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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder

Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Poesia, memórias e confissões na Alexandria de Kaváfis

Roger Miguel Sulis (UFSC)


Poesia grega moderna; poesia homo-erótica; Konstaninos Kaváfis.
ST 63 – A escrita do eu: ficções e confissões da dor II

Conhecido como o poeta de Alexandria, Konstantinos Kaváfis (1863-1933) é dono do que


José Paulo Paes – seu grande divulgador no Brasil – chama de uma obra poética “exígua mas
prodigiosa”1. Grande parte dessa obra, ou pelo menos a mais conhecida, versa sobre o corpo, e se
desenrola sobre um pano de fundo platônico, mormente um jogo de palavras: σώµα/σήµα, ou seja,
corpo/túmulo2. E em sua obra canônica, tal conjugação se acha impressa nos corpos belos e
sensuais de mortos jovens e no horror à degradação da velhice, ao corpo velho, já morto para os
prazeres.
Digo em sua obra canônica, porque esse jogo de palavras, bem como outros artifícios
arteiros, lhe serviram para que se munisse de defesas ao celebrar o amor homossexual no ambiente
permissivo e cosmopolita da Alexandria muçulmana, arquitetado no projeto de modernização e
renascença cultural de Muhammad Ali, e ao mesmo tempo repressor, então sob ocupação britânica,
que impunha uma mimese da moralidade vitoriana3. E conquanto sua obra seja hoje reconhecida e
admirada, não se pode deixar esquecer que à época, o poeta arriscava que se lhe fechassem as
portas, ignorassem, e até mesmo enfrentar um julgamento ou o exílio. Apesar disso, gozava de uma
certa tolerância no ambiente aristocrático e nouveau riche da comunidade grega local, pois que não
era o único homossexual entre eles.
De fato, e não sem uma fina ironia, sua ousadia e seu sucesso se expressaram na apropriação
desse ambiente hostil. Do qual encontra refúgio em quartos miseráveis e infames, tavernas
suspeitas, becos imundos, prostíbulos, onde encontram expressão prazeres ilícitos, gozos suspeitos,
atrações anômalas, sempre furtivamente, às escondidas, mas também sempre encontrados:
Seu Princípio

A satisfação do seu prazer ilícito


ocorreu. Levantaram-se do colchão,
e vestem-se apressadamente sem falar.
Saem em separado, furtivamente da casa; e porquanto
caminham um tanto inquietos pela rua, parece
que suspeitam que algo sobre eles denuncia
em que tipo de leito deitaram há pouco.

Mas como a vida do artista ganhou.


Amanhã, depois de amanhã, ou com os anos serão escritos
os versos fortes que aqui tiveram seu princípio. (Kaváfis, 2006, 27)
2
De modo a dissimular esse encontro, sua inspiração, com o artifício da memória, raro
oferece o que existe, mas o que falta e o que já foi. Percebe-se uma constante e estável deriva da
emoção, do eu, em tempo e espaço, a outros personagens. E creio, como Dimarás4, que essa deriva
da emoção, tão característica da poesia kavafiana, a partir da percepção estética do Símbolo,
proporciona outra operação característica, a de um desvelamento:
Ímenos

“...Ser amado ainda mais


o prazer que se obtém morbidamente e com depravação;
raro encontrando o corpo que sente como o quer –
que morbidamente e com depravação, proporciona
uma tensão erótica, que a saúde não conhece...”

Fragmento de uma carta


do jovem Ímenos (de família patrícia) notório
em Siracusa por licensiosidade,
nos tempos licenciosos de Mikhail terceiro.(Kaváfis, 2005, 101)

Aparentemente ambientado na Sicília bizantina do século IX e englobando um outro poema,


a peça é um exemplo bem característico da deriva kavafiana. Não só a suposta carta é forjada, como
também seu próprio autor. Tal desvelamento de máscaras, porém, parece sugerir não uma postura
de auto-repressão ou censura, mas antes, um simples álibi poético. Seja tomando refúgio em épocas
passadas, ou personificando papéis de terceiros sua poesia imprime o álibi da ausência, onde, ainda
segundo Dimarás, a negação da contemporaneidade ou da pessoalidade funciona com eixo conector
de sua inspiração, que se oferece, em um primeiro momento, não pelo que está presente, mas pelo
que é ausência.
É, todavia, somente em seus escritos inéditos, que encontramos o poeta mais liberto desses
artifícios, quiçá mais sincero em relação à sua dor e, por conseguinte, em um tom confessional.
Infelizmente ainda pouco divulgados e conhecidos no Brasil, esses escritos se compõe de um
conjunto de 75 poemas, muitos dos quais traziam indicação expressa do autor contra uma futura
publicação, e que ficaram esquecidos até sua publicação em 1968. Somam-se a esses poemas uma
série de anotações pessoais de tom íntimo e reflexivo, extremamente crípticas e cifradas. Poucas
dessas anotações foram publicadas, e estas, não sem antes passar pelas tesouras dos guardiões dos
arquivos do poeta. Emblemática e contraditória talvez, a nota de número 5, que em tradução de José
Paulo Paes lê-se:
Esta noite me veio a idéia de escrever sobre o meu amor. Entretanto, não vou fazê-
lo. Que força tem o preconceito! Eu me libertei dele, mas fico a pensar nos ainda
escravizados sob cujos olhos este papel pode eventualmente cair. E me contenho.
Que pusilanimidade! Anoto aqui, porém, uma letra – T – como símbolo deste
instante. (Kaváfis, 1998, 31)
3
Esse não dizer, dizendo, parece sim reger grande parte da poética kavafiana. E resulta em
uma bela confissão poética em:

Dezembro de 1903

E se sobre meu amor não posso contar –


se não falo de teus cabelos, dos lábios, dos olhos;
teu rosto, porém, que guardo em minha alma,
o som de tua voz que guardo em minha mente,
os dias de Setembro que raiam em meus sonhos,
minhas frases e palavras modelam e colorem
em qualquer tema que eu passe, qualquer idéia que diga.(Kaváfis, 2006, 11)

O manuscrito do poema traz à margem a indicação A. M., iniciais de um nome, identificadas


com Aléxandros Mavrudis, um jovem literato a quem Kaváfis conhecera quando de sua primeira
viagem à Grécia e a quem dedicou 3 poemas que ficaram inéditos. Grafados com uma força
patética, são os únicos registros literários explicitamente pessoais e aparentemente sinceros, de um
Eros que não se apresenta absolutamente carnal. Expressam a dor e hesitação de um homem aos
seus quarenta, acostumado a pagar por sexo, e a pagar barato aliás, que se encontra, de todo,
abalado por um rapaz de vinte anos:
Setembro de 1903

Que ao menos com ilusões eu me engane agora;


para não sentir minha vida vazia.

E estive tantas vezes tão perto.


E como me paralisei, e como me acovardei;
por que ficar com os lábios fechados;
e minha vida vazia a chorar dentro de mim,
e meus desejos a vestirem-se de preto.

Estar tantas vezes tão perto


dos olhos, e dos lábios eróticos,
do sonhado, amado corpo.
Estar tantas vezes tão perto. (Kaváfis, 2006, 9)

Para além de um enfrentamento estritamente pessoal, a angústia dessa solidão e isolamento


– como bem observa José Paulo Paes5 – tem uma condicionante social. E Paes a observa em uma
comparação de Muros de Kaváfis, e Emparedado de Cruz e Souza. Este último, negro, emparedado
pelo preconceito racial num doloroso subjetivismo; o primeiro, homossexual, cercado de muros por
temer, não sem razão, as sanções de uma moralidade hipócrita, policiada e repressora:
Assim

Nessa fotografia indecente que às escondidas


na rua (para o policial não ver) foi vendida,
nessa fotografia pornográfica,
4
como se achou tal rosto
onírico; como te achaste aqui.

Quem sabe que vida degradante, sórdida deves viver;


que abominável seria o ambiente
quando posaste para te fotografarem;
que alma vil será a tua.
Mas com tudo isso, e mais, ficas para mim
como o rosto onírico, o semblante
criado e entregue ao prazer grego –
assim ficas para mim e de ti diz minha poesia. (Kaváfis, 2006, 9)

Percebo, porém, em Kaváfis, não um resquício de culpa cristã, como o quer Paes, mas o uso
do que chamei anteriormente de artifícios arteiros, álibis poéticos, apenas como resguardo de sua
voz. Uma voz que, com ousadia, se fez ouvir frente à ortodoxia heterocêntrica.
Em 1918, o poeta ditou a seu herdeiro uma conferência, onde falava abertamente sobre o
erotismo em seus poemas. Todo o episódio foi marcado por intrigas e conspirações e escândalos. O
ataque foi organizado por um silogeu anarquista, culminando com uma tentativa de seqüestro do
conferencista. Com muito atraso a conferência acabou sendo, enfim, entregue, para a perplexidade e
escândalo do auditório, que foi, de fato, obrigado a perceber que, dos poemas que foram analisados,
todos retratavam um erotismo homossexual, de caráter autobiográfico, dentre eles:
Os Perigos

Disse Mirtias (estudante Sírio


em Alexandria; sob reinado de
augusto Consta e augusto Constâncio;
em parte pagão, e em parte cristianizante);
“Fortalecido com teoria e estudo,
eu não temerei minhas paixões como um covarde.
Meu corpo entregarei aos prazeres,
aos deleites entressonhados,
aos mais ousados desejos eróticos,
aos ímpetos lascivos do meu sangue, sem
medo algum, porque quando quiser –
e vontade terei, fortalecido
como hei de estar com teoria e estudo –
nos momentos decisivos reencontrarei
meu espírito, como antes, ascético. (Kaváfis, 2003, 85)

À ousadia e franqueza do hedonismo nesses poemas sucederam-se uma série de ataques


virulentos a Kaváfis, em artigos moralistas publicados na imprensa local, que não se limitavam à
poesia mas sim, que denunciavam a figura do poeta como um outro Oscar Wilde e pareciam indicar
a possibilidade de um processo judicial, que se descartou após uma verdadeira batalha campal entre
os defensores do poeta – em sua maioria jovens, filhos das ilustres famílias gregas de Alexandria –
e seus acusantes.
5
Data de dez anos antes da fatídica conferência um poema em que confessa a esperança em
uma sociedade mais perfeita, pois afinal, como também já anotara anteriormente, se a poesia não
for redenção, não esper[ava] misericórdia de ninguém...

Segredos

De tudo o que fiz e tudo que disse


não procurem descobrir quem fui.
Havia uma barreira que transformava
minhas ações e meu modo de vida.
Havia uma barreira que me parava
nas muitas vezes em que ia contar.
Das minhas ações mais insignificantes
e meus escritos mais velados –
só de lá me sentirão.
Mas quiçá não valha à pena gastar
tanto cuidado e tanto esforço para me conhecerem.
No futuro – numa sociedade mais perfeita –
algum outro talhado como eu
decerto aparecerá e livremente fará. (Kaváfis, 2006, 19)

Referências bibliográficas

DIMARÁS, K. Ιστορία της νεοελληνικής λογοτεχνίας: από τις πρώτες ρίζες ως την εποχή µας.
Αθήνα: Γνώση, 2000.
KAVÁFIS, K. Poemas. Tradução de José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
__________ . Reflexões sobre poesia e ética. Tradução de José Paulo Paes. São Paulo: Ática, 1998.
__________ . Os poemas (1897-1914). Tradução de Roger Sulis, Marcelo Jolkesky e Apóstolo
Nicolacópulos. Desterro: Nephelibata, 2003.
__________ . Os poemas (1915-1919). Tradução de Roger Sulis, Marcelo Jolkesky e Apóstolo
Nicolacópulos. Desterro: Nephelibata, 2005.
.__________ . Os poemas (1920-1925). Tradução de Roger Sulis, Marcelo Jolkesky e Apóstolo
Nicolacópulos. Desterro: Nephelibata, 2006.
__________ . Segredos. Tradução de Roger Sulis, Marcelo Jolkesky e Apóstolo Nicolacópulos.
Desterro: Nephelibata, 2006.
SAREGIÁNNIS, I. Σχόλια στον Καβάφη. Αθήνα: Ίκαρος, 1994.
SAVVÍDIS, G. Βασικά θέµατα της ποίησης του Καβάφη. Αθήνα: Ίκαρος, 1993.

1 Kaváfis, 1998, 9.
2
Savvídis, 1993, 41.
3
Saregiannis, 1994, 49.
4
Dimarás, 2000, 601.
5
Kaváfis, 1982, 35.

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