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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanca a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta
da nossa esperanca e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


—t— Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
-= — -■■: controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
i dissipem e a vivencia católica se fortaleca no
Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar
■ -■■-— — este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xli Marco 2000 454
A Marca da Besta

"PioXIkOPapadeHitler"

Idade Media: Sim ou Nao?

Estrategias Abortistas

Profecías desmentidas

Que língua(s) falava Jesús?

Testemunhos do Leste Europeu (I)


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MARCO 2000
Publicacáo Mensal N°454

Diretor Responsável
SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB A Marca da Besta 97
Autor e Redator de toda a materia
O livro de John Cornwell afirma:
publicada neste periódico
"Pío XII: O Papa de Hitler" 98

Diretor-Administrador: Discute-se:
D. Hildebrando P. Martins OSB Idade Media: Sim ou Nao? 109
Ardua Batalha:
Administracáo e Distribuido: Estrategias Abortistas 125
Edicóes 'Lumen Christi"
Ano 2000:
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar-sala 501
Profecías desmentidas 131
Tel.: (021) 291-7122
Descobrindo o passado:
Fax (021) 263-5679
Que língua(s) falava Jesús? 137
Endere9O para Correspondencia: Do Leste Europeu (I) 143
Ed. "Lumen Christi*
Caixa Postal 2666
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ

Visite o MOSTEIRO OE SAO BENTO


e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
na INTERNET: http://www.osb.org.br
e-mail: LUMEN.CHRISTI @ PEMAIL.NET

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

Quais sao os dogmas do Catolicismo? - Católicos e Luteranos se encontram (I): O


Pensamento de Lutero. - Católicos e Luteranos se encontram (II): o Concilio de Trento. -
Católicos e Luteranos se encontram (III): a Decía racáo Conjunta de 1999. - A Beatif¡ca
cao de Francisco e Jacinta Marto. -Testemunhos do Leste Europeu (II).

(PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA: R$ 35,00).


(NÚMERO AVULSO R$ 3,50).

O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.

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CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"


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A MARCA DA BESTA

Marco é um mes de Quaresma, em que ressoa instantemente o apelo


á penitencia e á conversio para que o cristáo possa participar mais proficua
mente da Páscoa de Cristo. Mas está sendo também um período de
apavoramento, pois se espalha a noticia de que o reino do Anticristo está
chegando. Com efeito; a tendencia do mundo contemporáneo seria a de abo
lir o uso do dinheiro e realizar as transacóes comerciáis por via eletrónica
controlada por urna Central Única ou pelo Anticristo: só poderá comprar quem
tiver na máo ou na testa o sinal da Besta, de modo que aqueles que nao se
quiserem submeter a esse controle passaráo fome e miseria. Estas predicoes
sao deduzidas, por seus arautos, de Ap 13,1-18.
Examinemos, pois, de perto a mensagem do Apocalipse. Que
intencionava Sao Joáo dizer? - O Apostólo tinha em vista comunidades de
fins do século I, que, na Asia Menor, se viam premidas pela ¡mposicáo de
cultuar o Imperador como personagem divino. Foi para consolá-los que es-
creveu o Apocalipse. Daí o recurso, no capítulo 13, á imagem de duas Bestas:
a primeira sobe do mar, é o Imperador Romano, que se arvora em Deus. A
outra sobe da térra; é a religiáo do Imperador. Ai estáo os inimigos que ator-
mentam os cristáos. Pois bem; o autor sagrado quer dizer que o Imperador,
por mais poderoso que pareca, está fadado á ruina, mas nao o afirma aberta-
mente para evitar represalias; por conseguinte, recorre a gematria ou ao uso
de números simbólicos, indicando 666 como o número da Besta; este seria
correspondente a determinado nome. E qual seria tal nome?
A exegese científica procura a resposta no ambiente do século I (em
que viviam os ¡mediatos destinatarios do Apocalipse) e ñas línguas grega e
hebraica (únicas línguas que tais destinatarios conheciam). Ora a melhor con-
clusáo das pesquisas afirma que 666 corresponde ás letras hebraicas do nome
QSRNRVN (César Ñero). Desta maneira Sao Joao intencionava dizer que
o César perseguidor acabaría mal, visto que 6 = 7 -1; é perfeicáo truncada,
decepada.

Vé-se, pois, que o capítulo 13 do Apocalipse nao trata do fim do mundo;


em vez de ser urna predicáo sinistra, é algo de alvissareiro, pois anuncia a
ruina do perseguidor.
Quanto á Babilonia que caiu vencida, nao significa a sociedade con
temporánea, mas sim o Imperio Romano pagáo e avesso a Cristo.
Mais: a palavra Anticristo, que só ocorre em 1 Jo 2,18.22; 4,3; 2Jo 7,
nao designa o Dominador do mundo no fim dos tempos, mas todo herege que
negué o misterio da Encarnacáo do Filho de Deus. Verdade é que Sao Paulo,
em 2Ts 2,4 fala do "Homem da Impiedade" que aparecerá no fim dos tempos.
O Apostólo se inspira em Dn 11, 36, texto que tem em vista o rei sirio Antíoco
Epifanes, perseguidor dos judeus do século II a.C. O fato de se inspirar numa
figura do passado torna difícil dizer que sentido possa ter tal expressáo na
mente do Apostólo.
Em conseqüéncia, o cristáo nao perde sua paz. Sabe que o importante
é converter-se mais radicalmente para configurar-se a Cristo.

E'B'
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLI - N9 454 - Margo de 2000

O livro de John Cornwell afirma

"PIÓ XII: O PAPA DE HITLER"

Em síntese: O autor inglés John Cornwell publicou em 1999 um


livro que pretende acusar irrefutavelmente o Papa Pió XII de haver feito
jogo de parcería antisemita com o nacional-socialismo. Para dar autori-
dade á sua obra, afirma proposigóes que o Vaticano contesta com vee-
méncia. Além do qué, o historiador jesuíta Fierre Blet, em entrevista a Le
Fígaro Magazine, evidencia ser improcedentes as teses propostas por
Cornwell. O mesmo se depreende do depoimento do Pe. Peter Gumpel.

O escritor inglés John Cornwell publicou em 1999 a obra intitulada


Hítler's Pope. The Secret History of Pius XII. Após ter pesquisado os
Arquivos do Vaticano, deduz que Mons. Eugenio Pacelli era anti-semita e
terá trabalhado contra os judeus, apoiando Adolf Hitler na perseguicáo
aos mesmos. O autor faz muita questáo de afirmar sua autoridade de
historiador fidedigno e irrefutável. - O livro chamou a atencáo dos inte-
lectuais de diversos países, dado o tom peremptório em que vem redigi-
do. O Vaticano empenhou-se por esclarecer a opiniáo pública a respeito.

A seguir, seráo propostas as ponderacóes do jornal L'Osservatore


Romano e o texto de urna entrevista do Pe. Pierre Blet, historiador do Vati
cano, assim como o depoimento do Pe. Peter Gumpel, referente ao assunto.

1. Fala o Vaticano

Em sua edicáo de 13/10 pp. o jornal L'Osservatore Romano, do


Vaticano, publicou em sua página de rosto a noticia intitulada "Um Esclare-
cimento Necessário Concemente um Livro Recente". Em linguagem diplo
mática, mas muito clara, rejeita as declaracóes de John Cornwell, que se
ufana de ter consultado os Arquivos Secretos do Vaticano e haver dado ao
público o conhecimento de fatos inéditos. Eis o que o citado jornal observa:

98
"PIÓ XII: O PAPA DE HITLER"

1. "O Sr. CornweII afirma que foi o primeiro e único pesquisador a


ter acesso ao Arquivo do Vaticano. Tal assercáo é absolutamente falsa".
Na verdade, CornweII esteve na Seccáo do Arquivo Vaticano relativa ao
relacionamento da Santa Sé com os Estados Estrangeiros, mas apenas
teve acesso a duas series de documentos: aos referentes á Baviera (1918-
1921) e á Austria (Servia, Belgrado 1913-1915). Nem o autor do livro em
foco nem outro pesquisador até hoje penetrou a Seccáo de documentos
datados de 1922 e anos posteriores, pois tal segmento do Arquivo ainda
nao foi aberto ao público. Nem se pode dizer que CornweII foi o primeiro
a ver tal Arquivo, pois, antes dele, numerosos cientistas da historia con-
sultaram tal documentário.

2. "O Sr. CornweII afirmou ter trabalhado durante meses a fio no


Arquivo da Santa Sé. Ora também esta assercáo nao corresponde á ver
dade. Com efeito, o Arquivo da Santa Sé registra precisamente quem
nele trabalha e por quanto tempo trabalha, dia por dia; é anotado com
precisáo o número de horas e minutos que cada qual leva nos setores do
Arquivo. Ora estes dados dáo a saber que o Sr. CornweII esteve
pesquisando no Arquivo do dia 12 de maio ao dia 2 de junho de 1997; por
conseguinte... nao durante meses a fio, mas por um período de aproxi
madamente tres semanas. Mais: nesse breve espaco de tempo, o Sr.
CornweII nao compareceu diariamente ao Arquivo, e, nos días em que o
fez, aconteceu muitas vezes que permanecesse lá por breve período de
tempo".

3. "Mais ainda: em aberto contraste com a verdade, o Sr. CornweII


afirmou que os documentos por ele consultados haviam sido guardados
em estrito segredo até o dia em que ele os compulsou. Refere-se especi
almente a urna carta datada de 18/04/1919 enviada pelo entáo Nuncio na
Baviera, o Arcebispo Eugenio Pacelli, á Secretaria de Estado do Vatica
no; tal carta teria ficado secreta no Vaticano como urna bomba-relógio.
Na verdade, porém, tal missiva (da qual CornweII cita apenas poucas
passagens) já fora publicada em 1992, ou seja, sete anos antes da publi-
cacáo do livro de CornweII. O texto completo de tal carta foi editado na
obra de E. Fattorini 'A Alemanha e a Santa Sé. A Nunciatura Pacelli entre
a Grande Guerra e a República de Weimar' (II Mulino, Bologna 1992, pp.
322-325)".

Termina a noticia de L'Osservatore Romano com esta pondera-


cáo: "Era importante por em relevo os dados atrás, a fim de alertar os
leitores que poderiam deixar-se ficar surpresos por quanto se encontra
no livro de CornweII relativo ao material que ele encontrou no Arquivo do
Vaticano".

As declaracóes da Santa Sé, precisas como sao, evidenciam a in


consistencia dos dizeres de John CornweII.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

2. A Entrevista de Pierre Blet S. J.

O Pe. Pierre Blet é jesuíta, Professor emérito da Universidade


Gregoriana de Roma, co-editor da edicáo dos "Atos e Documentos da
Santa Sé relativos á Segunda Guerra Mundial" (Livraria Vaticana, 12 vo-
lumes, 1965-1981) e autor da obra Pie XII et la Seconde Guerre Mondiale
d'aprés les archives du Vatican (Perrin 1997).

O Pe. Blet concedeu urna entrevista a Le Fígaro Magazine de 18/


09/99, após tertreibalhado durante dezessete anos nos Arquivos do Vati
cano concernentes á segunda guerra mundial. Eis o texto da entrevista:

Le Fígaro Magazine: "O livro de John CornweII apresenta-se como


fundamentado sobre documentos inéditos. Que fontes pode ele utilizar?

Pierre Blet: Como pegas inéditas, encontrase um pequeño bloco


de documentos relativos á época da Nunciatura de Mons. Pacelli (o futu
ro Pió XII) na Alemanha. Mesmo assim CornweII nao estudou tudo o que
havia; por conseguinte, nao faz referencia alguma aos contatos de Pacelli
com a Uniáo Soviética na ocasiáo em que esta tentava fazer-se reconhe-
cerpela Santa Sé. Quanto aos elementos hauridos do processo de Bea-
tificagáo de Pió XII (estou surpreso por ver que Ihe foram dados a conhe-
cer), em nada modificam o queja sabíamos; portanto, nada de novo en-
contrei nos escritos de CornweII.

F. M.: Na sua opiniáo, ojornalista CornweII nao fez obra de histori


ador?

P. B.: A obra de CornweII carece de rigor científico; procede muitas


vezes na base de hipóteses, sem se apoiar em documentos ou fatos.
CornweII atribuí a Pacelli urna animosidade pessoal frente aos judeus
sem fornecer prova do que diz. Cita urna carta de 1919, que tem tragos
antisemitas. Ora esse texto nao é de Pacelli, mas de um dos seus cola
boradores na Nunciatura de Berlim. Perguntamo-nos se CornweII cultiva
urna ideología ou a historia. Além do mais, ele critica preconceituosamente
o Papado desde o Concilio do Vaticano I até nossos dias ou até o seu
último capítulo, que é urna carga acusatoria contra Joáo Paulo II. Essa
mistura de géneros literarios, eu nao a toleraría, caso se tratasse de urna
tese de estudante dirigida por mim.

F. M.: Eugenio Pacelli estimava particularmente os alemáes?

P. B.: Quando Nuncio na Alemanha, Mons. Pacelli fez amizade com


os Bispos alemáes. Além disto, ele simpatizava com o carátergermánico.
Por exemplo, era pontual e metódico - o que nao é urna qualidade italia
na! No Vaticano ele se cercou de alemáes. Portanto ele estimava a Ale
manha, nao porém o nazismo; isto é certo.

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"PIÓ XII: O PAPA DE HITLER"

Pío XI desejava concluir Concordatas com o maior número possí-


vel de Estados. Porconseguinte, como Secretario de Estado desde 1930,
Pacelli negociou o acordó com a Alemanha em 1933. Cornwell acusa
essa Concordata de ter facilitado o acesso de Hitler ao poder. Ora deu-se
precisamente o contrario: foi Hitler que, tendo chegado ao poder, quase
impós a Concordata e ofereceu condigóes muito favoráveis á Igreja. A
Santa Sé nao depositava confianga em Hitler, mas julgava que a
Concordata contribuiría para adiaras medidas que os nazistas tenciona-
vam adotar contra os católicos. Um historiador alemao publicou o inter
cambio epistolar ocorrido entre a Santa Sé e o Reich. O Secretariado de
Estado protestava após cada violagao da Concordata. Na encíclica de
Pió XI contra o nazismo Mit Brennender Sorge o embaixador da Alema
nha junto a Santa Sé reconheceu o estilo dos escrítos de Pacelli. Alias,
Cornwell confessa que Pacelli muito colaborou para a redagao dessa
encíclica.

F. M.: Em 1939 Mons. Pacelli tomou-se o Papa Pió XII. Que linha
de conduta assumiu ele?

P. B.: O Papa distinguía entre o povo alemao e o regime nazista.


Tendo vivenciado a primeira guerra mundial e as conseqüéncias do Tra
tado de Versailles, ele compreendeu que mesmo os católicos alemáes
podiam ser sensíveis a uma situagáo injusta. Em conseqüéncia, ele fez
questáo de se mostrar nao neutro, mas imparcial entre as nagóes. Diante
da ameaga de guerra, ele nao poupou esforgos em favor da paz. Durante
os primeiros meses do seu pontificado, de maio a agosto de 1939, ele
procurou promover uma Conferencia internacional, e chamou a atengao
de uns e outros para o perigo. A respeito desse período quase nada se
encontra no livro de Cornwell.

Tenho que Ihe censurar terdeixado em silencio outro fato essenci-


al: desde antes da guerra, a Santa Sé se ocupou com osjudeus vítimas
da perseguigao nazista, perseguigáo que aínda nao era o Holocausto.
Hitler quis primeramente fazer que osjudeus emigrassem. A esta altura
temos que constatar que o Vaticano quase nao foi atendido, pois os Esta
dos pouco se interessaram por acolher esses infelizes.

F. M.: E durante a guerra como reagiu Pió XII?

P. B.: Na historiografía os anacronismos vém a ser pecado mortal.


Hoje, falase do exterminio dos judeus como se os homens da época
tivessem consciéncia disso. Só muito mais tarde foi revelada a Conferen
cia de Wannsee (1942), em que se tomou a decisáo da Solugao final.
Cornwell se refere a um relatórío entregue ao Nuncio na Suíga em margo
de 1942, e nos acusa de nao o ter incluido entre os documentos da Santa
Sé. Ora nos publicamos a carta do Nuncio que transmitía tal texto a Mons.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

Maglione, Secretario de Estado de Pió XII; tal carta afírmava que o relató-
río anexo descrevia as perseguigóes sofridas pelos judeus. Publicado
por Saúl Fríedlander, esse documento comega pelas palavras: 'As perse
guigóes que os judeus padecen) sao bem conhecidas...'; tratase ai da
segregagáo racial, das deportagóes, mas de modo nenhum se faz men-
gáo das cámaras de gas e do Holocausto.

Quanto á mensagem radiofónica de Pió XII no Natal de 1942, men-


cionava as centenas de milhares de pessoas condenadas á morte por
causa da sua raga. Cornwell nao diz urna palavra a respeito da reagáo
dos Servigos alemáes, aos olhos dos quais o Papa parecía ser 'o porta
voz dos judeus, inimigos do Reich'. Por conseguinte, há também silencio
da parte do sr. Cornwell! Este, alias, assegura que a declaragáo de Natal
de 1942 foi a única de Pió XII no género, Isto é falso: em maio de 1943
urna Nota da Secretaria de Estado interrogava sobre a sorte dos judeus
deportados. Em sua alocugáo consistorial de 2 dejunho de 1943, o Papa
denunciou 'as torgas exterminadoras'que pesavam sobre muitos por causa
da sua raga.

Cornwell nao o diz, mas Pió XII refletiu tongamente sobre qual de-
vería ser a sua atitude; isto depreende-se da sua correspondencia com
os Bispos alemáes. O tato de ele nao ter falado mais vezes em público
deve-se ao receto de que as represalias se intensificassem, como alias
isto ocorreu na Holanda. Sempre que ele pode agir, as suas instrugóes
levadas aos Nuncios eram muito claras. Na Eslováquia, na Roménia, na
Hungría Pió XII salvou numerosos judeus.
Quando os alemáes invadiram Roma, o Sumo Pontífice interveio
diretamente para ajudar a comunidade judaica.
Cornwell também nao menciona os agradecimentos que os judeus
dirigiram a Pió XII. Em sinal de gratidáo para com o Papa, os judeus de
Roma mandaram gravar urna placa que se encontra no Museu da Resis
tencia em Roma. Também é preciso nao esquecera homenagem de Golda
Meir, por ocasiáo da morte de Pió XII: 'Durante o decenio do terror nazis
ta, quando o nosso povo sofreu terrível martirio, a voz do Papa se levan-
to'u para condenar os perseguidores e para pedir compaixáo em favor
das vítimas'".
(Entrevista concedida a Jean Sévillia)

Á guisa de complemento, note-se ainda que o processo de acusa-


cóes contra Pió XII só comecou em 1963 por obra do teatrólogo Rolf
Hochhuth, que escreveu a pega Der Stellvertreter (O Representante).
Entre 1945 (ano do término da guerra) e 1963 ninguém pensou em difa
mar Pió XII; só dezoito anos após a cessacáo do Holocausto alguém
concebeu o processo acusatorio. Também se observa que durante os

102
"PIÓ XII: O PAPA DE HITLER"

cinco anos consecutivos á morte de Pió XII nao houve a infeliz contesta-
cáo que periódicamente recomeca, apesar dos muitos desmentidos e
esclarecimentos já levados ao público.

Como quer que seja, a Santa Sé deu inicio ao processo de Beatifi-


cacáo de Pió XII, processo que enfrenta a crítica dos que se propóem
destruir a memoria desse Pontífice. Até nossos dias, porém, ao lado das
vozes acusatorias, há sempre aquelas que, com válida documentacáo,
defendem a figura do grande Papa. O próprio número citado de Le Fígaro
Magazine, além da entrevista atrás transcrita, apresenta o artigo de
Philippe Levillain, professor de Historia Contemporánea em París-
Nanterre, membro do Instituto Universitario de Franca e Diretor do
Dictionnaire Historique de la Papauté (Fayard 1993). Tal artigo tem por
título: "Um historiador se indigna: 'O futuro Pió XII inspirou a encíclica de
1937 contra o nazismo!1".

3. Testemunhos judeus

Varias obras tém sido publicadas a respeito de Pió XII e os judeus,


evidenciando a inexatidáo das acusacoes. Entre outras, seja aqui citado
o livro do escritor italiano Antonio Gasperi cujo título em portugués soa:
"Os judeus, Pió XII e a lenda negra". O autor narra ai a historia de muitos
judeus salvos da morte no Holocausto por obra de Pió XII e da Igreja
Católica; apresenta outrossim os testemunhos de muitos israelitas que
reconheceram o papel importante da Igreja em prol do povo de Israel.
Merecem destaque as palavras do grande físico judeu Albert Einstein
publicadas pela revista Time em 1940: reconhece que, frente ás barbari
dades do nacional-socialismo "somente a Igreja permaneceu em pé para
deter o avanco das campanhas de Hitler destinadas a suprimir a verda-
de". Einstein confessou que "antes nunca experimentara interesse al-
gum pela Igreja, mas agora sinto grande carinho e admiracáo para com
ela, pois a Igreja foi a única sociedade que teve o valor e a obstinacáo
para apoiar a verdade intelectual e a liberdade moral. Tenho que confes-
sarque aquilo que, tempos atrás, eu depreciava, agora o louvo incondicio-
nalmente".

A. Gasperi cita também os dois fundadores do Estado de Israel -


Golda Meir e Isaak Herzog -, que se declararam enfáticamente a favor
de Pió XII. Refere-se igualmente a milhares de Bispos, sacerdotes, Reli
giosos e Religiosas, católicos comprometidos, que arriscaram ou perde-
ram a vida para proteger os judeus frente á perseguicáo nazista: seus
nomes estáo gravados na parede de honra da rúa de Jerusaiém que leva
ao Yad Vashem ou ao memorial do Holocausto: sao chamados "Justos
entre as Nacóes", ou seja, pelo mais elevado título que o Parlamento de
Israel possa conceder aqueles que salvaram a vida a um ou mais judeus
destinados aos campos de exterminio.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

John Cornwell omite tais testemunhos. Assim, em virtude de um


preconceito, menospreza os testemunhos de homens e mulheres que
atuaimente sao considerados os pais do Estado de Israel, como também
os de grandes vultos da cultura judaica e do cultivo da ciencia por parte
do povo judeu.

4. Fala o historiador

O Padre Peter Gumpel S.J. é historiador alemáo mundialmente re-


conhecido como competente em materia de relacóes entre a Igreja e o
Estado. Ele e sua familia foram perseguidos pelo nacional-socialismo e
tomaram o caminho do exilio. A Santa Sé o encarregou da Postulacáo da
Causa de Beatificacáo de Pío XII. Enviou a ZENIT, órgáo de comunica-
coes do Vaticano um documento de próprio punho em que responde,
urna por urna, as acusacóes de Cornwell no livro "O Papa de Hitler".

Eis alguns dos tópicos mais importantes dessa mensagem, que foi
distribuida ao mundo inteiro via internet:

4.1. A página de rosto do livro

A página de rosto do livro de Cornwell apresenta o Arcebispo Eu


genio Pacelli ao sair de um edificio do Governo Alemáo, escoltado por
dois soldados. Ora Pacelli era entáo Nuncio na Alemanha; a visita oficial
assim mencionada teve lugar em 1929, ou seja, quatro anos antes que
Hitler subisse ao poder (1° de Janeiro de 1933). Pacelli deixou a Alema
nha em 1929 e nunca lá voltou; isto torna o uso de tal fotografía tendenci
oso e engañador, pois pode sugerir que a visita se tenha dado nos tem-
pos de Hitler. Repetidas vezes se levantaram protestos contra o uso de
tal fotografía, que vem sendo utilizada de maneira pouco honesta.

Já essa página de rosto do livro de Cornwell revela a intencáo, do


autor, de denegrir o futuro Papa Pió XII.

4.2. O conteúdo do livro

A primeira parte do livro de Cornwell é muito fraca. Em vez de urna


documentacáo sólida, oferece urna serie de conjeturas, hipóteses e in-
sinuacóes desnecessárias. Dedica muito espago ás Concordatas, ignoran
do por completo o principal objetivo das mesmas (objetivo pastoral) e suge-
rindo que o único propósito da Santa Sé era, por essa via, consolidar seu
poder e, em particular, assegurar seu direito de nomear Bispos a seu gosto.

4.3. A Concordata com a Servia

Esta Concordata foi solicitada pela própria Servia. A Santa Sé nun


ca recusa negociacóes dessa índole. Pacelli ocupava entáo urna posicáo
subalterna no Vaticano; cada passo de suas negociacóes havia de ser

104
"PIÓ XII: O PAPA DE HITLER"

examinado por seus Superiores, pelo Cardeal Secretario de Estado e


pelo próprio Papa Bento XV. A sugestáo de que, mediante essa Concor
data, Pacelli contribuiu para que estourasse uma guerra mundial é evi
dentemente absurda; nenhum estudioso competente pode levá-la a serio.

4.4. Pacelli, Nuncio Apostólico na Baviera (1917) e na Alema-


nha (1920-29)

Cornwell deixa de lado os aspectos positivos da atuacao de Pacelli


nesses anos, e póe em relevo o motim que ocorreu em Munique no ano
de 1919. Cita entáo um relatório do Nuncio Pacelli ao Secretario de Esta
do e alude ao fato de que os protagonistas desse movimento eram terro
ristas judeus enviados pela Rússia (sabe-se alias que a Rússia Soviética
mandou outrossim terroristas judeus a Berlim e á Hungría na tentativa de
implantarem o comunismo fora da Rússia Soviética). Cornwell menciona
esses fatos como se insinuassem uma ponta de anti-semitismo da parte
de Pacelli. Na verdade, o Nuncio tinha que informar objetivamente seus
Superiores a respeito dos esforcos dos comunistas por instaurar o
bolchevismo em varios países ocidentais.

4.5. Pacelli e Hitler

Na lista de obras que diz ter consultado, Cornwell se refere a um


livro no qual está dito explícitamente que em 1929, isto é, quatro anos
antes da ascensáo de Hitler ao poder (30/01/1933), Pacelli chamou a
atencáo, em termos severos, para o perigo que seria o governo de Hitler
na Alemanha, e confessava nao poder compreender como cidadáos ale-
máes altamente intelectualizados nao compartilhassem esse prognósti
co negativo. - Pois bem; Cornwell omite tal declaracáo de Pacelli ou
porque nao leu o livro ou, se o leu, quis silenciar esta e semelhantes
declaracóes de Pacelli, que poderiam, de resto, ser fácilmente compro-
vadas. Parece que tais referencias nao se enquadravam dentro dos pro
pósitos do autor do livro.

4.6. A Concordata com a Alemanha nazista

Foi Hitler quem solicitou esse acordó. Ao fazé-lo, emitía pronuncia-


mentos muito positivos sobre as Confissóes Cristas na Alemanha. Se
Pió XI tivesse recusado a negociacáo, Hitler se teria vangloriado de ha-
ver oferecido a máo pacificadora, mas ter sido rechacado. A perseguicáo
movida já entáo contra a Igreja Católica se teria transformado em cam-
panha mais dura. Quando os Bispos alemáes protestavam contra a per
seguicáo, Hitler sempre respondía que era desferida sem seu previo co-
nhecimento. Cornwell nao alude a isto. Também parece ignorar que tal
Concordata nao foi o primeiro Acordó Internacional assinado por Hitler. A
Concordata com a Santa Sé foi precedida pelo chamado Pacto dos Qua
tro Países (Inglaterra, Franca, Italia, Alemanha) assinado em Miláo.

105
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

Pacelli sabia que nao podia confiar em Hitler e chamou para tanto
a atencáo do diplomata inglés Kirkpatrick poucas semanas depois de
firmado o Acordó (20/07/1933). É absolutamente falsa a afirmacáo de
Cornwell segundo a qual a Concordata impediu as atividades políticas e
sociais dos católicos alemáes. Apenas estabeleceu que sacerdotes e
Religiosos nao deveriam ingressar na política partidaria.

4.6. Os protestos de Pió XII

No processo de Nürenberg, o Ministro das Relacóes Exteriores da


Alemanha, Joachim von Ribbentrop, reconheceu que, quando Pacelli era
Secretario de Estado, enviou muitos protestos á Alemanha contra as in-
fracdes da Concordata; quase sempre foram ignorados pelo governo
nazista.

Em 1937 foi publicada a encíclica de Pió XI Mit brennender Sorge


(Com Ardente Preocupacáo, e nao Com Ardente Apreco, como traduz
Cornwell). O grande redatordesse protesto foi o Cardeal Pacelli. Cornwell
minimiza ou mesmo silencia por completo a dura condenacáo do nazis
mo efetuada por Pacelli em Lourdes, Lisieux, París e Budapest, onde
esteve como Legado Pontificio. Mesmo que tais declaracóes nao menci-
onassem o nome de Hitler nem se referissem explícitamente ao nacio
nal-socialismo, todos compreenderam quais eram os destinatarios des-
ses pronunciamentos. Deve-se alias notar que cada declaracáo dessa
índole agravava a situacáo dos católicos na Alemanha (como ocorreu
mais tarde nos países ocupados pelas tropas nazistas).

4.7. Pió XII Papa

Cornwell deprecia os corajosos esforcos de Pió XII para evitar a


segunda guerra mundial (1939-45) e tece um comentario ridículo sobre a
primeira encíclica de Pió XII, publicada no inicio da segunda guerra mun
dial. - Na verdade, se essa Carta era táo insignificante, como Cornwell
dá a crer, como explicar que os aliados tenham lancado 88.000 copias de
tal encíclica mediante pára-quedas sobre a Alemanha, onde era proibida
a publicagáo do mesmo documento? Cornwell nao menciona esse gesto
dos Aliados... por mera ignorancia do fato? Podia ser fácilmente compro-
vado mediante o material consultado pelo jornalista inglés.

4.8. Pío XII e os Países Ocupados

Repetidamente em seus discursos Pió XII denunciou o injusto tra-


tamento infligido aos países ocupados. Apesar disto, os Bispos polone
ses imploraram ao Papa nao efetuasse tais pronunciamentos, porque de
nada adiantavam; o seu único efeito era tornar mais pesadas a opressao
e a perseguicao. Um caso clássico e freqüentemente citado é o da men-
sagem enviada por Pió XII, através do capeláo de um trem de ajuda de

106
"PIÓ XII: O PAPA DE HITLER" 11_

Malta, ao Arcebispo Sapieha de Cracovia; quando este leu o respectivo


texto, lancou-o ao fogo, afirmando que, se caísse em máo da Gestapo
urna copia desse documento, assassinariam todos os sacerdotes polo
neses. De fato, milhares de presbíteros poloneses e de outras nacionali
dades foram assassinados pelos nazistas.

4.9. Pió XII e o Estatuto da Imparcialidade

A imparcialidade é tradicional na Santa Sé. As duas partes belige


rantes exerceram pressáo sobre Pió XII para que proclamasse urna cru
zada contra os respectivos adversarios: os Aliados queriam que o Papa
proclamasse a cruzada contra o nazismo; Hitler o pressionou para que
declarasse o mesmo contra o bolchevismo. Ambas as pretensoes eram
descabidas, pois o bolchevismo havia cometido, e continuava cometen-
do, numerosos crimes e perseguiam a religiáo em geral; o mesmo era
realizado por Hitler (excecáo feita em favor daqueles protestantes que
apoiavam enérgicamente o nacional-socialismo).

4.10. Pío XII eos Judeus

Durante a segunda guerra mundial, e até cinco anos após a sua


morte (9/10/58), Pió XII foi muito elogiado por todo tipo de organizacóes
judias; grandes rabinos de diversos países, especialmente dos Estados
Unidos, o fizeram.

Um protesto público de Pió XII nao teria salvo a vida de um único


judeu. Só teria agravado a perseguicáo movida contra judeus e católicos.
Mais: teria impedido ou tornado praticamente impossível a acáo silencio
sa do Papa em prol do povo israelita. É notorio que nenhuma instituicao
salvou tantos judeus quanto a Igreja Católica, e isto por ordem oficial de
Pió XII. O Papa sabia muito bem (isto se acha documentado) que esse
"silencio" (o qual na realidade nao foi silencio para aqueles que deseja-
vam ouvir e compreender sinceramente) poderia ser censurado um belo
dia. Mas Pió XII nao estava preocupado com a sua reputacáo; quería,
sim, salvar a vida dos judeus, o que exigía grande sabedoria e muita
coragem. Cornwell nao compreendeu isto. Nao faz justica, nem mesmo a
outros personagens, quando, por exemplo, menospreza o professor
israelita Pinchas E. Lapide, que elogiou Pió XII, atribuindo-lhe, sem a
mínima fundamentacáo, motivos interesseiros.

Cornwell também nao pergunta por que o projeto de prender 8.000


judeus de Roma foi repentinamente suspenso depois que cerca de 1.000
judeus romanos foram detidos em outubro de 1943. Logo depois deste
encarceramento, o Cardeal Maglione, Secretario de Estado, entrevistou-
se com o embaixador Weizsacker, da Alemanha, chamado urgentemen
te ao Vaticano em nome de Pío XII. Mais aínda: por ordem do Papa, a
Secretaria de Estado entrou em contato com o comandante militar ale-

107
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

máo em Roma, o general de brigada Rainer Stahel, oficial austríaco da


antiga escola. Esse homem, de caráter benigno, enviou um fonograma
diretamente ao Ministro Himmler, declarando: "Esse tipo de acao violenta
contra os judeus italianos altera meus planos militares para reforcar as
divisóes alemas de combate ao sul de Roma, como também pode criar
problemas serios aqui em Roma". O alegado era verdadeiro, mas nao
menos importante eram a indignacáo do general pelos atos criminosos
da Gestapo e a compaixáo do mesmo pelos judeus. A intervencáo de
Rainer Stahel foi bem sucedida: Himmler ¡mediatamente mandou sustar
as deportacoes de judeus. Em conseqüéncia, milhares de judeus pude-
ram ser ocultados por ordem de Pió XII no Vaticano e em mais de 150
instituicóes eclesiásticas de Roma. - Isto tudo é silenciado por Cornwell.

4.11. Pió XII: O Papa de Hitler?

Repetidamente disse Pió XII que a vitória de Hitler significaría o fim


da Igreja Católica na Europa. Esta convíccáo do Pontífice se exprímiu
também no seguinte fato: o Papa transmitiu ao Governo inglés a propos
ta de um grupo de generáis alemies antinazistas que perguntavam á
Inglaterra se ela faria a paz com a Alemanha, caso esse grupo de gene
ráis alemaes lograsse éxito numa tentativa de capturar Hitler e depó-lo
do governo. O responsável por tal iniciativa era o coronel-general de qua-
tro estrelas Ludwig Beck; este oficial fora chefe do Estado-Maior, mas em
1938 se demitiu por estar convencido de que Hitler era um criminoso que,
apesar de todas as suas promessas e concordatas, atacaría outras nacóes.
Pacelli conheceu Beck quando Nuncio em Berlim e estimava grandemente
a sua honestidade e integridade. Donde a observacáo: se Pío XII era o Papa
de Hitler, nunca se teria comprometido a realizar táo perigosa mediacao.

4.12. Cornwell e o caráter de Pió XII

Cornwell tacha Pió XII de ambicioso e insinúa ser ele um oportunis


ta. - Eis urna inverdade. O jovem Pacelli progrediu rápidamente em sua
carreira, porque era brilhante, consciencioso e trabalhador. Como jovem
sacerdote, quería desenvolver sua acáo pastoral como qualquer
presbítero. Foi somente por obediencia á autoridade que entrou para a
carreira diplomática da Santa Sé. Quando em 1929 encerrou sua missáo
diplomática na Alemanha, quis assumir o pastoreio de urna diocese, mas,
chamado para trabalhar no Vaticano, obedeceu. Quando eleito Papa, nao
aceitou de ¡mediato a escolha, mas insistiu em nova votacáo; tendo esta
resultado em seu favor, aceitou-a como expressáo da vontade de Deus.
Fugia dos fotógrafos, aos quais se submetia por dever de estado.

Eis alguns dos tópicos mais significativos do depoimento do Pe.


Peter Gumpel. Trazem á tona dados pouco conhecidos e assaz esclarece-
dores da figura do grande Papa Pío XII.

108
Discute-se:

IDADE MEDIA: SIM OU NAO?

Em síntese: A Idade Media (476-1453) é período execrado por


uns e enaltecido por outros. As páginas subseqüentes demonstran) que
foi urna fase valiosa da historia da humanidade, pois a civilizagao ociden-
tal, hoje hegemónica, foi entáo preparada; os medievais souberam salvar
quanto de válido tinha a cultura greco-romana e desenvolvé-lo em pers
pectiva crista, langando as bases para a civilizagao moderna.

As páginas subseqüentes referem o texto de urna conferencia feita


pelo redator de PR em Natal (RN) aos 9/10/99, com o título "Idade Media:
Síntese e Prospectivas". Como sugere o título, o trabalho compreende
duas Partes: 1) Síntese e 2) Prospectivas. A primeira Parte distingue tres
subpartes: a) a Problemática, b) Visáo de Conjunto, c) Linhas Salientes.

1. Síntese

1.1. A Problemática

A Idade Media é urna fase da historia muito controvertida e, por isto


mesmo, merecedora de estudo mais atento.

O próprio nome "Idade Media" foi forjado pela Renascenca do sé-


culo XVI para significar "mil anos de obscurantismo ou de recuo na cultu
ra". Esta terá sido cultivada brilhantemente pela antigüidade greco-roma
na até 476 e haverá caído em decadencia tenebrosa até o século XV
(1453). A Idade Media haverá sido um túnel escuro. Gótico seria sinóni
mo de bárbaro.

O protestantismo reforcou tal julgamento pejorativo, visando a opor-


se á Igreja Católica.

No século XVIII, o lluminismo repetiu as mesmas sentencas, como


se pode depreender dos escritos de Voltaire, Montesquieu, d'Alembert...:
supersticáo, ingenuidade da mente, loucura teráo caracterizado o perío
do medieval.

No século XIX a historiografía do romantismo reconheceu com ob-


jetividade os valores medievais.

Em nossos dias, dois modos de ver se cruzam: o agressivo e o


sereno ou positivo. - Objetivamente falando, deve-se dizer que a Idade

109
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

Media nao foi um segmento de retrocesso da cultura. Muito ao contrario;


em 476 desapareceu o Imperio Romano Ocidental - o que deu lugar na
Europa á formacáo de nova cultura, elaborada por ocidentais romanos e
bárbaros inspirados pela fé crista; inegavelmente tal cultura, que tem ini
cio no comeco da Idade Media e se foi desenvolvendo aos poucos, aca-
bou por impor-se ao mundo inteiro. A cultura predominante em nossos
dias é a ocidental, que tem seu berco na Europa medieval; a época mo
derna nao criou a partir do nada os valores que ela cultiva, mas recebeu-
os da antigüidade, ilustrados pelas modalidades que Ihe acrescentaram
os medievais. Daí dever-se dizer que a Idade Media marca a origem da
nossa civilizacáo ocidental muito mais do que significa a decadencia do
mundo romano antigo. O genio romano conferiu á civilizacáo greco-ro
mana o senso prático da organizacáo e a arte de dirigir os homens.

1.2. Visáo de Conjunto

Em 330 o Imperador Constantino transferiu a capital do Imperio de


Roma para Bizáncio no Bosforo; urna pequeña aldeia fundada em 658
a.C. foi feita centro cultural com o nome de Constantinopla, que, como
"segunda Roma", pós-se a rivalizar com a primeira Roma.

Tal fato teve como seqüela a transferencia da intelectualidade para


o Oriente, ficando o Ocidente entregue aos bárbaros invasores. Foi pre
ciso entáo refazer ou reerguer o mundo ocidental, desta vez sem o con
curso dos bizantinos, mas com as fo reas remanescentes no Ocidente.

Como se deu esse reerguimento?

Em 476 a cidade de Roma caiu sob os golpes dos godos. O primei-


ro rei godo, Odoacro, foi assassinado, após deixar o trono, em 493. Su-
cedeu-lhe Teodorico, que tentou unificar os monarcas do Ocidente numa
especie de confederacáo por ele governada; haveriam de aliar-se entre
si francos, burgúndios, visigodos, vándalos, alamanos, turíngios... A fim
de o conseguir, deu em casamento sua filha, sua sobrinha, sua irma ...
Faltava, porém, a essa pretensa confederacáo urna cultura única: os su-
ditos romanos e os guerreiros godos nao tinham nem a mesma naciona-
lidade nem a mesma religiáo (os bárbaros eram arianos e nao cristáos
ortodoxos). Daí o fracasso da tentativa.

Mais feliz foi Clóvis, rei dos francos. Converteu-se, com seu povo,
á fé católica em 496, quando S. Remigio, bispo de Rheims o batizou.
Conseguiu pelo vínculo da mesma fé unir entre si francos e romanos.
Todavia a dinastia merovíngia nao esteve á altura da tarefa proposta por
seu fundador, pois se entregou ao declínio moral.

A situacao evoluiu no século VIII. O Papa Estéváo II viu-se assedi-


ado pelos longobardos. Bizáncio se desinteressava por Roma, de mais a
mais que a disputa iconoclasta abría o fosso entre latinos e gregos (os

110
IDADE MEDIA: SIM OU NAO? 15

Imperadores bizantinos favoreciam o iconoclasmo e desprezavam os


ocidentais). O Papa entáo houve por bem apelar para os francos, que se
haviam tornado a nacáo primogénita da Igreja (foram os primeiros bárba
ros que se batizaram no Catolicismo). O mordomo do palacio dos reís
merovíngios era Pepino o Breve, que governava sem ser rei (o rei reina-
va, mas nao governava). Fez-se um acordó entre Pepino e Estéváo II. O
Papa reconhecia Pepino como rei de facto e de iure; do seu lado, Pepi
no reconhecia o Estado Pontificio confiado á administracao autónoma do
Bispo de Roma. Originava-se assim o Estado Pontificio nao como produ-
to de conquistas bélicas nem de ganancia por parte do Papa, mas como
efeito de doacoes espontáneamente feitas pelos nobres cristáos da pe
nínsula itálica, que, ao entrarem para o mosteiro ou ao morrerem, doa-
vam seus territorios ao Pontífice; constituiu-se desta maneira o Patrimo
nio de Sao Pedro, ampia extensáo territorial que o Papa ia administran
do sem outro título a nao ser o de Pastor da Igreja, muito respeitado e
estimado pelos fiéis como baluarte da ordem no tempo das invasóes bár
baras e do descaso bizantino. O Papa, que era de facto o senhor tempo
ral desse territorio, tornou-se o senhor de iure das mesmas térras, quan-
do Pepino houve por bem reconhecer o Estado Pontificio.

A nova dinastía franca chegou ao seu ponto alto com Carlos Mag
no (768-814). Este em 800 foi coroado Imperador na noite de Natal de
800 pelo Papa Leao III, instaurando assim o Sacro Imperio Romano da
Nacáo Franca - o que muito aborreceu os bizantinos. O evento foi de
grande importancia, pois evidenciava a continuidade básica entre o Im
perio Romano antigo e o medieval; a Renascenca carolíngia suscitou um
novo brilho de cultura, desta vez enriquecida pela cosmovisao crista.

A hegemonía franca cedeu á germánica, de modo que em 962,


com Oto I se formou o Sacro Imperio Romano da Nacáo Germánica.
Nesses séculos o profano e o religioso se entrelacavam. Pairava ante os
olhos dos responsáveis o ideal da Cidade de Deus, já apresentado por S.
Agostinho na sua obra De Civitate Dei (413-426). O Papa S. Gregorio Vil
(1073-1095) tentou realizá-lo concretamente, emancipando a Igreja da
prática da simonia e propondo o olhar da fé como a suprema diretriz da
conduta dos monarcas e de todo o povo. O Papa e o Imperador deveriam
colaborar entre si para a plena instauracáo dessa única cidade grande,
em que Deus seria reconhecido por todos como o Senhor Supremo; in
felizmente, porém, as ambicóes políticas dificultaram, se nao impediram,
a efetivacáo desse nobre ideal; o Imperador germánico tentou sempre
cercear a autoridade do Papa.

A Idade Media chega ao seu ponto alto no século XIII, que comeca
com o Papa Inocencio III (1198-1216), "o Embaixador do Rei dos reís".
Foi o Pontífice que com mais éxito conseguiu orientar segundo a fé crista
os eventos do seu tempo. A Igreja gozou entáo de prestigio tal que mui-

111
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

tos fiéis se preocuparam com a imponencia; foi o que suscitou as Ordens


Mendicantes de Sao Francisco de Assis e Sao Domingos de Gusmáo;
queriam lembrar ao mundo a pobreza de Cristo continuada na sua Igreja. O
século XIII foi também o das grandes Universidades: Bolonha, París, Oxford...

O declínio comecou a ocorrer no século XIV, quando despontou o


absolutismo dos reis na pessoa de Filipe IV o Beto da Franca (1285-
1314). A tentativa de colaborado e unidade verificada anteriormente foi
sendo solapada; o Papa Bonifacio VIII (1294-1303) imaginava poder aín
da aplicar os principios de Gregorio Vil e Inocencio III, mas encontrou
serios obstáculos por parte do rei dos francos, obstáculos que se prolon-
garam durante o século XIV por parte do rei Luís IV da Baviera (1314-47).

Assim foi-se esfacelando o ideal de unidade e colaboracáo entre


Igreja e Estado. Sobreveio a essa desordem política a decadencia filosó
fica com a escola do Nominalismo, que foi antimetafísica e um tanto cé-
tica; as normas da Moral dependeriam únicamente da vontade de Deus,
que poderia preceituar o inverso do que preceitua ñas Escrituras Sagradas.

Os séculos XV e XVI foram o cenário do Humanismo Renascentista,


que restaurou a cultura greco-romana pré-crista como tal e contribuiu
para diluir cada vez mais a síntese medieval. É de notar como essa dilui-
cáo se foi acentuado até chegar ao extremo do ateísmo;

- o século XVI foi o do NAO dito á Igreja por obra dos reformadores
protestantes;

- o século XVIII disse NAO a Jesús Cristo ou á Revelacáo sobre


natural (teísmo) para professar a religiáo natural apenas ou o deísmo;

- o século XIX proferiu o NAO ao próprio Deus, professando o


ateísmo e o materialismo sob diversas modalidades. Completou-se des-
ta maneira a antítese á Idade Media.

Examinemos agora, mais detidamente, as principáis notas do perí


odo medieval.

1.3. Notas Salientes

Distinguiremos nove traeos característicos da Idade Media.

1.3.1. A Cidade de Deus

Urna das principáis características do período medieval foi certa-


mente o ideal da Cidade de Deus, em que haveria estrita colaboracáo
entre o poder civil e o poder religioso ou entre o Papado e o Imperio;
seriam os dois olhos do corpo social ou as duas espadas de que fala o
Evangelho (Le 22, 38). Instaurar-se-ia assim o regime de Cristandade,
designado pelo próprio termo "Sacro Imperio Romano"; como se vé, os

112
IDADE MEDIA: SIM OU NAO? 17

medievais queriam fazer algo de original e nao simplesmente reerguer o


Imperio Romano pagáo, sem, porém, perder a continuidade com este.

A aspiracáo á harmonía entre o temporal e o espiritual teve suas


conseqüéncias importantes:

a) a consciéncia de que há valores objetivos, nao dependentes da


subjetividade do homem,... valores que podem exigir o reconhecimento
do intelecto humano, por mais ufano que este seja. A Transcendencia
era um fato indiscutido (ao menos, em teoría) e marcava toda a vida pú
blica com seus feriados, suas festas, seus símbolos...

b) Teocentrismo, e nao antropocentrismo, é nota que se deduz da


anterior. Estava assim dito que o homem nao é a medida de todas as
coisas, mas, sim, professava-se que "conhecer a Deus é viver e servir a
Deus é reinar" (Missal Romano);

c) confianca na razáo como faculdade capaz de apreender a ver-


dade objetiva. As Sumas Teológicas dos grandes autores medievais tém
sido comparadas com as catedrais góticas da época. Sem dúvida, a cul
tura medieval era mais especulativa do que empirista (por deficiencia de
instrumentos); era mais metafísica do que psicológica. Platáo e Aristóteles
foram os grandes mestres sucessivamente evocados pelos medievais. -
Com outras palavras:

Para os medievais, o mundo era obra de um Deus sabio e lógico,


por conseguinte, o mundo Ihes parecía como algo que pode ser conheci-
do pelo homem mediante a sua razáo; nao é um fantasma nem urna
armadilha. Dizia no século XII o teólogo francés Guilherme de Conches:
"Deus respeita as próprias leis". E no século seguinte Santo Alberto Mag
no (t 1280) afirmava: "Natura est ratio. A natureza é a razáo ou é racio
nal". Em conseqüéncía, os estudiosos medievais se aplicaram ao racio
cinio e á pesquisa (como a podiam realizar na sua época) com plena
confianca no acume da razáo, sem, porém, cair no racionalismo, pois
ácima da razáo admitiam as luzes e as verdades da fé...

Um dos exemplos mais clássicos desse tipo de estudiosos é o in


glés Rogério Bacon (1214-1294), chamado "Doutor Admirável". Ingres-
sou na Ordem dos Franciscanos em 1257 e pós-se a comentar as obras
de Aristóteles. Posteriormente dedicou-se á pesquisa científica, recor-
rendo a um método experimental, que foi precursor do método adotado
por Francis Bacon (1561-1626); assim procedendo, fez descobertas no
setor da ótica. Planejou diversas invencóes mecánicas: máquinas a va
por, barcos, outras máquinas ... Em seus escritos encontrou-se urna fór
mula da pólvora, que ele pode ter tomado dos árabes numa época em
que os europeus quase nao a conheciam. Deixou obras famosas: Opus
Maius, Opus Minus e Opus Tertium.

113
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

Os resultados dessa confianca dos medievais na razáo humana


fizeram-se sentir nos séculos subseqQentes: em 1608 contavam-se mais
de cem Universidades na Europa e nenhuma no resto do mundo (exceto
na América Latina, onde os espanhóis expandiam a sua cultura). Dessas
Universidades, mais de oitenta tiveram origem na Idade Media, como
genuína expressáo da cultura medieval. Diz-se com razáo que as Univer
sidades e as catedrais exprimem auténticamente a Idade Media; na ver-
dade, os medievais atingiram o seu auge de altura de cúpula na catedral
de Amiens (1221), com 42,30 metros. A flecha da torre da catedral de
Estrasburgo, terminada em 1439, mede 142 metros de altura: só foi ultra-
passada pela Torre Eiffel de Paris em 1889, com 320 metros.

1.3.2. Producoes e Invencóes

Tenha a palavra o Prof. Leo Moulin, que foi por cinqüenta anos
docente da Universidade Macónica de Bruxelas, Universidade fundada
para fazer frente á Católica de Louvain. Filho de familia agnóstica,
anticlerical, voltada para o Socialismo, Moulin falou como agnóstico, res-
pondendo ao jornalista italiano Vittorio Messori, que o entrevistou1. Eis o
que declarou:

"O século XIII, vértice da sociedade medieval, é um dos pontos


mais altos e luminosos da historia do Ocidente ou mesmo da humanida-
de. Em poucos decenios, tivemos Giotto, Dante, Tomás de Aquino, mil
catedrais..."

Moulin ri-se do mito dos "séculos obscuros":

"Eis um breve e incompleto elenco das invengoes tecnológicas


(obras, quase todas, de monges beneditinos) do homem medieval, que,
como diz a lenda, vivía na ignorancia e na penitencia, apenas á espera
do fim do mundo: o moinho de agua, a sena hidráulica, a pólvora preta, o
relógio mecánico, o arado, a relha, o timáo, a roda, o jugo para o cávalo,
0 canal com reclusas e portas, a canga múltipla para os bois, a máquina
para enovelar a seda, o guindaste, a dobadoura, o tear, o cabrestante
complexo, a bússola magnética, os óculos. Acrescentemos a imprensa, o
ferro fundido, a técnica de refinagao, a utilizagáo do carváo fóssil, a quí
mica dos ácidos e das bases, etc. Esse impulso ao conhecimento cientí
fico e tecnológico continuou nos séculos seguintes: no inicio do século
XVII a Europa contava 108 Universidades, enquanto no resto do mundo
nao havia urna só... Isto póe um problema para o historiador. Por que é
que o desenvolvimento ocorreu somente em área crista, e nao fora des-
ta? Por que, hoje ainda, entre os dez países mais evoluídos e ricos do
mundo, nove sao de tradigáo crista? Nao há outra explicagáo senáo a

1 Ver revista JESÚS, setembro 1987, pp. 68-71: "Questo meraviglioso Cristianesimo
in cui non riesco a credere".

114
IDADE MEDIA: SIM OU NAO? 19

queja expus em livros dedicados á questáo: há na mensagem crista al-


guma coisa que leva os gérmens do desenvolvimento e do progresso. A
antropología da Biblia exalta o homem e o póe no centro do universo.
Além disto, pregando igualdade, ela cría urna sociedade livre, sem barrei-
ras sacrais ou de castas; nao há, pois, como se surpreender se, alimen
tado por tal mensagem, o homem europeu conquistou o mundo... Por que
as suas naves Ihe permitiam dominar os mares? Por que ele, e ele só,
sentiu a necessidade de expandirse sobre a térra inteira, enquanto a
África, a Asia, a América pré-colombiana permaneciam imóveis nos seus
confins? Sem esta nossa maravilhosa Europa, o mundo, como o conhe-
cemos, nao existiría. Mas nao existiría nem mesmo esta Europa recoberta
de glorias, sem as suas raízes cristas e sem os seus monges".

1.3.3. Regime feudal

Feudalismo, para muitos, quer dizer prepotencia, arbitrariedade de


um senhor absoluto; para outros, significa anarquía ou falta de um poder
central. - Vejamos como surgiram e o que eram os feudos.

O Imperio Romano era regido por um Governo centralizado, tanto


quanto possível, no inicio da era crista. Roma, porém, caiu sob os golpes
dos godos em 476 - o que deu origem á confusáo ñas térras do Imperio
ou no Ocidente da Europa, invadido por diversas tribos bárbaras. Nao
havendo mais poder central que garantisse a ordem pública, pequeños
poderes foram surgindo: cada senhor de urna porcáo de térra procurava
assegurar a si mesmo e aos seus servidores aquilo que o Estado nao
oferecia, isto é, paz, defesa contra os invasores, possibilidade de cultivar
a térra, colher seus frutos para se alimentar e para permutá-los num pe
queño comercio; este se tornava difícil porque os transportes eram pre
carios; nao havia exército para fiscalizar as estradas ameacadas por ban
didos. A térra era a única fonte de subsistencia para o homem. Compre-
ende-se entáo que os camponeses, incapazes de garantir a si e á sua
familia a seguranca respectiva, tenham procurado a protecáo de vizi-
nhos mais poderosos, que os defendessem com suas armas em troca de
urna parte das colheitas desses camponeses. Havia assim entre o ho
mem do campo e o senhor (sénior, em latim, quer dizer anciao) um con
trato firmado por juramento (que naquela época tinha valor sagrado). Tanto
o senhor como o agricultor se beneficiavam desse contrato. Foi desta
maneira que tiveram origem os feudos ou territorios feudais: constavam
de um nobre (conde, baráo...), que tinha a possibilidade de manter um
pequeño exército e que abrigava em seus territorios varias familias de
camponeses. Cada um desses pequeños Estados feudais era mais ou
menos autónomo ou tinha sua legislacáo própria. Podia haver reis ou
senhores de territorios maiores, nos quais existiam senhores feudais;
esses reis, porém, nao gozavam de autoridade centralizada como a do

115
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

Imperio Romano; nem Carlos Magno, que em 800 se tornou o Imperador


do Sacro Imperio Romano da Nacáo Franca, nem os Imperadores Otos,
que no sáculo X governaram o Sacro Imperio Romano da Nacáo Ger
mánica, restauraram o poder central do antigo Imperio; entre o monarca
e os senhores feudais havia pactos, aliancas... observancia de costu-
mes, que constituíam um líame ora mais tenaz, ora mais fraco.

O servo da gleba era tratado como pessoa, á diferenca do escravo


romano, que era considerado res, coisa. O senhor feudal nao tinha direi
to sobre a vida deles, como tinha o senhor do escravo romano. O servo
da gleba pactuava com o seu senhor espontáneamente, isto é, isento de
coacáo por parte de algum chefe: o senhor nao o poderia expulsar do
seu territorio, nem ele poderia fugir; o servo devia cultivar a térra, cavan
do-a, semeando-a e colhendo os frutos, tanto em seu proveito como em
proveito daquele que Ihe dava tutela. Fora disto, o servo gozava de todos
os direitos do homem livre: podia casar-se e fundar urna familia; a sua
térra passaria para os filhos após a sua morte, assim como os bens que
ele pudesse adquirir. O senhor feudal tinha obrigacóes correspondentes:
nao Ihe era lícito vender, alienar ou abandonar a térra do servo.

O rei, nos tempos feudais, era senhor entre outros senhores; go-
vernava o seu feudo pessoal, administrando a justica, defendendo os
seus súditos e recebendo as taxas a que tinha direito; os outros senhores
deviam-lhe auxilio militar e se comprometiam a entrar em guerra com
ele, caso o reino fosse ameacado. Devia procurar manter o equilibrio
entre seus vassalos e entre estes e o próprio soberano, servindo-se, para
isto, do sistema de casamentos e herancas.

O regime feudal, que teve o seu surto ñas circunstancias sócio-


geográficas do século V, foi-se espalhando e firmando até o comeco do
novo regime: o das monarquías absolutas, das quais a primeira foi a de
Filipe IV o Belo, da Franca (1285-1314). A volta dos governos centraliza
dos se deve, em grande parte, á restauracáo do Direito Romano, que
comecou no século XIII.

1.3.4. AMuIher

A figura da mulher, na Idade Media, tem sido mal entendida ou


cercada de preconceitos, como se tivesse sido relegada para urna posi-
cáo de desprezo. Eis alguns dados que desmentem tal concepcáo:

Nos tempos feudais a rainha era coroada como o rei, geralmente


em Rheims ou, por vezes, em outras catedrais. A coroacao da rainha era
táo prestigiada quanto a do Rei. A última rainha a ser coroada foi María
de Mediéis em 1610, na cidade de París. Algumas rainhas medievais
desempenharam ampias funcóes, dominando a sua época; tais foram
Leonor de Aquitánia (t 1204) e Branca de Castela (t 1252); no caso de

116
IDADE MEDIA: SIM 01) NAO?

ausencia, da doenca ou da morte do rei, exerciam poder incontestado,


tendo a sua chancelaria, as suas armas e o seu campo de atividade pessoal.

Verdade é que a jovem era dada em casamento pelos pais sem


que tivesse livre escolha do seu futuro consorte. Todavia observe-se que
também o rapaz era assim tratado; por conseguinte, homens e mulheres
eram sujeitos ao mesmo regime.

A Igreja lutou contra essa imposicáo de casamentos; exigiu e exige


que os nubentes déem livre consentimento á sua uniáo matrimonial e
formulou impedimentos diversos que, opondo-se á grandeza e á santida-
de do casamento, o tornam nulo. De passagem observe-se que nem
mesmo em nossos dias a legislacáo muculmana garante á mulher a li-
berdade de escolha do seu marido.

Precisamente por causa da valorizacao prestada pela Igreja á mu


lher, varias figuras femininas desempenharam notável papel na Igreja
medieval. Certas abadessas, por exemplo, eram auténticos senhores feu-
dais, cujas funcóes eram respeitadas como as dos outros senhores; ad-
ministravam vastos territorios como aldeias, paróquias; algumas usavam
báculo, como o bispo... Seja mencionada, entre outras, a abadessa Helo
isa, do mosteiro do Paráclito, em meados do século XII: recebia o dízimo de
urna vinha, tinha direito a foros sobre feno ou trigo, explorava urna granja...

É surpreendente aínda notar que a enciclopedia mais conhecida


no século XII se deve a urna mulher, ou seja, á abadessa Herrade de
Landsberg. Tem o título "Hortus Deliciarum" (Jardim das Delicias) e for-
nece as informacóes mais seguras sobre as técnicas do seu tempo. Algo
de semelhante se encontra ñas obras de S. Hildegardis de Bingen.

Notemos aínda a figura de Joana d'Arc (1412-1431): a audiencia


que conseguiu da parte do rei da Franca e dos seus cortesáos para de-
sempenhar as suas facanhas heroicas, é realmente algo de extraordinario.

1.3.5. O Ensino

As escolas na Idade Media eram fundadas e mantidas geralmente


pela Igreja: havia as escolas das paróquias, as das catedrais e as dos
Mosteiros. Em 1179 o Concilio do Latráo III impós a todas as igrejas a
obrigacáo de ter urna escola agregada. Além disto, os senhores feudais
podiam fundar suas escolas, como também os habitantes de um lugarejo
se podiam associar entre si para sustentar um professor encarregado de
ensinar ás enancas. Conservou-se até hoje a peticáo de alguns pais so
licitando a demissao de um professor, que, nao tendo sabido fazer-se
respeitar pelos alunos, foi por estes desrespeitado; sim, haviam-no ferido
com os seus estiletes (grafíones) destinados a escrever sobre tabuínhas
revestidas de cera.

117
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

As changas eram admitidas na escola com sete ou oito anos de


idade; o ensino, que preparava para os estudos da Universidade, esten-
dia-se por urna dezena de anos. Os meninos eram separados das meni
nas, que tinham seus estabelecimentos próprios, menos numerosos tai-
vez, mas muito ativos. A Abadía de Argenteuil, por exemplo, onde foi
educada Heloisa, ensinava as alunas a S. Escritura, as letras, a medicina
e mesmo a cirurgia, sem contar o grego e o hebraico, que Abelardo lá
ensinou. Em geral, as pequeñas escolas proporcionavam aos seus alu-
nos as nocóes de gramática, aritmética, geometría, música e teología
que Ihes permitiam chegar ás Universidades; é possível que algumas
tenham ministrado um ensino técnico.

Os estudantes mais dotados tomavam o caminho da Universidade,


de acordó com as suas preferencias. Em Montpellier, ensinava-se a me
dicina; em Orleáes, o Direito Canónico; em Bolonha, o Direito Romano.
París, porém, atraía de modo especial, pois lá se aprendiam as artes
liberáis e a teologia por parte de estudantes provenientes da Alemanha,
da Italia, da Inglaterra, da Dinamarca, da Noruega.

1.3.6. As Universidades

As Universidades, que eram obras da Igreja, dependiam direta-


mente do Papa e nao do Bispo do lugar. Cada Universidade formava um
corpo livre - o que quer dizer que estava isenta da jurisdicáo civil ou dos
tribunais do rei. Professores, alunos e até os servidores destes estabele
cimentos dependiam apenas dos tribunais eclesiásticos - o que era con
siderado um privilegio; professores e alunos administravam a sua tesou-
raria sem ingerencia do Estado. É esta a característica essencial da Uni
versidade medieval e aquela que mais a distingue da de hoje.

Tal liberdade favorecía a emulacáo entre as diversas Universida


des; os estudantes de París iam fraudulentamente a Orleáes a fim de
concluir a sua licenciatura, porque lá os exames eram mais facéis; reali-
zavam seus movimentos de contestacao e greve... a tal ponto que a Uni
versidade medieval era um mundo turbulento, quase tanto quanto em
nossos dias. - Era também um mundo cosmopolita; os estudantes de
París estavam repartidos em quatro nacóes: os Picardos, os Ingleses, os
Alemáes e os Franceses. Os professores também vinham de diversas
partes do mundo: havia Sigério de Brabante (Bélgica), Joáo de Salisbury
(Inglaterra), Alberto Magno da Renánia, S. Tomás de Aquino e Sao
Boaventura da Italia. A língua comum, única falada na Universidade, era
o latim; esta permitía aos sabios comunicar-se de um ponto a outro da
Europa Ocidental e contribuía para salvaguardar a homogeneidade de
pensamento. Os problemas que apaixonavam os filósofos, eram os mes-
mos em París, em Oxford, em Edimburgo, em Colonia ou em Pavia.

118
IDADE MEDIA: SIM OU NAO? 23

O mundo estudantil era também um mundo itinerante: os jovens


saiam de casa para alcancar a Universidade de sua escolha; voltavam
para sua térra ñas festas. Punham-se a caminho para aproveitar as li-
cóes de um mestre de nomeada ou estudar urna materia na qual determi
nada cidade se especializara. Como dito, havia os que "fugiam" para
Orleáes para fazer os exames de Direito Canónico em termos facilitados.
Assim percorriam as estradas a cávalo e, mais freqüentemente, a pé,
caminhando leguas e leguas e dormindo em abrigos de viandantes. Com
os mercadores e os peregrinos, foram os estudantes os que mais contri-
buiram para a grande animacáo das estradas medievais.

O ensino era ministrado em latim. Compreendia o trivium ou as


artes liberáis (Gramática, Retórica, Lógica) e o quadrivium ou as cienci
as (Aritmética, Geometría, Música e Astronomía). Além disto, havia as
Faculdades de Teología, Direito e Medicina. Assim era abrangido todo o
ciclo de conhecimentos da época. Cada ramo de saber era colocado dentro
do conjunto dos conhecimentos relativos ao homem; com outras pala-
vras, os medievais procuravam ministrar sempre cultura geral represen
tada principalmente pelo trivium e o quadrivium. É o que explica o cará-
ter enciclopédico de muitos sabios e letrados da época: Rogério Bacon,
Joáo de Salisbury, Alberto Magno..., que podiam entregar-se sucessiva-
mente a diversos assuntos sem perder a visáo do conjunto. A Universi
dade aplicava também com freqüéncia o método da disputa filosófico-
teológica (quaestiones disputatae), que seguiam regras estritas, aptas
a garantir a boa ordem e o progresso do pensamento.

A propósito faz-se mister dissipar um mal-entendido: o número de


iletrados era, sem dúvida, maior na Idade Media do que em nossa época
(ainda que menor do que se tem dito). Acontece, porém, que ser iletrado
nao significava ser ignorante ou inculto na Idade Media; sim, os homens
medievais, aprendiam mais pelo ouvido do que pela leitura (o que se
compreende, pois, antes da invencáo da imprensa, poucos e caros eram
os livros); por muito estimados que fossem os códigos, eles nao podiam
ser táo utilizados e aplicados quanto a palavra viva; lembremo-nos, por
exemplo, de que as ordens dos reis e dos governantes eram multo mais
freqüentemente proclamadas e apregoadas de viva voz do que transmi
tidas por escrito. Estes elementos explicam que nos Estatutos munici-
pais da cidade de Marselha, datados do século XIII, sejam enumeradas
as qualidades exigidas de um bom advogado - ao que se acrescenta
litteratus vel non litteratus (quer seja letrado, quer nao); isto significa
que alguém podia ser um bom advogado e nao saber ler nem escrever;
podia conhecer o Direito Romano, a jurisprudencia e o uso da linguagem
e, apesar de tudo, ignorar o alfabeto. Tal nocáo é de difícil compreensáo
para um cidadáo do século XX, mas torna-se de importancia capital para
se entender a Idade Media.

119
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

1.3.7. Trabalho e Lazer

A duracáo da jornada de trabalho variava segundo as estacóes.


Era o sino da paroquia ou do mosteiro vizinho que chamava o artesáo á
oficina e o camponés aos campos. As pessoas deitavam-se e levanta-
vam-se, em principio, ao mesmo tempo que o sol: no invernó, o trabalho
comecava por volta das oito ou nove horas, para terminar ás cinco ou
seis; no veráo, porém, a jornada tinha inicio ás cinco ou seis da manhá
para só terminar ás sete ou oito da noite. Consideradas as duas pausas
para refeicóes, a jornada durava oito ou nove horas no invernó, e doze,
treze ou quinze no veráo. Registravam-se, porém, numerosas interrup-
cóes no calendario de trabalho, isto é, cerca de noventa dias anuais de
feriado completo e setenta ou mais dias de feriados parciais. O calenda
rio litúrgico reguiava o ano inteiro; era pelas suas datas, e nao pelos dias
do mes, que se designava o tempo: assim falava-se do "dia de Santo
Arfaré", e nao de 30 de novembro; dizia-se "tres dias após Sao Marcos",
de preferencia a 28 de abril.

A organizacáo dos lazeres era de base religiosa: todo dia de testa


comecava pelas cerimónias de culto; estas prolongavam-se em espeta-
culos, que apresentavam cenas da vida de Cristo ou dos Santos. Havia
ta'mbém o teatro inspirado por romances e crónicas. Depois do espetá-
culo, o diveri¡mentó mais apreciado era a danca: danca dos donzeis nos
castelos, ronda em torno da árvore de maio oü ao redor da fogueira de
Sao Joáo... Havia os jogos do interior da casa, entre os quais era preferi
do o de xadrez, a respeito do qual se encontraram tratados manuscritos
em bibliotecas medievais.

Eis as palavras com que a historiadora medievalista Régine Pernoud


conclui seus estudos sobre os costumes dos cidadáos da Idade Media:

"Do conjunto sobressai urna confianca na vida, urna alegría de vi-


ver de que nao encontramos equivalente em mais nenhuma civilizagáo.
Essa especie de fatalidade que pesa sobre o mundo antigo, esse teordo
Destino, deus implacável ao qual os próprios deuses estáo submetidos,
o mundo medieval ignorou-a totalmente" (Luz Sobre a Idade Media, p. 203).

1.3.8. Inquisicáo

Nao é necessário ao católico justificar tudo que, em nome de Deus,


foi feito. É preciso, porém, que se entendam as intencóes e a mentalida-
de que moveram a autoridade eclesiástica a instituir a Inquisicáo. Estas
intencóes, dentro do quadro de pensamento da Idade Media, eram legíti
mas, diríamos até: deviam parecer aos medievais inspiradas por santo
zelo. Podem-se reduzir a quatro os fatores que influiram decisivamente
no surto e no andamento da Inquisicáo:

1) os medievais tinham profunda consciéncia do valor da alma e

120
IDADE MEDIA: SIM OU NAO? 25

dos bens espirituais. Táo grande era o amor á fé (esteio da vida espiri
tual) que se considerava a deturpacáo da fé pela heresia como um dos
maiores crimes que o homem pudesse cometer (note-se o texto de S.
Tomás de Aquino abaixo citado)1, essa fé era táo viva e espontánea que
difícilmente se admitiría viesse alguém a negar com boas ¡ntencóes um
só dos artigos do Credo.

2) As categorías de justica na Idade Media eram um tanto dife


rentes das nossas: havia muito mais espontaneidade (que ás vezes equi
valía a rudez) na defesa dos direitos. Pode-se dizer que os medievais, no
caso, seguiam mais o rigor da lógica do que a ternura do sentimento; o
raciocinio abstrato e rígido neles prevalecía por vezes sobre o senso psi
cológico (nos tempos atuais verifica-se quase o contrarío: muito se apela
para a psicología e o sentimento, pouco se segué a lógica; os homens
modernos nao acreditam muito em principios perenes; tendem a tudo
julgar segundo criterios relativos e relativistas, criterios de moda e de
preferencia subjetiva).

3) A intervencao do poder secular exerceu profunda influencia


no desenvolvimento da Inquisicáo. As autoridades civis anteciparam-se
na aplicacáo da forca física e da pena de morte aos hereges; instigaram
a autoridade eclesiástica para que agisse enérgicamente; provocaram
ce tíos abusos motivados pela cobica de vantagens políticas ou mate ri
áis. De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade Media estavam, ao
menos em tese, táo unidos entre si que Ihes parecia normal, recorres-
sem um ao óutro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. A partir
dos inicios do séc. XIV a Inquisicáo foi sendo mais explorada pelos mo
narcas, que déla se serviam para promover seus interesses particulares,
subtraindo-a ás diretívas do poder eclesiástico, até mesmo encaminhan-
do-a contra este; é o que aparece claramente no processo dos Templarios,
movido por Filipe o Belo da Franca (1285-1314) á revelia do Papa Cle
mente V. Note-se também o processo de Joana d'Arc, condenada pela
Inquisicáo, sob a instigacáo dos ingleses.

4) Nao se negará a fraqueza humana de Inquisidores e de oficiáis

1 "É muito mais grave corromperá fé, que é a vida da alma, do que falsificara moeda,
que é um meio de prover á vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moedas e
outros malfeitores sao, a bom direito, condenados á morte pelos principes secula
res, com muito mais razáo os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem
nao somonte ser excomungados, mas também em toda justica ser condenados a
morte" (Suma Teológica 11/1111,3c).
A argumentagáo do S. Doutor procede do principio (sem dúvida, auténtico em si)
de que a vida da alma mais vale do que a do corpo; se, pois, alguém pela heresia
ameaca a vida espiritual do próximo, comete maior mal do que quem assalta a vida
corporal; o bem comum entáo exige a remogáo do grave perigo (vejase também S.
Teol. ll/ll 11,4c).

121
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

seus colaboradores1. Nao seria lícito, porém, dizer que a suprema auto-
ridade da Igreja tenha pactuado com esses atos de fraqueza; ao contra
rio, tem-se o testemunho de numerosos protestos enviados pelos Papas
e Concilios a tais ou tais oficiáis, contra tais leis e tais atitudes inquisitoriais.
As declaracoes oficiáis da Igreja concernentes á Inquisicáo se enqua-
dram bem dentro das categorías da justica medieval; a injustica se verifi-
cou na execucáo concreta das leis, e nao na legislacáo como tal.

Diz-se, de resto, que cada época da historia apresenta ao observa


dor um enigma próprio: na antigüidade remota, o que surpreende sao os
desuníanos procedimentos de guerra. No Imperio Romano, é a mentalidade
dos cidadáos, que nao conheciam o mundo sem o seu Imperio (oikouméne
- orbe habitado - Imperium), nem concebiam o Imperio sem a escravatura.
Na época contemporánea, é o relativismo ou ceticismo público; é a utiliza-
cao dos requintes da técnica para "lavar o cránio", desfazer a personalidade,
fomentar o odio e a paixáo. Nao seria entáo possfvel que os medievais,
com boa fé na consciéncia, tenham recorrido a medidas repressivas do
mal que o homem moderno, com razao, julga demasiado violentas?

1.3.9. As Cruzadas

As Cruzadas tiveram por objetivo libertar o Santo Sepulcro de Cris


to na Térra Santa, que estava sob o dominio dos muculmanos.

1) Abstracáo feita de pessoas e episodios particulares, as Cruza


das tém sua inspiracáo fundamental na fé dos homens da Idade Media,
no seu amor aos valores sagrados e no seu espirito cavaleiresco, corajo
so e magnánimo.

A fé e o amor dos cristáos, na Idade Media, recorreram ás armas


para se exprimir concretamente... Hoje muitos cristáos hesitariam diante
1 As táticas utilizadas pelos Inquisidores sio-nos hoje conhecidas, pois aínda se
conservaram Manuais de instrugóes práticas entregues ao uso dos referidos oficiáis.
Quem lé tais textos, verifica que as autoridades visavam a lazer dosjuízes inquisitoriais
auténticos representantes dajustiga e da causa do bem. Bernardo de Gui (séc. XIV),
por exemplo, tido como um dos mais severo Inquisidores, dava as seguintes normas
aos seus colegas:
"O Inquisidor deve ser diligente e fervoroso no seu zelo pela verdade religiosa,
pela salvagáo das almas e pela extirpagáo das heresias. Em meio ás dificuldades
permanecerá calmo, nunca cederá á cólera nem á indignagáo... Nos casos duvido-
sos, seja circunspecto, nao dé fácil crédito ao que parece provável e muitas vezes
nao é verdade; também nao rejeite obstinadamente a opiniáo contraria, pois o que
parece improvável freqüentemente acaba por ser comprovado como verdade... O
amor da verdade e a piedade, que devem residir no coragáo de umjuiz, brilhem nos
seus olhos, a fim de que suas decisóes jamáis possam parecer ditadas pela cupidez
e a crueldade" (Prática VI p.... ed. Douis 232s).
Já que mais de urna vez se encontram instrugóes tais nos arquivos da Inquisigáo,
nao se poderla crer que o apregoado ideal do Juiz Inquisidor, ao mesmo tempo equi
tativo e bom, se realizou com mais freqüéncia do que comumente se pensa?

122
IDADE MEDIA: SIM OU NAO? 27

de tal expressáo; seriam até propensos a condená-la. Atualmente os


homens tém meios de confrontar suas divergencias mediante reunioes,
assembléias, concordatas; por isto rejeitam (ao menos em teoría...) as
solucóes violentas (na prática, porém, nao faltam as guerras também em
nossos días, suscitadas pelos mais diversos motivos). Contudo na Idade
Media as distancias geográficas, culturáis, filosóficas constituíam barrei-
ras quase intransponíveis, que díficultavam aos homens a aproximacáo
física e a superacáo de suas divergencias; julgavam em muitos casos ter
que recorrer as armas para preservar seus valores e garantir o bem co-
mum. Assumir as armas em tais circunstancias era tido como louvável;
fugir délas merecería censura.

Verdade é que o movimento das Cruzadas nao conseguiu devolver


aos cristios, de maneira duradoura, a posse da cidade de Jerusalém e da
Térra Santa em geral. Todavía ele se prolongou por dois séculos, á custa de
ingentes sacrificios, que revelam notável espirito de heroísmo. Sucessiva e
tenazmente, as geracóes de cristáos despertaram as suas energías para
recomecar a grande facanha que outros nao haviam conseguido realizar
plenamente. Assim deixaram eles á posteridade o testemunho de sua fé.
Nao se poderiam silenciar outrossim os beneficios acarretados pelas
Cruzadas no plano cultural e científico. O contato entre latinos, gregos
(bizantinos) e árabes ocasionou incremento para a matemática, a medi
cina, a industria, o comercio e outros ramos das atívidades humanas;
desenvolveu a navegacáo e modificou as condicóes económicas da so-
ciedade feudal. Em suma, preparou o grande surto das artes e das cien
cias ditas "exatas" nos séculos XV/XVI.
2) Também se apontam falhas moráis no procedimento dos cruza
dos: rapiña, abuso de mulheres e outros males, que já os pregadores e o
Concilio de Liáo I censuravam...

O historiador sincero há de reconhecer tais erros. Todavía nao se


deveria fazer dessas falhas a nota característica ou urna das notas ca
racterísticas das Cruzadas. Elas ocorreram com os cruzados como ge-
ralmente ocorrem ñas expedicóes militares. Todo soldado é sujeito a pro
curar suas "compensacoes" depoís de haver sofrido os rigores da fome,
da sede, do frió e de severa disciplina durante a respectiva campanha.
Nao poucos cruzados chagavam finalmente á costa da Palestina doen-
tes, vítimas de febres, e fácilmente aceitavam ser tratados em clima de mo-
leza, bem-estar e gozo. - Nem por isto tais "compensacóes" sao legítimas.
Em suma, pois: recolocadas no seu contexto medieval, as Cruza
das nao sao mancha negra, mas, ao contrario, atestam (naturalmente
segundo as categorias e possibilidades da época) a unidade e a
homogeneidade dos povos da Alta Idade Media, que encontraram na sua
fé - valor que eles nao discutiam - o estímulo e o dinamismo para reali-

123
28 TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

zar facanhas heroicas, ao mesmo tempo marcadas pela virilidade, pela


poesía e pelas limitacoes humanas...

2. Prospectivas

A Idade Media caracterizou-se pela tendencia a construir a Cidade


de Deus, em que a autoridade civil e a religiosa colaborariam harmonio-
sámente para o bem comum. Isto implica uma mensagem para os dias
atuais. Como?

Seria falso pleitear o retorno ao contexto do passado. Os tempos


sao outros. Mas em nossa época mesma a humanidade parece conce-
ber o anseio de certa unidade, capaz de abarcar a multiplicidade das
culturas. É o que se depreende da Declaracáo dos Direitos Humanos
promulgada em 1948 pela Organizacáo das Nacóes Unidas após os de
sastres da segunda guerra mundial; o subjetivismo e individualismo de
governantes ditatoriais provocou genocidios, campos de concentracáo,
lavagem de cránio... Verificou-se, em represalia, que todos os homens
sao iguais entre si no tocante aos seus direitos básicos.

Eis, porém, que a Magna Carta dos Direitos Humanos está fadada
a ser vá, se nao se Ihe confere uma justificativa religiosa. Afinai, para que
os homens tomem consciéncia de que sao irmáos entre si, requer-se
tenham nocao de que há um Pai no céu. Se nao há Pai, é inútil falar de
irmáos. Ora o Papa Joáo Paulo II procurou concretizar esta verdade no
famoso Encontró de Assis realizado aos 27/10/1986: congregaram-se os
chefes das mais diversas correntes religiosas da Térra para rezar, pedin-
do ao Pai do céu a PAZ (Shalom), que é a súmula das aspiracóes mais
espontáneas de todo ser humano. Por ocasiáo desse evento, o Santo
Padre lembrava que todos os homens tém em comum tres planos, que
justificam a sua convergencia entre si e na procura de Deus:
1) foram todos (brancos, pretos, amarelos, indios...) criados a ima-
gem e semelhanca de Deus;

2) foram todos indistintamente (até os ateus) remidos pelo sangue


de Cristo; custam todos um preco valiosíssimo;

3) sao todos chamados á mesma bem-aventuranca final, ou seja, á


visáo de Deus face-a-face.

Vé-se assim que é desejo da Igreja contemporánea aproximar os


homens entre si a partir de qualquer parte do globo e dentro das premis-
sas das respectivas culturas, ajudando-os a se reconhecer membros da
grande familia dos filhos de Deus.

Quem compreende o valor deste programa, há de se colocar a ser-


vico do mesmo com a graca do Pai celeste, atualizando a aspiracáo dos
antepassados a construir uma Cidade mais semelhante á Cidade de Deus.

124
Ardua Batalha:

ESTRATEGIAS ABORTISTAS

Em síntese: Existem seis Projetos de Lei tramitando no Congres-


so Nacional em favor do aborto. A pressáo é intensa. O Dr. Dernival da
Silva Brandáo, membro titular da Academia Fluminense de Medicina, póe
em relevo as táticas utilizadas ñas campanhas pró-aborto a fim de con
quistar a opintáo pública para a respectiva causa. As alegagóes entáo
proferidas sao, muitas vezes, falsas; a boa lógica e as conclusóes da
Medicina Científica as desmentem, como val, a seguir, demonstrado.
* * *

No Congresso Nacional tramitam seis Projetos de Lei pró-aborto,


cada qual com suas modalidades próprias: em casos de mulher aidética,
de malformacáo do feto, de risco nao só de vida, mas também de saúde
física ou psíquica da gestante, em caso de estupro... Quatro desses Pro
jetos datam de 1991, um de 1992 e um de 1995; aguardam cinco deles o
parecer do(a) relator(a), ao passo que um só espera o momento oportu
no para entrar em pauta de votacáo do plenário da Cámara. Como se vé,
a pressáo abortista é forte. Na verdade, trata-se de legalizar um homici
dio, pois hoje está comprovado que, desde a conceicáo, existe um ser
humano com todas as virtualidades que o caracterizaráo um dia como
adulto; basta dar-lhe oxigénio e alimentacáo para que se desenvolva;
nao será necessário acrescentar-lhe coisa alguma além daquilo que todo
vivente exige, para que se evidencie ser auténtico ser humano.
Se a pressáo pró-aborto é intensa, também é atuante a defesa da
vida empreendida por médicos e juristas. Entre outros instrumentos de
trabalho muito valiosos, faz-se necessário citar a obra "A Vida dos Direi-
tos Humanos. Bioética Médica e Jurídica", coletánea de artigos de espe
cialistas em Medicina e Direito, editada por Sergio Antonio Fabris Editor,
Rúa Miguel Couto 745, 90850-050 Porto Alegre (RS). Dessa obra váo, a
seguir, extraídas as ponderacoes do Dr. Dernival da Silva Brandáo, médi
co especialista em Ginecología e Obstetricia, Membro titular da Acade
mia Fluminense de Medicina, referentes ás táticas aplicadas pelas cam
panhas abortistas no intuito de angariar adeptos para a respectiva causa;
cf. pp. 32-41. Como se verá, essas táticas nem sempre sao verídicas e
honestas.

1. Estrategia abortista

«No intuito de se legalizar o aborto provocado, inclusive o chama-

125
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

do terapéutico, procurou-se criar um ambiente propicio a essa prática,


solapando aos poucos, por partes, a defesa da vida do nascituro. Na
expressáo de Michel Schooyans, pratica-se a política do salaminho, em
que se consegue aos poucos o que nao se conseguiría como um todo.
Varios passos foram dados no sentido de mudar a mentalidade do povo,
conforme pode ser visto.

a) Aproveitou-se a hipótese pessimista de Malthus com relacáo á


superpolugáo e á falta de alimentos; e, mesmo nao se confirmando essa
teoría, foi proposto, com o nome de neomaltusianismo, um sistema artifi
cial de controle da natalidade. Criou-se com isso uma mentalidade
antinatalista e, segundo os seus promotores, para que o controle da na
talidade tenha sucesso, faz-se necessário incluir o aborto entre os méto
dos preconizados, o que constituí uma violencia á consciéncia moral dos
povos contrarios a essa prática.

b) Propóe-se, assim, descriminalizar o aborto provocado. Descri


minalizar é um eufemismo usado para promover a sua legalizacáo, já
que priva o nascituro da protecáo legal. Pior ainda quando se pretende
descrimínalizar por questóes de saúde, o que irá permitir o aborto ñas
mais diversas situacóes. Isso porque, pela atual definicáo de saúde - o
mais completo bem-estar físico, psíquico e social -, uma gestante, ale
gando qualquer disturbio, teria autorizacáo para 'se ver livre1 do seu filho
indesejado. Pela abrangéncia dos motivos alegados dentro daquela defi
nicáo, justificar-se-ia qualquer solicitacáo para abortar. Essa definicáo de
saúde é inadequada e utópica, pois, dentro desse conceito, raras seriam
as pessoas consideradas sadias.

c) Nesse ambiente cultural criado, pessoas e organismos interes-


sados na aprovacáo do aborto provocado adulteram informacoes. Pre-
tende-se, por exemplo, fazer a populacáo acreditar que a gravidez é um
perigo para a mulher; propaga-se, através da mídia, a idéia de que a
mulher, por questáo de saúde, nao deve ter mais do que quatro filhos; de
que a gravidez após os 35 anos é uma gravidez de alto risco; e que após
essa idade é muito freqüente o filho com a Síndrome de Down. No entan-
to os fatos desmentem essas afirmacóes: sao muitas as grandes
multíparas gozando de perfeita saúde; as gestacoes em mulheres de 35
anos ou mais, na maior parte das vezes, transcorrem normalmente; e a
esmagadora maioria das criancas nascidas de máe com idade superior a
35 anos sao normáis.

d) Na estrategia para a legalizacáo do aborto, sao feitas manipula-


cóes de estatísticas sobre aborto clandestino: aumenta-se o índice de
mortalidade materna para sensibilizar a opiniáo pública, como, por exem
plo, ao afirmar-se que morrem no Brasil, por ano, 400 mil mulheres por

126
ESTRATEGIAS ABORTISTAS

aborto provocado, quando, na realidade, segundo o IBGE, morrem me


nos de 400 mil muiheres de todas as idades e de todas as causas de
morte. Sao disseminadas estatísticas inverídicas quanto ao número de
pessoas, inclusive médicos, favoráveis ao aborto. Manipulam-se concei-
tos sociais sobre explosáo demográfica. Exercem pressáo para incluir o
abortamento entre os métodos anticoncepcionais e outros procedimen-
tos semelhantes que foram e continuam sendo utilizados em diversos
países.

e) Nessa ordem de idéias foi proposto fazer urna 'vacina' contra a


gravidez, á semelhanca das vacinas com as quais se provoca imunidade
adquirida contra doencas específicas, como se gravidez fosse doenca. A
'vacina' seria denominada contraceptiva, apesar de saber-se que nao
impede a concepcao, e sim a nidacáo do concepto formado...

f) Outro fato insólito é a mudanca do conceito de gravidez, afirman-


do-se que esta só tem inicio com a nidacáo, no pressuposto de que só
entáo comecariam as trocas materno-fetais. Nao há rigor científico nessa
afirmacáo, porquanto essas trocas já tém inicio antes da nidacáo. Esse
artificio introduz urna extraordinaria fenda na defesa da vida humana,
nos primordios de sua existencia. Entretanto, mesmo que se aceitasse
essa mudanca, nao há dúvida de que o concepto já existe antes da
nidacáo; sua vida comeca na concepcáo, que já ocorreu aproximada
mente oito dias antes. É ininteligível afirmar que urna mulher, já abrigan
do um concepto em seu corpo, ainda nao concebeu. Seriam graves as
conseqüéncias da aceitacáo de que antes da nidacáo nao haveria gravi
dez. Urna délas seria concluir que o DIU (dispositivo intra-uterino), que
impede a nidacáo, nao seria abortivo e sim um anticoncepcional, apesar
de já existir o concepto. Trabalhos científicos tém encontrado, em muihe
res portadoras de DIU, a existencia do chamado fatorprecoce de gravi
dez, detectado pelo teste de inibicáo da roseta, antes da nidacáo do
embriáo. Outra conseqüéncia é classificar como anticoncepcionais as
pílulas de baixas doses de hormónios, já que quase sempre impedem a
nidacáo do concepto pelo fato de tornarem o endométrio inadequado. Na
verdade, impedem o embriáo de continuar o seu ciclo vital, de aninhar-se
em seu local próprio no útero e, assim, provocam a sua expulsáo. Provo
car a morte do concepto antes da nidacáo é um abortamento. A Organi-
zacáo Mundial de Saúde no informe n° 461 sobre aborto, em 1970, reco-
nhece: 'Clínicamente a falta de implantagáo se manifesta, no melhordos
casos, por um ligeiro atraso da menstruagáo: a mulher nem sequer chega
a suspeitar que teve urna gravidez'.

g) Cientes da incongruencia da afirmacáo de que sem haver nidacáo


nao haveria aborto, urna vez que o bom senso concluí que a vida humana

127
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

comeca na concepcáo, iniciam urna nova tentativa: mudar o concertó de


concepcáo, que comecaria na fertilizacáo do óvulo e, através de urna
sucessáo de eventos, se estenderia até a nidacáo. Com essa ginástica
mental e semántica, que violenta a biología, nao seriam consideradas
abortivas a acáo do DIU e a das 'pílulas' de baixa dose.

h) Há outro fato também importante nessa estrategia. Em 1984 foi


publicado o Relatório Warnock, preparado por urna Comissáo especial,
por ordem do Governo inglés, sobre a fertilizacáo in vitro, e no qual foi
aprovada, pela maioria dos seus membros, a producáo de embrioes hu
manos apenas para experimentacáo. Alguns embriologistas, sem maior
fundamentacáo científica, afirmaram que, do zigoto ao aparecimento da
estría primitiva (no 15° día de vida do novo ser humano), nao havia em-
briáo, mas tao somente um pré-embriáo. Como se a estria primitiva apa-
recesse no embriáo por acaso, ou de improviso; como se ela nao fizesse
parte do processo normal do desenvolvimento embrionario que teve ini
cio com a fecundacáo. Esse foi outro artificio, sem fundamento biológico,
que iria permitir experimentacóes em embrioes humanos com idade me
nor do que os caprichosos primeiros quaiorze dias do 'pré-embriáo'.

Qualquer que seja o termo atribuido, natural ou artificialmente, ao


nascituro em seu desenvolvimento biológico - embriáo, pré-embriáo,
embriáo pré-implantado, feto - sao expressóes de urna mesma realida-
de ontológica: a crianca na sua vida intra-uterina. Na ontogénese nao há
níveis de maior ou menor vitalidade.

O próprio Relatório Warnock reconhece:

'Como a temporízagáo dos diferentes estágios de desenvolvimento


é crítica, urna vez que o processo de desenvolvimento se iniciou, nao há
estágio particular do mesmo que seja mais importante do que um outro;
todos sao parte de um processo continuo, e, se cada um nao se realiza
normalmente no tempo correto e na seqüéncia exata, o desenvolvimento
ulterior cessa'.

Em trabalho publicado sobre o assunto, Antonio Pardo, do Depar


tamento de Bioética, Universidade de Navarra, diz:

'Para concluir, podemos afirmar que a questáo do pré-embriáo está


suficientemente clara para quem queira vé-la: o embriáo humano é um
individuo da especie humana desde o seu comeco, e a palavra pré-em
briáo é urna cortina de fumaca que oculta á linguagem, e poñanto, ao
conhecimento, a realidade humana em seus primeiros momentos'.

Luiz Miguel Pastor García, Professor de Biología Celular da Uni


versidade de Murcia, Espanha, afirma:

128
ESTRATEGIAS ABORTISTAS 33

'O conceito de pré-embriáo (pouco utilizado na literatura científica)


é oposto aos dados da biología eéum elemento de discriminagáo artifici
al, dentro de urna mesma realidade'.
O embriologista Günter Rager. diretor do Instituto de Anatomía e
de Embriología Especial da Universidade de Fríburgo, Suíca, diz:

'A pretendida transigáo de um nao individuo - o pré-embriáo - a


um individuo - o embriáo - exigiría urna descontinuidade no desenvolvi-
mento que a ciencia nao conseguiu detectar, pelo que o argumento que
nega personalidade ao embriáo em seus primeiros estadios nao pode ser
sustentado científicamente'.

2. Contracepcáo de Emergencia

Está-se difundindo atualmente um procedimento abortista,


eufemisticamente denominado contracepgáo de emergencia, também
conhecido como contracepcáo pós-coital ou de ¡ntercepcáo. Sua funcáo
seria 'socorrer' as mulheres que tivessem relacoes sexuais sem usar
qualquer técnica contraceptiva ou para "conter os efeitos do fracasso' da
contracepcáo 'ordinaria1. Engloba urna serie de práticas cuja finalidade
básica é interceptar o desenvolvimento do embriáo, caso haja urna fe-
cundacáo. Eventualmente, quando a relacáo sexual é realizada muito
antes da ovulacáo, talvez seja possível bloqueá-la; porém, em geral, nao
é esse o fim visado pela 'contracepcáo de emergencia'. Entre essas prá
ticas estáo:

1. Uso de hormónios femininos em altas doses, segundo o chama


do 'protocolo de Yuzpe', sem ter em conta os perigos que possam acar-
retar á vida da mulher, especialmente os tromboembolismos. Usados até
72 horas após a relacáo sexual que se presume fecundante, tém a fun
cáo de alterar as fases de desenvolvimento endometrial, impedindo a
nidacáo.

2. Uso do danazol, etisterona, um androgénio sintético, usado tam


bém até 72 horas após a relacáo sexual.
3. Uso de RU 486 (mifepristone), em 19-noresteróide, antagonista
da progesterona (necessária para a continuacáo da gravidez), portanto
de efeito abortivo. Antes denominada 'pílula do dia seguinte', atualmente
é a 'pílula do mes', porque basta ser ingerida antes da época provável da
menstruacáo, para ter o mesmo efeíto abortivo. Muitas vezes é usada em
associacáo com urna prostaglandina, o misoprostol, outra substancia de
efeito abortivo, para aumentar o seu 'sucesso'. Quando este nao ocorre,
pode provocar malformacáo no concepto e passa a ser maís um 'argu
mento' para recorrer ao abortamento cirúrgico.

129
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

4. Uso do DIU, especialmente o de cobre, de eficacia abortiva, e


inserido até o 5o dia após a relacáo sexual.

Existe um interesse internacional para que esses métodos abortivos


estejam a disposicáo da populacáo, especialmente dos adolescentes.
Emergencia, um termo usado em Medicina para salvar vidas em
perigo, passa a ser usado dentro da mesma Medicina para destruir vidas
humanas! Custa acreditar que organizares nacionais e internacionais,
tidas como responsáveis, estejam alinhadas nessas práticas.

Diante dos equívocos proporcionados pela campanha pró-aborto,


algumas pessoas ficam indecisas e, murtas vezes de boa fé, imaginam
determinadas situacoes em que, do ponto de vista ético, se poderia tole
rar o chamado aborto terapéutico. Apesar de fugirem ao aspecto estrita-
mente médico, em virtude de serem situacoes mais ligadas á esfera jurí
dica, seráo comentadas pelas suas conotacóes éticas:

Legítima defesa - Para isso seria necessário considerar-se o


nascituro um injusto agressor, o que nao faz sentido. O que é injusto é
considerar agressor o concepto que está a se desenvolver naturalmente,
isto é, de acordó com as leis da natureza. O concepto nao gera um perigo
injusto, atual e ¡mínente; há apenas urna hipótese, urna suposicáo de
perigo no futuro; além do que o possível autor do abortamento estaría
agindo premeditadamente, nao configurando a defesa típica ¡mediata da
legítima defesa.

Colisáo de direitos- Nao se configura essa hipótese. Só há subor-


dinacáo de direitos quando se trata de direitos de valores diferentes, como
é o direito de propriedade frente ao direito á vida, este de valor superior.
Entretanto, se os direitos sao de duas pessoas distintas e de valor igual, nao
sao subordináveis. A máe tem direito á sua vida e o nascituro á sua também.
Ambas devem ser respeitadas e merecem o empenho para salvá-las.
Escolha de um mal menor - O valor de urna vida humana é
imponderável. Nao há vidas humanas 'carentes de valor', como foi pre
conizado tempos atrás no nacional-socialismo alemáo. Nao é a vida do
mendigo de menor valor que a do rico, a do súdito que a do rei, a do
cidadáo comum que a do presidente, a do nascituro que a da máe. Todas
as vidas humanas - a vida do nascituro nao é de outra especie - mere
cem igual respeito e protecáo».

Tais ponderacóes, fundamentadas como sao, merecem considera-


cáo. Bem evidenciam quáo arduo e sutil é o debate em torno do aborto.
Possa a cultura da morte ceder a cultura da vida!

130
Ano 2000:

PROFECÍAS DESMENTIDAS

Em síntese: A revista VEJA, edigáo de 20 de outubro de 1999, pp.


156-163 apresenta um conjunto de prognósticos de futurólogos e dentis
tas que previram para o ano 2000 um progresso maravilhoso ou também
calamidades espantosas. Nada, porém, se cumpriu do previsto. A ligáo
dos fatos é útil para descartar os falsos oragos sobre fim de sáculo e
comego de novo milenio (comego que só ocorrerá em 2001).
* *

A revista VEJA em seu número de 20/10/99, pp. 156-163, cataloga


vinte e nove prognósticos de futurologistas e dentistas muito alvissareiros
e fantasiosos uns, assustadores outros, que deveriam caracterizar o ano
2000. Todavía tais previsóes sao desmentidas pela própria historia, cujo
curso se vai desenvolvendo dentro do ritmo habitual. O fato merece re
gistro especial, pois revela quanto é ansioso o ser humano por desven
dar o futuro nao sonriente no campo civil, mas - acrescente-se - também
no tocante á religiáo. A experiencia ensina, pois, que é necessária caute
la para que ninguém se deixe iludir por falsos oráculos.
A seguir, referiremos os principáis prognósticos nao cumpridos.
1. A Historia desmente

INFLAQÁO
Previsáo para o ano 2000: A disparada de precos e a recessáo
forcaráo o governo americano a impor a volta do padráo ouro. Um
hamburguer custará 10,50 dólares em Nova York (Murray Rothbard, pro-
fessor do Instituto Politécnico de Nova York, 1981).
Realidade: O padráo ouro está enterrado e um Big Mac custa 2,45
dólares em Nova York.
GUERRA

Previsáo: A guerra nuclear entre os Estados Unidos e a Uniáo


Soviética provocará entre 100 milhóes e 200 milhoes de mortes (Edmund
Berkeley, engenheiro de computacáo da Universidade de Harvard, 1981).
Realidade: Com o fim da Uniáo Soviética e da Guerra Fria o risco
de urna guerra nuclear total é remoto.

BOMBA
Previsáo: Catorze países teráo a bomba atómica, inclusive o Bra
sil (Robert Weil e Bem Bova, futurólogos americanos, 1982).

131
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

Realidade: india e Paquistáo tém a bomba atómica, mas o Brasil nao.


AMBIENTE

Previsáo: A Floresta Amazónica desaparecerá por volta do ano


2000 (Robert Weil e Bem Bova, 1982).

Realidade: A destruicáo da Floresta Amazónica preocupa, mas a


Amazonia aínda está em seu lugar.
AGRICULTURA

Previsáo: As superficies marinhas da Antartica e da Lúa seráo


adaptadas para a plantacáo de lavouras. Parte da humanidade vivera em
cidades subterráneas (Andrei Sakharov, físico nuclear russo, 1974).
Realidade: Em se plantando, a térra tudo produz, mas somente
neste planeta.

ENERGÍA

Previsáo: Centráis orbitais transformaráo a energía solar em eletri-


cidade, que será transmitida á Térra por microondas (Isaac Asimov, 1981).
Realidade: Nao funcionou, nem em testes.
CARRO VOADOR

Previsáo: O automóvel e o aviáo, duas das maiores invencóes,


seráo combinados e o resultado será o aerocar, o carro voador (Moulton
Taylor, inventor americano, 1946).

Realidade: Automóvel e aviáo continuam fazendo sucesso, mas


separados.

METRÓPOLE
Previsáo: Sao Paulo será a segunda maior metrópole do mundo,
com 26 milhoes de habitantes (Relatório sobre Populacáo das Nacoes
Unidas 1979).

Realidade: Sao Paulo tem 17 milhóes de habitantes.


A DOENCA VENCIDA

Previsáo: As pessoas morreráo apenas em acidentes, mas nao


definitivamente. Os mortos seráo congelados para ser tratados mais tar
de (Esfandiary, futurólogo e consultor das Nacoes Unidas).
Realidade: As doencas continuam matando.
ESPACO

Previsáo: Haverá mais seres humanos vivendo no espaco do que


na Térra (Gerard K. O'Neill, professor de Física da Universidade Princeton
132
PROFECÍAS DESMENTIDAS _ 37

e autor do livro Colonias Humanas no Espago, 1980).


Realidade: Continuamos com os pés no chao.

FAMILIA

Previsio: A familia será substituida por clubes de amigos. Todos


trabalharáo menos, ganharáo menos, assistiráo menos á televisao (Ernest
Callenbac, autor de Ectopia, 1981).
Realidade: A vida ainda gira em torno do núcleo familiar.
SAÚDE
Previsáo: O controle químico do envelhecimento dobrará o tempo
de vida das pessoas (Harry Srine, consultor dos Institutos Smithsoman,
Hudson e do Futuro, 1981).
Realidade: So em ratos de laboratorio, por enquanto.

TRABALHO
Previsáo: As pessoas viveráo mais, trabalharáo menos e se apo-
sentaráo mais cedo. Teráo ferias mais tongas e jornadas de trabalho mais
curtas. Num ano, trabalharáo 147 dias e descansaráo 218 días (Hermán
Khan, 1967).
Realidade: As pessoas ainda trabalham 218 dias por ano e des-
cansam 147.

DROGAS
Previsáo: A cocaína será legalizada. A legalizacáo da maconha
ocorrerá antes e servirá para aumentar a arrecadacáo de impostas (Shelley
Levitt, editora da revista High Times de apología das drogas, 1981).
Realidade: O consumo de drogas é a tragedia de sempre e o com
bate ao tráfico virou guerra.

CONSUMO
Previsáo- O prego do barril de petróleo chegará a 75 dólares e a
industria automobilística declinará. As familias substituiráo o automóvel
pela bicicleta e pela motocicleta (David Pearce Snyder, editor da revista
TheFuturist, 1981).
Realidade: O automóvel está firme e forte. O barril de petróleo
custa 23 dólares.

COMUNISMO
Previsáo- O comunismo dominará o mundo, com excecáo dos
Estados Unidos, do Canadá e da Australia. A Europa Ocidental se torna-
133
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

rá satélite da Uniáo Soviética (Timothy Leary, gurú americano da


contracultura nos anos de 60).

Realidade: A Uniáo Soviética acabou em 1991 e o comunismo


sobrevive em estado puro apenas em Cuba e na Coréia do Norte.
POPULACÁO
Prevísáo: O mundo terá 7 bilhóes de habitantes. O Brasil 212 m¡-
Ihóes (Hermán Kahn).

Realidade: O mundo tem 6 bilhoes de habitantes e o Brasil 160


milhóes.

O BRASIL NA MISERIA
Prevísáo: O Brasil terá urna renda per capita de 506 dólares e um
produto interno bruto de 246 bilhóes de dólares (Hermán Kahn, futurólogo
americano no livro O ano 2000, de 1967).

Realidade: A renda per capita brasileira é de R$ 5 413 e o PIB


beira os 864,11 bilhóes de reais1.
O COMPUTADOR

Previsáo: O mercado mundial terá lugar para cinco computadores


(Thomas Watson, fundador da IBM, 1943).

ReaNdade: Já foram fabricados 300 milhoes de computadores


pessoais em todo o mundo.

SEXUALIDADE

Previsao: O ato sexual perderá importancia. O intercurso deixará


de ser tao popular. O uso de anticoncepcionais entrará em declínio e o
debate homossexualidade versus heterossexualidade nao terá mais
sentido (Shere Hite, autora do Relatório Hite, urna pesquisa sobre a se-
xualidade feminina em 1980).

Realidade: É obviamente muito diversa do previsto.


TRÁNSITO
Previsáo: Carros voadores facéis de pilotar e baratos seráo o so-
nho realizado de consumo da classe media.

Realidade: Na hora do rush os carros andam a 6 quilómetros por


hora, velocidade das carruagens do século XIX.
ESPORTE

Previsáo: O recordé de Bob Beamon no salto em distancia (8,90


1 Dados extraídos do JORNAL DO BRASIL, de 3/12/99, p. 12.

134
PROFECÍAS DESMENTIDAS 39

metros) só será superado daqui a 1000 anos (Robert Weil e Bon Bova do
livro The Omni Future Almanac, de 1982).
Realidade: O recordé resistiu 23 anos. Fo¡ batido pelo americano
Mike Powell em 1991; ele saltou 8,95 metros.
Este dados evidenciam claramente quanto é fácil enganar-se no
tocante á previsáo do futuro. O repórter de VEJA o enfatiza ao escrever á
p. 159:

"O patrono do catastrofismo é o inglés Thomas Malthus, que viveu


no secuto XVIII. Ele previu que a humanidade nao escaparía da fome.
Seu cálculo parecía infalível: a populagáo crescia geométricamente (1,2,
4, 8, 16, 32,...) e a produgáo de graos aritméticamente (1,2,3, 4, 5, 6,...).
Trombou com a realidade porque a produgáo de graos se deu num ritmo
centenas de vezes mais forte do que o crescimento populacional. Malthus
nao poderia ter enxergado isso no tempo em que vivia, quando cada grao de
trigo semeado produzia dez outros num ano bom e cinco num ano ruim".
Passemos agora ao campo da futurologia religiosa, onde pululam
igualmente prognósticos assustadores destituidos de todo fundamento.
2. No setor religioso

Sao numerosas as publicacóes voltadas para a temática de catás


trofes e fim de urna era ou fim do mundo. Apoiam-se em textos bíblicos
mal interpretados e em revelacoes particulares, sujeitas a crítica. Dentre
as muitas obras sobre tal assunto, vai, a seguir, citada a de Carlos Rae
que tem por título: "O Fim do Mundo e o Futuro da Humanidade á Luz das
Profecías e da Ciencia", Casa de José de Alencar/ Programa Editorial 1997.
O autor fala de "Astrolatria e Astrologia Suscitadas por Lucifer" (cap. 10),
"Última Remessa de Almas para Almateca de Hades" (cap. 32), "Reino
Messiánico de Mil Anos" (cap. 34)... A p. 73 apresenta o capítulo 28 com o
título "Quando acontecerá o Prodigio", que na sua íntegra afirma o seguinte:
«28 - Quando Acontecerá o Prodigio
Bem. Agora queja sabemos como será realizado o evento, e quem
acenderá a fogueira, resta perguntar:

"E quando será que isso vai acontecer?"

Perguntado a respeito, o Homem Jesús respondeu:


"Acerca daquele dia e da hora ninguém sabe, nem os anjos do céu,
nem o Filho, senáo somente o Pai". Mt24, 36-42; Me 13, 32
Mas, apesarde nao se poderprecisar nem o dia, nem a hora, póde
se concluir, pela fala dos profetas, que o Fim do Nosso Mundo está próxi
mo. Mt24, 32-34; Me 13, 28-30; Le 21, 29-31

135
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

Está marcado para acontecer ao completar 6.000 anos, ou seja, 6


dias no calendario sideral do Deus Jahveh, a contar desde a críagao do
Homem Adáo, os 6.000 anos de atuacáo legal de Lucifer. Gn 2, 1-3
De acordó com os cotejos dos estudiosos de datas históricas e
registros genealógicos da Biblia, estaríamos agora, em 1996, no ano 5 996
na historia do Homem.

Considerando exatos os cotejos, que, alias, foram feitos com toda


a minudéncia, o nosso mundo só teña mais 4 anos pela frente.
Todavía poderá haver ainda algum erro na contagem do tempo,
pois existem pequeñas discordancias nos cálculos, que podem nos ren-
der mais um ou dois anos de governo de Lucifer.
É curioso encontrar vaticinios de videntes profanos, como o con-
troverso Nostradamus, apontando o ano 2.000 para o temido evento.
Alguma ajuda, quigá demoníaca, tiveram eles ñas suas conjeturas,
pois Lucifer sabe muito bem até quando vaioseu mandato autorizado, sé
bem que ele é muito mentiroso».

Como se v§, o autor cita as Escrituras como um cristáo, mas desig


na o Senhor como "o Homem Jesús".

Atribuí ao mundo a duracáo de 6.000 anos, correspondentes aos


seis dias da criacáo, pois mil anos nossos seriam como um dia para Deus
(cf. 2Pd 3, 8). Este modo de calcular a duracao do mundo é arbitrario,
embora proposto mais de urna vez na literatura apocalíptica. Estaría o
género humano terminando o sexto milenio da sua existencia - o que
nao condíz com as afirmacóes da ciencia, a qual reconhece a duracáo de
mais de um milháo de anos para a especie humana. Paradoxalmente
Carlos Rae diz que fala em nome das Profecías e da Ciencia!
O autor julga que os seis milenios de existencia do ser humano
estáo sob o governo de Lucifer - o que também é gratuito. A Providencia
Divina rege a historia da humanídade e concede a Satanás agir no mun
do dentro de um plano sabio e santo.
A evocagáo de Nostradamus para corroborar a data de 2000 para
o fim do mundo nao procede, pois, segundo os comentadores,
Nostradamus propós tres datas para a consumacáo da historia: 1999,
2769 e 3797! Muito menos se pode dizer que Lucifer "ajuda os videntes"'
comunicando-lhes segredos que só ele e Deus conhecem.
Chama a atencáo ainda a ressalva que Carlos Rae faz as suas
interpretares: se o mundo nao acabar em 2000, acabará um ou dois
anos depois, já que "pode haver algum erro na contagem do tempo"!
O espécimen de profecías contemporáneas aqui analisado eviden
cia o balxo teor de credibilidade que merece tal género literario.
136
Descobrindo o passado:

QUE LÍNGUA(S) FALAVA JESÚS?

Em síntese: Em nossos días as escavagóes e pesquisas de histo


ria permiten) reconstituir com certa precisáo o ambiente em que Jesús
viveu, pregou e encerrou sua missáo. Pode-se dizer, em conseqüéncia,
que Jesús falava o aramaico como língua materna, o hebraico como lín-
gua sagrada, utilizada no culto divino, e o grego, que havia penetrado na
Palestina desde o século II a.C. Jesús nao freqüentou as escolas superi
ores de rabinos, mas surpreendia a todos pela sabedoría que Ele mani-
festava desde os doze anos de idade no Templo (cf. Le 2,47; 4,22; Jo 7,15).
* * *

As explorares arqueológicas e papirológicas da Palestina permitem


reconstituir sempre melhor o ambiente em que Jesús viveu. O Pe. Giovanni
Magnani S.J., professor da Universidade Gregoriana de Roma, tem-se dedi
cado ao estudo da geografía física e humana de Jesús; donde resulta o livro
"Jesús Construtor e Mestre. Novas Perspectivas sobre seu ambiente de Vida",
Ed. Santuario 1998,140 x 210mm, 272 pp. Deste livro váo, a seguir, extraí
das as ponderacóes do autor sobre o trilingüismo de Jesús, tema este que
dá ocasiáo de se reconhecer melhor a figura humana do Senhor...

1. Importancia da temática

O livro é apresentado pelo Pe. Ugo Vanni S.J., também ele profes
sor da Universidade Gregoriana. Comeca citando sabias palavras do poeta
alemáo Johann Wolfgang von Goethe (t 1832): "Se quiseres conhecer a
poesia de um poeta, deverás conhecer sua térra".
Observa que a geografía física, entendida como a configuracáo do
solo que determina urna paisagem, influí sobre a pessoa em muitas de
suas experiencias desde a infancia; permanece como o referencial mais
espontáneo das imagens que usará em sua vida adulta. Acrescente-se-
Ihe, como outro fator muito influente, a geografía humana, constituida
pelas atividades do trabalho, da cultura, e pelos intercambios com outras
pessoas com as quais o homem convive.
Daí a pergunta: qual foi a geografía física e humana de Jesús?
A resposta para esta pergunta era, até pouco tempo atrás, muito
simples: Jesús cresceu na grande familia de Nazaré, pequeña aldeia
perdida ñas colinas da Galiléia, e assimilou a mentalidade humilde da
gente do campo. A sua infancia e a sua juventude foram marcadas pelo
137
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

trabalho manual desenvolvido nos limites da aldeia. Somente após sair


de Nazaré terá Jesús entrado em contato com as varias correntes cultu
ráis do seu tempo e terá agido e interagido com elas na época de sua
existencia que se chama "a vida pública".

Eis, porém, que estudos recentes levam a urna reavaliacáo de toda


a Galiléia. Com efeito; sabe-se hoje que Cafarnaum era um florescente
centro de trocas comerciáis; ai era notável a atividade artesanal, desde o
trabalho com a pedra até o manuseio do vidro. A pesca era outra ativida
de característica de Cafarnaum e de todas as aldeias postas ao longo
das margens do Lago de Genesaré, de modo a provocar urna organiza-
cáo de tipo industrial. Pode-se afirmar outrossim que Nazaré nao era
apenas urna pequeña aldeia perdida; distava apenas 7 km de Séforis,
construida em estilo helenista no tempo de Jesús, com um teatro dotado
de 5.000 lugares; nao se achava em isolamento, mas, ao contrario, esta-
va em contato com o circuito movimentado da cultura judeo-helenista.
Donde se percebe que Jesús, menino e adolescente, viveu em ambiente
que tinha sua importancia cultural e sofría a influencia das diversas cor-
rentes que caracterizavam o Próximo Oriente do século I da nossa era.
Tais premissas abrem o caminho para responder á pergunta: Que
língua(s) falava Jesús?

2. Os idiomas de Jesús

Os pesquisadores concluem que Jesús conhecia tres idiomas: o


aramaico, o hebraico e o grego.

2.1. Aramaico

A língua materna de Jesús era o aramaico.

O aramaico era um idioma semita, muito próximo do hebraico, fala-


do pelas tribos que, por volta de 1200 a.C, invadiram as térras cultivadas
da Siria e da Palestina. As tribos aramaicas formaram um Estado-tam-
páo entre Israel e os assírios, de modo que já nos séculos VIII/VII a.C. o
aramaico era entendido tanto pelos assírios como pelos israelitas; cf.
2Rs 18, 6 (tempo do rei Ezequias de Judá). Aos poucos o conhecimento
dessa língua propagou-se de tal modo que no século V a.C. se tornou a
língua diplomática de todo o próximo Oriente antigo. No tempo de Jesús
o aramaico era a língua habitual dos judeus; distinguiam-se, porém, o
dialeto de Jerusalém e o da Galiléia; cf. Mt 26, 72. Em conseqüéncia, os
rabinos tiveram que traduzir os livros sagrados do hebraico para o
aramaico, resultando daí os chamados Targumim.

O texto grego dos Evangelhos está carregado de aramaísmos, que


bem revelam a origem desses livros na pregacáo oral de Jesús e dos
Apostólos; o pensamento aramaico original está subjacente á atual for-
138
QUE LÍNGUA(S) FALAVA JESÚS? _43

ma grega do texto sagrado. De modo especial sao atribuidos a Jesús


alguns vocábulos aramaicos conservados como tais no texto grego; as-
sim talitha kum em Me 5, 41; Eloi, Eloi, lema sabachtháni em Me 15,
341- effathá em Me 7,34; abbá em Me 14,36; rabí em Mt 23,7s; mamona
emMt 7,24; Le 16,9-13; satán em Me 3,23.26; Le 13,16; Pascha em Mt
14 14s; Kepha em Jo 1, 42. Contam-se 26 palavras aramaicas transcri
tas tais quais nos Evangelhos além de locucóes típicamente semitas,
como Simáo bar Joña em Mt 16,17; carne e sangue (bom senso natu
ral) em Mt 16,17; meu Pai que está nos céus em Mt 16, 17; porta do
Hades ou do Cheol em Mt 16,18; ligar e desligar em Mt 16,19...
2.2. Hebraico
Jesús também conhecia o hebraico. Este era a língua original do
povo de Heber (cf. Gn 11,14-17; 1 Cr 1,25; Le 3,35) ou do povo israelita. No
século V a.C, como dito, cedeu ao aramaico, mas nao por completo. Com
efeito, quando em 587 a.C. se deu a deportacao dos judeus para a Babilonia,
nem toda a populacáo de Judá foi levada para o exilio; muitos ficaram em
sua térra natal, continuando a falar o hebraico como dialeto próprio, dialeto
que aos poucos se foi diferenciando do hebraico sagrado ou hebraico do
culto divino; assim alterado, tomou-se a língua da Michná ou dos comenta
rios que os rabinos faziam á Lei de Moisés a partir do século II a.C.
Ñas sinagogas eram lidos a Tora (Lei) e os livros dos profetas em
hebraico, depois traduzidos para o aramaico e comentados em aramaico
nos lugares em que este era o idioma mais conhecido. Ora em Le 4,16-
19 tem-se a noticia de que Jesús, segundo o seu costume, entrou na
sinagoga em sábado e se levantou para fazer a leitura, que foi a de Is 61,
1s; té-lo-á comentado em aramaico. Deste episodio se depreende que
Jesús estava habituado a ler o hebraico sagrado.
Para corroborar esta conclusáo, observa-se ainda o seguinte: um
judeu que participava das discussoes na sinagoga, como Jesús (cf. Me
1 21) e no Templo de Jerusalém(cf. Me 11,27) e debatía sobre a halakah
ou questóes jurídicas relativas a casamento e divorcio (cf. Mt 19,3), sem
dúvida devia conhecer e falar o hebraico da Michná.
2.3. Grego
Também se julga que Jesús conhecia e falava o idioma grego koiné
ou tornado comum após a dilatacáo do Imperio de Alexandre Magno da Ma-
cedónia (336-323), que estendeu seu dominio sobre a Palestina. O ambien
te do país de Jesús foi desde entáo mais e mais penetrado pelo grego e pela
cultura helenística. Examinemos os principáis aspectos dessa penetracao.

t Em Mt 27 46 lé-se Eli, Eli, lema sabachtháni, em vez de Eloi, Eloi... Mateus


conservou a forma hebraica do vocábulo, ao passo que Marcos refere a forma
aramaica.

139
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000
2.3.1. Influencia grega

Após a morte de Alexandre Magno (323), o Imperio é repartido entre


os seus diádocos ou generáis, «cando a Palestina sob o governo dos
Ptolomeus Lágidas do Egito até o ano de 200, quando comeca a hegemonía
dos Antíocos Seiéucidas da Siria sobre o país de Israel. Em 63 a.C. sao os
romanos que passam a dominar o país. Essa longa predominancia de es-
trangeiros de cultura helenística nao podia deixar de influir ao menos na
linguagem e em certos costumes do povo que habitava a Palestina (israelitas
ou estrangeiros). Em 331 foi fundada a cidade de Alexandria no Egito, para
a qual aflui urna colonia judaica muito próspera, que mantinha intercambio
com os compatriotas remanescentes na Palestina; em Alexandria foi efetu-
ada a traducáo dos livros sagrados para o grego entre 250 e 100.
Com efeito. Já antes do século I tém inicio as centenas de inscri-
cóes gregas encontradas na Palestina; atestam quanto a nova língua se
tornou idioma do povo local. Outras numerosas ¡nscricoes gregas adia
das fora da Palestina mostram diferencas lingüísticas em relacáo a elas
- o que confirma a conclusáo de que existia um grego falado na Palesti
na com suas modalidades próprias.

As cidades helenistas da costa palestinense ou da Decápolis ti-


nham suas moedas com ¡nscricóes em grego; desde o século I a.C. as
moedas judaicas eram bilingües e finalmente sob Herodes (t 4 a.C.) as
¡nscricoes monetarias eram redigidas apenas em grego. Juntamente com
a língua, foram entrando na Palestina muitos outros elementos de civili-
zacáo: assim os sistemas de peso, cálculo e costumes comerciáis
helenísticos foram introduzidos. Os sistemas de administracáo e de taxa-
cáo de ¡mpostos, utilizados pelos Ptolomeus Lágidas, a instituicáo de
agencias fiscais, a cobranca de taxas mediante os malquistos publícanos
eram elementos helenísticos que foram conservados até a época de Cristo.
Alias, observa-se que muitos dos aspectos da vida da sociedade
descritos nos Evangelhos nao seriam compreensíveis se nao se levasse
em conta a presenca de um mundo de origem grega e dos costumes
civis helenistas,... costumes civis que nao suprimiram a coeréncia religi
osa de Israel voltada para um monoteísmo rígido. Os modos helenísticos
persistiram lado a lado da fundamental fé judaica.

Na Galiléia, onde Jesús viveu sua infancia e juventude e onde se de-


teve longamente durante a sua vida pública, pequeños artesáos, comercian
tes, produtores viram-se na necessidade de aprender os rudimentos da lín
gua internacional de entio, a saber: o grego koiné, pois a Galiléia era lugar
de intensa rotatividade e de muito comercio. Além do mais, a 7 km de Naza-
ré achava-se a cidade de Séforis, onde certamente se falava o grego. Díga
se o mesmo das vizinhas cidades de Tiberíade, Citópolis, Ptolemaida...

140
QUE ÜNGUA(S) FALAVA JESÚS? 4S

Dois dos apostólos de Jesús tinham nome grego: André e Filipe.


Este último parece ter sido o mais capaz de sustentar urna conversa com
os gregos, talvez prosélitos do judaismo1; conforme Jo 12, 21 s, ele foi o
intérprete que levou a Jesús o anseio desses estrangeiros. Mateus-Levi,
cobrador de impostos, fiscal da alfándega, que devia cobrar o imposto
sobre o peixe, havia de ser conhecedor do grego. Os oficiáis de Herodes
e seus sucessores falavam o grego.

Vé-se assim que Nazaré nao era urna aldeia ¡solada ou perdida
ñas colinas da Galiléia. Especialmente a cidade de Séforis deve ter pro
vocado o intercambio de Nazaré com a cultura helenista, que se exprimía
no grande teatro da cidade. Na época de Jesús esse teatro comportava 4
a 5 mil lugares para os espectadores das comedias gregas (nao as havia
em aramaico); desses espetáculos deviam participar nao sonriente mui-
tos dos 25 ou 30.000 habitantes de Séforis, mas também numerosos
habitantes das aldeias vizinhas. Donde concluí B. Schwank:
"Pudemos obter, através das escavagóes do teatro de Séforis, pela
primeira vez e de modo totalmente inesperado, urna compreensáo dos
conhecimentos lingüísticos dos estratos populares da Galiléia no tempo
do Novo Testamento. Entáo o povo da Galiléia falava mais de urna Im-
aua- e isto nao é para causar admiragáo... Desde o fim do século VIII aC.
a Galiléia era o galit, ou seja, 'o territorio dos pagaos'" (Is 8,23: a Galilea
das nagóes gentias)".2
Em vista disto, pode-se afirmar que Nazaré nao escapava á órbita
do comercio e dos intercambios culturáis existentes na Galiléia...
O uso do grego em tal regiáo e na Palestina, de modo geral, é
comprovado ainda pelos seguintes dados:
Em Atos 10 Pedro fala em grego com o centuriáo Cornélio, da coorte
itálica e com seus homens em Cesaréia marítima. Em At 23,12-32 um
sobrinho de Paulo narra, em grego, ao centuriáo romano o que por acaso
ouvira dos judeus que tramavam a morte de Paulo (em aramaico?). Fia-
vio José, historiador judeu do século I d.C, apresenta o general romano
Tito a falar em grego, sem intérprete, aos habitantes de Jerusalém. O uso
das duas línguas é bem perceptível na historia de Sao Paulo: em At 21,
37 pergunta-lhe o tribuno: "Falas grego?", já que ouvira o Apostólo
interpelá-lo nessa língua; autorizado pelo magistrado, Paulo entao falou
á multidáo "em hebraico = aramaico".

' "Prosélito" (de proséiyios, o que se ajunta) era o gentío que aderia á fé judaica, era
circuncidado e observava a Lei de Moisés. - Tementes a Deus" eram os Pasque
abandonavam a idolatría para prestar culto ao único Deus professado por Israel,
todavía sem se obrigar a seguir a Lei de Moisés.
2 Ote neuen Ausgrabungen In Sepphoris, BK42, 75-79, 1987.

141
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000
2.3.2. E Jesús?

Os Evangelhos nos dáo a ver Jesús em coloquio com personagens


de hngua grega, sem precisar de intérprete. Assim falou com Pilatos (cf
Jo 19, 33-38), com o centuriáo romano em Mt 8,5, com os gerassenos e
os habitantes da Decápolis (cf. Mt 4, 25; Me 3, 8; 5, 1; 7, 31; 15, 2- Jo 6
1). Em Jo 7,35 perguntam os judeus: "Porventura irá ele para o meio dos
judeus dispersos entre os gregos para ensinar aos gregos?"; parece nao
naver duvidas quanto ao idioma que Jesús usaría. Ainda: o Senhor foi á
Siro-Fenícia e conversou com a mulher cananéia (Me 7, 26 mulher
hellenís, isto é, urna paga de língua grega). Jesús falou aos gregos no
día de Ramos; cf. Jo 12, 20-23.

3. Conclusáo

Como se depreende de quanto foi dito, Jesús, como homem, devia


conhecer as tres línguas que, em diversas proporcoes, eram utilizadas
em seu país natal. Em particular, o conhecimento que Jesús tinha das
Escrituras (cf. Le 24, 25-32; Jo 5, 39.45-47), leva G. Magnani a refletir:
"Que dizer no caso de umjudeu piedoso particularmente enamora
do pela Escritura, pela Palavra de Deus?

Hoje em dia qualquer um pode ter urna Biblia impressa e completa


Custa relativamente barato. Nos tempos de Jesús escrevia-se emperga-
mmhos. Para se ter um quarto de urna folha, era necessária a pele curti
da de urna ovelha... Para urna obra como o Evangeího de Marcos o mais
curto dos quatro, necessitar-se-ia de um rebanho. Além disso, era preci
so pagar o amanuense (ou escriba). Os pregos eram proibitivos até para
urna pequeña comunidade. Escrevia-se também no papiro, mas este ti
nha o inconveniente de ser muito frágil e fácilmente perecivel.
As comunidades judaicas possuíam, guardados em suas sinago
gas, a Tora, os Profetas e partes ou trechos dos livros restantes. Poristo
depois da primeira aprendizagem, o exerefeio da leitura, também o estu-
do seguinte, eram feitos na sinagoga ou em locáis próximos a ela onde
se guardavam os livros sagrados. O Evangeího nos diz que Jesús era
assiduo na freqüéncia da sinagoga (cf. Le 4, 16). Isto nao faz sentido só
para a vida pública, mas é um costume anterior. Conhecedor atento e
interprete da Escritura, Jesús citava a Biblia em sua forma hebraica
(massoretica) e a utilizava de acordó com os costumes judaicos aprendi
dos (veja, por exemplo, as disputas) ñas sinagogas" (pp. 260s).
G. Magnani assim encerra o seu livro, que bem merece a atencáo de
quem deseja aprofundar seus conhecimentos de Evangeího e adquirir no-
coes que ajudem a dissipar mal-entendidos hoje fácilmente disseminados.
Estéváo Bettencourt O.S.B.
142
TESTEMUNHOS DO LESTE EUROPEU (I)

Real¡zou-se em Roma no mes de outubro pp. o Sínodo Especial


dos Bispos da Europa. Falaram entáo varios Bispos, levando seu depoi-
mento pessoal sobre a fé em seü respectivo país, pois a assembleía ti-
nha por tema geral: "Jesús Cristo vivo na sua Igreja, Fonte de Esperanca
para a Europa". Entre outros, falou o Sr. Bispo D. Antón Justs, de Jelgava
(Letónia), cuja memorável intervencáo vai abaixo transcrita:
«Desejo ressaltar sobretodo que Cristo está vivo no meu País, na
Igreja da Letónia.
No dia 15 de Agosto, festa da Assungáo, o nosso santuario mañano
de Aglona na Letónia atrai 1/10 da popuiagáo letá. Nao estáo presentes
só os católicos, mas também os luteranos e os ortodoxos, os batistas e
os seguidores de outras denominagóes religiosas. Todos precisam de
aluda todos se dirigem á Virgem María para pedirá sua oragáo de ínter-
cessáo. O santuario de Nossa Senhora de Aglona na Letónia atrai eren-
tes e náo-crentes.

Um ex-membro do partido comunista, educado na ideología sovié


tica perguntou: 'É este o lugar onde poss recitar a minha oragáo de inter-
ces'sáo?' Que se trate de 'per Mariam ad lesum' ou só de urna pessoa,
sobrecarregada pelos fardos quotidianos, que se dirige a Jesús para Ihe
pedir ajuda, a oragáo é a mesma: 'Senhor ajuda-me'.
Urna 'babushka' idosa, que passou muitos anos num gulag siberiano,
reza pelos seus netos, para que perseverem na fé e nao sejam vítimas
das seitas que estáo a invadir a Letónia.
A esperanga para a Europa é constituida pelas oragóes do nosso
povo oragóes com as quais nao só pedimos, mas nos tornamos o que
estamos a pedir. Os nossosjovens na Letónia nao só rezam á Bem-Aven-
turada Virgem María, mas váo em peregrínagáo e caminham a pé durante
semanas rezando, meditando e visitando juntos o santuario de Nossa
Senhora de Aglona. As pessoas pobres ou sem recursos económicos
sao capazes de se ocuparem dos outros. Fazem-no por amor a Jesús
Cristo. Elas ultrápassam o próprio egoísmo para se doarem a Cristo.
A Europa do Leste reconquistou a liberdade e está a praticá-la.
Mas nao podemos estabelecer os anos que sao necessáríos para alean-
car esse objetivo. Sería injusto pedir a urna crianga de nove anos que
seja um jovem de dezoito. Cada um dos nossos Países da Europa do
Leste tem a sua historia, a sua cultura e a sua situagáo económica. A
corrupgáo nao permite que os nossos países progridam. Onde serve a
143
1L "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 454/2000

coragem, está o desconforto. Onde ocorre clarividencia, existem dúvidas


e recelos. Onde a tarefa é clara, os outros interesses obscurecen) as
questoes. A causa do desconforto provém de nos mesmos. Nao conse
guimos ver como Deus».

Católicos, luteranos e batistas rezam juntos num santuario mariano!


m- . FDa!ou ° Cardeal Kazimierz Swiatek, Arcebispo de Minsk-Mohilev
(Bieío-Hussia):

«Os caminhos misteriosos da Providencia Divina dispuseram aue


60 anos do meu sacerdocio fossem ao servigo do ministerio pastoral na
Bielo-Russia, na zona do regime soviético ateu-materialista. Consecuen
temente experimente! os efeitos do sistema comunista, entre outras coi
sas, transcom 2 meses na cela da morte, e 10 anos nos campos de con-
centragao comunistas.

Depois da queda do sistema totalitario fui testemunha ocular e par-


ticipeí da conseqüente liberdade religiosa. A fé comegou a difundirse O
renascimento da Igreja é avallado como urna forga poderosa para o
renascimento espiritual da nagáo.

_ As conseqüéncias do comunismo: terrfvel vazio espiritual e a no-


gao de'homo sovieticus1. Do oeste chegam ameagas de pluralismo (a
liberdade entendida de maneira impropria). As diversas seitas represen-
tam o grande perigo.

O elemento fundamental dos debates deve ser a questáo da fé em


Cristo ressuscitado e vivo na sua Igreja. A liturgia deve ter um grande
papel. Dar testemunho com a própria santidade é a 'condigno básica para
urna auténtica evangelizagáo'. ™>«f**r*

tin » esperanca no Evangelho tem urna tal garantía que jamáis se ex-

Falou D. Klemens Rickel, Bispo Auxiliar da Rússia Européia:


<ann <<Como sacerdote católico da Diocese de Dresden-Meissen em
1990 transfen-me para a Uniáo Soviética a fim de ajudaras pessoas es-
palhadas pelo vasto territorio, que desde há 50-60 anos esperavam um
sacerdote. Elas resistiram e transmitiram a sua fé. Nem todos natural
mente. Tornara-se muito perígoso orarjuntamente com as criancas A cha
ma que permaneceu era pequenina, mas era urna chama, ou melhor, um
fogose se compara com a luz artificial da vida eclesial, da qual conheci
os diversos matizes. Poderla parecer urna exageragao, mas a verdade é
queeu, que vinha para ajudar, 'tive' de constatar que era eu que recebia
íí-m' HUíante tOdH-a- Vida nUnca senti táo VTanüe ale9ria Pela ™nha
chamada ao sacerdocio quanta experimente! no momento em que pude
administrar os Sacramentos a pessoas que os esperavam cómanselo»
144
PARA O ANO LETIVO:
2000
Que livros adotar para os Cursos de Teologia e Liturgia?
A "Lumen Christi" oferece as seguintes obras:
1 RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2a ed.), por Dom Cirilo Folch Gomes O.S.B.
(falecido a 2/12/83). Teólogo conceituado, autor de um tratado completo de Teología
Dogmática, comentando o Credo do Povo de Deus, promulgado pelo Papa Pauto VI. Um
alentado volume de 700 págs., best seller de nossas Edicóes RS 30,00.
2 O MISTERIO DO DEUS VIVO, P. Patfoort O. P. O Autor foi examinador de D. Cirilo para
' a conquista da láurea de Doutor em Teologia no Instituto Pontificio Santo Tomás de
Aquino em Roma. Para Professores e Alunos de Teologia, é um Tratado de "Deus Uno
e Trino", de orientacáo tomista e de índole didática. 230 págs R$ 18,40.
3 LITURGIA PARA O POVO DE DEUS (4a ed., 1984), pelo Salesiano Don Cario Fiore,
' traducáo de D. Hildebrando P. Martins OSB. Edicáo ampliada e atualizada, apresenta
em linguagem simples toda a doutrina da Constituicáo Litúrgica do Vat. II. E um breve
manual para uso de Seminario, Noviciados, Colegios, Grupos de reflexáo, Retiros, etc..
216págs R$7'90-
4. DIÁLOGO ECUMÉNICO, Temas controvertidos. 3a Edicáo.
Seu Autor D Estéváo Bettencourt, considera os principáis pontos da clássica contro
versia entre Católicos e Protestantes, procurando mostrar que a discussao no plano
teológico perdeu muito de sua razáo de ser, pois, nao raro, versa mais sobre palavras do
que sobre conceitos ou proposicoes - 380 páginas.
SUMARIO-1 O catálogo bíblico: livros canónicos e livros apócrifos - 2. Somente a
Escritura? - 3. Somente a fé? Nao as obras? - 4. A SS. Trindade, Fórmula paga? - 5 O
primado de Pedro - 6. Eucaristía: Sacrificio e Sacramento - 7. A Confissáo dos pecados
-80 Purgatorio - 9. As indulgencias - 10. Maria, Virgem e Máe - 11. Jesús teve
irmáos? - 12. O Culto aos Santos - 13. E as imagens sagradas? - 14. Alterado o
Decálogo? -15. Sábado ou Domingo? -16.666 (Ap. 13,18) -17. Vocé sabe guando? -
18. Seita e Espirito Sectario-19. Apéndice geral: A era Constantina RS 18,40.
RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE PR.
RENOVADO OU NOVA ASSINATURA (ANO DE 2000):
NÚMERO AVULSO
Perpunte e Responderemos ano 1998 e 1999:
Encadernado em percalina, 590 págs. com índice
(Número limitado de exemplares).... R$ 50,00 cada.
NOVIDADE!

AMAEDEJESUS
NO NOVO TESTAMENTO

por Dom Bento Silva Santos, OSB

"O acesso ao misterio de Maria, Virgem eMáe, no cristianismoprimiti


vo, sóépossível.ponanto, com um olhardefé. A compreensáo maisprofunda
da matemidade virginal de Maña dependerá de urna visáo espiñtual que
descortine neste mistéño a iniciativa absoluta de Deus, a inauguragao da
nova criacáo com o Novo Adáo e o sinal daftliaqáo divina efetiva deJesús.
Esta está estruturalmente unida ao nascimento virginal no seio de Maria:
propor afiliagao divina deJesús sem um 'sinal' na realidade concreta da sua
vida humana éo mesmo que renunciar ao realismo da Encamagao do Filho
de Deus. A perspectiva histórico-crítica deveser completadapor urna reflexao
teológica acerca do sentido e da signiftcaqao da agao salvífica de Deus como
tal" (Introdugao).

I Bento Silva Santos, A Mae de jesús no Novo Testamento. Santuario, Aparecida (SP), 2000 ]

Pedidos as Edigóes "Lumen Christi":


Mosteiro de S. Bento
Caixa Postal 2666
20001-970
Rio de Janeiro, RJ

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