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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Rodrigo Martins Aragão

JORNALISMO E COLABORAÇÃO
Jornalistas, fontes e leitores na construção das informações

Recife
2008
1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO


CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Rodrigo Martins Aragão

JORNALISMO E COLABORAÇÃO
Jornalistas, fontes e leitores na construção das informações

Ensaio de conclusãod e curso apresentado ao


curso de Comunicação Social – Habilitação
Jornalismo, Departamento de Comunicação,
Centro de Artes e Comunicação, Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharel em
Comunicação Social.
Orientador: Prof Dr Alfredo Eurico Vizeu
Pereira Jr

Recife
2008
2

AGRADECIMENTOS

Este ensaio é meu e daqueles que me viram andar esse caminho.


Meus pais e meu irmão, por tudo. E principalmente pela paciência e confiança
durante todo o processo, que deu talvez a eles mais trabalho de acompanhar que a mim para
realizá-lo.
Minha família, pelo apoio incondicional.
Help, pela calma e pelos ouvidos e ombros a que tantas vezes recorri. Mais
importante que
Aos amigos pela força e pelas conversas. Geninha, Joana e Taís, com quem dividi
problemas de percursos semelhantes. Bê, Guida, Igor, Manu e Rafaz, pela disposição em
sempre apoiar, escutar, comentar, sugerir.
3

RESUMO

Estudo sobre as interseções entre o jornalismo e a comunicação colaborativa. A


interação entre os agentes sociais na forma de consumir e tornar públicas as informações. O
novo cenário da comunicação. A apropriação da colaboração na mídia tradicional. O caso
do Cidadão Repórter do Diario de Pernambuco.

Palavras-chave: Jornalismo; Comunicação Colaborativa; Internet

ABSTRACT

Study on the intersections between journalism and collaborative communication.


The interaction between the social agents on consuming and promoting news and
information. The use of collaborative tooles in Big Media. Te case of Diario de
Pernambuco‟s Cidadão Repórter.

Key-words: Journalism; collaborative communication; internet.


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SUMÁRIO

Agradecimentos 02
Resumo 03

Introdução 05

1. A Construção no Jornalismo 09
1.1 O newsmaking 09
1.2 A Agenda-setting 12
1.3 A Teoria Interacionista 13
1.4 Críticas aos processos 15

2. A Construção Coletiva 18
2.1 Internet e Comunicação Colaborativa 18
2.2 Jornalismo Colaborativo 21
2.3 Críticas 23
2.4 Novas Relações 24
2.5 Incorporações de ferramentas e modelo 26

3. O Cidadão Repórter 29
3.1 Estrutura 29
3.2 Participação 32
3.3 Conteúdo 34
3.4 Meio Tradicional 38

Considerações Finais 40
Referências 42
5

Introdução

Desde o ano de 2002 até este ano, 133 milhões de blogs foram criados (de acordo
com pesquisa realizada e divulgada pelo Technorati1). Até o momento três destes são
administrados por mim. O primeiro foi criado em 2004 – que é também o ano em que o site
norte-americano iniciou seus estudos sobre a blogosfera. Neste ano, o domínio que
administro fazia parte de um conjunto ainda pequeno de 4 milhões registrados no mundo.
Esse primeiro blog foi criado com o intuito de publicar algum conteúdo produzido
por mim, não conteúdo informativo, mas textos opinativos e literários. Essa costumava ser
a cara dos blogs – que já foram conhecidos como diários virtuais, em que as pessoas
publicavam acontecimentos comentários pessoais sobre sua vida e os acontecimentos de
seu dia. Ainda fazendo uso dos dados publicados no relatório anual do Technorati, pode-se
dizer que a vontade (e possibilidade) de se expressar continua sendo uma motivação para
criar e manter um blog – tendo sido a justificativa dada por 79% dos entrevistados pela
pesquisa. A escolha foi seguida pela vontade de dividir algum conhecimento ou experiência
(73%) e conhecer pessoas com interesses semelhantes (62%).
Esses dados, mesmo fazendo parte de uma pesquisa específica sobre o uso de blogs
pode servir de base para compreender um fenômeno ainda maior, o da internet. A rede de
computadores permite um acesso fácil à comunicação, liga pessoas de pontos distintos do
globo com rapidez, diminuindo distâncias. Assim, ao mesmo tempo que se pode receber
conteúdo de locais distantes, com rapidez, a rede (principalmente depois do surgimento das
redes de compartilhamento de ponto-a-ponto, ou p2p) também permite o envio de
conteúdos próprios; passando a ser utilizada para divulgação da produção de grupos
musicais, artistas, fotógrafos, escritores.
Assim, possibilitando as trocas entre seus diversos usuários, a rede deu início a uma
quebra de um esquema de comunicação em que apenas os poucos que tinham acesso aos
meios (econômicos, de comunicação, aos patrocinadores, etc) podiam ser reconhecidos por
sua produção; quebrando com um esquema vertical, ou broadcast, de difusão de
conhecimentos – em que poucos falam para muitos – popularizando o direito de expressão,
uma vez que qualquer conteúdo na rede pode estar acessível a qualquer um de seus

1
http://www.technorati.com/blogging/state-of-the-blogosphere/
6

usuários. O modelo um para muito (do broadcast) se transforma num modelo de


comunicação muitos para muitos, ou qualquer-um para qualquer-um.
Não só a facilidade de publicação – ainda que virtual – dos conteúdos produzidos
por seus usuários, a Internet ao possibilitar o acesso “democrático” a esse conteúdo, e o
contato entre produtor e receptor (ou produtores entre si), serve para desenvolver uma nova
forma de criação, coletiva, de significados. Cria uma produção colaborativa de conteúdos,
da qual pode participar qualquer indivíduo com acesso à rede.
Através de comentários deixados em um blog, fórum ou lista de discussão; na
reprodução, modificação ou complementação de conteúdos publicados; os usuários da rede
podem modificar o sentido das informações publicadas na primeira mensagem, ou
complementá-la, ou ratificá-la. Acabam, dessa forma, se tornando todos colaboradores
desse conteúdo.
A troca de informações, a produção de conteúdos e a colaboração utilizando a
Internet como meio ou base se popularizou, principalmente nos campos da cultura e da
tecnologia, sendo desenvolvidos em projetos de software livre, em que os usuários dos
programas podem fazer modificações no código fonte e re-disponibilizar o programa com a
alteração realizada; ou a wikipedia, enciclopédia em que os usuários podem escrever e
editar os verbetes.
No entanto, ainda que conhecendo esse processo de produção descentralizado e
colaborativo – e de certa forma participando dele, já que blogueiro e leitor de blogs desde
2004 –, foi com surpresa que, lendo o Diario de Pernambuco de 10 de abril de 20072
descobri que um site de jornalismo colaborativo 3 havia sido criado como parte do portal
associado a este jornal. Foi assim que, com certo atraso, descobri as tentativas de utilização
de processos colaborativos na construção das notícias. Desde então tenho me preocupado
com essa questão, buscando entender como se dá essa participação de não-jornalistas na
produção de notícias e informações.
Já tinha conhecimento de que, na rede, muitos sites e blogs discutiam
acontecimentos que mereciam relevância na mídia, e que muitas vezes, os portais
noticiosos faziam uso de material enviado por seus leitores (normalmente fotos e vídeos de

2
Para ler a matéria: http://www.pernambuco.com/diario/2007/04/10/urbana8_0.asp
3
http://www.pernambuco.com/cidadao
7

eventos ocorridos sem a presença de equipes de reportagem no local). Mas fui descobrindo
a existência de um movimento, se assim pode ser chamado, que vê uma mudança de
posição do leitor, que em lugar de apenas consumir as notícias, tem se tido um papel cada
vez mais importante na seleção, e produção da informação que lê.
Tanto que já há na Internet, e fora dela, no Brasil e no exterior, diversas
experiências desse formato de produção e publicação de informações que tem-se
convencionado chamar jornalismo colaborativo – mas que também é chamado de
participativo, cidadão ou open-source (em referência aos software de código-fonte aberto,
que em inglês são chamados open-source. Entre esse projetos, há o OhMyNews, site
coreano, com versão internacional em inglês que publica matérias de colaboradores
cadastrados em todo o mundo; SlashDot, site norte-americano especializado em conteúdo
sobre tecnologia; mesmo a revista Sou+Eu, da Editora Abril, sujo conteúdo é enviado por
seus leitores.
Esse quadro também pode ser visto no levantamento desse ano do Technorati, cujo
relatório mostra que 42% dos blogueiros enquadram seu blog na categoria “news” – que
pode ser traduzido como notícias ou informações. “News” é ainda o tag (adesivo ou
classificador) mais utilizado pelos blogueiros para classificar seus posts, chagando a ser
utilizado 191.403 vezes no mês de junho de 2008.
Dentro de um contexto histórico em que são contemporâneos, ao menos no Brasil o
movimento que pretende tornar obrigatória a posse do diploma de nível superior para a
realização do trabalho jornalístico e a busca por uma maior participação e representação
dos leitores na construção das notícias, torna-se importante uma discussão sobre essa forma
de difusão de informações. Uma discussão que problematize, a partir da forma como as
notícias são produzidas hoje, como pode ser encarado esse fenômeno, que mesmo se
assemelhando a uma “vontade de ser jornalista”, está também ligada à necessidade de
questionar a representação dada pela mídia a determinados temas, e à vontade de participar
ativamente da escolha dos temas que devem ser discutidos amplamente, em uma sociedade
mais e mais multi-facetada, de interesses e diversos em que minorias têm buscado o
reconhecimento e exercício de direitos.
Com esse intuito, o presente ensaio se inicia com uma tentativa de apresentar,
baseado nas teorias do jornalismo (principalmente nas teorias construcionistas, em especial
8

a interacionista, e a hipótese do agendamento) como se dá a produção de notícias, como as


relações entre os grupos envolvidos na produção e consumo da informação noticiosa (a
saber, fontes, jornalistas e leitores) dão forma ao jornalismo praticado nas redações. Esse
primeiro capítulo busca compreender que tipo de constrangimentos ou práticas (conscientes
ou “impostas” pela rotina de produção) podem influenciar para que certas fontes sejam
escolhidas em detrimento de outras e alguns temas e acontecimentos acabem recebendo
pouca ou nenhuma visibilidade na mídia.
Em seguida, o segundo capítulo introduz a questão do jornalismo colaborativo, que
vem sendo encarado como uma alternativa à mídia tradicional. Nesse momento, a discussão
se foca nas teorizações que já são feitas em relação a essa forma de comunicação e nas
críticas que também já se tem feito a essa prática. E, principalmente, entender como esse
“novo jornalismo” pode influenciar a forma como as notícias são feitas nos meios
tradicionais e como, mesmo sem ser reconhecido como forma de jornalismo por
profissionais e pesquisadores, essa prática já tem sido utilizada e incorporada por meios de
comunicação tradicionais, como os dois jornais pernambucanos previamente citados.
O capítulo três apresenta o estudo do Cidadão Repórter, primeiro projeto de
jornalismo colaborativo desenvolvido por uma empresa de comunicação em Pernambuco, a
partir dos princípios apresentados nas teorizações sobre o jornalismo colaborativo. A
análise análise é de cunho qualitativo.
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1. A Construção no Jornalismo

Desde que foram descartadas a teoria do espelho e a fábula de que o trabalho do


jornalista é imparcial – e que davam às notícias a imagem de uma representação perfeita
dos fatos, tais quais haviam acontecido –, os estudos sobre a teoria do jornalismo têm se
esforçado para identificar de que forma se dá a mediação dos jornalistas ao reportar os
fatos, transformá-los em notícias; entender o que são as notícias.
Desde então, as teorias têm-se focado no papel do jornalista, na sua atuação,
técnicas, processos de produção; em suas relações, dentro dos meios de comunicação, das
organizações das quais são empregados, com as fontes e seus representantes, com outros
meios, outros grupos da sociedade e com o público. Seriam esses, pois, os fatores que
determinariam como as notícias seriam.
Paralelamente a esses estudos, da constituição das notícias, outros pesquisados
buscaram avaliar de que forma essas mesmas notícias (cujos elementos constituintes
estavam sendo identificados) eram recebidas pela sociedade, qual seu impacto, suas
influências no público e na opinião pública.
Dessa maneira, as teorias e hipóteses sobre o jornalismo buscavam compreender, de
que maneiras as notícias eram construídas e como essas mesmas notícias construiriam, por
sua vez, a sociedade.

1.1 O newsmaking

Entre os estudos sobre a construção da notícia o newsmaking apresenta destaque


pelo aprofundamento que dá na questão dos processos produtivos aplicados pelos
jornalistas e pela compreensão da influência dos valores partilhados pela comunidade
profissional nas escolhas realizadas pelos indivíduos nesses processos. Através de estudos
etnográficos, de acompanhamento do trabalho dos jornalistas no dia-a-dia das redações, as
pesquisas baseadas nessa teoria conseguiram identificar porque as notícias são como são.
Os primeiros e principais determinantes da produção das notícias são os limites do
espaço e do tempo. Os acontecimentos noticiáveis podem se realizar a qualquer momento
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em qualquer lugar, enquanto os jornalistas têm que trabalhar sob a pressão da hora do
fechamento.
Traquina apresenta alguns dos mecanismos utilizados pelos meios de comunicação
para “face à imprevisibilidade, [...] impor ordem no espaço e no tempo” (2004, p.181).
Entre elas está a distribuição dos jornalistas em espaços onde é mais provável que a
ocorrência de acontecimentos noticiáveis – normalmente as capitais dos estados e cidades
de relevância econômica ou política. Mesmo falando da realidade de Portugal, o exemplo
de Traquina serve à realidade brasileira, ao dizer que o resto do país, é notícia quando há
algum tipo de desordem ou transtorno, como cheias, acidentes, greves ou crimes; ou
“quando serve de palco para os deslocamentos das autoridades institucionais” (2004,
p.182).
O fator tempo (o dead-line) parece ser o que mais determina a atividade jornalística,
uma vez que, os jornais têm um compromisso de fornecer (quase que) diariamente uma
certa quantidade de informações, de modo a preencher seu espaço na programação (da TV
ou do rádio) ou as páginas (do jornal ou das revistas). Atualmente, a falta de material
noticiável não tem sido problema, principalmente devido ao excesso de informações
enviadas pelas agências de notícias e assessorias de imprensa. No entanto, em meio ao mar
de releases, sugestões de pauta e acontecimentos um problema se estabelece: como
selecionar, apurar e produzir as matérias que serão apresentadas ao leitor; e também, como
fazê-lo antes do fechamento do jornal?
Uma das tentativas de impor ordem ao tempo, de trabalhar com ele é a criação de
uma agenda, na qual alguns temas ou acontecimentos são previamente selecionados para
ser notícia. Normalmente são acontecimentos que fazem parte do calendário político ou
social (eleições, carnaval), eventos programados (assinaturas de convênios, julgamentos,
depoimentos). Dessa forma, os jornalistas podem realizar um levantamento de informações
antes de o fato se desenrolar, poupando tempo para acompanhar seu desenrolar.
Além desses dois constrangimentos presentes no dia-a-dia de todas as redações, há
ainda outras rotinas, identificadas pelas pesquisas do newsmaking que têm papel
determinante na definição das notícias. Entre elas está a seleção das notícias. Além da já
citada agenda, é preciso que os jornalistas possam selecionar entre os do cotidiano, aqueles
11

não previstos e que devem ou não entrar no jornal; em alguns casos substituindo um tema
“agendado”.
Mesmo que o chamado “faro” para a notícia ganhe, ainda, bastante fama, e
contrariando o que dizia a teoria do gatekeeping, as observações gnósticas os critérios
utilizados para selecionar os acontecimentos que serão noticiados não são individuais, nem
mesmo subjetivos, mas fazem de um conjunto de valores comungados pelos membros do
grupo: os valores-notícia. Esses valores, ou critérios de noticiabilidade, são utilizados pelos
jornalistas na seleção de suas pautas.
Os valores-notícia, de acordo com Wolf (2001, p.200) são divididos por seus
critérios substantivos, utilizados para: avaliar a relevância e o interesse do acontecimento –
em que influenciam a sua atualidade assim como a hierarquia dos envolvidos e a
possibilidade de impacto sobre a sociedade; critérios produtivos, relacionados à forma
como esse acontecimento tomará forma no veículo; critérios relativos ao público, baseados
na compreensão que o meio têm de seu público e de suas expectativas; e relativos à
concorrência, em que a relação de um meio com os demais existentes no mercado.
Além da seleção de acontecimentos e fatos outro fator analisado pelo newsmaking é
a escolha das fontes, uma vez que serão essas as pessoas cujas falas e opiniões serão
tornadas públicas pela imprensa. Wolf (2001) apresenta 5 fatores considera que considera
responsáveis pela escolha de uma fonte em detrimento de outras. “Esses fatores são: a. a
oportunidade antecipadamente revelada; b. a produtividade; c. a credibilidade; d. a garantia;
e. a respeitabilidade” (2001, p.225). É interessante destacar entre esses fatores as sutis
diferenças entre credibilidade e garantia.
O primeiro deles – a credibilidade – está normalmente ligado a experiências
anteriores do jornalista com a fonte, ou seja: se informações anteriores foram confirmadas,
suas próximas contribuições podem ser consideradas críveis por si sós. Assim, fontes que
ganharam credibilidade em outras “negociações” acabam obtendo o valor da garantia;
servirão mesmo que sua história não possa ser confirmada por outras fontes. Já
respeitabilidade está ligada à autoridade (comumente institucional) que a fonte detém sobre
o tema, justificando a relevância de seu discurso.
A última etapa é o fim do processo produtivo, e talvez aquele em que as possíveis
interferências sejam menos óbvias: a redação e edição da notícia. Aqui, mais uma vez, é
12

clara a presença da influência do grupo sobre o trabalho individual, já que grande parte das
matérias produzidas busca seguir um modelo: a pirâmide invertida, na qual se concentram
no primeiro parágrafo do texto (o lide), as principais informações – respostas às perguntas
Quem? O quê? Quando? Onde? Como? Por quê? –, que serão desdobradas e acrescidas de
detalhes no restante do texto.

1.2 A agenda-setting

Além da percepção de que a notícia é uma construção dos jornalistas em seus


processos de produção, as pesquisas em jornalismo têm-se preocupado com o papel das
notícias na construção da sociedade: em identificar os efeitos da recepção das coberturas
jornalísticas no público. Isso porque, com seu desenvolvimento e expansão, a mídia se
tornou uma das (se não a principal) principais fontes de conhecimento na sociedade
contemporânea. É através delas que se obtém grande parte das informações que os
indivíduos vão utilizar na sua tentativa de compreender e atuar na realidade social.
Entre as contribuições para o estudo dessa influência do meio na percepção
individual e coletiva da sociedade está a teoria do agendamento (MCCOMBS e SHAW,
1972). Antes de prosseguir, é necessário fazer caracterizar essa influência, que segundo
Wolf (2001) cujos efeitos não são instantâneos, mas produzidos pela exposição à mídia (às
notícias) são cumulativos e, principalmente, de caráter cognitivo. Ou seja, além de perceber
que sua influência se dá no longo prazo – com uma exposição contínua do sujeito a ela –
compreende-se que a mídia não define as atitudes ou posicionamentos dos indivíduos, mas
os ajuda a construir suas representações da sociedade e de seus temas.
Assim, a mídia teria um papel definidor na agenda de interesses da sociedade,
ajudando a determinar quais assuntos merecem a atenção, a preocupação e o
posicionamento da sociedade. De acordo com os autores, “em conseqüência da ação dos
jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora presta
atenção ou descura, realça ou negligencia elementos espefícicos dos cenários públicos”
(SHAW, 1979: 1996 apud WOLF, 2001, p.144). Assim, a hipótese, em consonância com o
novo paradigma acredita no poder da mídia em influenciar, não na opinião do público, mas
sobre que temas é necessário ter uma opinião.
13

Noelle Neuman (1973 apud WOLF, 2001) apresenta 3 características dos meios que
estão ligados a essa relação entre conteúdo veiculado e interesse da sociedade. O primeiro é
a acumulação, que diz respeito à presença contínua de informações sobre um determinado
tema nos jornais e noticiários, dando a ele certa relevância. A segunda característica, a
consonância – bastante relacionada às rotinas descritas pelo newsmaking – aponta que
devido a semelhança nos processos de produção dos diversos meios seus produtos finais
costumam ser também parecidos, ou seja, mesmo empresas concorrentes acabam por
apresentar conteúdos bastante similares a seu público. Já a onipresença está associada à
superexposição das pessoas à mídia e aos conhecimentos e opiniões veiculadas nela.
McCombs e Shaw (1993) apontam também para a ampliação dessa teoria a partir
dos questionamentos sobre quem são os responsáveis por definir a agenda da mídia. Ou
seja, se é aceito que as notícias “nos dizem o que é que devemos pensar [...] e também
como devemos pensar sobre o que pensamos” (2000, p.131), torna-se necessário quem
define o quê pensam e como os jornalistas. Para isso, é necessária a compreensão das
relações que os jornalistas desenvolvem com os demais agentes da sociedade eles percebem
os acontecimentos que serão noticiados.

1.4 A Teoria Interacionista

Uma contribuição importante para compreender como o jornalismo é construído são


os estudos da interação, como desenvolvidos por Molotch e Lester (1974/1993 apud
TRAQUINA, 2004). Esses autores tentaram dividir os agentes envolvidos na produção do
jornalismo em três grupos: os promotores de notícia, os news assemblers ou organizadores
da informação e os consumidores de notícia. Os primeiros seriam as fontes, responsáveis
pelo desenvolvimento dos fatos e por sua divulgação aos jornalistas, o que justifica uma
subdivisão em executores – as fontes em si, os participantes ativos dos acontecimentos – e
informadores – que apenas fornecem informações sobre alguma ocorrência aos jornalistas,
como seria o caso dos assessores de imprensa. Já os news assemblers, seriam os jornalistas
mesmos, responsáveis pela produção das notícias e sua veiculação. Por fim os
consumidores seriam todos os demais, leitores e espectadores dos produtos jornalísticos.
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Como foi visto anteriormente, a seleção das notícias – segundo o newsmaking, está
ligada aos critérios de noticiabilidade dos acontecimentos que estão sendo promovidos. No
entanto, de acordo com a teoria interacionista, as notícias então seriam, também, produto da
interação entre esses atores, na qual os diversos promotores de notícias buscam chamar a
atenção dos jornalistas, de modo a dar visibilidade pública aos seus temas e ocorrências. Os
autores levantam então o acesso desses tais promotores ao campo jornalístico como fator de
influência para que suas sugestões sejam, de fato, transformadas em notícia. São destacados
três tipos de acesso: o acesso habitual, o disruptivo e o direto.
As fontes com acesso habitual costumam ser aquelas já tidas pelos jornalistas como
produtivas, credíveis e garantidas – como figuras políticas, cujas ações por si só já são
consideradas relevantes. Já o acesso disruptivo é utilizado pelos que, na realidade, não têm
acesso ao campo e para obtê-lo “têm de „fazer notícias‟, entrando em conflito, de qualquer
modo, como o sistema de produção jornalística, gerando a surpresa, o choque ou qualquer
forma latente de „agitação‟” (MOLOTCH e LESTER 1974/1993 apud TRAQUINA, 2004,
p.188). A terceira forma de acesso é restrita aos jornalistas, quando exercem sua atividade
de propor e selecionar pautas.
Assim, mesmo sublinhando “que o acesso habitual é uma das „importantes fontes e
sustentáculos das relações existentes de poder‟” (TRAQUINA, 2004, p.188), enquanto aos
demais agentes teriam a necessidade de recorrer ao conflito e à desordem para obter
visibilidade, os autores ainda apontam para uma certa “liberdade” dos jornalistas, a quem
cabe, de fato, o papel de decidir – e têm maior influência nessa decisão que qualquer outra
fonte – quais acontecimentos serão noticiados.
No entanto, há que se comentar o risco da utilização excessiva das fontes
corriqueiras. Se, como Wolf (2001, p.227-228) aponta, os constragimentos mesmos da
produção das notícias – como a pressão do tempo – podem levar os jornalistas a utilizar –
seja pela credibilidade e confiança atribuídas, ou pela rotinização do trabalho – apenas as
informações de suas fontes em na construção de suas narrativas.
Em estudo realizado com os dois principais jornais diários de Pernambuco, Santana
(2005) mostra como as “sugestões de pauta” enviadas por relações públicas ou assessorias
de imprensa acabam sendo utilizadas pelos jornalistas como recurso para driblar a falta de
tempo para apurar e buscar novas fontes. Com essa prática, no entanto, os jornais passam a
15

veicular versões de apenas um dos participantes envolvidos nos fatos, e de certa forma,
trabalhando a serviço da fonte, cujo acontecimento ganha publicidade.
A essas fontes, cujas informações são utilizadas por jornalistas sem confrontamento
de idéias – às vezes da mesma forma como foram “sugeridas” nos press-releases –,
podemos atribuir a classificação que de definidores primários, que acabam por estabelecer,
nas vezes do jornalista, “a definição ou interpretação primária do tópico em questão. Então
essa interpretação „comanda a ação‟ em todo o tratamento subseqüente” (HALL et. al. apud
TRAQUINA, 2004, p.178).

1.4 Críticas aos processos

Diante deste cenário em que há pouco confrontamento de idéias, novos estudos têm,
aos poucos, se debruçado sobre as rotinas de produção de modo a propor modificações que
permitam um exercício mais consciente da mídia. No Brasil, tem tido destaque os trabalho
de Moretzsohn (2007) em que a autora questiona a naturalização da rotina de produção da
notícia, que tem sido transformada em uma linha de produção, em que os jornalistas devem
trabalhar sob a imposição do tempo – ou contra ele – de modo a fornecer notícias em
“tempo real”. A pressão do tempo tem impulsionado redações a incorporar métodos mais
rápidos para obter informações e veiculá-las, como a utilização de despachos de agências
noticiosas e de press-releases.
É na intenção de modificar essa atitude que Moretzsohn põe em questão a
necessidade de se “pensar contra os fatos”: uma atitude de desnaturalizar a atividade
corriqueira do jornalismo, forçando o profissional a um processo de suspensão em que
interpretará o acontecimento não apenas no que tem de particular, mas ligando-o a questões
diversas, contextualizando-o. O trabalho de Moretzsohn tem como principal força a buscar
a re-valorização da mediação, e busca ressaltar a importância do jornalista como indivíduo
preparado para realizar a construção das notícias.
Essa proposta se assemelha ao que Pena (2007) chamou jornalismo de resistência.
Em ambas é possível perceber a necessidade de maior cuidado com a produção da notícia,
de uma busca aos preceitos ligados à função social do jornalismo. Ambos tentam encorajar
16

jornalistas a resistir às pressões de um jornalismo feito por dinheiro, da transformação da


notícia num produto estandartizado e sem qualidade.
Essa perspectiva de revalorização da mediação é consonante com a proposta do
jornalismo Jornalismo Cívico, ou Jornalismo Público: um movimento principalmente
realizado em jornais norte-americanos que tenta reconstruir o papel do jornalista na
sociedade, utilizando preceitos antigos sobre a responsabilidade social da profissão e
através da re-significação do conceito de objetividade. Os defensores desse “novo”
jornalismo querem reaproximá-lo da vida pública, das questões que tocam o público. A
principal diferença da proposta do jornalismo cívico, é a de buscar no público o apoio para
essa reforma no modelo de funcionamento dos meios.
Esse tem sido o plano de ação de grande parte dos projetos executados em jornais
norte-americanos como o projeto eleitor (ou Voter project) do Wichita Eagle que durante a
campanha eleitoral de 1990, em lugar de se reforçar as disputas verbais e ataques
partidários procurou saber entre a população – através de grupos de opinião – suas
principais preocupações, de modo a fazer esses temas estarem presentes entre as perguntas
feitas aos candidatos. É uma forma de trabalhar a campanha pela agenda do público, em
lugar de tentar agendar o público seguindo a agenda dos partidos concorrentes. Dessa
maneira, acredita-se que o jornalismo modifique seu papel de mediador entre poder e
sociedade, servindo sempre aos interesses destes, e vigiando os abusos daqueles. O novo
papel dos jornalistas deixaria de ser o de um observador desinteressado, que apenas noticia
os fatos sem interferir no seu desenrolar, e seria o de um participante justo empenhado nas
questões da sociedade e em “recuperar a vida pública e apoiar uma democracia viva”
(ROSEN, 2003, p.44).
Nesse processo de recuperação da vida pública, além de modificar a si mesmo, o
jornalismo (cívico) assumiria para si a tarefa de transformar o público, incentivando sua
participação ativa nos processos de comunicação; pois reavivar a “vida pública” significa
também reconstituir o público, que deixaria de ser um receptor passivo das informações,
mas um agente ativo da vida política em suas diversas esferas. Afinal, como utilizar a
agenda do público se este não tem interesse em participar da sociedade.
Assim, Rosen (1994) elenca algumas das características desse jornalismo cívico
como a “vontade de quebrar velhas rotinas e desejo de uma nova ligação com os cidadãos e
17

suas verdadeiras preocupações; ênfase na discussão séria como atividade básica na política
democrática; foco nos cidadãos enquanto atores do drama público e não meros
espectadores” (2004, p.48).
Com muitas preocupações semelhantes a essas um outro movimento – que será
aprofundado no próximo capítulo –, o do Jornalismo Cidadão, ou Colaborativo, se
desenvolve paralelamente ao de Rosen. O que os distingue, de maneira bastante gritante, é
que neste, são os cidadãos que se dispõem a mudar as rotinas de produção da notícia e
estabelecer novas relações com os meios de comunicação e os jornalistas, utilizando-se,
principalmente, da Internet e das tecnologias digitais para isso.
18

A Construção Coletiva

O presente fenômeno do jornalismo colaborativo, presente principalmente na


internet modificou – ou parece iniciar uma reforma – nas formas de encarar e praticar o
jornalismo tradicional. No entanto, o surgimento e crescimento dessas formas de
comunicação colaborativas e diretas – ou tão direta quanto pode ser essa interação mediada
pelos computadores – entre os (antes) passivos participantes do público, não é decorrente,
apenas da crise da mediação realizada pelos meios de comunicação tradicionais, como as
empresas jornalísticas, de que Moretzsohn fala (2002). Esse fenômeno é fruto de novas
concepções que a própria Internet traz, de uma mudança de modelos que as novas
tecnologias da informação torna possível e principalmente, das transformações que esse
novo modelo força à comunicação e ao jornalismo.

2.1 A Internet e a comunicação colaborativa

A Internet foi desenvolvida, como bastante sabido, pelo governo dos Estados
Unidos para ser um sistema de comunicação indestrutível. Desde a ARPANET, sua
primeira plataforma de funcionamento que ligava postos de defesa do governo norte-
americano, o sistema funcionaria como uma rede descentralizada, em que todos os pontos
se conectariam entre si e a informação não estaria em um desses pontos, mas compartilhada
por todos eles.
O modelo que buscava segurança contra ataques inimigos se potencializou com a
expansão e popularização da rede primeiro aos centros de pesquisa acadêmica e depois na
sociedade como um todo. Os computadores pessoais transformaram cada usuário da rede
em um desses pontos, ligados uns com os outros de maneira horizontal, compartilhando a
mesma ligação. Não só a estrutura física (sejam cabos, computadores, torres de transmissão
– haverá sempre alguma estrutura física mínima), a linguagem dessa rede, o hipertexto,
também é formada por uma rede de nós, em que cada página pode se conectar a outras
(através dos chamados hiperlinks) sem que haja qualquer relação de hierarquia entre elas.
19

A ligação descentralizada permitiu uma comunicação e troca de informações entre


cada um dos pontos que formam essa rede, independente da distância geográfica. Todos
poderiam participar de um mesmo espaço, construí-lo conjuntamente, alterá-lo.
Assim também essa facilidade de trocas de modificações foi sendo utilizada na
criação e desenvolvimento de softwares. Eric Raymond 4, um dos criadores do Linux
(sistema operacional gratuito e aberto a modificações feitas pelos usuários) classifica essa
guinada como uma mudança para uma construção coletiva dos programas. Raymond
ressalta a importância de tratar seus usuários como co-desenvolvedores. Assim, os
programas com códigos-fonte abertos, chamados open-source, que permitem aos seus
usuários modificá-lo a suas necessidades, acrescentando funções e corrigindo possíveis
erros ganharam bastante visibilidade, ainda que não sejam mais utilizados ou conhecidos
que os softwares proprietários.
No entanto, mais que a utilização ou não desses softwares, é importante, aqui,
perceber como esse espírito “faça você mesmo” está diretamente ligado à utilização da
rede. Ainda que exista um centro, responsável pelo desenvolvimento do primeiro projeto, a
participação de diversos agentes, que anteriormente não poderiam integrar o processo senão
como receptores passivos, é determinante para os resultados.
Outra experiência relevante foi a do surgimento das redes de compartilhamento de
arquivos ponto-a-ponto, ou p2p. Nessas redes (que utilizam a Internet, fazendo portanto
parte dela), os usuários podem trocar arquivos entre si, enviar e receber dados e arquivos de
outros pontos da rede. Essas redes se desenvolveram inicialmente, e até hoje, com o intuito
de compartilhar conteúdos já existentes, como músicas em formato em formato digital
(mp3), fotos ou vídeos. Novamente, destaca-se não a forma como as redes foram utilizadas,
mas o fato de que, com elas – assim como na Internet em si –, criou-se uma nova forma de
acesso a conteúdos que talvez não pudessem ser adquiridos pelo consumo tradicional.
Ainda que esses ideais existissem desde o inicio da Internet e fossem ampliados
com sua popularização a partir dos anos 90, foi principalmente com a chegada do que se
tem hoje chamado de web 2.0 que ganharam mais força as ferramentas de interação e
colaboração. O termo, cunhado por O‟Reilly, (Beltrão, 2007) está associado à criação e
ampla utilização de serviços e ferramentas de edição e publicação de arquivos na própria

4
Colocar referência catedral e bazar
20

rede. Os softwares que realizam essas operações ficam hospedados em um site, que
oferecem um serviço, na maioria das vezes gratuito, e com uma interface bastante simples,
de forma que os internautas podem utilizá-los sem necessariamente compreender da
linguagem de programação e publicação ou mesmo dispor do programa que a realiza. Além
da publicação de conteúdos, essas ferramentas possibilitavam também um maior nível de
interação entre os usuários da rede ampliando os horizontes da participação dos usuários.
Essa maior interação dos usuários com a ferramenta e principalmente dos
internautas entre si é o que se tem chamado de comunicação colaborativa (CATTAFI,
ZAMBRANO, 2008).
Essa forma de comunicação, em que os atores interagem mediados por
computadores é também analisada por Primo e Recuero (2003), que no entanto a
denominam como uma forma de escrita coletiva. Essa nova escrita seria realizada através
de uma modalidade do hipertexto (que se aproxima da idéia da web 2.0) chamada
cooperativo. Nessa forma de interação “todos os envolvidos compartilham a invenção do
texto comum, à medida que exercem e recebem impacto do grupo, do relacionamento que
constroem e do próprio produto criativo em andamento” (PRIMO, RECUERO, 2003, 2).
As outras duas formas de escrita seriam, ainda segundo Primo, a hipertexto
potencial, em que interação seria apenas responsiva, cabendo ao usuário apenas escolher
alguns dos caminhos previstos na versão original do hipertexto; e o hipertexto colagem, em
que uma escrita coletiva seria realizada por uma reunião de partes enviadas por diversos
agentes, sem que exista de fato uma colaboração entre estes.
Essa idéia de escrita coletiva é interessante para ressaltar que, ainda que a web 2.0
tenha facilitado a difusão dos conteúdos gerados pelos indivíduos, ou a auto-publicação
(como bem faz referência uma das mais conhecidas de suas ferramentas o YouTube –
broadcast yourself ) também permite uma maior participação das pessoas, dando a todos os
agentes papel de relevância na construção do sentido do produto final.
Aqui é importante fazer uma ressalva: é importante não se deixar levar
simplesmente pela tecnologia em si, acreditando que está nela a chave para quaisquer
mudanças que essa nova forma de comunicação pode permitir. Como aponta Lévy (2000),
a tecnologia não pode por si só provocar mudanças, sejam elas de ordem política,
econômica, social ou cultural. Essas serão sim, e muito mais, influenciadas pela forma
21

como essas novas ferramentas são utilizadas. Ou seja, é da apropriação da tecnologia que os
frutos podem surgir.
Dentre as utilizações dessas ferramentas uma tem chamado bastante atenção, na
própria rede e na academia – e será ela o foco deste trabalho a partir de agora –: o
jornalismo colaborativo.

2.2 Jornalismo Colaborativo

De maneira bastante básica o jornalismo colaborativo, (que entre outros também é


chamado participativo, grassroots, open-source, cidadão) seria uma forma de utilização,
por quaisquer indivíduos, das ferramentas disponíveis na rede para publicação de material
noticioso; ou seja de informações que se considerem úteis a outras pessoas.
Como citado na introdução deste trabalho, o último relatório organizado pelo
Technorati comprova essa utilização. De acordo com os dados da pesquisa, a maior parte
dos internautas justifica a criação e manutenção de um blog – que é uma das ferramentas
que permite o desenvolvimento de uma escrita coletiva (PRIMO, RECUERO, 2003) – pela
vontade de se expressar (79%) e de dividir com outros conhecimentos e experiências
(72%). Além disso, 62% do conteúdo postado nos 133 milhões de blogs contabilizados é
marcado com a tag news – que pode ser (livremente) traduzido como notícia, ou
informações.
Esse fenômeno em que „nós somos o meio‟ como o tem chamado seus teóricos mais
conhecidos, Bowman & Willis e Gillmor, nos títulos de deus trabalhos – respectivamente
We Media (2003) e We the Media (2004) – passou a ganhar bastante força – também
segundo esses autores – durante o 11 de setembro. Durante a cobertura aos ataques

Many large news sites buckled under the immense


demand and people turned to e-mail, weblogs and forums
“as conduits for information, commentary, and action
related to 9/11 events.” The response on the Internet gave
rise to a new proliferation of “do-it-yourself journalism.”
Everything from eyewitness accounts and photo galleries
to commentary and personal storytelling emerged to help
people collectively grasp the confusion, anger and loss
felt in the wake of the tragedy. (BOWMAN & WILLIS,
2003, p.7-8)
22

É interessante observar que há neste caso dois movimentos: se de um lado as


pessoas procuraram outras fontes de informação fora dos meios tradicionais; houve também
aqueles que disponibilizaram tal conteúdo. Ou seja, não apenas houve a vontade de (ou
necessidade) de se informar, mas também de informar. Seja através de uma conversa, um
telefonema ou e-mail, é difícil imaginar quem não buscou se inteirar do acontecimento e
tentar entendê-lo com a ajuda de outros. Essa é a mudança atitude, de não só esperar pelas
informações, mas buscá-las e repassá-las, de produzi-las mesmo é o que os autores
identificam como o surgimento do prossumidor (uma mistura de consumidor e produtor de
notícias em que os leitores estão se transformando).
São esses novos leitores, que deixam de ser apenas receptores (consumidores) das
informações veiculadas pelos meios de massa, os responsáveis por essa nova forma de
jornalismo, que os autores definem da seguinte forma

The act of a citizen, or group of citizens, playing an active


role in the process of collecting, reporting, analyzing and
disseminating news and information. The intent of this
participation is to provide independent, reliable, accurate,
wide-ranging and relevant information that a democracy
requires. (BOWMAN & WILLIS, 2003, p.9)

Apesar do entusiasmo claro com a nova forma de comunicação é possível perceber


que, de fato, essa liberdade de emissão, possibilita que novos acontecimentos ganhem
visibilidade pública, ou podem permitir o surgimento de novas maneiras de pensar aqueles
veiculados na grande mídia. Ou seja, permite que outros agentes definam, ainda que dentro
de pequenos grupos, por si mesmos sobre o quê e como pensar.
Isso porque essa comunicação se daria de baixo pra cima (ou bottom-up, para
utilizar a expressão do texto original5) que se diferencia do modelo dos meios de massa,
chamado de cima para baixo (top-down ou boradcast). A idéia desse crescimento está
associada, como lembra Gillmor, à idéia de emergência de Johnson, em que da interação
entre os agentes envolvidos “some higher-level structure or intelligence appears, usually
without any master planner calling the shots” (2004, p.26).
Assim, diferente dos meios tradicionais, em que cabe aos jornalistas a seleção dos
temas e acontecimentos que serão noticiados através das rotinas e esquemas de produção

5
A expressão é utilizada em Bowman e Willis. Gillmor utiliza a expressão grassroots.
23

comungados pelo grupo, essa nova forma de jornalismo propõe mais ênfase na publicação
das informações, considerando que os filtros de seleção seriam realizados diretamente pelos
leitores (também eles prossumidores). Além da regra – publicar primeiro, filtrar depois – o
novo jornalismo feito em rede, é também definido pela participação de outros agentes; as
informações não são tidas como produtos fechados, estão comumente abertos a
contribuições de outros internautas, assim, seja através de comentários na mesma página ou
respostas em outras páginas.
Mesmo que essas teorizações e tentativas de descrever o funcionamento dessa nova
forma de comunicação favoreçam um caráter descentralizado e uma auto-orgazniação
completamente aberta e livre dos agentes envolvidos no processo, sejam eles emissores ou
leitores da informação, são as experiências com algum nível de organização
institucionalizada têm ganhado mais destaque.
Entre esses, pode-se destacar o site coreano em que formado apenas por matérias
produzidas por “cidadãos repórteres”. No entanto, a página conta com uma equipe de
revisores, que analisam os textos antes de publicá-los.

2.3 Críticas

Apesar do crescente número de projetos e da apropriação efetiva das ferramentas de


publicação por parte dos usuários da rede, além de certa euforia em defesa de um espírito
faça-você-mesmo, há alguns questionamentos que têm sido feitos ao modelo de troca de
informações que tem se chamado jornalismo colaborativo. Uma das críticas mais
pertinentes está presente no trabalho já citado de Moretzsohn (2007).
O primeiro destaque feito pela autora é a do excesso de entusiasmo diante das
possibilidades apresentadas pela Internet, como a caracterização dessa forma de
comunicação como um quinto poder, que poderia (novamente) salvar a democracia, não
apenas de abusos dos poderes instituídos na política e na economia, mas da própria mídia
tradicional. Além do perigo de se confundir a técnica com sua utilização, Moretzsohn alrta
também para o risco em se considerar a mídia tradicional como sendo um grupo dedicado à
manipulação e opressão da sociedade.
24

O modelo de filtragem pós-publicação também é criticado. De acordo com a autora,


“do ponto de vista das mais elementares regras deontológicas do jornalismo, esse
procedimento seria no mínimo um disparate, pois significaria abrir o campo a todo tipo de
boatos e informações „plantadas‟” (MORETZSOHN, 2007, p.265). Assim, destaca a
necessidade de verificação das informações e da importância do jornalista como mediador
socialmente reconhecido, que tem acesso a fontes e informações não disponíveis à
sociedade em geral.
A autora defende o papel do mediador, descartando – exceto em casos de jornalismo
especializado – a idéia de que os leitores sabem mais do que os jornalistas. Afinal “se os
leitores sabem mais que o jornalista, por que precisariam dele?” (MORETZSOHN, 2007,
p.265). Há ainda destaque para forma como as informações são tratadas, que remetem aos
processos de produção da notícia e às rotinas aplicadas pelos jornalistas como sendo
essenciais para evitar uma simples adesão ao senso comum, a uma apresentação
naturalizada dos acontecimentos.
É interessante ressaltar que, assim como esta, grande parte das críticas feitas à
escrita coletiva da informação têm-se focado em distinguí-la do jornalismo tradicional,
apontando a ética, a objetividade e o rigor como defensores da mediação exercia pelos
jornalistas.

2.4 Novas Relações

Ainda que bastante relevantes, principalmente ao apontar a importância da


mediação, uma mediação que busca desnaturalizar os acontecimentos, contextualizando-os,
as críticas a esse modelo de comunicação parecem se exaltar, parecem temer que o
jornalismo perca seu papel social e seja substituído pelos blogueiros (ou quaisquer outros
indivíduos que se disponham a participar de alguma maneira de espaços de informação na
rede. Ao apontar que na Internet, o jornalismo colaborativo utiliza um esquema de baixo
para cima, em que os leitores filtram eles mesmos as informações dando-lhe ou não
relevância, os autores não explicitam, de modo algum a inexistência de filtros que sejam
utilizados pelos prossumidores de informação. Ou seja, cada individuo, ao publicar algum
conteúdo utilizou seus próprios filtros – que no entanto não são conhecidos pelos demais.
25

E, mesmo que se questione a credibilidade e a apuração dessas informações, por não


se saber que critérios e processos foram utilizados na sua produção, há que se perceber
como positiva a possibilidade de se dispor de conteúdos que talvez não passassem pelo
filtro do jornalismo tradicional. Em vez de acabar com a filtragem das informações, a rigor,
a Internet através de suas ferramentas de publicação facilitada permitem a incorporação de
outros filtros, permite que o público tome conhecimento de informações que atendem a
outros valores, que não necessariamente aqueles da comunidade jornalística. De certa
forma, os prossumidores acabam por criar novas formas de tornar publicas suas
necessidades de acontecimentos, que não a cobertura dos grandes meios.
Isso é possível devido ao surgimento de novas formas de comunicação na Internet.
pois, como comenta Gillmor, se “in the past 150 years we’ve essentially had two distinct
means of communication: one-to-many (books, newspapers, radio, and TV) and one-to-one
(letters, telegraph, and telephone). The Internet, for the first time, gives us many-to-many
and few-to-few communications” (2004, 26).
Antes era necessário se enquadrar na agenda dos jornalistas de modo a conseguir o
acesso aos meios na tentativa de dar visibilidade a certos acontecimentos ou temas da
sociedade. Esse acesso, como visto anteriormente, no entanto é bastante difícil, sendo mais
provável a seleção dos temas propostos por fontes oficiais, de acesso habitual. A Internet
possibilita ainda que não um acesso ao meio tradicional, o acesso a um outro meio, em que
também é possível ganhar visibilidade, sem que se dependa de alguma quebra da ordem
que chame a atenção dos jornalistas (o acesso disruptivo): todos os usuários da rede têm a
possibilidade de tornar publicas suas informações, e elas estarão acessíveis (a principio) a
todos os demais usuários.
Mesmo que ainda não se possa comparar o poder de agendamento da mídia
tradicional, que no Brasil chega a atingir quase a totalidade da população 6, esse esquema de
baixo para cima é bastante eficaz na criação de grupos em torno de interesses comuns, em
que as agendas são construídas mais coletivamente, com a participação de diversos agentes.
Nesses casos alguns espaços podem passar a se tornar também, espaços de referência,
assim como o é o jornalismo. São novos espaços de construção de realidade para os grupos.

6
Apenas a principal emissora de TV brasileira, a TV Globo, atinge, de acordo com seus próprios dados de
cobertura cerca de 98,5% da população.
26

No entanto, como também apontou Gillmor, as diferenciações entre os pequenos e


os grandes grupos são mutáveis. Um pequeno grupo pode aumentar recebendo novos
visitantes e aumentando seu poder de agendamento.
Em casos como esses é possível ver as comunicações entre os dois modelos.
Principalmente em casos de grande destaque de alguns temas na rede, é necessário que os
meios de comunicação dêem também destaque a tais assuntos. Dessa forma, cria-se uma
nova forma de agendamento, uma nova interação entre os agentes comunicacionais, em
que, a mídia tradicional vai abrir espaço para temas não necessariamente escolhidos por ela,
fazendo concessões em seus critérios de noticiabilidade para atender aos critérios por outros
agentes e que foram aceitos pela sociedade. Cria-se um novo espaço ecossistema, como o
chamam Bowman e Willis (2003).

2.5 Incorporações de ferramentas e modelo

A necessidade de se adequar ao novo cenário não está acontecendo apenas na


incorporação ocasional de temas que ganham relevância em outros espaços da rede. Muitos
meios de comunicação têm modificado sua forma de apresentação de conteúdos de modo a
se adequar às novas condições de consumo de informações. Mesmo no 7° congresso
Brasileiro de Jornais, Organizado pela Associação Nacional de Jornais – ANJ –, foi
discutida7, a necessidade de as empresas se adaptarem a esse novo cenário. Alves8 apontou
que “os jornais terão de se reestruturar [...] fazendo uma completa reconstrução de toda a
organização existentes [...] pois os modleos de negócios atuais já estão obsoletos”9.
Para ilustrar algumas dessas mudanças na forma de apresentar seu conteúdo ao
leitor, será utilizado o portal Pernambuco.com, veículo online ligado aos Diários
Associados, pertencente aos mesmo grupo midiático do qual fazem parte os jornais Diario
de Pernambuco e AquiPE, as Rádios Clube AM e Fm e a TV Clube.
A primeira modificação foi a associação dos meios de comunicação aos portais, em
que, além de disponibilizar uma versão digital do conteúdo tradicional (seja do veículo

7
Como no painel “A (Re)construção do Jornal para a Era Digital”
8
Rosenthal Calmon Alves é diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, da Universidade do
Texas.
9
Na edição n° 285 do Jornal ANJ, em outubro de 2008
27

impresso, rádio ou televisão), ou parte dele, também se publica conteúdo exclusivo. Os


portais, hoje bastante populares são páginas aglutinadores, portas de entrada (FERRARI,
2004), para outros veículos, muitos dos quais de conteúdo especializado, voltado para
atender grupos da sociedade e se aproximar dos nichos de mercado da notícia.
No caso do Pernambuco.com, além da página com as últimas notícias, há 8 canais
de conteúdo especializado, entre cultura, tecnologia, turismo, educação. Um destaque que
pode ser dado é a presença de um canal específico sobre cuidados com animais de
estimação: o Pernambuco.cão.
Os conteúdos especializados estão presentes também na incorporação dos blogs aos
portais de notícias. A ferramenta, bastante associada à comunicação colaborativa, tem sido
mais e mais incorporada aos portais gerenciados por empresas de comunicação, como
forma de proporcionar além de informações detalhadas sobre assuntos específicos, um
canal de interação com os leitores de veículo.
Entre os cinco blogs, divididos em política, tecnologia, meio ambiente, economia e
esportes, o primeiro citado é o único em que há – explicitamente – uma explicação das
Regras do Blog. Nessa sessão, explica-se que a participação através dos comentários é
aberta, sem necessidade de cadastro, desde que sejam respeitadas as leis do país, as pessoas
e assuntos abordados; para garantir esse respeito, o blog reserva o direito de moderar ou
suprimir conteúdos que violem leis, contenham insultos e palavrões ou reproduzam, na
íntegra, notícias de outros meios de comunicação.
Além dos comentários, que por si só, já permitem uma forma de construção mais
aberta e coletiva do conteúdo, também se pode perceber nos blogs uma aproximação entre
leitores e jornalistas, o que pode como Gillmor aponta, aproximar o jornalismo do formato
de uma conversa, em que a distância entre os atores diminui. Um desses casos está no blog
de tecnologia, em que é publicado um comentário feito por um leitor, sobre uma matéria
publicada no caderno de informática do jornal10. O leitor alerta que uma das funções de um
software recém lançado apontadas na matéria como novidade já eram realizadas por
programas de outros sistemas operacionais.
Esse caso é exemplo do principal ponto de adaptação dos grandes grupos de mídia
frente às formas de comunicação em rede: a modificação da interação com os leitores.

10
http://blogs.diariodepernambuco.com.br/tecnologia/?p=1789
28

Além dos comentários em notícias – publicadas ou não em blogs –, muitos veículos têm
aberto espaço para conteúdo gerado pelo leitor: os sites de jornalismo colaborativo. Um
exemplo de projetos de integração do jornalismo colaborativo é o Cidadão Repórter que
será trabalhado com maior profundidade no próximo capítulo.
29

3. O Cidadão Repórter

Através da Internet novas formas de comunicação e interação entre as pessoas


foram criadas ou ampliadas; inclusive novas formas de enviar e receber informações.
Novos espaços de comunicação surgem, em que vários indivíduos dividem entre si o papel
de informar, restrito anteriormente aos jornalistas. No entanto, não é possível dizer que uma
forma de comunicação pode substituir outra. O jornalismo colaborativo, como tem sido
chamada a troca de informações entre indivíduos na Internet, e o jornalismo colaborativo
co-existem e influenciam-se.
Uma das mudanças no ambiente da informação – e que será aqui apresentada e
estudada – é a influência que esse novo modelo tem tido no jornalismo, como incorporação
de ferramentas e estratégias de comunicação com os leitores, como a criação de espaços
para conteúdo produzido pelo leitor: espaços para jornalismo colaborativo dentro dos
portais de empresas de comunicação.
Em Pernambuco, dois, dos três maiores grupos de comunicação, lançaram páginas
de jornalismo colaborativo no ano passado. O Cidadão Repórter – do Diario de
Pernambuco – foi o primeiro deles e servirá de objeto para esta análise, que consistirá em
quatro partes: estrutura, em que o projeto será apresentado; participação, em que se discute
o ingresso e a participação dos internautas; o conteúdo, em que se dará aprofundamento à
forma como a ferramenta tem sido utilizada; e, por fim a apropriação pelo meio tradicional.
Além das discussões já apresentadas neste ensaio, são utilizadas como base para a análise o
acompanhamento do funcionamento do site por um período de um mês (agosto deste ano) e
uma entrevista com uma das editoras do portal em que está inserida a página.

3.1 estrutura

Lançado no final de março de 2007, como parte do portal dos Diários Associados
no estado (o Pernambuco.com), o cidadão repórter11 é um fórum de discussões. Sua página
inicial é formada por um índice de acesso aos fóruns propriamente ditos, onde os
integrantes criam tópicos e discutem os temas.

11
http://pernambuco.com/cidadao
30

Figura 1 – índice do cidadão repórter

Ao todo, são 32 fóruns dos quais 13 estão separados do índice principal e


agrupados em categorias como Tecnologia (de que fazem parte fóruns sobre Internet,
telefonia e software livre, por exemplo), Concursos Públicos, Turismo e Lazer. Há ainda
fóruns voltados para a discussão proposição de novos fóruns, dicas de pautas para o jornal,
e discussão das matérias publicadas na seção do Cidadão Repórter do jornal impresso –
essa seção, no entanto, será analisada posteriormente.
31

Dentro dos fóruns, os tópicos criados estão ordenados a partir da data do último
comentário publicado. Assim, apenas tópicos com comentários recentes aparecem no topo
da página, ganhando destaque; enquanto assuntos e temas com menos participação vão
perdendo visibilidade. Vê-se, com isso, uma organização a partir do valor dado pelos
participantes; ou seja, um tópico que não gere interesse aos poucos é substituído por outros
à medida que recebem mais comentários.

Figura 2 - Fórum

Como é comum a fóruns e listas de discussão, a criação de um novo tópico é aberta


a qualquer membro. Em cada fórum há a opção de criar um novo tópico. O mesmo vale
para os comentários. Nestes os usuários podem ainda fazer uso, além do texto, de imagens
vídeos e mesmo citações de outros comentários.
32

Figura 3 – Recurso da citação

É possível identificar, a partir daqui, algumas características da ferramenta que são


conhecidamente da comunicação colaborativa. Ainda que a participação seja restrita aos
fóruns já nomeados, dentro deles há a abertura para que qualquer membro crie um tópico.
Cada um tem a liberdade de sugerir uma nova discussão, de publicar a informação que
considera relevante, selecionando para isso, as informações e imagens que considerar
coerentes. Ou seja, há uma comunicação de baixo para cima.
Além disso, é possível identificar em cada tópico uma construção coletiva de
informações. Mesmo que os textos anteriores iniciais não possam ser modificados, à
medida que novos comentários são feitos eles podem modificar a compreensão final do
texto, ao acrescentar novos dados, ou pontos de vista, ou mesmo contrapor informações já
apresentadas. Os comentários são também uma forma de filtro da informação, uma vez que
é com novos comentários que um tópico ganha visibilidade dentro de um fórum. A
repercussão de uma informação pode, nesses casos funcionar como um indicador dos
assuntos que foram considerados mais importantes pelo grupo. E aqui se ressalta
33

novamente a importância do grupo nessa construção; pois por mais que os membros
contribuam individualmente, é o grupo continuamente que “elege as manchetes” do fórum.

Participação

Outra característica interessante a ser apresentada é a forma de participação no site.


O registro no fórum é aberto, bastando apenas aceitar um “termo de compromisso” 12 em
que, principalmente, se explicam as regras da utilização do espaço, como a proibição de
“colocar qualquer mensagem abusiva, obscena, vulgar, insultuosa, difamadora, de ódio,
ameaçadora, sexualmente tendenciosa ou qualquer outro material que possa violar qualquer
lei aplicável” e preencher o cadastro que consiste basicamente em fornecer uma conta de e-
mail e criar um login e senha. Pode-se perceber que, mesmo se tratando de um fórum
coordenado por uma empresa, não há grandes restrições à participação.
A principal forma de controle é a moderação que pode ser realizada por
moderadores e administradores. Os primeiros são usuários selecionados para supervisão e
têm o direito de “editar ou excluir mensagens, trancar, destrancar, mover e subdividir
tópicos nos fóruns onde são moderadores. Geralmente os moderadores fiscalizam
mensagens que possam ir além do assunto em discussão ou o uso de material abusivo e/ou
ofensivo.”13 Já os administradores além dos poderes da moderação são os únicos com poder
de “criar, editar ou excluir fóruns, determinar permissões, banir usuários”14. No entanto, a
editora do portal informa que, em relação à moderação de comentários, houve apenas duas
ocasiões em que foi necessária a intervenção da equipe alterando o conteúdo já publicado;
por ultrapassarem limites de privacidade de conteúdo.
Há ainda, uma diferenciação entre os usuários (independentemente de serem
moderadores ou não). Eles são classificados pelo nível de participação nos fóruns,
recebendo títulos de cidadão bronze, aos que publicaram até 50 comentários; cidadão prata,
para os que publicaram entre 50 e 200 comentários; e o de cidadão ouro, reservado aos
usuários com mais de 200 participações. Esse ranqueamento dos usuários é comumente

12
http://cidadao.dpnet.com.br/cidadao/profile.php?mode=register&sid=691d0caf91b82106cda4ee3d799daa84
13
http://cidadao.dpnet.com.br/cidadao/faq.php
14
idem.
34

utilizado, como forma de reconhecimento. Essa é uma das motivações de participação em


projetos de comunicação colaborativa, como apontam Bowman & Willis (2003, p. 21)
É interessante perceber também a concentração dessa participação. Se até o dia 2 de
setembro (quando por último foram recolhidos dados sobre a entrada de participantes), o
site havia recebido 9229 mensagens, aproximadamente 48% delas (4520) tinham sido
enviadas pelos dez participantes mais ativos. Enquanto 398 dos 1763 membros cadastrados
publicaram apenas um comentário e cerca 54% do total (966) jamais tinham participado
ativamente. Essa concentração da participação é, também de acordo com Bowman & Willis
(2003, p.21) considerado um ponto forte dos fóruns, pois se há estímulos há participação
não há também qualquer obrigação em comentar. A participação será então determinada
pelo interesse do indivíduo no conteúdo que tem a disposição.

Conteúdo

O próximo ponto de análise está ligado ao teor das mensagens enviadas, com o
intuito de delinear como as ferramentas do fórum têm sido utilizadas por esses usuários.
Aqui não serão utilizadas contagens ou percentuais do material avaliados, mas vão ser
destacadas as principais utilizações do espaço a partir de exemplos encontrados durante o
período de acompanhamento da dinâmica do espaço.
O primeiro destaque que se faz é em relação à divulgação e discussão de
informações. Se na apresentação do site foi apontado que ele permite a troca de
informações, assim como uma escrita coletiva das mesmas é importante frisar que de fato
essa construção acontece.
35

Figura 4
36

Figura 5

Como é visto nas figuras 4 e 5 15, a partir de alguma informação enviada, muitas
vezes os demais participantes do fórum colaboram com novos dados, seja para confirmar,
acrescentar ou mesmo corrigir o que foi apresentado. Nesse caso grande parte das

15
http://cidadao.dpnet.com.br/cidadao/viewtopic.php?t=2599&highlight=borborema+s%E3o+paulo
37

informações ou não têm fontes explícitas ou são fontes da própria rede, como os sites das
empresas envolvidas.
Por vezes as informações enviadas são extraídas de outros veículos de comunicação
e apenas coladas no fórum. Dessa forma, muitas vezes, se busca referenciar o conteúdo
enviado, dando a ele maior credibilidade.
No entanto outra grande forma de utilização do espaço tem sido através de
denúncias, relatos de experiências ou comentários opinativos. Esse, talvez o objetivo
primeiro do grupo ao desenvolver o site, como está presente no cabeçalho dos tópicos: “O
Cidadão repórter é um fórum onde você pode denunciar problemas que estejam
acontecendo em sua rua, bairro ou cidade. [...] Exerça sua cidadania.” 16
Isso se reflete no fato de grande parte desses comentários serem de opiniões
baseadas no senso comum, e recebam apenas comentários de apoio às denúncias,
ratificando-as, sem que de fato se busquem soluções para os problemas ou outras
informações que possibilitem entendê-lo. Mesmo assim, em alguns casos as denúncias
conseguem obter respostas dos agentes envolvidos.

Figura 617

16
http://cidadao.dpnet.com.br/cidadao/
17
http://cidadao.dpnet.com.br/cidadao/viewtopic.php?t=1429&postdays=0&postorder=asc&start=30
38

Aqui talvez esteja um dos principais exemplos das modificações proporcionadas


pelos novos modelos comunicação. A interação entre denunciante e órgão prestador do
serviço pode ser direta. Se antes, o cidadão necessitava recorrer ao apoio de um meio de
comunicação de massas (seja redação de um jornal, programa de rádio ou televisão) para
dar ao mal funcionamento ou interrupção de um serviço a visibilidade necessária para que
houvesse alguma resposta, o novo modelo permite que a rede seja, ela mesma o fator de
visibilidade.
Há ainda, outra utilização do fórum que merece ser apontada: a de estimular a
interação entre os participantes mesmos do site. Além da troca de informações, a
ferramenta possibilita também a criação de laços entre os integrantes; é também uma
ferramenta social.

Figura 718

18
http://cidadao.dpnet.com.br/cidadao/viewtopic.php?t=2582&highlight=diletos
39

Na figura 6 é possível ver a utilização da ferramenta para a comunicação inter-


pessoal entre os participantes do fórum, sem que exista, de fato a intenção de trazer
informações. Esses laços entre os participantes são apontados por Bowman & Willis (2003,
p.39) como uma das motivações a participação e podem, ainda servir para reforçar a
confiança dos integrantes do processo uns nos outros. Uma vez que na comunicação
colaborativa a confiabilidade é instituída a partir dessa interação mesma.

O Meio Tradicional

A última questão a ser analisada é quanto a utilização do projeto pelo meio


tradicional. Toda semana, às terças-feiras, a última página do caderno Vida Urbana é
destinada ao Cidadão Repórter. A Página (Figura 8) é composta por um cabeçalho, com os
tópicos mais comentados da semana, além de uma matéria principal, realizada por um
repórter da equipe de jornal, uma coluna com comentários feitos no site e uma “foto do
leitor”, também selecionada entre as publicadas no site.

Figura 8 – Página do cidadão repórter no Diario de Pernambuco (11/11/2008)19

19
imagem capturada pelo computador através da ferramenta de visualização virtual do jornal, disponível em
http://flip.pernambuco.com/flip.php?idEdicao=f5e07db254d4c5a557ce5251cf2031aa&idCaderno=eb9e295e3
36347c8a9236e25043aad81&page2go=1&origem=4
40

Ainda que selecionadas e realizadas por um jornalista, as matérias publicadas nesta


seção são retiradas das sugestões e dos comentários feitos no site. Ou seja, há aqui uma
mistura entre os dois formatos de comunicação, em que a informação produzida no modelo
de baixo para cima serve também para agendar o meio de massas, que a utiliza na sua
emissão de cima para baixo.
Vê-se a co-existência dos modelos em que os leitores (antes consumidores) atuam
ativamente como prossumidores. A ferramenta cria um novo meio de acesso ao campo
jornalístico, que não a quebra das rotinas. Além da inclusão de temas e acontecimentos da
agenda do público, na agenda do jornal, com a publicação desse conteúdo, novos atores
podem passar a participar da ferramenta acrescentando novas participações na construção
das informações daquele espaço.
Vale ressaltar que assim como o cidadão repórter, há no Pernambuco.com, outros
quatro sites – eleitor repórter, consumidor repórter, torcedor repórter e repórter cultural –
voltados para discussões sobre política, economia, esportes e cultura. A editoria do portal,
no entanto, aponta que ainda não existe grande movimentação entre os repórteres dessas
editorias do jornal no sentido de utilizar a ferramenta na busca de novas pautas ou novas
opiniões a serem trabalhadas na produção dessas notícias.
41

Considerações Finais

A parte final deste ensaio não poderia se chamar conclusão. Não há aqui qualquer
resultado ou finalização, mas considerações e apontamentos. Mesmo porque, não cabe
concluir qualquer coisa que seja a respeito de um processo que está apenas se iniciando.
Um processo que envolve que diz respeito à sociedade como um todo, e não apenas à
comunicação ou ao jornalismo.

1. Mesmo apontadas as possibilidades desses novos espaços em agendar seus


participantes e indiretamente a sociedade, há que novamente se fazer a ressalva de que as
possibilidades abertas pela ferramenta não correspondem diretamente às utilizações que são
feitas dela. E são estas utilizações que definirão as influências da ferramenta na sociedade.

2. Uma das formas de utilização dessas ferramentas apresentada neste trabalho está
ligada às novas formas troca de informações, que aqui foram chamadas de comunicação
colaborativa, através das quais, além da possibilidade de publicar seus próprios conteúdos,
os indivíduos podem interagir entre si, e colaborar na discussão de temas de interesse.
Nesses espaços os indivíduos têm a possibilidade, e a estão fazendo valer, de
publicar conteúdos e informações, ou seja, podem eles mesmos atender a suas necessidades
de acontecimento. Da mesma forma, a Internet possibilita que estes mesmos indivíduos
busquem informações através de outros meios que não a mídia tradicional.
Essa atitude está provocando uma mudança nas formas de interação entre os agentes
da comunicação. Pois, para promover um acontecimento e transformá-lo em notícia era
necessário o acesso ao campo jornalístico, a Internet permite a criação de outros espaços
(como um blog, ou uma lista de discussão) de comunicação, aos quais todos podem ter um
acesso direto. Ou seja, as classificações dos agentes entre promotores, seletores e
consumidores de notícias se tornam fluidas, os leitores passam a ser prossumidores de
informação, promovendo, recebendo e participando de sua construção coletiva.

3. Essa mudança de papéis não significa, no entanto, o fim da mediação tradicional,


ou do jornalismo. Apesar das críticas que têm sido feitas ao jornalismo colaborativo, em
42

que se questiona a não-utilização dos procedimentos jornalísticos na construção de seu


conteúdo, é preciso ressaltar que esses novos agentes não são jornalistas. Seu surgimento,
no entanto, aponta a necessidade de reformulações na atuação do jornalismo, diante do
novo cenário de interação com o público.

4. A utilização das ferramentas em que essa nova forma de comunicação está sendo
realizada é uma maneira de a grande mídia participar mais ativamente desse processo de
mudança. Redefinindo seu papel diante do novo cenário.
43

Referências

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disponível em pdf em http://jornalismocontemporaneo.wordpress.com/artigos/

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44

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