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26
março
2010
ano III
ficina
Carnaval
SAMIZDAT 26
março de 2010
Imagem da capa:
http://www.flickr.com/photos/
skazar/3349004167/sizes/o/
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expressa dos colaboradores da revista.
Sumário
Por que Samizdat? 6
Henry Alfred Bugalho
AUTOR CONVIDADO
Rasto de Sangue 8
Emanuel R. Marques
MICROCONTOS
Ju Blasina 12
CONTOS
Silêncio 14
Joaquim Bispo
Cena no Quarto 16
Caio Rudá de Oliveira
Um Amor de Carnaval 18
Henry Alfred Bugalho
Ser Genérico 22
Ju Blasina
Biscoitos de Manteiga 24
Maria de Fátima Santos
Quarta-feira de Cinzas 28
Cirilo S. Lemos
Festa no Céu 34
Polyana de Almeida
Borboletas na Barriga 36
Mariana Valle
TRADUÇÃO
Canção de Carnaval 50
Rubén Darío
RECOMENDAÇÃO DE LEITURA
Depois da Chuva, Georgio Rios 54
Gerana Damulakis
POESIA
Só um Balão 56
Ju Blasina
Concisos 58
Wellington Souza
Pecados do Fruto 59
Wellington Souza
ficina
5
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Por que Samizdat?
“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
distribuo e posso ser preso por causa disto”
Vladimir Bukovsky
6
E por que Samizdat? revistas, jornais - onde ele des tiragens que substituam
possa divulgar seu trabalho. o prazer de ouvir o respal-
O único aspecto que conta é do de leitores sinceros, que
A indústria cultural - e o
o prazer que a obra causa no não estão atrás de grandes
mercado literário faz parte
leitor. autores populares, que não
dela - também realiza um
perseguem ansiosos os 10
processo de exclusão, base- Enquanto que este é um mais vendidos.
ado no que se julga não ter trabalho difícil, por outro
valor mercadológico. Inex- lado, concede ao criador uma Os autores que compõem
plicavelmente, estabeleceu-se liberdade e uma autonomia este projeto não fazem parte
que contos, poemas, autores total: ele é dono de sua pala- de nenhum movimento
desconhecidos não podem vra, é o responsável pelo que literário organizado, não
ser comercializados, que não diz, o culpado por seus erros, são modernistas, pós-
vale a pena investir neles, é quem recebe os louros por modernistas, vanguardistas
pois os gastos seriam maio- seus acertos. ou q ualquer outra definição
res do que o lucro. que vise rotular e definir a
E, com a internet, os au- orientação dum grupo. São
A indústria deseja o pro- tores possuem acesso direto apenas escritores interessados
duto pronto e com consumi- e imediato a seus leitores. A em trocar experiências e
dores. Não basta qualidade, repercussão do que escreve sofisticarem suas escritas. A
não basta competência; se (quando há) surge em ques- qualidade deles não é uma
houver quem compre, mes- tão de minutos. orientação de estilo, mas sim
mo o lixo possui prioridades
a heterogeneidade.
na hora de ser absorvido A serem obrigados a
pelo mercado. burlar a indústria cultural, Enfim, “Samizdat” porque a
os autores conquistaram algo internet é um meio de auto-
E a autopublicação, como que jamais conseguiriam de publicação, mas “Samizdat”
em qualquer regime exclu- outro modo, o contato qua- porque também é um modo
dente, torna-se a via para se pessoal com os leitores, de contornar um processo
produtores culturais atingi- od iálogo capaz de tornar a de exclusão e de atingir o
rem o público. obra melhor, a rede de conta- objetivo fundamental da
tos que, se não é tão influen- escrita: ser lido por alguém.
Este é um processo soli-
te quanto a da grande mídia,
tário e gradativo. O autor
faz do leitor um colaborador,
precisa conquistar leitor a
um co-autor da obra que lê.
leitor. Não há grandes apa-
Não há sucesso, não há gran-
ratos midiáticos - como TV,
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Autor Convidado
Rasto de Sangue
Emanuel R. Marques
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tumultuosa sensação de tarde, eram desmascara- de este acontecimento
abandono lhe percorria dos pelo braço recolhido, ir avolumar os receios
o corpo, deixando nesses que estava resguardado que a sua mãe tinha em
pensativos momentos pela mão esquerda, e um relação ao seu modo de
que a dor lhe arrancasse previsível casaco que dei- vida. A pobre velhota iria
alguns lúgubres gemidos. xava transparecer nódoas fazer um pranto salgado
Decidiu nervosamente de sangue fresco. Um assim que o visse embe-
espreitar e certificar-se rasto vermelho ia ficando bido no próprio sangue, e
da presença de alguém, da sua malograda passa- ele não queria torturá-la
amigo ou inimigo, que gem. Cada segundo era com tamanho desespero
ainda estivesse na perife- marcado a conta-gotas e pânico. Ainda tinha na
ria do acontecimento. de sangue na irreversível memória o desgosto que
ampulheta do tempo. a sua progenitora tivera
Ninguém! Apenas alguns
A sua primordial pre- no dia em que ele aban-
transeuntes caminhavam
ocupação não eram os donou o rotinar pelos
despreocupadamente
curiosos observadores recreios da instrução
alheios ao sucedido.
que fingiam acreditar no em prol de um duvidoso
Reparou então na cica- deambular citadino. O
seu encenado, e mal dis-
triz que a bala deixara na seu pai, honesto trabalha-
farçado, bem-estar. Logi-
vidraça da janela atrás de dor sempre preocupado
camente que ninguém se
si. em dar o melhor à famí-
iria intrometer nas rixas
Não haveria ninguém juvenis que todos sabiam lia, havia de conseguir
para reclamar o dano, assombrar a zona, aliás, mudar o rumo do filho.
visto que a bala fora qualquer tipo de ajuda Infelizmente, uma es-
pousar no interior de um oferecida a um membro tranha doença levara-o
armazém abandonado – ferido de um bando po- anos antes de o filho ter
pensava Pedro, como se deria causar possíveis re- tomado esta desenfreada
os verdadeiros chefes de presálias e violências por escolha.
quadrilha se preocupas- parte dos rivais. Assim, A solução? Talvez a sua
sem com os danos prove- a atitude mais indicada namorada ainda estivesse
nientes das suas guerras. seria a de ignorar aquele em casa e o pudesse aju-
Ao ranger dos dentes le- jovem ensanguentado. dar a limpar e tratar da
vantou-se num único im- ferida, ou, quanto mais,
pulso de vontade, vascu- fosse ajudá-lo a camuflar
A sua mãe! Esse era o
lhando de seguida na sua os indícios, de modo a
motivo que consumia
obstinada mente possíveis que a mãe não notasse
a sua confusa cabeça.
soluções. O crucifixo que nada.
Como confrontaria ele a
balanceava no seu pesco- Assim, com este de-
preocupada mulher no
ço irradiava um intenso sesperado objectivo em
estado em que se encon-
brilho de penumbra. Os mente, se foi arrastando
trava. Como lhe explica-
seus cuidadosos passos, já pela perspectiva das ruas,
ria ele o porquê de ter
inseridos numa pequena largando cada vez mais
sido alvejado?
movimentação humana os silenciosos caudais da
oriunda de um final de Era claramente nítido
vida. O cansaço consu-
na sua cabeça o facto
para Mãos-de-VAca
ravam violentamente pula e avança…” “Autor
o movimento. Decidiu do livro de contos “Sui
finalmente descansar sen- Generis-Contos DeMen-
tando o seu fraco corpo tes” e do livro de poesia O Guia do Viajante Inteligente
no marmóreo e gélido “Madrugadas indefinidas”.
degrau que dava início a Tem colaborações nas re- www.maosdevaca.com
umas curtas escadas. O vistas “Miasma” (Espanha),
seu coração dava as últi- “Gótica” (México), Juvena-
mas badaladas anuncian- trix (Brasil), Lama (Brasil),
do a hora da derradeira Revista da editora Alma
partida. O ferimento não Azul “O Mal” (Portugal),
fora, afinal, tão superficial “Abismo Humano” (Por-
quanto ele julgara; talvez tugal), Terrorzine (Brasil).
até houvessem sido dispa- Participa das antologias
radas duas balas, em vez “Novos talentos fantásti-
de uma somente A guer- cos” e “Poetas em desas-
ra tinha acabado para ele, sossego”.
ou talvez ele viesse a ser
o motivo, o símbolo que
levaria à guerra os seus
camaradas.
Afinal, a sua mais re-
cente intenção até ia ser
conseguida – não teria
de confrontar a sua mãe
naquele estado lastimoso.
Sobre o autor
Emanuel R. Marques:
Nascido em Aveiro, Por-
tugal. Formado em Co-
municação Audiovisual.
Actualmente, além de
continuar atento e liga-
do às várias artes pelas
quais sente interesse, vive
a crise do país a traba-
11
Microcontos
Oqdz...
Ju Blasina
http://www.flickr.com/photos/paraflyer/431193936/sizes/o/
...Da Carência ...Da Indecência
Implorou para não fizesse aquilo, daquele Seu ritmo era perfeito! Estava indo tão
jeito, naquele lugar, mas Clemente era surdo bem... Pena ter-lhe faltado
seletivo. as pilhas.
ficina
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Silêncio
Contos
Joaquim Bispo
www.revistasamizdat.com 15
Contos
Cena no quarto
Caio Rudá de Oliveira
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Se o rapaz já era dado no dirigir-se-lhe a palavra, vinho. Boa-sorte, são votos,
a exprimir seus pensa- como de habitual a mo- a esta que continua o ato
mentos sem que passas- ças distintas, sobra-lhe um de felação, mas a baixeza
sem pela censura, que em mínimo de honra enquan- do rapaz não se limita, e
algum canto do cérebro to ser humano, já que na dá o indesejado imagina-
habita, antes de chegarem qualidade de mulher, já do: um gesto desvairado
às cordas vocais, língua e foi dito, lhe é dispensável. que derruba a garrafa de
músculos da fala os impul- Mas este rapaz já não tem um tinto, do criado-mudo
sos elétricos, o vinho o faz controle de si, do que fala, à cama, o rouge a tomar
menos ainda um adepto da tampouco de seus reflexos, lençois e formar uma lenta
repreensão própria, e mais e se o que ele está pró- cachoeira da beirada da
rápido do que do gole ao ximo de proferir não for cama ao chão. A seguir,
estômago, chegará a ideia demasiado ofensivo a esta interrompe-se tudo brusca-
em estado bruto aos ouvi- que lhe suga o órgão, ainda mente, também assim o foi
dos desta figura feminina assim sua noite não será o supetão desta a quem é
que o acompanha. E antes de êxito na cama, já que dito que limpe tudo e bus-
seja que ele lance algu- sabemos que dificilmente que uma garrafa lá mesmo
ma cantada devassa, uma lhe escapará fluido do cor- de onde retirara a primei-
insinuação vulgar, sendo po, e em seu lugar, escapa- ra, que não lamente nem
ainda possível preservar rá o repugnante resultado se preocupe do prejuízo,
alguma dignidade desta da mistura em bucho do que o vinho é tão barato
que o acompanha, pois que tenha entrado, sabi- quanto o é esta que engole
embora não merecedora damente hoje apenas uma lágrimas.
de cuidados ou requintes lasanha e vinho, vinho,
ficina
seguras (rsrs) um nome teclando com amigos so-
mostrava como um fatal tos a sucumbir,
turnos e escrevendo apontava-
contos tos autores,
lembrar quenacionais
estava eme
artístico. Como é o seu
cumprir a vontade de Deus
enome
irresistível convite ao
de batismo, e por
lhe seus
cruéis na terríveis olhos
Tinta Rubra. estrangeiros,
harmonia comabordando
a música
o vampirismo, é possível
além-túmulo.
que a opção pela adoção ausentes. E como todos os inacabada de Bach. Ter-
fugir de certos clichês
deQuase
um pseudônimo? Você
um ano após o outros,
SAMIZDAT também— OsMozart
vampi- minando,
do gênero,viu ou que a perna
ao fazê-lo
publica textos como “você paralisou-se.
ros são um dos Junto à ima-
temas
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que, já estava olivre.
corre-se riscoCorreu
de desca-o
início das mortes, passava
mesma”, diferentes dos de tempos em sentiu
tempos,o racterizar o tema?
pela região umcomo
viajante gem macabra, mais rápido que pôde,
textos escritos Giu- voltam a ser moda. A que
austríaco,
lia Moon? excepcional cheiro da putrefação. As sem
GIULIA olhar paranão
— Bem, trás.existe
O
você atribui este fascínio
http://www.flickr.com/photos/erzs/1357413280/sizes/o/
náuseas dominaram-no, uma lei que diga
som de sua composição que tais
estudante
GIULIA — de música,
O meu nome que temos por estas cria- e tais características são
real é SueliWolfgang
chamado Tsumori. “Giu-Ama- o que o fez libertar-se da servia de trilha sonora
turas? obrigatórias para um perso-
lia Moon”
deus é umQuando
Mozart. nickname paralisia, caindo
GIULIA — Acho que as de joe- para
nagema vampiro.
fuga, enquanto
Acho que
que adotei quando entrei lhos a largos
pessoas gostamvômitos. Em ele
de vampiros pensava
depende como,
do bom até de
senso o
soube da maldição, não
na Tinta Rubra. Ao in- porquea são, em primeiro cada autor. aquela
Um bom senso
se meio engasgos, tosses e momento, música
vésalarmou, disse
de escolher, comoapenas
os lugar, vilões com um bom que o faça reconhecer que,
que gostaria de
outros, um nome romenoouvir o ânsias, ouviu a frase mor- nunca havia lhe parecido
layout. São parecidos com sem algumas características
vampiresco
tal concertocom títulose de
fúnebre de tal: “Termine a música”. tão viva e tão mórbida.
os seres humanos, têm as básicas, o seu personagem
nobreza como “condessa”
conhecer o seu autor. Foi Confuso,
vantagens dadesnorte-
juventude Prometeu não mais
não é um vampiro, mastocá-
e “lady”, reuni dois nomes eterna, imortalidade, la.
alertado de que a história
curtos que tivessem algum
ado, Mozart tentou dons
se alguma outra criatura. Os
psíquicos, força física. É vampiros do meu livro
era
tipo verdadeira,
de significado de para
que as levantar apoiando-se No dia seguinte, o
um monstro que tem um Kaori são os vampiros clás-
pessoas
mim. Eu já não queriam
sempre gostei do no órgão,
arsenal de que
armas sua mão
variado: jovem Mozart já bebem
sicos: predadores, não se
mais estudar música,soava
nome “Giulia”, porque e atravessou
a força, o poder como se nadaa
psíquico, encontrava
sangue (e só pela cidade.
sangue), não
sensual, gracioso e fácil de sedução, a esperteza. Pode andamum a luz do dia,pelo
têm
ele poderia ser o próxi- ali estivesse. Caiu sobre “Mais levado
ser pronunciado. E “Moon”,
mo,
porquee osou
diaumafatalapaixo-
estava o vômito, começando a ou
agir com a “mão pesada” Canto da Sereia de Bach”,de
muita força e capacidade
com sutileza, dependendo se regenerar de ferimentos.
se
nadaaproximando...
pela lua, adoroNada ficar recobrar a razão e ten- diziam. Contudo, soube-
da situação. Mas também Mas já escrevi contos em
devaneando
disso sob uma lua
o espantou. tando
pode ser afastar-se
sentimental, daquele
frágil, se
quenaoshospedaria
vampiros são que ele
seres
cheia ou ler histórias que prenúncio
enfim, pode da
ter morte.
todas as fra- havia partido durante
microscópicos, por exem- a
Dia vinte
envolvam e oito,
noites “Toca-
de luar – quezas
De da mente
bruços sobrehumana,
a terra, plo. Os clichês
madrugada, ruins
são são
e salvo,
ta e Fuga
além em Ré
de achar Menor”,
a grafia de pois já foram humanos um apenas aqueles que são mal
tudo
“moon” como
muitohaviam dito,os sentiu
legal, com algo prendendo-o
dia. Para o autor, é um per-
após o sinistro concerto.
trabalhados pelo autor.
e“o”s
lá lado a lado,
estava lembrando
Mozart pelo
den-Bugalho
sonagempé. Não
muitoteve cora-
estimulante, No cemitério, ao invés do
Henry Alfred
dois olhos arregalados de
tro do cemitério. Com os gem http://www.lostseed.com/extras/free-graphics/images/jesus-pictures/jesus-crucified.jpg
e issodefazolhar
com que parao ver o
produ- esperado músico morto,
O Rei dos
espanto. Quando lancei o SAMIZDAT — Muitos
olhos fechados, deixava-se que
to daera. E novamente
criação a
tenha grandes foi encontrada apenas
primeiro livro, não havia chances de suplicou:
ficar bom.“Ter-E, autores da nova geração
extasiar
razão para com as compo-
assinar de outra
voz suave uma inscrição com
encantaram-se na terra,
os
para o leitor, é aquele vilão
forma, já
sições deque a maioria
Johann Sebas-dos mine a música”. Fazendo parecida
vampiros com o trecho
por causa dos de
Judeus
(ou vilã) bonitão, sacana
meusBach,
tian leitores
numme estado
conhe- uma desesperada
e malvado que adoramosoração jogos departitura.
alguma RPG, especial-
Desde
cia como “Giulia Moon”. E mental, tateou
odiar. Vilões o solo
assim até
sempre mente “Vampiro: a Más-
então, não se noticiou
de euforia sobrenatural. cara” (publicado no Brasil
assim ficou. Nunca publi- fizeram sucesso,
Subitamente, o som encontrar uma pois pedraadora- mais vítimas do “Canto
quei nada como Sueli,se
pois mos esses contrastes: beleza pela Devir). Você perten-
extinguiu. O jovem
Giulia continua sendo,des-
pelo pontiaguda. Com ela, da
ce aSereia de Bach”.
este grupo ou seu
com maldade, delicadeza
menos para
pertou mim, oemeu
do transe dirigiu começou a desenhar no
com crueldade, e assim por interesse é anterior? Qual
do www.revistasamizdat.com 17
w
gr nl
át
oa
is d
Contos
Um Amor de Carnaval
Henry Alfred Bugalho
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dante. Assim que estacio- arrebentação.
Isto quando um aciden- návamos na frente da Nós dois ficávamos no
te no trajeto não piorava casa, uma vez destranca- rasinho, eu tinha uns seis
o fluxo, como da vez que da a porta, eu e minha anos e ela treze, “pegáva-
um caminhão de pepi- irmã checávamos todos mos jacaré” e eu aprovei-
nos capotou, espalhando os cômodos, isto quan- tava para fazer um xixi
barris azuis com pepinos do havia mais de um, na água.
em conserva nas duas para nos certificarmos
se havia camas, beliches Foi neste primeiro dia
mãos da estrada, e com que vi uma menininha,
a cabine do caminhão ou colchões suficientes
para todos, pois não raras brincando na areia com
dependurada para fora baldinho e pá. Ela olhava
da mureta, pendendo na vezes tinha mais gente do
que lugares para dormir, para mim e fiquei com
beira do abismo. vergonha.
então recomeçava a briga
— Dizem que o mo- para decidir quem ficaria Minha irmã voltou
torista foi esmagado... onde, e quem acabaria para perto da minha
— curiosos comentavam, dormindo no chão, num mãe, para tomar banho
todos aguardando fora de colchonete que era igual de sol, e me deixou sozi-
seus automóveis, já que a deitar-se diretamente nho, no raso, pulando as
não nos movíamos um no assoalho. ondas baixas. Sentei-me
milímetro sequer — a po- na areia molhada, volta-
lícia recolheu o coração Logo em seguida, sob
apelos desesperados das do para aquela menina,
dele do asfalto. e fiquei olhando, ainda
crianças, começavam to-
E, para piorar, assim dos os preparativos para muito tímido, para ela.
que o tráfego havia sido a praia propriamente Mais tarde, minha mãe
normalizado, minha mãe dita: filtro solar, guarda- nos chamou para almo-
não conseguia dar a igni- sol, calção de banho, çar, retornamos à casa e
ção. boné, e toda a paraferná- foi quando descobri que
— Maldito carro a lia que apenas os não- a menina que me fitava
álcool! — ela berrava, nativos precisam carregar estava hospedada na casa
dando tapas no volante, para curtir as férias. ao lado, do outro lado
então tínhamos de sair A primeira providência do muro. Minha mãe
correndo, pedindo ajuda que eu tomava, ao atingir conversou com a mãe
aos outros motoristas a areia pelando, era jo- dela por alguns instantes,
para empurrar o Gol gar meus chinelos para a talvez estivessem se apre-
branco que sempre mor- minha mãe e correr para sentando, depois voltou e
ria, especialmente nos a água. me disse:
dias frios de Curitiba. — Você viu que boni-
— Não vai muito fun-
A chegada à praia era do! — ela gritava e eu só tinha a menina aqui do
sempre cheia de empol- respondia com um aceno. lado?
gação, pois então não Minha irmã vinha logo — Não — respondi,
mais avistávamos monta- atrás, justificando que com medo de me entre-
nhas, prédios ou rodovias, ficaria de olho em mim, gar.
mas apenas a imensidão mas que, na verdade, que-
azul que vislumbrávamos ria paquerar os rapazolas Naquela noite, minha
a cada quadra perpendi- mãe e as amigas saíram
que em bandos conver- para dançar, em algum
cular ao mar. savam um pouco após a baile de carnaval, e dei-
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Contos
Ju Blasina
Ser genérico
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Contos
biscoitos de manteiga
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em cada sala de baile estava zer azeite, e à minha mãe, a – Seriam onze horas e
armado o mastro com fitas avó Marquinhas disse que o baile na sociedade dos
e balões, e havia uma mão levasse um bácoro aconche- ricos ía animado. – Isaura
cheia de saquinhos de pano gado no avental – um porco afirmou assim como se lá
cheiinhos de areia ou serra- ainda mal desmamado que tivesse estado e prosseguiu
dura, conforme. E havia ro- minha mãe segurou com o conto sob o olhar atento
los de fitas multicores – as desvelado cuidado. de Iria.
serpentinas – e saquinhos Minha avó materna, Minha mãe contava
repletos de confetis. Os vestiu-se parecida com as que havia muita gente pelas
sacos de pano eram feitos filhas, mas colocou arre- escadas e que se apartaram
expressamente – nos meses cadas nas orelhas, herança a fazerem filas enquanto
de frio, ao serão, mal pas- da mãe dela, e um xaile elas subiam, e que gritaram:
savam os reis, e já em cada sedoso, negro e com cadi- deixem entrar as ciganas,
casa havia ao menos um lhos a descaírem na camisa que seriam elas com minha
par de mãos a recortar te- branca. Na cabeça colocou avó adiante e o bácoro gru-
cidos velhos, a pespontá-los um lenço todo ele em seda nhindo preso nos bracinhos
e a colocar-lhe um atilho pura, ou imitando: de minha mãe ainda quase
no local por onde seria, nas criança.
vésperas de se iniciarem os – Sei lá eu… – e
festejos, colocado o material Isaura riu-se, ainda mais, a Contavam, uma e outra,
que, enchendo-os, e depois acrescentar, para compor o e houve tempo que conta-
de atados, os iriam tornar quadro que ouvira repetido vam as duas, ao despique,
em arma de brinquedo e à avó e à mãe: que no salão parou o baile,
arremesso. Os saquinhos – Um lenço vermelho arredaram-se cadeiras e as
prenhes de serradura ou sobre as tranças que a mi- senhoras olharam-se a per-
areia da praia jogados a um nha avó tinha muito pretas. guntarem o que seria aqui-
e outro no cortejo ou ati- lo, e riam a verem a minha
E prosseguiu contando. avó andando de um lado
rados da janela ao incauto
que passava na rua. Pela hora em que o para o outro na roda que se
povo, e o resto da socieda- fizera no salão mais chique
– Costumes. – dis- de, começava a dirigir-se da cidade.
se Isaura a ver se a outra à sala de baile a que, por
dormitava ou se mantinha Marquinhas e as suas
profissão e escalonamento quatro filhas ensaiando o
atenta ao que estava contan- social, lhe cabia em uso, mi-
do. que nem tinham ensaiado.
nha avó Marquinhas deu a
Nesse Entrudo, minha cada filha uma mascarilha Minha mãe diz que
avó juntou as quatro filhas, que ela mesmo tinha feito teve medo daqueles risos
minha mãe entre elas, e em flanela preta com dois todos a olharem para ela
vestiu-as com saias embebi- buracos para que assomas- muito aflita a segurar o
das em muita goma e com sem os olhos. Em si mesma porco para que não fugisse.
muita roda; colocou na ca- colocou, preso por fitas de Minha avó Marquinhas
beça de cada uma um len- cetim, no mesmo tom, uma sentou-se com a saia em ba-
ço de ramagens e, no braço, rede negra, de tal modo lão espalhada no sobrado e,
a uma pediu que levasse colocada que se lhe fica- espetando o dedo, chamou
um cesto, a outra que segu- vam a ver-se apenas os dois cada uma das filhas segun-
rasse uma galinha, à minha olhos. Nas mãos enluvadas do a sua função:
tia mais novita pendurou de vermelho, Marquinhas
no braço uma bilha de tra- segurava um baralho.
tu que tens o galo, senta- te
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Contos
Cirilo S. Lemos
Quarta-feira de Cinzas
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os olhos ofuscados, Re- e correu para longe dali. perguntando se Deus tinha
nato caiu e foi pisoteado. Como ir para casa? algo com aquela loucura
Levantou-se com esforço. Em qualquer direção que toda, e quase foi atropela-
Atravessou a porta mistu- olhasse, via dúzias de piras do por um ônibus em cha-
rado à floresta de braços incandescentes alucinadas. mas ao atravessar a rua.
coloridos, pernas envoltas Os urros vinham de toda Entrou num beco en-
em meias, troncos em- parte e se misturavam às tre dois prédios altos. O
plumados, cabecinhas de buzinas, sirenes, choros, cheiro enjoativo de carne
fadas, bailarinas e piratas. latidos, marchinhas aban- queimada se misturava ao
Chegou à rua. donadas de Carnaval. ranço dos sem-teto enco-
– Ah, porra. Ali perto, diante de uma lhidos de medo. Pilhas de
Gente em chamas por cruz vermelha de vários cinzas fumegantes se es-
toda parte, gente rolando metros, um pastor ber- palhavam por toda parte.
pelo chão tentando extin- rava ao microfone sobre Renato sentiu o estômago
guir o fogo que lhe devo- o Fim dos Tempos e a se contrair. Vomitou.
rava os corpos, gente se Destruição dos Pecadores. – Coisa estranha, né?
atirando de prédios ou na Louvava ao Senhor por – disse um mendigo.
frente de automóveis para trazer sua Justa Punição Encharcava o corpo com
fazer a dor passar, gente e seu Fogo Purificador no uma garrafa de coca-cola
sem saber o que fazer ou último dia da celebração cheia de urina.
aonde ir, como ele. hedonista da carne. Fiéis Renato não respondeu.
Correu para o estacio- endossavam as palavras Continuava vomitando.
namento, sem coragem do pastor com gritos de
– Vou deixar o corpo
de olhar para os clarões aleluia e braços erguidos.
bem molhado para me
repentinos que surgiam ao Era uma igreja grande e
proteger do fogo. O mun-
seu redor. Alcançou seu próspera. Homens de ter-
do inteiro tá assim, meu
carro. Enfiou a chave na no impediam que as pes-
chapa, a porra do mundo
ignição. Pessoas em cha- soas assustadas buscassem
todo. E sabe por quê? A
mas cercaram-no implo- abrigo dentro dela.
radiação ultravioleta. Tem
rando por ajuda, tentando A multidão apedrejava um vírus nela. Não se
abrir as portas, socando as portas de vidro e força- pode brincar com o pla-
os vidros. Renato viu um va a entrada. Os homens neta, garoto. Ele tem pais
homem se jogar contra o de terno – seguranças, vingativos.
pára-brisas, o fogo torran- na verdade – ameaçavam
– Besteira – grunhiu
do-lhe a pele. Estremeceu. atirar nas pessoas para
Renato, um gosto azedo
Ia ter de atropelar aquelas afastá-las. No fim, dava no
na boca. Cambaleou para
pessoas para poder sair mesmo estar dentro ou
longe dali.
com o carro. Não teria fora: fiéis e infiéis, todos
coragem de fazer uma começaram a queimar – Que explicação você
coisa dessas. Mas tinha de um a um. Renato não viu tem? – ainda ouviu o men-
ir para casa, saber se o pai quando o pastor se tornou digo perguntar.
estava bem. Abriu a porta uma bola de fogo claman- Avenidas, condomínios,
do carro com um chute, do pelo espírito santo: favelas, ruas, praças, edi-
derrubou um dos infelizes correra ao ouvir os tiros, fícios, casas, bares, carros,
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Contos
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José Guilherme Vereza
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Contos
pois trato de entrar. Ou eu vinte e seis anos, cantarolan- “Estamos esperando. Vem logo
me encarrego de sumir. do murmúrios dos tempos escutar. O samba que fizemos
que não voltam mais. para te dar.”; “Da tua voz tirei
E voltou. Retornou para a a melodia e a harmonia eu fiz
escuridão de onde mal havia — Se ainda pudesse... Um com teu olhar”; “O meu destino
se apartado, como um desses último desejo... foi traçado”; “(...) eternamente
mitos da noite, que na noite Como num piscar, a porta hei de sorrir pra não chorar.”
ficam. Tão logo, as gotas in- abriu-se novamente. Uma “Uma jura que fiz”; “eu nasci
vadiram o espaço, num leve multidão avançou, preencheu pra batucar.”; “As cordas vão
correr devasso. Eu levantei a o salão, em um barulho con- dizendo que o samba é só teu”;
cabeça e deixei que a água tínuo. Uma preta, senhora de “Estamos esperando”; “Eu vou
abraçasse minha face. Gotas roupas grandiosas, e colares pra Vila”.)
escorrendo, uma atrás da ou- variados, aproximou-se e
tra, nas bochechas, na boca, segurou minhas mãos. Eu a
nos olhos. Essa vila, essa vila beijei, em reverência, reco-
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Contos
Borboletas na barriga
Mariana Valle
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Contos
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Léo Borges
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Magalhães e Barbosa, en- – E o que ele fez? – Não te conheço, minha
tão, pegaram os instrumen- – Passou adiante. filha – disse um incomodado
tos pertinentes para aquele Barbosa. – Por favor, chame a
serviço, canetas-marcadoras – Se elas forem falsas, dona.
que constatavam ou não a é crime! – soltou Barbosa,
zangado. A prostituta saiu um tanto
autenticidade das cédulas, e consternada e foi chamar a
saíram. Caso um traço rabis- – Se é crime, desconheço. proprietária. Duas mulhe-
cado tomasse um tom róseo, Mas lembro que ele falou em res obesas e mal cuidadas,
estava decretada a falsidade. sessenta reais. aparentemente fantasiadas
Ao se aproximarem do “Exatamente”. Pensou Ma- de Carmen Miranda – ou de
cais, abordaram um grupo galhães. “A soma das notas algo semelhante –, quando
fardado de branco: falsas de vinte é sessenta souberam que se tratava de
– Senhores, precisamos de reais e agora elas estão sob o diligência policial, surgiram
uma informação sobre duas poder de algum incauto”. com cara de poucos amigos.
onças. – Mais alguma informa- – O que é? – perguntou
– A matinê das onças é ção, caro lobo do mar? – quis a menos amistosa, com uma
só amanhã, gatinho. Hoje o saber Barbosa. voz rouca, particularmente
baile é dos marinheiros! – Essas de vinte tinham esquisita.
Barbosa, ao ver que os desenhos, mas não lembro – Você não é a dona Rosa
marmanjos eram apenas o que eram. Ouvi dizer que – disse Barbosa, lembrando-
foliões fantasiados, soltou simbolizariam a paz. se que Rosa era magra, alta e
um palavrão e continuou no “Marcações nas notas! Isso odiava adereços na cabeça.
trajeto até o píer. facilitará as coisas...”, pen- – Não. Chamo-me Ma-
– Aqueles ali aparentam saram. Viram que procurar dame Cat. Eu e a Baronesa
ser marujos de verdade. o tal trabalhador portuário Pussy compramos o esta-
Devem saber de algo – sus- seria infrutífero e que o mais belecimento da dona Rosa
surrou Magalhães, observan- lúcido era seguirem direto na semana passada. Em que
do alguns homens jogando para o Bar da dona Rosa, o podemos ajudar?
cartas. decadente bordel das docas. – Sou o policial Barbosa
– Por favor, – disse Ma- No estabelecimento, que e quero que a senhora me
galhães, pedindo a palavra estava muito diferente desde mostre o cofre.
– algum de vocês viu duas a última vez que estiveram lá Madame Cat se pôs de
de cinquenta e três de vinte para “saborear as delícias da costas e começou a abaixar a
falsas circulando por aqui? casa”, conforme o slogan na saia. Ao perceber o constran-
porta apregoava, encontra- gedor engano, Barbosa tossiu
– Duas de cinqüenta fal- ram alguns bêbados, outros
sas?! – repetiu o que estava forte e explicou melhor o
alcoolizados e, por fim, que queria:
com um cachimbo no canto pessoas embriagadas. O lugar
da boca, gargalhando em era muito mal iluminado e a – O cofre a que me refiro
seguida. – Vimos, sim! Apa- música do Julio Iglesias tor- é o caixa! Quero ver as cédu-
receram semana passada e nava o ambiente ainda mais las. Estamos investigando um
estão na região. Circularam, sombrio. caso de falsificação e o ponto
mas ninguém pegou. Barra final do crime parece ser este
pesada. Acho que foram pa- – Quero falar com a dona estabelecimento.
rar na Dona Rosa. Rosa – disse Barbosa para
uma das atendentes, nua da Com as notas em mãos,
– E as três de vinte? cintura para cima. Barbosa passou a ticar cé-
– Essas não pareciam dula por cédula utilizando a
– Barbosinha?! Você por caneta verificadora e não se
falsas. Um estivador pegou e aqui? Quanto tempo! – retru-
disse que não eram. deu conta de que Magalhães
cou a garota. havia sumido por entre os
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Contos
Fragmentos:
II. O Início
Marcia Szajnbok
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Contos
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ação estava completamente da multidão. Fugiu para so vender cerveja fiado.
fora de controle. A rádio a calçada e ficou parada,
patrulha encontrou todas respirando fundo. O medo -Não quero nada não, ô
as vielas de acesso obstru- do que acabara de fazer era da Itália. Vim chamar Dona
ídas. Remanescentes de uma mistura de alívio e Alzira. A mãe dela está fa-
blocos carnavalescos, usan- remorsos. zendo o maior escarcéu na
do fantasia juntavam-se aos portaria.
manifestantes. Mascarados Algum tempo depois a
polícia tomou a rua prin- Alzira saiu apressada
e bate-bolas saltavam em mal acreditando no que o
piruetas enquanto as foguei- cipal com suas bombas
de efeito moral e jatos de porteiro dizia. A madruga-
ras queimavam. da quente e a rua comple-
água. Houve trocas de tiros,
Alzira vestiu um camiso- bandidos aproveitaram para tamente deserta:- Não estou
lão preto e pintou o rosto revidar, inocentes foram achando a menor graça,
com tinta branca. Desenhou baleados e pisoteados na onde está minha mãe?
olheiras e colocou uma confusão. -Estava ali, juro. Gritou
velha peruca azul. Queria seu nome um monte de
espairecer, dar uma volta e Dentro do botequim da
esquina do Beco, um grupo vezes. Vai ver foi para outro
aliviar as tensões. A mãe, canto.
neste exato momento, rogou seleto bebia tranquilamente.
uma enxurrada de pragas. Portas arriadas e televisão Juntos deram a volta no
Foi a gota d’água. passando o desfile das esco- quarteirão e nada encon-
las de samba. Alzira estava traram. O porteiro não
Enrolou a doente na capa sentada no canto, dividindo parava de se benzer e falar
da fantasia e prendeu um a mesa com um grupo de de alma penada e outras
chapéu de bruxa. A velhi- travestis, fingia interesse nas assombrações.
nha estava gostando da no- piadas.
vidade e não opôs resistên- Alzira encostou o ho-
cia:- Vamos para o carnaval, O italiano, dono do es- mem medroso na pare-
está ouvindo a confusão? tabelecimento, serviu uma de:- O senhor esqueça esta
Tem festa na rua. cerveja gelada :- Dona Al- história de fantasma ou vou
zira, quanto tempo, está de fazer queixa. Isto é excesso
O elevador estava con- folga da mãezinha?- Quase de cachaça - O porteiro
corrido e a gritaria era engasgando com a bebida, a jurou nunca mais tocar no
geral. Na ânsia de assistir mulher deu uma risadinha. assunto.
e participar do tumulto,
ninguém prestou atenção. -Minha prima levou para
Passaram anônimas até Caxias. Vai passar um tem-
ganhar a rua. O Beco estava po por lá. -O DESFILE-
apinhado de batuqueiros - Que bom. Então apro-
bebendo e fazendo arruaça. As semanas seguintes
veite, amanhã tem o Bola
passaram sem qualquer
No meio do povo a mãe Preta. Imperdível.
notícia. Alzira não queria
quis voltar, gritou e nin- -Verdade. Imperdível. saber se a mãe estava viva
guém ouviu. Foram sen- ou morta. Aos poucos, os
do arrastadas pelas ruas. Várias batidas na porta meses trouxeram alívio. Co-
Quando estavam quase em de ferro e um palavrão bem meçou a fazer novas amiza-
frente à Cruz Vermelha, mandado:- Seu Aylton, de des e freqüentar o clube da
Alzira deu um jeito de sair novo...já disse que não pos- terceira idade.
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O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
ficina
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Contos
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Maristela Scheuer Deves
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Tradução
Canção de Carnaval
Rubén Darío
trad.: Henry Alfred Bugalho
Dá ao ar a serenata,
toca o áureo bandolim,
Leva um látego de prata
para o spleen.
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50 SAMIZDAT março de 2010
Canción de Carnaval
Rubén Darío
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Rubén Darío
(Metapa, atualmente Ciudad
Darío, 1867 - León, Nicarágua,
1916).
Poeta nicaraguano. Na sua
juventude, Rubén Darío viaja por
São Salvador, Chile e Argentina,
onde lê e assimila os simbolistas
franceses. Desenvolve uma intensa
actividade jornalística e, em 1892,
integrando uma representação
diplomática, desloca-se a Espa-
nha, onde entabula amizade com
os escritores modernistas e da
Geração de 98. Em 1905 é nomea-
do embaixador, residindo a partir
de então em Paris e em Madrid.
Quando eclode a Primeira Guerra
Mundial volta à Nicarágua, onde
morre.
A primeira obra importante de
Rubén Darío é Azul, obra em
prosa e em verso. Prosas profanas,
colectânea de poemas, assinala
o triunfo da nova sensibilidade
poética, estando nele presentes os
principais elementos do modernis-
mo: o exotismo, os ritmos france-
ses, a sensualidade, a ornamenta-
ção e o colorido. Cantos de vida y
esperanza contém poemas mais ín-
timos e de uma maior simplicidade
expressiva. É evidente e decisiva a
influência directa de Rubén Darío
no desenvolvimento da poesia de
língua castelhana do século xx.
fonte: http://www.vidaslusofonas.
pt/ruben_dario.htm
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O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
ficina
52 SAMIZDAT março de 2010
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O lugar onde
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ficina
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Recomendação de Leitura
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Poesia
Só um Balão
Ju Blasina
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E só quando estouram Mas não muito
Revelam o interior Amarre-me forte
Tão vazio e oco Mas nem tanto
Seu corpo, já Não quero
Frágil, disforme Subir ao céu
E morto Nem quero
Romper-me ao chão
Às vezes sou só Quero ter só
Um balão O brilho das cores
Cuja corda dou Do teu balão
Em tuas mãos
Cuja beleza deixo
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Poesia
Concisos
Wellington Souza
BACCO
DESFIBRILADOR
RETALHO
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É um fruto
ainda no seio.
ao invés da inanição
de amadurecer e
apodrecer ainda no pé.
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SOBRE OS AUTORES DA
SAMIZDAT
Edição, diagramação e capa
Revisão
Maria de Fátima Brisola Romani
Nasceu em SP em 1957 mas mudou-se para Salvador em 1984 onde reside
até hoje. É arquiteta e artista plástica, além de tradutora (inglês e italiano) e re-
visora de textos. Escreve poesias esporadicamente desde adolescente e há cerca
de um ano começou a escrever contos. Pretende concorrer ao mestrado em
Artes Cênicas na Escola de Teatro da Ufba.
60
60 SAMIZDAT março de 2010
Colaboração
http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
Maria de Fátima Santos
Nasceu em Lagos, Algarve, Portugla em 1948. Vi-
veu a adolescência em Angola e reside em Lagos.
Licenciada em Física, é aposentada de professora do
Ensino Secundário. Já participou na SAMIZDAT e por
afazeres de vida afastou-se. Tem poemas em diversas
antologias, e publicou em Janeiro de 2009 um livri-
nho com pequenas histórias, aquelas que lhe voam
no teclado: Papoilas de Janeiro é o título, com ilus-
trações de TCA do blogue http://abstractoconcreto.
blogspot.com/ Muito material está publicado nos
blogues e www.intervalos.blogspot.com e http://tris-
teabsurda.blogspot.com/ Escreve pelo gosto de deixar
que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.
Mariana Valle
Por um amor não correspondido, a carioca de
Copacabana começou a poetar aos 12 anos. Veio o
beijo e o príncipe virou sapo. Mas a poesia virou sua
amante. Fez oficina literária e deu pra encharcar o
papel com erotismo. E também com seu choro. Em
reação à hipocrisia e ao machismo da sociedade.
Atuou como jornalista em várias empresas, mas foi
na TV Globo onde aprimorou as técnicas de reda-
ção e ficção. E hoje as usa para contar suas próprias
histórias. Algumas publicadas em seu primeiro livro
e outras divulgadas nos links listados em seu blog
pessoal: www.marianavalle.com
Léo Borges
Nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor
público e amante da literatura. Formado em Comu-
nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas
Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas
“Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.
www.revistasamizdat.com 61
Giselle Sato
Autora de Meninas Malvadas, A Pequena Baila-
rina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine
apenas como uma contadora de histórias carioca.
Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de
bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se
a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes,
funcionando como um eficiente panorama da socie-
dade em que vivemos.
Jú Blasina
Gaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar
a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não
se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-
mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e
etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-
nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre
uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como
estudante de letras, de onde obterá mais papéis para
aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher
(Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-
do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas
virtuais, além de projetos secretos sustentados à base
de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.
Dênis Moura
Paulistano de pia, cearence de mar e poeta de
amar. Viaja tanto o céu estrelado quanto o ciberes-
paço, mais com bits de imaginação que com telescó-
pios. Pensa que tudo se recria a cada Big Bang, seja
ele micro, macro ou social. Luta pela justiça, a paz e
a igualdade, com um giz na mão e uma pistola na
outra. É Tecnólogo a sonhar com Telemática social,
com a democracia participativa eletrônica, onde o
povo eleja menos e decida mais. Publica estes dias
sua primeira obra, um Romance de Ficção Científi-
ca, e deixa engavetadas suas apunhaladas poesias. É
feito de bits, links e teia pra que não desmaterialize,
o clique, o blogue e o leia!
62
62 SAMIZDAT março de 2010
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Joaquim Bispo
Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor ama-
dor, licenciado recente em História da Arte, experi-
menta agora o prazer da escrita, em Lisboa.
episcopum@hotmail.com
Caio Rudá
Bahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda
Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera
um dia entender o ser humano. Enquanto isso não
acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-
ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,
reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas
como consolo, um potencial asseverado pela mãe.
www.revistasamizdat.com 63
Marcia Szajnbok
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Médica formada pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, trabalha como psiquiatra
e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas
estrangeiras, lê sempre que pode e brinca de es-
crever de vez em quando. Paulistana convicta, vive
desde sempre em São Paulo.
Wellington Souza
Paulistano, mas morou também em Ribeirão
Preto, onde cursou economia na Universidade de São
Paulo. Hoje, reside novamente no bairro em que nas-
ceu. Participou das antologias do concurso Nacional
de Contos da Cidade de Porto Seguro e do Poetas
de Gaveta/USP. Escreve poemas, contos, crônicas e
ensaios literáios em um blog (Hiper-link), na revista
digital SAMIZDAT e no portal Sociedade Literária.
“Escrever é um modo de ser outro ser”.
Cirilo S. Lemos
Nasceu em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense,
em 1982, nove anos antes do antológico Ten, do
Pearl Jam. Foi ajudante de marceneiro, de pedreiro,
de sorveteiro, de marmorista e mais um monte de
coisas. Fritou hambúrgueres, vendeu flores, criou
peixes briguentos. Chorou pela avó, chorou por seus
cachorros. Então cansou dessa vida e foi estudar
História. Desde então se dedica a escrever, trabalhar
como voluntário numa escola municipal e fazer feliz
a moça ingênua que aceitou ser mãe dos seus filhos.
Polyana de Almeida
Paulistana, 28 anos. Escritora, publicitária, mestre
em Literatura Russa, sonhadora, amante do passado,
apologista da nostalgia. Entre os afazeres da escrita
e do cotidiano, contempla o mundo e questiona: “há
vida sem arte?” No meio do caminho, trôpega, em
desalinho, ela vai se perdendo, caindo, decaindo, a
responder: “sem arte, para mim, vida não há.” E le-
vanta: palavras, palavras, palavras. Corpo. E o sangue
64 SAMIZDAT fevereiro
março dede a pulsar.
2010
2010
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