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(UFPel, 1998)
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Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pelotas. Doutor em Filosofia pela
Universidade de São Paulo.
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O escrito A Visão Dionisíaca de Mundo (die dionysiche Weltanschauung) consta nas obras completas de
Nietzsche (ver bibliografia ) organizadas por G. Colli e M. Montinari, no volume I desta edição.
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Dioniso, deus antigo. A pesquisa das origens revela que Dioniso é um deus
muito antigo. Já na Grécia arcaica é afirmada sua epifania: é nesse sentido que
Tirésias fala de “tradições que vêm de nossos pais, mais antigas que o próprio
tempo” (Eurípides. As Bacantes, 201-202). Confirmando isso, as festas atenienses
mais antigas (Antestérias, Apartúrias e Oscofórias) são de algum modo dedicadas a
ele2.
O modo pelo qual Dioniso se revela faz dele uma divindade única e
incomparável. O deus se revela no ocultamento de uma máscara. Quase sempre
assume a máscara do estranho e do estrangeiro, oscilando entre a presença e a
ausência. Esse aspecto de estrangeiro é mostrado por Eurípides, na tragédia As
Bacantes, em que Dioniso é visto como divindade recente (filho de Zeus e
Sêmele), ou como filho da mortal Sêmele, ocultando assim a essência de sua
divindade4. Heródoto afirma que Dioniso foi o último deus reconhecido pelos
gregos (Histórias, II, 52). Alguns relatos afirmam que Dioniso teria vindo da Ásia
Menor, da Trácia, em meio a uma experiência religiosa marcada pela selvageria.
2
Cf. Brunel 1, p. 239.
3
Cf. Brunel 1, p. 234. Cf. também Detienne, p. 84ss.
4
Cf. Detienne, p. 27 ss.; cf. também Vernant e Naquet 19, p. 51 ss.
3
Os antigos afirmam ainda que Dioniso teve origem numa terra distante, seja ela a
Etiópia, o Cáucaso, a Índia. (Brunel 1, 235-237).
Dioniso não ocupa no panteão olímpico uma posição privilegiada. Por ser
filho de um deus e de uma mortal, ele é visto como herói ou semideus que passa
por sofrimentos, morrendo e renascendo deles. Os sofrimentos de sua infância são
relatados de diversos modos: Hera, a esposa ciumenta de Zeus, faz com que
Sêmele morra, pelos raios de Zeus, antes de seu nascimento; Hermes entrega a
criança a Ino, irmã de Sêmele. Após ser perseguido, Zeus transporta a criança às
ninfas de Nisa, onde novamente é perseguido, desta vez por Licurgo. Dioniso é
visto também como Zagreus (termo que significa, em trácio ou frígio, desfeito em
pedaços). Perseguido, despedaçado e devorado pelos Titãs, somente seu coração é
salvo por Atena, que o entrega a Zeus, ocasionando, assim, seu segundo
nascimento5.
5
Brunel 1, p. 240 ss. Cf. também Detienne 4, p. 27 ss.
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também se dedica, com a peculiaridade de que ele não se atém a uma pesquisa
erudita ou filológica acerca dessa figura mitológica, mas coloca-a no centro de suas
preocupações filosóficas. Cabe, então, analisar as versões do mito de Dioniso por
ele abordadas e quais os modos preponderantes de sua manifestação.
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Empregamos aqui o termo ‘metafísico’ no sentido de que Nietzsche visa nessa obra, através de sua
metafísica de artista, a uma abordagem plena e totalizante do mundo.
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Nos gregos Dioniso é expresso como estando ligado à arte, ou melhor, como
deus-artista. A pergunta sobre a origem de Dioniso é também a pergunta sobre a
origem da arte. “O grego conheceu e sentiu os temores e os horrores do existir:
para que lhe fosse possível de algum modo viver, teve de colocar ali, entre ele e a
vida, a resplendente criação onírica dos deuses olímpicos”. (NT 3, p. 36). A arte
surge como força da natureza, de uma natureza que aspira à transfiguração e à
exaltação de si. Admitida essa necessidade artística de transfiguração, ainda resta
uma questão: por que há a duplicidade entre arte dionisíaca e apolínea?
3. O dionisíaco grego
Após afirmar que as festas dionisíacas asiáticas eram marcadas por uma
excitação e por um arrebatamento selvático, Nietzsche afirma que o impulso
dionisíaco não surge na Grécia apenas como algo estrangeiro, que invade pouco a
pouco as fronteiras gregas. Contra esse dionisíaco grotesco, os gregos estavam
desde seus primórdios resguardados graças a Apolo. Apolo, enquanto deus da
medida e da moderação possibilitou que a barbárie dessas festas fosse refreada e,
faz uma aliança com o deus estrangeiro (o Dioniso trácio ou frígio); a arte dórica é
a expressão dessa aliança (NT 2, p. 33). Entretanto, os impulsos dionisíacos
surgiam também no cerne mais íntimo do helenismo. Apolo propõe uma
reconciliação, um pacto de paz com Dioniso, para evitar a violência desse culto
selvagem. Apesar disso, o abismo não foi encoberto e os limites impostos por
Apolo foram transpostos. À diferença das sáceas babilônicas, as orgias dionisíacas
dos gregos adquirem o sentido de festas de redenção universal e de dias de
transfiguração (NT 2, p. 34). Essas festas gregas são marcadas pelo excitamento,
pela violência comovedora e pela harmonia da música dionisíaca. A intensificação
das forças simbólicas na música, tal como ocorria no ditirambo dionisíaco, acarreta
também todo um simbolismo corporal, com movimentos rítmicos e bailantes de
todos os membros.
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Nietzsche não explica em pormenor o que eram as sáceas. Sabe-se que além de designar uma dança e festa
babilônica, para Heródoto e para outras fontes gregas “sáceas” referia a um povo cita. Cf. Guinsburg 13,
nota 24, p. 146 da obra Nascimento da Tragédia.
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Dioniso é mais originário que Apolo, por constituir o núcleo mais íntimo do
helenismo. Cabe agora explicitar o que traz Apolo e as demais divindades
olímpicas à vida. Analisando o passado recôndito dos gregos, a época pré-
homérica, Nietzsche constata que é na sabedoria popular que a “profunda e
pessimista consideração de mundo” está configurada. Nas raízes do mundo grego
está a percepção dos horrores e terrores da existência. Uma lenda ilustra essa
situação: o ‘sábio’ Sileno, ao ser indagado insistentemente pelo rei Midas acerca
do que é mais desejável ao homem, responde: “- Estirpe miserável e efêmera,
filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti
mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter
nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer”
(NT 3, p. 36).
próprio Dioniso, na medida em que se deixam moldar pelo artista dionisíaco dos
mundos. (NT 1, p. 32).
4. Dioniso na tragédia
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Com Eurípides inicia, contudo, o processo que levou à morte a tragédia grega. Eurípides, aliado a
Sócrates, coloca no palco da tragédia as aspirações do público e a mediocridade burguesa. Entretanto, na
sua velhice, o último dos grandes trágicos gregos, apresenta num mito trágico o deus Dioniso domo todo o
seu poder; apesar de querer extirpar do solo grego as antigas tradições populares de raiz dionisíaca, o velho
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Ao passo que Apolo é uma divindade solar (NT 1, p. 29) que envolve a
existência no brilho e esplendor de sua luz e sabedoria, Dioniso é um deus noturno,
que nunca se revela inteiramente à luz (NT 3, p. 35), mas obriga Apolo a expressar
sua sabedoria através de imagens luminosas. Apolo é, nessa perspectiva, um clarão
de sol que irrompe da noite do mundo, da profunda e sombria consideração
dionisíaca. O fenômeno apolíneo pode ser visto como o surgir de “manchas
luminosas para curar a vista ferida pela noite medonha” (NT 9, p. 63). Também os
heróis apolíneos da tragédia são máscaras e “aparições” do proto-artista Dioniso,
“apenas uma luminosa imagem de nuvem e de céu que se espelha sobre um lago
negro de tristeza”. (NT 9, p. 67)
poeta rende-se e glorifica seu adversário. Infelizmente, Dioniso já havia se retirado do palco trágico. (Cf.
NT 11-14).
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haja perdido para sempre a sua pátria mítica, posto que continua
compreendendo com tanta clareza as vozes dos pássaros que falam
daquela pátria. Um dia ele se encontrará desperto, com todo o frescor
matinal de um sonho imenso: então matará o dragão, aniquilará os
pérfidos anões e acordará Brunhilde - e nem mesmo a lança de Wotan
poderá barrar o seu caminho!” (NT 24, p. 142)
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BIBLIOGRAFIA
17. _________ . Crepúsculo dos Ídolos (ou como se Filosofa às Marteladas); trad.
de Delfim Santos Filho. Lisboa, Guimarães Editores, 1985.
18. _________ . Ditirambos de Dionysos. Trad. de Manuela Sousa Marques.
Lisboa, Guimarães Editores, 1993.
19. VERNANT, J.P. e NAQUET, P.V. Mito e Tragédia na Grécia Antiga. Vol. II.
São Paulo, Brasiliense, 1991.