, chorando ... (Reportagem-ficção "Brasil tricampeão (foi assim
que ganhamos a copa)", Realidade, abril de 1966, p. 23).
A Realidade de maio de 1967, à página 16, publicou um texto assinado por Narciso
Kalili, em que o narrador em 1ª pessoa descreve o que assistiu acompanhando o
momento no qual um jovem viciado injeta drogas em sua veia. Título do texto: "Ele é
um viciado". O cenário da experiência - o apartamento de um professor, também
viciado, que concordou em cedê-lo para a experiência abre o texto: dos estudantes
que trabalham. A inserção fornece um "contexto de referências" ao leitor:
O apartamento do professor é igual a centenas de outros existentes em certa região da Vila
Buarque, bairro tradicional de marginais e criminosos, que a crônica policial paulista,
com razão, mas sem originalidade, apelidou de "submundo do crime". Situado no quinto
andar de um edifício de dez, o apartamento tem uma sala-living grande e escura, que o
professor dividiu em duas, transformando a parte da frente em escritório. Por um corredor
que sai do centro da parede lateral, chega-se à cozinha, ao banheiro e ao quarto de
dormir. Mesmo de dia é a única parte clara da casa.
Como muitos universitários brasileiros, o estudante de filosofia Paulo Brawn, de 23
anos, divide o seu tempo entre as aulas e o trabalho de contador num sofisticado
shopping center de Curitiba, Paraná.
Detalhamento. A capacidade de caracterização de um objeto, manifestada ou
não por um autor em determinado texto, está relacionada também com a sua eventual
capacidade de percepção dos detalhes daquele objeto. Tomamos aqui novamente a
palavra objeto como designativa de tudo o que pode ser percebido por qualquer um
dos sentidos. Mesmo os elementos mais comuns e mais despercebidos da nossa
convivência cotidiana são redescobertos por essa procura de detalhes característicos.
Em seu livro, para treinar os leitores - talvez, futuros autores - na redescoberta de
objetos familiares, Barbosa sugere que eles observem cuidadosamente os detalhes de
um palito de fósforo, de uma nota de dinheiro e de um pedaço de parede.
Na produção de texto a utilidade dos detalhes é a de causar pela sua acumulação
aquilo que, conforme Lopes e Reis, é chamado de "efeito de real", como vimos
anteriormente. Por enraizarem o que é descrito num tempo e num espaço precisos, os
detalhes, chamados de informantes por Barthes, aumentam o grau de credibilidade do
texto, isto é, tornam-se "operadores de verossimilhança".

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A descrição do apartamento do trecho do texto "Ele é um viciado" é enriquecida por


diversos detalhes. O apelido colocado pela crônica
FACULDADE policial na região onde está
DE JORNALISMO
localizado é, de acordo com o texto, sem originalidade. Sua sala-living, além de
grande, é escura. O quarto de dormir é a única parte da casa que recebe sol.
O trecho transcrito, constituído de quatro frases, divide-se, percebe-se, em duas
partes. Na primeira, integrada pela longa frase inicial, o narrador faz uma comparação
do apartamento do professor com outros apartamentos de uma região de São Paulo
("... é igual a ...”) e na segunda parte descreve o seu interior.
A comparação, como a feita no texto assinado por Kalili, é um dos elementos que nos
ajudam a articular uma imagem do objeto que pretendemos descrever. O outro
elemento a que já fizemos referência ao final do item anterior é o detalhamento. São
esses elementos que vamos estudar neste item.
Comparação. Como no exemplo da matéria transcrita acima, a comparação parte em
muitos textos de um elemento conhecido que serve como ponto de referência e por
meio do qual o autor pode introduzir o conhecido no desconhecido, assim como o
desconhecido no conhecido, conforme observou Severino Barbosa em Redação:
escrever é desvendar o mundo (1989, p. 47). Deste modo, amplia-se a capacidade »te
um autor comunicar suas percepções através de seus textos. A comparação, feita por
um autor a partir de um elemento conhecido pelo leitor, dá condição a este de
apreender melhor os traços do objeto descrito. O leitor poderá inserir tais traços no
seu universo de conhecimento. Ao fornecer elementos semelhantes, a comparação
torna acessíveis
[...] pontos referenciais, apontando um contexto de referências para que o leitor se situe e
possa reproduzir melhor, mais concretamente, o objeto em questã03 (Barbosa, 1989, p.
47).
Um exemplo deste procedimento: o estudante de Filosofia, desconhecido, num texto
publicado pela Veja, em 16 de maio de 1990, à página 15, com o título "República
aberta", é inserido num grupo com o qual os leitores certamente estavam
familiarizados, o

As metáforas
A narrativa de um ataque de soldados em guerra era o que aparentava ser um texto
assinado por Narciso Kalili e publicado na edição de dezembro de 1967, de Realidade,
à página 148:
- Agora! Atacar!
Num só bloco, penetravam no escuro corredor. Alguns foram mortos logo na entrada, pela
defesa inimiga. Os outros avançaram rápido em direção à garganta. Lutando sem recuar e.
mesmo sofrendo milhares de baixa, tomaram o objetivo. Ar dividiram-se em grupos
atacando em todos os pontos. Era preciso andar depressa. Os reforços inimigos deviam
estar a caminho!
- Aqui há espiões por todo lado!
De repente, ouviu-se um rumor que foi crescendo até tornar-se ensurdecedor. Um
deslocamento de ar atirou centenas deles para fora arrastando-os de volta pelo mesmo
caminho:
- Achim!
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A impressão de que se tratava de uma narrativa de guerra, dada pelo trecho


transcrito, seria apagada à medida FACULDADE
que o leitor DE
avançasse na leitura do texto. Em
JORNALISMO
primeiro lugar, porque ele não tratava de guerra. Por sinal já no trecho transcrito havia
duas indicações nesse sentido: a palavra garganta e a onomatopéia de espirro. E, de
fato, o seu assunto era a gripe, como o próprio título da matéria revelava - "É a gripe".
Em segundo lugar, porque não era um texto narrativo, mas apenas um trecho
narrativo incorporado a um texto descritivo, onde se pretendia mostrar como a gripe
invade o organismo humano. Da incorporação de trechos narrativos em textos
descritivos, nós já tratamos. Fiquemos, portanto, neste item com a primeira impressão
causada pelo trecho descrito.
Então, é possível se falar de gripe utilizando expressões que são próprias de guerra? É
possível porque a palavra ataque - o tema do trecho - tanto está relacionada à doença
como à guerra. Ela constitui um ponto em comum entre duas áreas de significações.
Representa uma intersecção entre os significados de guerra e de doença. Assim, é
possível se estabelecer uma comparação implícita ao se tomar uma coisa - a guerra -
por outra - a doença. Em outras palavras, é possível usar a guerra como metáfora de
doença.
Para Fiorin e Savioli, metáfora é a alteração do sentido de uma palavra ou expressão
quando entre o sentido que o termo tem e o que ele adquire existe uma intersecção
(cf. Fiorin & Savioli, 1990, p. 122). Rocha Lima acrescenta em Gramática normativa da
língua portuguesa (1974, p. 461) que numa metáfora há a transferência de um termo
para uma esfera de significação que não é a sua, em virtude de uma comparação
implícita (cf. Lima, 1974, p. 461).
Essa possibilidade, criada pela metáfora, de comparar implicitamente algo com outra
coisa diferente dela mas com a qual tem uma área de significação em comum, é-
largamente utilizada na confecção de textos para a imprensa escrita, com a função
precípua de evitar a aridez em certos fragmentos descritivos. A metáfora, como
elemento articulador de imagem, dá vivacidade a um fragmento de texto que, sem ela,
poderia tornar-se insípido.
Um fragmento descritivo, cientificamente correto, da fragilidade da economia brasileira
pode ter mais rigor, mas não será tão sugestivo quanto a frase: "A economia brasileira
está na corda bamba". Do mesmo modo, a descrição precisa da política econômica
desenvolvida pelo ministro Maílson da Nóbrega, no Governo José Sarney, cuja
característica maior era a de não pretender inovar em nada, pode não ser tão
facilmente compreendida quanto a frase: "A política feijão-com-arroz do ministro
Maílson da Nóbrega". Como nota Abreu, a todo instante, encontramos em textos
publicados pela imprensa metáforas como "a fritura do ministro", "o trem da alegria"
ou em frases como "A Rede Globo engatilhou na sexta-feira passada o que promete
ser um de seus tiros mais certeiros na guerra com o SBT pela audiência nas tardes de
domingo" (Abreu, 1989, p. 73).
Vamos organizar em seis grupos as metáforas utilizadas como fragmentos descritivos
em uma única reportagem. Veja: a sobre as reformas econômicas introduzidas na
União Soviética pelo presidente Mikhail Gorbachev, publicada na edição de 30 de maio
de 1990, à página 30, com o título de "Opção capitalista".
1º grupo:
[...] todas as terapias de que ele lançou mão para reverter a crise econômica [...].
[...] o pacote não constitui uma terapia de choque [...].
[...] a receita será amarga [...].
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2º grupo:
FACULDADE DE JORNALISMO
[...] os principais pilares do edifício comunista [...].
3º grupo:
[...] a perspectiva sombria do desemprego [...].
4º grupo:
[...] uma devastadora onda de demissões [...].
5º grupo:
[...] uma verdadeira bomba política [...].
[...] a estratégia de divulgação do plano [...].
[...] quando chegar a hora de Gorbachev apertar o gatilho, a arma vai funcionar [...].
[...] a munição estocada para atacar os problemas econômicos [...].
6º grupo:
[...] preso a esse emaranhado de problemas [...].
As metáforas de cada um desses grupos receberam um nome na obra de Abreu. As do
quinto grupo foram as únicas que tiveram sua denominação dada pelo próprio autor do
livro. Ele as chamou de militares. As demais fazem parte de uma lista de 16
denominações criadas por J. V. Jensen, em Metaphorical constructs for the problem-
solving process, citado por Abreu, para metáforas de textos que procuram resolver
problemas sociais.
As do primeiro grupo, assim como todas as que comparam a sociedade ao corpo
humano e se relacionam com males e curas, são denominadas de médicas. A do grupo
seguinte é uma metáfora de construção. A do terceiro grupo, como qualquer outra
inserida na dicotomia claro/escuro, é a claro/escuro. A do quarto grupo é chamada de
percurso no mar. E, finalmente, a do sexto grupo, a de tecelagem.
Além dessas, fazem parte ainda da lista de Jensen metáforas como a deste segmento
descritivo do texto de outra reportagem de Veja da mesma edição citada, à página 80,
sobre o rock nacional, denominada de cativeiro:
O rock [...] para se engaiolar num espaço determinado na programação das rádios.
As demais denominações de metáforas criadas por Jensen (apud Abreu, 1989, p. 74-8)
são: de percurso em terra (" ... a inflação ... deverá ser o obstáculo ... "); de limpeza
("entulho autoritário"); pastoral ("Deus é um pastor. .. "); de roubo ("roubar a
liberdade"); de conserto ("consertar as rachaduras do partido"); de unificação ("O país
é uma grande família"); de compositor ou musical ("O deputado foi a nota que
desafinou"); do lavrador ("Eleições é tempo de colheita"); de fenômenos naturais ("O
país está à beira do abismo").
Instrumentos fundamentais Os instrumentos fundamentais do processo
descritivo, como assinala Barbosa, são os cinco sentidos e todas as suas possibilidades
de percepção. Qualquer texto descritivo comprova isto. Podemos, com facilidade,
identificar o papel dos sentidos na captação da realidade em determinado autor ou
narrador. Com um mínimo de atenção podemos perceber qual o sentido mais usado
por ele, o que ele não emprega, como combina um sentido com outro na captação de
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um ser ou de um objeto. Desta forma, os sentidos se revestem de dupla importância


para a prática do Jornalismo. De umFACULDADE
lado, são elementos essenciais na captação das
DE JORNALISMO
informações. Sobre a utilidade dos sentidos na captação do real, afirma Barbosa:
Pelo fato de estarmos vivos, estamos sentindo intensamente a realidade. A cada momento,
nosso corpo registra inumeráveis impressões geradas pelo contato vivo de nossa
sensibilidade sensorial com os elementos do mundo. Esse corpo-a-corpo com o mundo é a
base viva de nossa percepção, sua fonte fecundadora: ponto de partida (material) para os
complexos processos do conhecimento. Assim sendo, nós seres humanos todos temos um
sistema de percepção suficiente para registrar inumeráveis impressões que cobrem
amplamente os campos da realidade8 (1989, p. 44).
Por outro lado, como as descrições envolvem sempre a utilização dos sentidos, eles
tornam-se, também, elementos da estrutura do texto jornalístico. Têm, portanto,
papéis relevantes nos planos da captação e da redação jornalísticas.
Vejamos como isto se manifesta nos fragmentos descritivos do texto assinado por
Narciso Kalili, citado no item anterior. Para compreender o sentido dos fragmentos
descritivos, façamos um sumário da narrativa. O jornalista-narrador-personagem
obtém o consentimento de um jovem viciado, Mário, para acompanhar as
transformações por que passa, depois de injetar em suas veias uma droga fornecida
por um professor. A experiência ocorre no apartamento do professor e é assistida
também pela mulher dele. Os sentidos do jorna1ista-narrador-personagem são, então,
os canais através dos quais aquilo que acontece no apartamento chega até o texto e,
por conseguinte, até o leitor.
Percepções visual-auditivas:
Grande, musculoso, ainda jovem, ele (o professor) fala alto, gesticula muito. A mulher é
enérgica, morena, alta, aparenta de 35 a 40 anos.
Percepções visuais:
[ ... ] sofá da sala - uma peça enorme de forma irregular, forrada de cetim verde [ ... ].
Quase não consigo ver os olhos de Mário atrás dos óculos, mas percebo que brilham e
como que saltam das órbitas.
Toda a roupa (de Mário) é simples, a camisa de algodão branco. Pouca barba, entradas
fortes na testa, embora tenha muito cabelo.
Percepção olfativa:
Da cozinha vinha um cheiro bom de café fresco.

Ponto de vista Oriana Fallaci afirma, no prefácio do livro editado no Brasil com
o título de Os antipáticos, em que reuniu perfis de personalidades internacionais -
como os diretores de cinema Federico Fellini e Alfred Hitchcock, o cantor e ator Sammy
Davis Jr. entre outras -, publicado antes pela revista italiana Europeo, entre os anos de
1962 e 1964:
Uma notícia, um retrato, não prescindem jamais das idéias, dos sentimentos, dos gostos de
quem fornece a notícia ou o retrato. Uma árvore que para uns é viçosa, para mim é
doentia; um homem que para uns é feíssimo, para mim é lindíssimo; uma hora que para
uns é exata, para mim é errada: meu relógio estava adiantado ou atrasado, pior ainda, eu

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estava em outra parte do mundo, onde, ao invés das cinco da tarde, eram nove da noite.
FACULDADE
Existe, pode existir, portanto, somente DE JORNALISMO
a honestidade de quem fornece a notícia ou o retrato
(Fallaci, s.d., p. 7).
Essa atitude da jornalista - quase sempre também narradora e personagem de seus
textos - de não pretender separar os próprios sentimentos daquilo, ou daquele sobre o
que, ou quem escreve, transparece no perfil do campeão mundial dos pesos-pesados,
Cassius Clay, publicado por Realidade, em setembro de 1966, à página 83, com o
título de "Cassius Clay, aliás, Mohammed Ali", como neste trecho:
Agora, seu nome é Mohammed Ali e ele se tornou símbolo e tudo o que se deve condenar: a
arrogância, o fanatismo que não conhece barreiras geográficas, nem diferença de línguas,
nem cor de pele. Ele é o símbolo dos Muçulmanos Negros, uma das seitas mais perigosas
da América, os assassinos de Malcom X; catequizaram-no, hipnotizaram-no. E o palhaço
inofensivo se transformou num vaidoso irritante, um fanático sombrio e obtuso que prega a
segregação racial, maltrata os brancos que estão ao lado dos negros, ameaça os negros
que estão ao lado dos brancos e pretende que os Estados Unidos lhes entreguem um
território em nome de Alá. E do qual ele seja o chefe: é o sonho que lhe puseram na
cabeça, aproveitando-se de sua ignorância, pois ele sabe esmurrar e só.
Uma descrição como esta de Cassius Clay, na qual se misturam o que ele é, de fato,
com os sentimentos nutridos por ele por quem o descreveu, é marca da por um
determinado ponto de vista mental - o subjetivo. Para Garcia, o ponto de vista mental
subjetivo corresponde à predisposição psicológica do observador - sua simpatia ou
antipatia antecipada - que pode dar como resultado imagens muito diversas do mesmo
objet09 (cf. Garcia, 1969, p. 218). Até uma paisagem descrita de um ponto de vista
mental subjetivo pode assumir uma função crítica, deixando de ser encarada como
simples cenário. É o que mostram Sodré e Ferrari, ao transcreverem trechos do texto
"À espera do inverno", assinado por Walder de Góes, publicado no Jornal do Brasil, em
04/04/1975, sobre a Argentina:
Buenos Aires - Do 16º andar do supermoderno Buenos Aires Sheraton, o horizonte
projetado sobre o rio da Prata é cinzento e belo. O porto fica bem em frente e são escassos
os navios que chegam e partem, parece domingo na tarde de quinta-feira. O ritmo
particular do porto reflete o ritmo geral da economia, na forte descida das curvas de
produção e comércio (1977, p. 110).
Deve-se lembrar que os jornalistas em geral reconhecem que sua atividade contém
alguma carga de subjetividade. Por exemplo, o Manual geral da redação da Folha de S.
Paulo (1987, p. 34) diz no verbete sobre objetividade:
Não existe objetividade em jornalismo. Ao redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma
uma série de decisões que são em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições
pessoais, hábitos e emoções.
No entanto, o eventual reconhecimento de subjetividade não anula a procura da
exatidão no Jornalismo. O mesmo manual de redação diz que a exatidão é o elemento-
chave da notícia, isto é, da informação como puro registro dos fatos, sem comentário
nem interpretação (1987, p. 33). E afirma ainda que a busca das informações corretas
e completas é a primeira obrigação de cada jornalista (1987, p. 30).
O texto descritivo marcado pela exatidão de pormenores, pela precisão de vocábulo e,
também, pela disposição didática das informações - o texto técnico, por exemplo - tem
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um ponto de vista mental objetivo. Nele, o observador procura retratar com fidelidade
o ser em descrição (cf. Magalhães, FACULDADE
s.d., p. 96).DE
Isso acontece, por exemplo, nesta
JORNALISMO
descrição de um cavalo da raça bretão, na capa do caderno Agrofolha, da Folha de S.
Paulo, de 14 de agosto de 1990.
O cavalo bretão é mais forte que o jumento, bastante rústico e pode viver de pasto. Pesa em
média 800 quilos e tem 1,5 metro de altura. Possui conformação bem maior do que a dos
eqüinos de sela. Trata-se de um animal superdócil e de fácil manejo, originário da região
de Brest, norte da França.
Garcia, contudo, alerta que a exatidão e a minúcia não constituem a primordial
qualidade de uma descrição; ao contrário, podem até representar defeito. O que,
segundo o autor, interessa num objeto - e deve ser descrito - são os seus traços mais
singulares, mais salientes. Descrição miudamente fiel é, como em certos quadros, uma
espécie de natureza morta. É preciso saber selecionar os detalhes, saber reagrupá-los
e analisá-los para se conseguir, não uma cópia do objeto, mas uma imagem, uma
impressão dominante e saliente (cf. Garcia, 1969, p. 215).
Observe-se como no texto assinado por Ricardo Arnt, na capa do Caderno de Turismo,
da Folha de S. Paulo, de 9 de agosto de 1990, são descritas as ruínas de dois templos
gregos:
As ruínas da cidade velha projetam-na imaginável, como uma aparição. O órfico se
mistura ao onírico. Em 635 a.C., os gregos da ilha de Naxos esculpiram 16 leões no
terraço em frente ao templo dedicado a Leto, mãe de Apoio, para protegê-lo. Sentados
sobre ancas, eles fitam, esgazeados, o lugar onde teria existido o lago sagrado, em cujo
centro mítico, sobre uma pedra, a mãe de Apoio deu à luz. O lago foi drenado, mas os leões
continuam lá, cinco, perscrutando. Dionísio, o deus do desejo, ganhou um templo, em 300
a.C., perfilado por pilares que sustentam poderosos e imponentes falos. São obeliscos
apoiados em testículos. Os turistas primeiro pasmam, depois sorriem. Os lados do pilar
mostram cenas em alto-relevo: um galo com cabeça de falo, Dionísio e as mênades (as
bacantes possessas) e Sileno, o mais velho dos sátiros, o preceptor do deus - tudo o que a
presunção de Nietzsche gostaria de ter sido.
Portanto, como vimos, nem a possível admissão de subjetividade no Jornalismo
invalida a sua aspiração à exatidão, nem alguma circunstancial necessidade de se fazer
descrições técnicas impede que, em outras situações, haja no Jornalismo, descrições
igualmente objetivas mas menos frias.
Não é apenas a predisposição afetiva em face do objeto a ser descrito que imprime à
descrição um determinado ponto de vista. Também, é claro, a perspectiva que o
observador tem do objeto, a sua localização geográfica. No primeiro caso, há ponto de
vista mental, no segundo, físico. As situações básicas que influirão na ordem e na
forma da enumeração descritiva, no ponto de vista físico, são: (a) estar próximo; (b)
distante; (c) abaixo; (d) fora; (e) dentro (cf. Magalhães, s.d., p. 96). Curioso é que,
embora estas situações digam respeito à localização externa, objetiva, do observador,
têm, também, correspondências no plano afetivo, psicológico. Também do ponto de
vista mental, numa descrição, o observador pode se colocar acima, abaixo, próximo ou
distante do objeto. Antigamente para valorizar o texto de um noticiário como vivo,
palpitante, dizia-se que fora escrito "de dentro" dos acontecimentos. A chamada de
capa da matéria em que o repórter José Hamilton Ribeiro contava como havia perdido
uma perna cobrindo a guerra do Vietnã, na Realidade de maio de 1968, era: "Nosso
repórter viu a guerra de perto".
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