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ERNEST MANDEL O Capitalismo Tardio- Traducao de Carlos Eduardo Silveira Matos, Regis de Castro Andrade e Dinah de Abreu Azevedo kopitalamus (Versuch ener manestischen Erkiring) para © inglés por Jors De Bres leva o mérto de ter sido atvalizn dda pelo Autor, conforme ele deciara na Introdugso a essa edicSo. A presente traducto foi outrossim confrontada com * Tradusido de Late Copitalsm. Londres, Verso Eaition, 1978 {2.* impressio, 1980). Essa versio do original Der Spat 122 edicdo oxiginal alema da Subrkamp Veriag, Frankfurt am Maim, 1973, Introdugao Um dos propésitos centrais deste livro é fornecer uma interpretacdio marxista das causas da longa onda de crescimento répido na economia capitalista internacio- nal no pés-guerra, que pegou de surpresa economistas marxistas e ndo marxistas; @, ao mesmo tempo, verificar os limites inerentes desse periodo, que asseguravam sua substituicZo por outra longa onda de crise econémica e social crescente para © capitalismo mundial, caracterizada por uma taxa bastante mais baixa de cresci mento global. Em 1970/72, quando este trabalho foi inicialmente escrito e publica- do em alemao, suas teses basicas ainda apareciam, para muitos leitores, como ndo-comprovadas empiricamente ou duvidosas, e foram recebidas com ceticismo generalizado — apesar dos sinais premonit6rios da quebra do sistema monetario in- ternacional a partir de 1967 e da explosdo popular na Franga em maio de 1968. Hoje, sA0 poucos os que duvidam que o momento critico de refluxo no desenvolvi- mento econémico do pés-guerra esteja para tts, e no diante de nés, e que a “longa expanséo” seja agora uma coisa do passado. A crenca na permanéncia do crescimento rapido e do pleno emprego no seio da “economia mista” provou ser um mito. Este livro tenta explicar por que isso foi necessariamente assim, e quais as conseqiiéncias provaveis da dindmica real do capitalismo de pés-guerra, dentro do quadro de referencia das categorias marxistas classicas. ‘Ao reexaminar O Capitalismo Tardio para a edicéo em lingua inglesa, procura mos resistir a tentagdo de acrescentar a ele novos e extensos materiais, para mos- trar a confirmacio, pelos fatos, de nossos argumentos iniciais. Preferimos, em vez disso, corrigir ou esclarecer exposicdes subsididrias e atualizar as estatisticas perti- nentes. Todas as reflex6es adicionais sero reservadas para a discussdo internacio- nal que agora se instaura acerca das contradicées gerais e das tendéncias a longo prazo do capitalismo mundial em sua presente fase, para cuja compreensio O Ca- pitalismo Tardio apresenta certo nimero de hipéteses novas. Se elas se mostraréo suficientes e coerentes, ou nao, s6 a histéria poderd julgar. Nao temos motivo para temer o seu veredicto. Pois o objetivo fundamental do presente trabalho é justamente o de oferecer uma interpretacao da historia do modo de producdo capitalista no século XX, ca- paz de mediar as leis do movimento do “‘capital em geral” com as formas fenome- nais concretas dos “muitos capitais”. Quaisquer tentativas de restringir a andlise unicamente a estas tltimas, ou de deduzi-las diretamente a partir do primeiro, care- 3 4 intRopug&o cem de justificacao metodoldgica ou esperanca de éxito prético. Deveria ser claro, para um marxista, que a luta de classes entre 0 capital e o trabalho, o papel do Es- tado burgués e da ideologia do capitalismo tardio, a estrutura concreta e mutavel do comércio mundial ¢ as formas predominantes de superlucros — todos esses ele- mentos precisariam ser incorporados a qualquer exposicao das sucessivas fases his- toricas do desenvolvimento do capitalismo, e mesmo da fase contemporanea, de capitalismo tardio. Procurando cumprir esses objetivos, o presente trabalho assu- miu _uma estrutura nao sem relag3o ao plano que Marx inicialmente projetou para Capital — quer dizer, ocupa-se do capital em geral; concorréncia; crédito; capi- tal por acdes; propriedade territorial; trabalho assalariado; estado; comércio exte- rior e mercado mundial (em cuja parte final Marx pretendia incluir as crises econd- micas mundiais). Eu nao segui, entretanto, cada seco desse plano, do qual, inclusi ve, a tiltima versio de O Capital de Marx, naturalmente, desviou-se de maneira consideravel. Os primeiros quatro capitulos de O Capitalismo Tardio demarcam o campo global de referéncia para o livro. Eles tratam respectivamente do problema prelimi- nar do método (capitulo 1); da relagao entre o desenvolvimento do modo de pr ducdo capitalista, com suas contradic6es intemas, e a ctiacao de um meio soci geografico adequado a suas necessidades — isto é, 0 mercado mundial (capftulos 2 e 3); e da conexo entre o desenvolvimento da tecnologia capitalista e a valoriza- 0 do proprio capital (capitulos 3 e 4). Os leitores menos familiatizados ou menos interessados em teotia podem deixar de lado o primeiro capitulo ou reserva-lo pa- 1a 0 final do livro, Os nove capitulos analiticos seguintes ocupam-se dos tracos fundamentais do capitalismo tardio, numa ordem légico-histérica: seu ponto de partida originario — a melhoria radical nas condigdes para a valorizagao do capital que resultou das der- rotas histéricas da classe trabalhadora frente ao fascismo e A guerra (capitulo 5); seu desenvolvimento subseqiiente através da Terceira Revolucio Tecnolégica (ca- pitulo 6); seus tracos distintivos como uma nova fase no desenvolvimento do capi- tal — a teducao do ciclo vital do capital fixo, a aceleragao das inovagdes tecnolégi- cas (geradoras de rendas que se tomam a principal forma dos superlucros monopo- listas sob 0 capitalismo tardio) e a absorgao do capital excedente pelo rearmamen- to ininterrupto (capitulos 7, 8 e 9); sua particular inter-relagdio ao mercado mundial —a concentracao e centralizacdo internacionais do capital que dé origem a empre- sa multinacional como a mais importante forma fenoménica do capital, e a troca desigual entre nagSes produtoras de mercadorias a niveis diferentes de produtivida- de média do trabalho, que domina o mercado mundial (capitulos 10 e 11); e suas novas formas e “solugdes” para o problema da realizacdo — a inflacéo permanen- te ao ciclo econémico caracteristico do capitalismo tardio, que combina um ciclo in- dustrial classico a um “contraciclo” de expansao do crédito e contragao do crédito sob o signo da inflago (capitulos 12 e 13). Os iltimos cinco capitulos, ao contrétio, tém caréter sintetizador. Procuram aproximar os resultados da anlise precedente, e mostrar os meios pelos quais as leis fundamentais de movimento e as contradigées inerentes do capital no apenas continuam a operar, mas na realidade encontram sua expresséo mais extrema no capitalismo tardio (capitulos 14 a 18). Nesse ponto, so necessérias duas adverténcias. Em primeiro lugar, o termo “capitalismo tardio” n&o sugere absolutamente que o capitalismo tenha mudado em esséncia, tomando ultrapassadas as descobertas analiticas de O Capital, de Marx, e de O Imperialismo, de Lenin, Assim como Lénin s6 conseguiu desenvol- ver sua descrigéo do imperialismo apoiando-se em O Capital, como confirmagao das leis gerais, formuladas por Marx, que governam todo o decorrer do modo de INTRoDUGAO. 5S produc&o capitalista, da mesma maneira, atualmente, s6 podemos intentar uma anélise marxista do capitalismo tardio com base no estudo de Lenin de O Imperia- lismo. A era do capitalismo tardio nao é uma nova época do desenvolvimento capi- talista; constitui unicamente um desenvolvimento ulterior da época imperialista, de capitalismo monopolista. Por implicago, as caracterfsticas da era do imperialismo enunciadas por Lénin permanecem, assim, plenamente vélidas para o capitalismo tardio. Em segundo lugar, devemos exprimir nosso pesar por n&o sermos capazes de propor uma denominacéo mais apta para essa época histérica do que “capitalismo tardio” — um termo insatisfatorio porque é de ordem cronolégica, e nao sintética. No capitulo 16 deste livro explicamos por que motivo ele é mais adequado que o conceito de “‘capitalismo monopolista de Estado”. Sua superioridade sobre o ter- mo “neocapitalismo” é evidente, dada a ambigilidade deste tltimo, que pode ser interpretado como trazendo implicita tanto uma continuidade basica quanto uma descontinuidade em relacao ao capitalismo tradicional. Talvez num futuro préximo a discussao nos forneca um melhor termo de sintese. Por enquanto, conservamos © conceito de “‘capitalismo tardio”, considerando-o a mais ttil expresso disponi- vel, e, acima de tudo, conscientes de que o realmente importante no é nomear, mas sim explicar o desenvolvimento histérico que tem ocorrido em nosso tempo. O Capitalismo Tardio tenta esclarecer a historia do modo de producao capita- lista no pés-guerra de acordo com as leis basicas de movimento do capitalismo, re- veladas por Marx em O Capital. Em outras palavras, esforga-se por demonstrar que as leis “abstratas” de movimento desse modo de producao permanecem ope- racionais e verificaveis no desdobramento, e mediante o desdobramento da hist- tia “‘concreta” do capitalismo contemporéneo. Nesse processo, contraria direta- mente duas tendéncias basicas no pensamento s6cio-econémico atual. Por um la- do, nao aceita a suposigo daqueles que acreditam — seja em cfrculos académicos ou marxistas — que as técnicas neokeynesianas, a intervenc&o do Estado, o poder dos monopélios, o “planejamento” piiblico ou privado ou qualquer combinacdo desses elementos preferida por um autor ou escola especifica sejam capazes de neutralizar ou cancelar as leis de movimento a longo prazo do capital. E nem acei- ta, por outro lado, a tese oposta (mas, na realidade, convergente), de que essas leis econédmicas de movimento seriam to “abstratas” que absolutamente nao po- deriam se manifestar na “historia real”, e que, portanto, a nica fungo de um eco- nomista seria mostrar como e por que elas se tomam distorcidas ou séo desviadas Por fatores acidentais em seu desenvolvimento efetivo — e ndo a de mostrar como essas leis se manifestam e confirmam em processos concretos e visiveis. A reanimago recente da economia politica marxista (que haviamos predito al- gum tempo antes) tem sido um fendémeno especialmente gratificante dos tltimos anos. Deve-se admitir, entretanto, que a atual reapropriacao da historia passada da teoria marxista por uma geracéo mais jovem de estudiosos e trabalhadores socialis- tas constitui uma tarefa dificil e exigente. Isso é especialmente verdadeiro para os leitores do mundo anglo-saxdo, de quem algumas das autoridades cléssicas discuti- das neste livro — por exemplo, nos capitulos 1 e 4 — ainda podem ser em boa parte desconhecidas. No entanto, a referéncia a esses debates “mais velhos”, da época anterior a 1939, nao é feita absolutamente por simples devogo ou erudi- 40. Pois as grandes controvérsias daquele tempo estavam diretamente relaciona- das aos problemas fundamentais colocados para a teoria marxista pelas contradi- Ses basicas e tendéncias a longo prazo da sociedade burguesa, problemas que ain- da hoje se colocam vivamente para nés. Posteriormente, o fascismo e o stalinismo silenciaram praticamente todos os teéricos do apogeu anterior do debate econémi- co marxista — mas n&o puderam suprimir o seu legado intelectual. Seria muito 6 INTRODUGAO mais dificil dimensionar os problemas centrais do capitalismo da atualidade sem a devida retomada dessa heranca. Na tltima década, 0 renascimento da teoria econémica marxista coincidiu com uma ofensiva neo-ricardiana contra o marginalismo “neoclassico, conduzido pela chamada Escola de Cambridge inspirada por Piero Sraffa. Embora deva ser saudada qualquer reabilitacao da teoria do valor do trabalho, ainda que numa ver- so pré-marxista, de nossa parte permanecemos convencidos de que nenhuma sin- tese real é possivel entre o neo-ricardianismo e o marxismo. Os marxistas contem- poraneos tém o dever de sustentar todos os progressos decisivos conseguides por Marx frente a Ricardo, e que os teéricos neo-ricardianos estéo agora procurando anular. O presente trabalho nao diz respeito ao problema da relacdo entre os dois sistemas, exceto em um ponto: a controvérsia especifica quanto ao papel da produ- cdo de armas na formagao da taxa média de lucro — em outras palavras, o proble- ma da transformagao de valores em precos de producdo, que é rapidamente anali- sado no capitulo 9. A mais séria dificuldade com que me defrontei ao escrever este livro foi 0 fato de Roman Rosdolsky, 0 economista politico mais préximo de mim teérica e poli camente em nosso tempo, ter morrido antes que eu pudesse comegar a escrevé-lo. ‘As lembrancas de nossas’ discussSes em comum e o estudo de sua grande obra péstuma, Zur Entstehungsgeschichte des Marxschen “Kapital”, tiveram, portanto, na medida do possivel, de servir de substituto para as criticas construtivas desse ta- Ientoso tebrico, Os estudantes e professores assistentes socialistas da Faculdade de Ciéncias Politicas da Universidade Livre de Berlim Ocidental, que me convidaram a ser pro- fessor visitante no Semestre de Inverno de 1970/71, forneceram a “pressao exter- na” — tantas vezes necessria a um autor — que me levou a elaborar minha visdo tedtica do capitalismo tardio da forma sistematica em que esta apresentada aqui. Eles também me proporcionaram o tempo livre para esse propésito. Portanto, dedico este trabalho a meu falecido amigo e camarada Roman Ros- dolsky, que ajudou a fundar o Partido Comunista da Ucrania Ocidental e foi um in- tegrante de seu Comité Central, que ajudou a criar 0 movimento trotskista na Ucra- nia Ocidental, que durante toda a sua vida permaneceu fiel 4 causa da emancipa- ¢&0 do proletariado e da revolugdo socialista internacional e que protegeu, nos anos mais negros de nosso século tempestuoso, a continuidade da tradigo tedrica do marxismo revolucionario; e aos estudantes e professores assistentes socialistas da Universidade Livre de Berlim Ocidental, cuja inteligéncia critica e criativa preser- varé e ampliara essa tradicdo. As Leis de Movimento e a Histéria do Capital A relacao entre as leis gerais de movimento do capital —- como reveladas por Marx — e a histéria do modo de producdo capitalista constitui um dos mais com- plexos problemas da teoria marxista. Sua dificuldade pode ser avaliada pelo fato de jamais ter havido, até agora, uma clarificacdo satisfatéria desta relacdo. Tomou-se lugar comum repetir que a descoberta, por Marx, das leis de desen- volvimento do capitalism foi 0 resultado de uma anélise dialética que progredia do abstrato para o concreto: “Os economistas do século XVII, por exemplo, comecam sempre pelo todo vivo: a populagdo, a nacao, o Estado, varios Estados e assim por diante, mas terminam sem- pre por descobrir, através da andlise, certo nimero de relacdes gerais abstratas que sto determinantes, tais como a divisdo do trabalho, o dinheito, o valor etc. Tao logo esses momentos isolados tenham sido mais ou menos fixados e abstrafdos, eles dao origem aos sistemas econdmicos que, a partir de relagées simples — trabalho, divisto do trabalho, necessidade, valor de troca —, elevam-se até o Estado, a troca entre na- Bes e 0 mercado mundial, Esse 6, manifestamente, o método cientificamente correto. O conereto € concreto porque é a sintese de muitas determinacées, isto é, a unidade do diverso, Por isso, aparece no pensamento como um processo de sintese, como um resultado e no como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida ‘na realida de e, portanto, também o ponto de partida para a intuic&o e a representac3o. Pelo pri meito caminho, a representacdo plena evaporava-se em determinacdes abstratas, com © segundo método, as determinacées abstratas conduzem a reproducao do concreto por meio do pensamento. Por isso 6 que Hegel caiu na iluso de conceber o teal co- ‘mo resultante do pensamento que sintetiza a si mesmo, explora suas proprias profun- dezas e se desdobra a partir de si mesmo e por si mesmo, enquanto o método de ele- var-se do abstrato ao concreto nao é sendo a maneira pela qual o pensamento se apro- pria do concreto, e o reproduz como concreto pensado”. No entanto, reduzir 0 método de Marx a uma “progressao do abstrato ao con- creto” implica ignorar a sua riqueza total. Em primeiro lugar, essa incompreensao desconsidera 0 fato de que, pata Marx, 0 concreto era tanto © “ponto de partida efetivo” quanto 0 objetivo final do conhecimento, que ele via como um processo ' MARX, Karl Grundbisse, Londres, 1973. p. 100-101 8 ASLEIS DE MOVIMENTO E A HISTORIA DO CAPITAL, ativo e pratico: a “reprodugéo do conereto no decorrer do pensamento”. Em se- undo lugar, ela esquece que uma progressao do abstrato para o concreto é neces- sariamente precedida, como observou Lénin, por uma progressdo do concreto pa- ta 0 abstrato? — pois o abstrato ja é o resultado de um trabalho prévio de anilise, que procurou separar 0 concreto em suas “relacdes determinantes”. Em terceiro lugar, esse erro destréi a unidade dos dois processos, de andlise e de sintese; o re- sultado abstrato seré verdadeiro apenas se tiver éxito em reproduzir a “unidade dos diversos elementos” presentes no concreto. Sé a totalidade é verdadeira, diz Hegel, e a totalidade é a unidade do abstrato e do concreto — unidade de opos- tos, e ndo a sua identidade. Em quarto lugar, a reproducdo bem-sucedida da total dade concreta s6 se tora convincente pela aplicaco na pratica. Isso significa, en- tre outros aspectos — como Lénin enfatizou expressamente —, que cada estagio da anélise deve ser submetido a “controle, seja pelos fatos, seja pela pratica’’.* Por sua vez, entretanto, os “‘conceitos abstratos mais simples” (as categorias) n&o so unicamente o resultado da “compreensao pura”, mas espelham as ori- gens do desenvolvimento hist6rico real: “Desse ponto de vista pode-se dizer que a categoria mais simples pode exprimir as relagées dominantes de um todo menos desenvolvido, ou relagdes subordinadas de um todo mais desenvolvido, relagées que historicamente j4 existiam antes que o todo se desenvolvesse na direc&o que se expressa por uma categoria mais concreta. Nessa medida, 0 curso do pensamenio abstrato, elevando-se do simples a0 composto, corres- ponderia ao processo hist6rico real”.* Desse modo, a dialética de Marx, para mais uma vez citar Lénin, implica “uma ana- lise em dois niveis, dedutiva e indutiva, légica e hist6rica”’.® Ela representa a unida- de desses dois métodos. Uma anilise “‘indutiva” n&o pode ser, nesse quadro, mais que uma “indugdo histérica””, pois Marx considerava cada relacéo como determina- da pela histéria e sua dialética requeria, por isso, uma unidade entre a teoria e 0 fa- to histérico empitico.° E bem conhecida a afirmagaéo de Marx de que a ciéncia era necessaria exata- mente pelo fato de esséncia e aparéncia jamais coincidirem diretamente.’ Ele nado via como funcdo da ciéncia apenas a descoberta da esséncia de relagdes obscureci- das por suas aparéncias superficiais, mas também a explicagéo dessas aparéncias — em outras palavras, a descoberta dos elos intermediarios, ou mediacdes, que permitem que a esséncia e a aparéncia se reintegrem novamente numa unidade.* Quando essa reintegracdo deixa de ocorrer, a teoria se vé reduzida & construcéo peculativa de “modelos” abstratos desligados da realidade empirica, e a dialética regride do materialismo ao idealismo: “Uma anélise materialista nao se harmoniza LENIN, Collected Works. v.38, p. 171 bid. v. 38, p. 320. ‘MARX Grundrisse. p. 102 SLENIN. Collected Works. v. 38. p. 320. “ MORF, Otto. Geschichte tnd Diolektk in der poliischen Okonomie. Frankiur, 1970. p. 146, Karl Mars: “Esse site rma orgénico, como uma totalidade, tem seus pressupostos, ¢ seu desenvolvimento no sentido dessa totalidade consis: fe pressemente em subordinar 8 si mesmo todos os elementos da sociedade, ou em criar, a partr da sociedade, os Gr ‘80s de que ainda necessta, E essa, hstorcomente, @ maneira pela qual ele se fora uma totalidade. O processo de viraser essa totaidade constiul um momento de seu processo, de seu desenvolvimento”. Grundrisse. p. 278. (Os gr- for sao nossos. EM) Toda clencla seria supeérfua se a apardncia exterior @ a esséncia das cosas coincidissem dinetamente.”” MARX, Capi- tal Landes, 1972. v3, p. 797. Marx. "As varias formas do capital, assim desenvolvidas neste livro, aproximam-se, portanto, passo a passo da forma {que assumem na superficie da sociedade, na acao reciproca dos diferentes capita, na concorténcia © na percepgso habitual dos proprios agentes da produgao". Copal v. 3, p. 25. ASLEISDE MOVIMENTOEAHISTORIADOCAPITAL = 9 a uma dialética idealista, mas a uma dialética materialista; ela lida com fatores empi- ricamente verificéveis”.” Otto Morf observou com justeza: ““O processo pelo qual a mediac&o entre esséncia e aparéncia se apresenta nessa unidade de uma dualida- de identica e oposta é, necessariamente, um processo dialético”."° Mais ainda, nao hé divida de que Marx considerava de que a assimilago em- pirica do material deveria preceder 0 processo analitico de conhecimento, assim co- mo a verificagdo empirica deveria conclui-lo provisoriamente — isto é, eleva-lo a um nivel superior. Desse modo, em seu Posfacio a 2.* edigéo de O Capital, Marx escreveu: “E claro que 0 método de exposicao deve diferir formalmente do método de investi- gacdo. Esta ultima deve assimilar em detalhe o material, analisar suas diferentes for- mas de desenvolvimento, descobrir suas conexdes intemas. $6 depois de terminado esse trabalho é que o movimento real pode ser adequadamente descrito. E se for des- crito com éxito, se a vida da matéria refletir-se idealmente como num espelho, poderé parecer que teros, diante de nés, uma simples construcao a priori”. Poucos anos antes, Engels afirmara praticamente o mesmo, ao escrever: “E evidente que o simples palavreado vazio nao pode realizar coisa aiguma nesse contexto, e que apenas um grande volume de material histérico criticamente examina. do, que tenha sido completamente assimilado, pode tomar possfvel a resolugo desse tipo de problema”? E Marx frisou mais uma vez esse ponto numa carta a Kugelmann “Lange é ingenuo o bastante para dizer que eu me movo com rara liberdade no ma- terial empirico. Ele nao tem a menor idéia de que esse ‘movimento livre na matéria’ no é sendo uma pardfrase para 0 método de lidar com a matéria — isto €, 0 método dialetico” 3° Portanto, Karel Kosik esta certo ao enfatizar que: “A progressao do abstrato ao concreto é sempre, de inicio, um movimento abstrato; sua dialética consiste na superagtio dessa abstracao. Portanto, em termos bastante ge- rais, trata-se de um movimento das partes para o todo e do todo para as partes, da aparéncia para a esséncia e da esséncia para a aparéncia, da totalidade para a contradi- go e da contradicao para a totalidade, do objeto para o sujeito e do sujeito para o ob- pons Em resumo, podemos sugerir uma articulagao em seis niveis do método dialético de Marx, definida aproximadamente nos seguintes termos: 1) Assimilacéo pormenorizada do material empirico e dominio desse material (aparéncias superficiais) em todo o seu detalhe historicamente relevante. ° RAPHAEL, Max. Zur Erkenntnstheorle der Konkreten Diolektk. Frankfurt, 1962. p. 243, 1 MORF. Op. cit, p. 111. MARX. Capital’ Londses, 1970. v. 1, p. 19. (Os gnifos s80 nossos. EM.) 28 ENGELS, Friedrich. "Review of Karl Marx, Contbution’” In: DOBB, Maurice (ed.). A Contribution to the Critique of Poltial Economy. Londres, 1971. p. 221, 38 Marx to Kugelmann in Hanover” In: MARX e ENGELS. Selected Comespondence. (edigSo revista) Moscou, 1968, p. 2 SKOSIK, Karel, Die Diolektk des Koniveten, Frankur, 1967p. 31. 0 autor sovitico tlyenkov dedicou um livo inte ressante & relagdo entre (e a unigo de) 0 abstrato e 0 conereto em O Capital de Marx. Ver ILYENKOV, E. [La dilet a dell astrato e del concreto nel Capitale di Marx. Milo, 1961. 10 ASLEIS DE MOVIMENTO EA HISTORIA DO CAPITAL 2) Diviséo analitica desse material segundo seus elementos abstratos consti- tuintes (progressao do concreto ao abstrato)."* 3) Explorag&o das conexées gerais decisivas entre esses elementos, que expli cam as leis abstratas de movimento do material — a sua esséncia, em outras pala- vras. 4) Descoberta dos elos intermediérios fundamentals, que efetuam a mediagzo entre a esséncia e a aparéncia superficial da matéria (progresséo do abstrato ao conereto, ou a reproducao do conereto pensado como uma combinacéo de multi plas determinacées). 5) Verificagéo empirica pratica da anélise (2, 3, 4) no movimento em curso da historia concreta. 6) Descoberta de dados novos, empiricamente relevantes, e de novas cone- x6es — muitas vezes até mesmo de novas determinacdes elementares abstratas —, mediante a aplicac&o dos resultados do conhecimento, e da pratica neles basea- da, a infinita complexidade do real.** Nao estamos tratando, aqui, de estdgios estritamente separados do processo de conhecimento, pois alguns desses momentos sao interligados e ocorre o inter- cambio inevitavel entre os mesmos. Desse modo, podemos ver que o método de Marx é muito mais rico do que os procedimentos de “‘concretizacdo sucessiva” ou “aproximago sucessiva”’, tipicos da ciéncia académica. “Na medida em que os tragos individuais e particulares séo (aqui) eliminados e rein- troduzidos apenas superficialmente — sem quaisquer mediacées dialéticas, em outras palavras —, pode facilmente surgir a ilusdo de que nao existe ponte qualitativa entre o abstrato e o conereto, Desse modo, torna-se perfeitamente logico acreditar que o mo- delo teérico contenha de fato (ainda que numa forma simplificada) todos os elementos essenciais do objeto concreto sob investigagao, como no caso, por exemplo, de uma fotografia tirada a grande altitude, que mostra todos os elementos fundamentals de uma paisagem, embora apenas as cadeias de montanhas, os grandes rios e os bos- ques sejam visiveis.""*” Pelo mesmo movimento, torna-se evidente a diferenca entre o método redu- cionista do materialismo vulgar, em que desaparece a especificidade concreta dos objetos individuais, e 0 método materialista dialético.** Jindrich Zeleng enfatiza cor- 'S Na linha do te6rico sovigtico llvenkov, Erick Hahn salientou que “a divisso do sujito concreto real em determina Ges abstratas no deve, sob qualsquer circunsténcias, ser equiparada ao movimento da matéria empirca pora a teo- fia. O estégio empirico de conhecimento serve apenas como preparacSo para esse processo de divsdo"”. Historscher ‘Materialsmus und marssische Soviologie. Beri, 1968, p. 199-200, 1® Hahn (Op. cit, p. 185-187) relere um esquema de conhecimento cientifico em sete etapas, proposto pelo teérico so- \isico V. A. Smimov. De inicio, Smimov separa as “observacbes” da “andlise das olservacoes registradas", mas des ta forma deixa de levar em conta @ mediagdo crucial entre essincia e aparéncia e reduz o problema a um conranto en- tte a tearia.e o material empinico, ® ROSDOLSKY, Roman. Zur Enistehungsgeschichte des Mareschen “Kapital”. Frankfurt, 1968. v. 2, p, 535, Ver tam: bem Hegel: “Ad se pensar sobre a gradatvidade do vira-ser de alguma coisa, admite-se habituaimente que 0 que ‘ver a ser j8 est sensivelmente ou realmente em exisiencia, e sO nao é ainda perceptivel por causa de sua pequene2 ‘Analogamente, com o desaparecimento gradual de algumn cols, admite-se que © ndo-ser ou o outro que tome 0 seu lugar jd estela realmente al, mas ainda ndo observavel...Dessa manta, vr-a'ser e deixarde-set perdem todo signif ado". Science of Logic. Londes, 1969, p. 370 KOSIK, Karel, Op. cit, p. 27. ‘AS LEIS DE MOVIMENTO E A HISTORIA DO CAPITAL, i retamente que a reproducdo intelectual da realidade ou, na terminologia de Althus- ser, ‘'a pratica te6rica”, deve conservar permanente contato com o movimento real da histéria: “Todo O Capital de Marx esta permeado por uma incessante oscila¢ao entre o de- senvolvimento dialético abstrato e a realidade material e concreta da histdria. Ao mes- mo tempo, entretanto, deve-se enfatizar que a anélise de Marx intimeras vezes se desi ga da trajet6ria superficial da realidade historica, para dar expresso conceitual as rela- gs internas necessérias dessa realidade. Marx foi capaz de apoderar-se da realidade historica devido ao fato de haver elaborado uma reflexdo cientifica da mesma na for- ma da organizacao interna, um tanto idealizada e tipificada, das relacdes capitalistas reais. Ele no se afastou dessas relagdes para distanciar-se' da realidade historica, e nem pretendia, com isso, uma evasdo idealista em relasao a esta ultima. O objetivo de seu destigamento era assegurar uma intima e racional assimilacSo da realidade”.” Ha um visivel contraste com as opinies de Althusser e sua escola nesse pon- to. Os principios apresentados acima nao transformam o marxismo mediante sua “historizagao”, nem poem em diivida que o objeto especifico de O Capital seja a estrutura e as leis de desenvolvimento do modo de producdo capitalista, preferin- do, em vez disso, as “leis gerais da atividade econémica da humanidade”. O que esses principios reafirmam, entretanto, é que a dialética do abstrato e do concreto € também uma dialética entre a historia real e a reproducdo intelectual desse pro- cesso histérico, e que essa dialética ndo deve se limitar exclusivamente ao nivel da “producdo tedrica”’. A diferenca entre as concepcées de Marx e Althusser despon- ta claramente em Marginal Notes to Wagner, onde Marx afirma de modo explicito: “O primeiro ponto é que eu ndo parto de ‘conceitos'. Por conseguinte, eu nao co- mego a partir do conceito de valor, ¢ assim no tenho absolutamente de ‘introduzi-lo’ Meu ponto de partida é a forma social mais simples do produto do trabalho na socieda: de atual, e essa forma é a ‘mercadoria’. E ela que analiso, e 0 faco, de inicio, na forma ‘em que ela aparece”.”° Althusser, por outro lado, afirma: “A isso somos conduzidos ao ignorar a distingao basica que Marx teve cuidado em tragar entre o ‘desenvolvimento das formas’ do concelto no conhecimento e © desen- volvimento das categorias reais na histéria concreta: a uma ideologia empirista do co- nhecimento e & identificacdo do l6gico e do histérico no proprio O Capital. Praticamen- te n&o deveria surpreender-nos que tantos intérpretes tenham andado em circulos na questo que se prende a essa definicdo, na medida em que todos os problemas con- cementes & relacdo entre 0 l6gico e 0 histérico em O Capital pressupdem uma relaco inexistente”. Althusser sanciona, dessa maneira, unicamente uma relacdo entre a teoria eco- némica e a teoria histérica; a relacdo entre a teoria econémica e a hist6ria concreta €, ao contrtio, declarada “um falso problema”, “‘inexistente” e “imaginario”. O que ele nao parece compreender é que isso ndo s6 esté em contradigaio com as ex- plicagSes de Marx quanto a seu proprio método, mas que a tentativa de escapar ® ZELEY, Jindrich. Die Wissenschafslogk und das Kapital. Frankfurt, 1969. p. 59. ® MARX. "Marginal Notes to A. Wagner's Lehrbuch der poltischen Oekonomie'” In: Werke. v. 19, p. 369. (Os grifos slo nossos, EM) SVALTHUSSER, Louis “The Object of Capital”. In: ALTHUSSER, Louls e BALIBAR, Etlenne. Reading Capital. Lon- des, 1970. p. 115. 12 ASLEISDE MOVIMENTO E A HISTORIA DO CAPITAL ao fantasma do empirismo e sua teoria do conhecimento — um fantasma de sua propria lavra — pelo estabelecimento de um dualismo basico entre “objetos de co- nhecimento” e “objetos reais” inevitavelmente se aproxima do idealismo.”* A necessidade de uma tal reintegracdo entre a teoria e a historia tem sido por vezes contestada, pela raz’o de que a especificidade das leis de movimento de qualquer modo de producao, e do modo de producéo capitalista em particular, ex- cluiria precisamente qualquer unidade desse teor com simples fatos empiricos. As leis de movimento, costuma-se argumentar, so apenas “tendéncias” no mais am- plo sentido hist6rico. Admite:s@q"portantosiquelexcluamvlalipossibilidaderde iquais quer conexées causais com ocorréncias temporais a curto e médio prazos, e mes mo 3 ira Mais ainda, freqiientemente se afirmou que cada uma dessas tendéncias pode provocar contratendéncias que neutralizariam seus efeitos por um periodo consideravel.** O tratamento dado por Marx & tendén cia decrescente da taxa de lucro nos capitulos XIII, XIV e XV do volume 3 de O Ca- pital tem sido infindavelmente citado como 0 exemplo cléssico de uma tendéncia e contratendéncia que, segundo se aficma, nao permitem nenhuma previséo quanto ao resultado final. A partir daf, chega-se 4 conclusdo de que é praticamente impossivel encontrar “confirmagao” empirica para as leis de desenvolvimento de Marx. De fato, susten- ta-se que tentativas de rastrear tais “‘confirmaces empiricas” revelam uma funda- mental incompreensao “positivista” quanto ao método e intengdes de Marx, visto que os dois nfveis diferentes de abstraco, aquele do modo de producdo “puro” e © do processo histérico “‘concreto”, esto a tal ponto distanciados entre si que n&o existe virtualmente ponto algum em que possam entrar em contato. Nao seria dificil provar que, pelo menos, o proprio Marx rejeitava categérica e resolutamente esse fosso quase intransponivel entre a anélise tedrica e os dados empfticos, pois o significado real dessa separagdo € um recuo considerével da dialé- tica materialista para a dialética do idealismo. Do ponto de vista do materialismo historico, “tendéncias” que nao se manifestam material e empiricamente nao séo tendéncias; sfo produtos da falsa consciéncia ou, para os que nao gostam desses termos, so resultado de erros cientificos. Mais ainda, essas tendéncias nao po- dem conduzir a nenhuma intervengao materialista e cientifica no processo histéri- 0. Tao logo as “‘leis de desenvolvimento” comecam a ser consideradas tao abstra- tas que nao lhes é mais possivel explicar o processo real da historia concreta, a des- coberta dessas tendéncias de desenvolvimento deixa de ser um instrumento para a transformagao revolucionatia desse processo. Tudo que resta é uma forma degene- rada de filosofia s6cio-econdmica especulativa, na qual as ‘leis de desenvolvimen- to” tém a mesma existéncia indistinta do “espirito mundial” de Hegel — sempre, por assim dizer, como se estivessem além do alcance dos dedos. Nos sistemas as- sim construidos, as abstragées so verdadeiramente “vazias” — ou mera fraseolo- 2 0 espectro do “empirismmo” que Althusser exorcsa nas p. 35.37 de Reading Copital é reduzido por ele 20 perigo de “cindir” 0 objeto de conhecimento, desde que a “lus20" da “apropriacso teGrica da realidade” & acompaniada por lum Inevitivel processo de abstracko que s6 patcalmente consegue apreender essa realidade. J& indieamos acima co- ‘mo a reprodugao intelectual ava da reaidade pode ser exatamente caracterzada como um processo em que o abstra- toe 0 concrelo, o universal e 0 particular, s20 reintegrados em escala crescente — em outras palavras, um processo ro qual essa "fratura” € progresslvamente superada, Naturalmente, ¢ impossivel que © pensamento eo set atinjam ‘uma identidade completa: a diaigica materialsta pode apenas tentar a reprodusao cada vez mais precisa da realidade. Ver, por exemplo, MATTICK, Paul. “Werttheorie und Kaptaismus”. In: Kapitalsmus und Krise, Eine Kontroverse tun das Gesetz des tendenzielien Fal der Proftrete. Franklurt, 1970; KEMP, Tom. Theories of Imperialism. Londres, 1967. p. 27-28 ete, Note-se também a tese de Althusser de que a mais-vaka nao € mensurével. ‘AS LEIS DE MOVIMENTO E A HISTORIA DO CAPITAL 13 gia, na linguagem mais agucada de Engels. Por esse motivo, a rejeicéo de uma uni- dade mediatizada entre teoria e historia, ou entre teoria e dados empiricos, foi sem- pre relacionada, na historia do marxismo, a uma revisio dos principios marxistas — ou no sentido de um determinismo mecénico-fatalista, ou de um puro volunta- rismo. Ase Dae eT ie RAISOR OTC Peter Jeffries acusou-nos, por isso, de tentar verificar empiricamente as catego: tias de Marx; ele sustenta que categorias como capital, tempo de trabalho social- mente necessario, e assim por diante, néo aparecem de modo empitico no sistema capitalista. Mas, nao existiriam mediagdes que nos permitissem ligar, através de re- lagdes quantitativas, os fenémenos superficiais (Iucros, precos de producao, precos médios de mercadorias em determinado periodo de tempo) com as categorias basi- cas de Marx? Ele mesmo e Engels, pelo menos, julgavam que sim.”* A recaida de Jeffries na dialética idealista deve-se ao fato de que ele reduz 0 concreto unicamen- te @ aparéncia,> sem compreender que a esséncia, juntamente com as mediacdes até a aparéncia, forma uma unidade de elementos concretos e abstratos, e que o objeto da dialética representa, para citar Hegel, “néo apenas um universal abstra- to, mas um universal que compreende, dentro de si mesmo, a riqueza do particu- lar’.?° Assim, ele também deixa de compreender a seguinte observacdo de Engels: “Quando comecou a troca de mercadorias, quando os produtos gradualmente se transformaram em mercadorias, eles foram trocados aproximadamente de acordo com seu valor. Era a quantidade de trabalho gasto em dois objetos que fornecia o Unico pa- drao para sua comparacdo quantitativa. O valor possuia, portanto, uma existéncia dire- ta e real naquela época. Sabemos que essa percepcio direta do valor na troca deixou de existir, que nao acontece mais agora; acredito que nao serd particularmente dificil para voce o tragado dos elos intermedirios, pelo menos em seu delineamento geral, que conduziram do valor diretamente real ao valor do modo de produgao capitalista, 20 profundamente escondido que nossos economistas podem negar com tranqiilida- de a sua existéncia. Uma exposigio verdad: istOrica desses processos, 0 que 2 "Marx and Classical Political Economy”. I. In: Workers Press. 30 de mato de 1972, Daremos aqui apenas um exen plo. No volume 1 de O Capital Marx calculou 0 volume e a taxa de mats-valia para uma fabrica inglesa de fiagdo, ba- seando-se em dados exatos (decaraSes) de um empresario de Manchester, obtidos por Engels (Capital vi. p 219.) No cap. IV do v. 3 de O Capital, Engels, que 0 editou, cita mais uma ver esse exemplo, e acrescenta: "Diga-se de passagem que temos aqui um exemplo da composigso efetiva do capital na grande indisiria moderna. O capital to tal se divide em 12 182 libras esterinas de capital constante e 318 libras esterinas de capital vanavel, pertazendo 12.500 libras esterinas’. (Ibid. p. 76.) Para Engels, o problema néo era 0 fato de © captal “nunca aparecer empirica mente” ou “nao set mensurdvel”, mas sim a obstrucso, feta pelos captalistas, a0 acesco piiblleo a seus livros, escon- ddendo dessa maneita os elementos necessérios e suficientes para a mensuragao do capital. "Uma vez que s30 Dem [pouces os capitalstas aos quis ocorte fazer célculos desse genero acerca de seus proprios negécios, as eslaisicas si Jenciam quase completamente sobre a relagdo enite @ parte constante e a parte varsivel do capital total da sociedade © censo norte-americano 0 tnico @ indicat o que & possivel sob modemas condicbes: 0 total dos salanos pagos dos lucros obtios em cada ramo industrial. Embore questindveis, tendo por dnica base as declaragoes nfo controla- das dos capitalistas, esses dados s80, apesar disso, bastante vallosos, e 0s Unicos restos de que dispomos a este res- pete.” Capital. v. 3, p. 76 5 “Nesse ponto Marx explica que o processo de movimento do abstrato ao conerato, da esséncia & aparénci, bo po- de ser um processo imedhato.”” (JEFFRIES, Peter. "Marx and Ciassial Political Economy”. Ill. in; Workers Press. 31 dde mato de 1972.) Na passagem de O Capital a que se rofere a interpretagio de Jeffries, Marx manifestamente no fez fal tedugdo do concreto & "aparéncia” (vendo-o como menos “veal” do que a “esséncia” abstatal. Ao contri, Marx afmou nesse trecho: “Em seu movimento real os capitis se enftentam sob essa forma concrete, para a qual tan” toa forma do capital no processo direlo de producgo, quanto sua forma no processo de circulagdo, aparecem apenas ‘como momentos especiais”. (Os gros s80 nossos. E. M.} A intencio de Marx era precisamente expilcar esse mouimen- to real. Para ele, asim como para Hegil, a verdade reside no todo, isto é, na unidade mediatizada entve esséncia © aparencia # Science of Logic. Londres, p. $8, Lucien Goldmann (Immanuel Kant. Londres, 1971. p. 134) mosttou coretamente gue, subjacente & Critica da Razdo Pura de Kant, estava a idéia da contradicSo inexcedivel entre matétia empiica e ‘essencia" (a coisa em si mesma). Jeffries est, portant, retrocedendo de Hegel (nem se mencione Mar!) pata Kart, ‘quando reduz a esséncia a0 abstr, mostrando @ sua incompreenséo da unidade dialétca do abstrato e do concreto, 14 ASLEIS DEMOVIMENTOE A HISTORIA DO CAPITAL, efetivamente requer uma pesquisa sistemética mas promete em troca resultados ampla- mente compensadores, constituir-seia num suplemento de grande valia a O Capi- tal?” duplo problema a ser resolvido, portanto, pode ser definido mais precisa- mente nos seguintes termos: 1) De que maneira a historia real do modo de producdo capitalista nos dilti- mos cem anos pode ser mostrada como a histéria do desenvolvimento manifesto das contradic6es intemas desse modo de produgao, em outras palavras, como de- terminada, em ultima anélise, por suas leis “abstratas” de desenvolvimento? Que “elos intermedidrios” efetuam a unidade entre os elementos concretos e abstratos da analise nesse ponto? 2) De que maneira a histéria real dos ultimos cem anos pode ser investigada juntamente com a do modo de produco capitalista? Em outras palavras, como po- dem as combinacdes do capital em expansao e das esferas pré-capitalistas (ou se- micapitalistas) que ele tenha conquistado serem analisadas em sua aparéncia e ex- plicadas em sua esséncia? © modo de produgao capitalista ndo se desenvolveu em meio a um vacuo, mas no Ambito de uma estrutura s6cio-econémica especifica, caracterizada por dife- teneas de grande importéncia, por exemplo, na Europa ocidental, Europa oriental, Asia continental, América do Norte, América Latina e Japao.” As formagoes sé econémicas especificas — as “sociedades burguesas” e economias capitalistas — que surgiram nessas diferentes areas no decorrer dos séculos XVIII, XIX e XX, e que em sua unidade complexa (juntamente com as sociedades da Africa e da Oceania) abrangem o capitalismo “concreto”, reproduzem em formas e propor- Ses varidveis uma combinagdo de modos de producdo passados e presentes, ou, mais precisamente, de estdgios variéveis, passados e sucessivos, do atual modo de producao.” A unidade organica do sistema mundial capitalista n&o reduz absoluta- mente essa combinacdo, que é especifica em cada caso, a um fator de importancia apenas secundaria em face da primazia dos tracos capitalistas comuns ao conjunto do sistema. Ao contrario: oilsistemalimundial licapitalistall, vem igrauiliconsideravel, precisamente uma funcdo da validade universal da lei de desenvolvimento desi- guall@icombinade.”” Uma andlise mais sistematica do fendmeno do imperialismo, ® Engels to W, Somber”. In: MARK e ENGELS. Selected Correspondence. p. 481. 2% “Isso-ngo impede a mesma base econdmica — a mesma do ponto de vista de suas condigoes principals — de mos- trar, devido a inumerévels crcunstancias empiicas diferentes, ambiente natural, rlacbes racais, infuéncias historicas exlztiores etc, varlagBes ¢ gradagdes infnias na aparéncla, que 6 podem ser veriicadas através da andlse das ci- ‘cunstanclas emplecamente datas." MARX, Karl. Capital v. 3, p. 791-792, "Qs paises colonials ¢ semicoloniais s80 paises atrasedos por sua propria esséncia. Todavia, os paises atrasados so parte de um mundo dominado pelo imperialsmo. Seu desenvolvimento, portanto, tem um carSter combinado: as for- mas econémicas mals primitives se combinam com a cltima palavra em cultura e técnica capitalista..O peso relativo das reivindlcagdes emocratcas individuals e de tansigS0 no combate do proletariado, suas ligagSes mttuas e ordem ‘de apresentagto. decorrem das pecularidades e condigées especificas de cada pafs atrasado e, em considerével medi dda — do grou de seu atrzo.” TROTSKY, Leon. “The Death Agony of Capitalism and the Tasks of the Fourth Intema- % Ii. The Founding Conference of te Fourth International. Nova York, 1939. : 40-41 ‘ASLEISDEMOVIMENTOEAHISTORIADOCAPITAL «15, apresentada mais adiante, confirmaré esse fato: aqui, estamos apenas antecipando seus resultados. Sem o papel que as sociedades e economias nao capitalistas, ou apenas semi- capitalistas, desempenharam e continuam a desempenhar no mundo, seria pratica- mente impossfvel compreender tracos especificos de cada estégio sucessivo do mo- do de producdo capitalista — tais como o capitalismo britfnico de livre concorrén- cia, de Waterloo a Sedan, o perfodo classico do imperialismo, antes e no intervalo das duas guerras mundiais, e 0 capitalismo tardio da atualidade. Por que motivo a integracao de teoria e histéria, que Marx realizou com tama- nha mestria nos Grundrisse e em O Capital, nunca mais foi repetida com éxito, pa- ta explicar esses estagios sucessivos do modo de producao capitalista? Por que nao existe ainda uma histéria satisfatéria do capitalismo em funcdo das leis internas do capital — com todas as limitages consideradas acima — e ainda menos uma 4o satisfatéria da nova fase na histéria do capitalismo que, evidentemente, io apés a Segunda Guerra Mundial? O atraso manifesto da consciéncia em relag3o realidade deve ser atribuido, pelo menos em parte, a paralisia tempordria da teoria que resultou da perversao apologética do marxismo pela burocracia stalinista, e que, por um quarto de sécu- lo, reduziu a drea em que o método marxista podia se desenvolver livremente ao minimo imaginavel. Os efeitos a longo prazo dessa vulgarizago do marxismo ain- da est&o longe de haver desaparecido, No entanto, além das pressGes sociais ime- diatas, que tolheram um desenvolvimento satisfatério da teoria econémica de Marx no século XX, também existe uma légica interior no desenvolvimento do mar- xismo que, em nossa opinio, explicaria ao menos parcialmente o fato de tal name- to de tentativas importantes nao ter atingido o seu objetivo. Nesse ponto, dois as- pectos da l6gica interna do marxismo merecem énfase particular. O primeiro diz tespeito aos instrumentos analiticos da teoria econémica de Marx, ¢ 0 outro ao mé- todo analitico dos mais importantes estudiosos marxistas. Praticamente todos os esforcos até agora feitos para explicar fases especificas do modo de produgao capitalista — ou problemas especificos resultantes dessas fa- ses —, a partir das leis de movimento desse modo de producdo, tais como foram reveladas em O Capital, utilizaram como ponto de partida os esquemas de repro- dugao utiizados por Marx no volume 2 de O Capital. Em nossa opinio, os esque- mas de reprodugéo que Marx desenvolveu séo inadequados a esse propésito, e nao podem ser utilizados na investigacao das leis de movimento do capital ou ‘da histéria do capitalismo. Em conseqliéncia, qualquer tentativa no sentido de inferir, com base nesses esquemas, a impossibilidade de uma economia capitalista “pura” ou 0 colapso fatal do modo de producéo capitalista, o desenvolvimento inevitavel tumo ao capitalismo monopolista ou a esséncia do capitalismo tardio, vé-se conde- nada ao fracasso. Roman Rosdolsky j4 forneceu uma base convincente para essa concepcéo em seu importante livro Zur Entstehungsgeschichte des Marxschen “Kapital”. Pode- Volvimento, 0 eapitaismo opera por métodos que the sdo préprios isto €. por métodos anérquicos. que permanente langam um pals contre © out © um ramo industal contra 0 outo, ‘mente solapam as bases de seu proprio trabalho. desen ‘imemational after Le: ) Ver fambem LUXEMSURG, Rosa. The Accumulation of Capa Loncres, 1971. p 438. “O capital europeu absorveu em boa medida a economia camponesa egipcia. Enormes extensées de terra, mao- de-obra e inumeraves produtos do trabalho, devidos ao Estado como imposios, converteram-se em Ultima anslise em capital europeu @ foram acumulados. Ests claro, fol justamente a natureza primitiva das condigbes eaipeias que mos- {10u ser um Solo to fet para a acumulagSo do capital” 16 ‘AS LEIS DE MOVIMENTO EA HISTORIA DO CAPITAL, mos, portanto, limitar-nos a um breve sumério de sua argumentagéo.*: Ele explica por que nao foram bem-sucedidas quatro das mais brilhantes tentativas empreendi- das por discipulos de Karl Marx no sentido de reintegrar teoria e historia — as ten- tativas de Rudolf Hilferding, Rosa Luxemburg, Henryk Grossmann e Nikolai Buk- harin. O mesmo pode-se dizer acerca dos esforcos sucessivos de Otto Bauer, que pela maior parte de sua vida ocupou-se do mesmo problema, sem que chegasse a uma resposta satisfatéria. Os esquemas de reproducéo de Marx desempenham papel rigorosamente de- finido e especifico em sua anilise do capitalismo, tendo em mira a resolucéo de um Unico problema, e nao mais. Sua funcdo é explicar por que motivo e de que maneira um sistema econémico baseado na “pura” anarquia de mercado, em que a vida econémica parece determinada por milhdes de decisoes desconexas de com- pra e venda, nao resulta em caos permanente e em constantes interrupgées do pro- cesso social e econdmico de produgdo, mas, em vez disso, em seu conjunto funcio- na “normalmente” — isto 6, com um grande abalo em forma de crise econdmica desencadeando-se (na época de Marx) a cada sete ou dez anos. Colocando o pro- blema de outra maneira; como é possivel a um sistema baseado no valor de troca, que s6 funciona no interesse do lucro e considera irrelevantes os valores de uso es- pecificos das mercadorias que produz, assegurar, apesar disso, os elementos mate- tials do processo de reproducao, que s4o determinados precisamente por seu valor de uso especifico? Como consegue tal sistema, pelo menos por algum tempo, supe- rar “espontaneamente” a antinomia entre valor de troca e valor de uso? A funcdo dos esquemas de reproducao €, por isso, a de provar que é possivel a simples exis- téncia do modo de producdo capitalista. Para esse fim, Marx utiliza algumas abstracoes familiares. Ele agrupa todas as firmas em duas categorias, as que produzem meios de produgo (Departamento 1) @ as que produzem bens de consumo (Departamento Il). Todos os produtores a disposico da sociedade, que se véern obrigados a vender sua forga de trabalho, s&0 analogamente repartidos por essas duas esferas. A mesma divisdo é aplicada 4 massa de meios de produgéo de que dispe a sociedade, sejam fixos (maquinas, construgées) ou circulantes (matérias-primas, fontes de energia, elementos auxilia- res). Com esse instrumental analitico, Marx chega a concluséo de que a producao Para tornar a estrutura de sua demonstracao a mais rigorosa possivel, Marx de- liberadamente deixou fora de seus esquemas o setor nao capitalista da economia. Nada é dito, portanto, acerca dos camponeses ou artesdos produtores de mercado- 3! ROSDOLSKY. Op. ct, p. 534-537, 583-586, = BAUER, Ono, “Mant Theorie der Winschafisksen”. In; Die Neue Zelt. v. 23/1, p. 167. Bukharin enunciou a mes- rma formula em linguagem mais simples ¢ elegante: Der Imperiaismus und dle Akkumulation des Kopials, Viena, 1926, p. 11. Para uma traducao em inglés deste ulimo, ver LUXEMBURG, Rosa e BUKHARIN, Nikola. Imperiaism and the Accumulation of Copia Londies, 1972. p. 157. ‘ASLEISDEMOVIMENTOEAHISTORIA DOCAPITAL «17. rias simples. Nao é dificil, porém, elaborar um esquema em que esses grupos apa- recam como um setor separado, e no qual, por exemplo, eles comprem meios fi- xos de produgéo ao Departamento I, e ao mesmo tempo vendam a esse Departa- mento matérias-primas e bens de consumo. Para reconstruir a formula de equili- brio de Marx, seria preciso diminuir, do volume de produco do Departamento Il, 0 valor dos bens de consumo provenientes dos produtores de mercadoras sim- ples. mas também a reproducéo ampliada —, séo governadas pélasirupturasidetequilibrio. Existem igualmente poucas diividas de que as leis de movimento do modo de producao capitalista conduzam a tais desequilibrios cons- tantes. Um aumento na composicéo organica do capital — para dar apenas um exemplo — determina, entre outras coisas, um crescimento mais rapido no Depar- tamento | do que no Departamento Il. Pode-se ir ainda mais longe, e afirmar que as rupturas de equilibrio, isto é, o desenvolvimento irregular, so caracteristicas da propria esséncia do capital, na ‘medida em que este se baseia na concorréncia — ou, nas palavras de Marx, na existéncia de “muitos capitais”. Dado o fato da con- corréncia, ‘‘o anseio incessante por enriquecimento”, que é um elemento distintivo do capital, consiste na realidade na busca de um superlucto, de um lucto acima do lucro médio, Essa procura conduz a tentativas permanentes no sentido de revolu- cionar a tecnologia, conseguir menores custos de produg&o que os dos concorren- tes e obter superlucros, o que é acompanhado por uma composicdo organica do capital mais elevada e, a0 mesmo tempo, por uma taxa crescente de mais-valia Todas as caracteristicas do capitalismo como forma econémica estao presentes nes- sa descrico, caracteristicas baseadas em sua tendéncia inerente a rupturas de equi- libri. Essa mesma tendéncia também se encontra na origem de todas as leis de movimento do modo de produc&o capitalista E evidente que esquemas destinados a provar a possibilidade de equilibrios periédicos na economia, apesar da organizacao anarquica da producdo e da seg- mentagao do capital em firmas isoladas em concorréncia, serao inadequados para uso como instrumental analitico para provar que o modo de producdo capitalista deve, por sua propria esséncia, conduzir a rupturas periddicas de equilibrio, e que, sob © capitalismo, o crescimento econémico deve sempre acarretar um desequili- brio, assim como ele mesmo @ sempre o resultado de um desequilfbrio anterior. Tomam-se necessérios, assim, outros esquemas que incorporem, desde 0 inicio, es- sa tendéncia ao desenvolvimento desigual dos dois Departamentos, e de tudo que se distribui por eles. Esses esquemas gerais devem ser construidos de tal ma- neira que os esquemas de reproducdo de Marx constituam apenas um caso espe- cial — assim como 0 equilfbrio econdmico é apenas um caso especial da tendén- cia, caracteristica do modo de producao capitalista, a0 desenvolvimento desigual dos varios setores, departamentos e elementos do sistema. Uma taxa desigual de crescimento nos dois Departamentos deve corespon- der a uma taxa desigual de lucro nos mesmos. O crescimento desigual nos dois De- partamentos deve expressar-se por uma taxa desigual de acumulac&o e um ritmo irregular no crescimento da composi¢ao organica de capital, que por sua vez é pe- 18 ASLEIS DE MOVIMENTO E A HISTORIA DO CAPITAL riédica e parcialmente interrompida pelo impacto desigual da crise nos dois Depar- tamentos. Poderiam ser esses os fatores a nos permitirem, por assim dizer, “dinami- zar’” os esquemas de Marx (que continuam a ser instrumentos importantes para o estudo das possibilidades e varidveis do equilibrio periédico ou do afastamento temporatio do desequilfbrio). Os esforcos tedricos de Rudolf Hilferding, Rosa Lu- xemburg, Henryk Grossmann, Nikolai Bukharin, Otto Bauer e tantos outros esta- vam destinados ao fracasso porque eles tentaram investigar os problemas das leis de desenvolvimento do capitalismo, isto é, os problemas decorrentes da ruptura de equilibrio, com instrumentos projetados para a andlise do equilfbrio. Em Finanzkapital, Rudolf Hilferding afirma que os esquemas de reproducdo de Marx demonstram “que na producdo capitalista, a reprodugdo em escala simples ou ampliada pode pros- seguir sem perturbacdes enquanto essas proporgdes forem mantidas. |...) Desa for- ma, n&o se conclui absolutamente que a crise capitalista deva ter suas rafzes no sub- consumo das massas, como um traco inerente da producao capitalista... Nem se infe- re, dos esquemas, que haja uma possibilidade de superproducio geral de mercado- vias. Ao contrério, 0 que os esquemas mostram é que & possivel qualquer expansao da produgo que esteja em harmonia com o potencial das forcas disponiveis de produ- fo Na realidade Marx nao pretendeu, de modo algum, que seus esquemas de re- producao justificassem afirmacées quanto a pretensa possibilidade da “produc&o sem perturbac6es” sob o capitalismo; ao contrario, ele estava profundamente con- vencido da inerente suscetibilidade do capitalismo a crises. Ele absolutamente nao atribuiu essa suscetibilidade apenas & anarquia da producgao, mas também a discre- pancia entre o desenvolvimento das forcas de produgdo e 0 desenvolvimento do consumo de massa, defasagem que ele acreditava ser parte integrante da prépria natureza do capitalismo. “As condigdes de exploracéo direta e as de realizé-la no sdo identicas: diferem no 86 no espaco e no tempo, mas ainda logicamente. As primeiras so limitadas apenas pela forca produtiva da sociedade, e as aitimas pela relagdo proporcional entre os ud- ios ramos da producdo e 0 poder de consumo da sociedade. Mas essa relacdo nao & determinada pelos potenciais de producdo ou de consumo, tomados em termos abso- lutos, mas pelo potencial de consumo baseado em condigées antagénicas de distribui- co, que reduzem o consumo da grande maioria da sociedade a um minimo que varia dentro de limites mais ou menos estreitos. O potencial é, além disso, restringido pela tendéncia & acumulacao, pela propensdo a expandir o capital e produzir mais-valia nu- ma escala ampliada,””** Marx afirma, portanto, exatamente 0 contrério daquilo que Hilferding preten- deu ler nos esquemas de reproducao. Isso é ainda mais surpreendente a luz das proprias palavras de Hilferding no inicio de suas reflexes sobre as crises e os es- quemas de reprodugao: “Também no modo de produgio capitalista se conserva uma ligacdo geral entre producdo e consumo, que é uma condigéo natural, co- mum a todas as formagées sociais”. Ele prossegue ainda mais claramente: g8 8 HILFERDING, Rudolf. Das Finanekapital. Viena, 1923. p. 310. 4 MARX. Capitl v. 3, p. 244, (Os gnos sso nestos. EM.) ASLEISDEMOVIMENTOEAHISTORIADOCAPITAL «19 uy ti Apesar destes vislumbres corretos, Hilferding é mais tarde desorientado pelos es- quemas de reproducdo, voltando-se para uma teoria das crises baseada na despro- porcionalidade “pura” Em A Acumulacdo do Capital, Rosa Luxemburg acusa Marx de projetar seus esquemas de tal maneira que ““é absolutamente impossivel conseguir uma expan- s&o mais répida do Departamento | em relacéo ao Departamento II”. Poucas pagi- nas depois, declara que o esquema exclui “a expansao da produgao a passos lar- gos”.*° No entanto, ela atribui essas aparentes contradigdes nos esquemas de re- produg&o unicamente aos bens de consumo produzidos pelo Departamento Il que nao podem ser vendidos, isto é, auséncia de um “mercado comprador nao-capi- talista”, que seria indispensdvel para a realizacéo de toda a mais-valia produzida, Na realidade, suas criticas a esse respeito correspondem a incompreensao delinea- da anteriormente, quanto ao propésito e fungdes dos esquemas. Eles nao visam absolutamente a expressar a mais rapida taxa de crescimento no Departamento I em relacdo ao Departamento Il, o que é inevitavel no capitalismo, ou a ““expansao da producao a passos largos”, 0 que, sob o capitalismo, conduz fatalmente a ruptu- ras de equilibrio. Ao contrario, a intengéo dos esquemas é provar que, apesar des- sa “expansdo a passos largos” e apesar das rupturas periddicas de equilibrio, tam- bém € possivel existir equilibrios periédicos em condigées capitalistas. Isso explica por que razio Marx nao se preocupou com a “reproducdo a pas- sos largos”. E igualmente claro que, se desconsiderarmos a hipstese de equilibrio, absolutamente nao teremos de buscar junto aos “compradores nao-capitalistas” a solucéo para as “‘contradigdes internas” dos esquemas de reprodu¢do: essa deve antes ser encontrada na transferéncia de mais-valia do Departamento Il para o De- partamento I, no decorrer da igualizacgéo da taxa de lucro, tornada necessaria pela menor composigdo organica de capital no Departamento Il. A propria Rosa Luxem- burg de inicio vé nessa transferéncia a solucao normal, tanto légica quanto histori- camente,*” mas logo em seguida a rejeita com base na “‘coeréncia interna” dos es- quemas de reprodugao, sustentando que essa solugdo nado obedece as condicdes estabelecidas por Marx para o funcionamento dos esquemas (por exemplo, a ven- da de mercadorias por seu valor). Desse modo ela deixa de perceber que todo o processo de crescimento da produgdo capitalista, e a desigualdade crescente de seu desenvolvimento, nem sequer pretendem obedecer a tais condigdes. Essas observacées aplicam-se ainda mais a Henryk Grossmann, embora, a pri- meira vista, esse autor pareca compreender melhor do que Rosa Luxemburg a fun- co dos esquemas de reproducao. Em seu livro Das Akkumulations-und Zusam- menbruchsgesetz des kapitalistischen Systems, ele frisa explicitamente o fato de que os esquemas sao calculados com base num hipotético estado de equilibrio. Lo- go se percebe, entretanto, que est unicamente se referindo ao equilibrio entre a oferta e a demanda de mercadorias, que resulta na inexisténcia de flutuacdes de preco de mercado. Na realidade, tais flutuacSes em precos de mercado nao sao apenas excluidas do contexto dos esquemas de reprodugao no volume 2 de O Ca- pital: ao longo de toda a andlise de Marx do capitalismo elas nao desempenham 5S HILFERDING. Finanekapital. p. 229. 3© LUXEMBURG, Rosa, Accumulation of Capital. p. 340-341 * Ibid. p. 340 20 ASLEISDE MOVIMENTOEA HISTORIA DO CAPITAL nenhum papel, sendo tratadas apenas, de passagem, no capitulo X do volume 3 de O Capital, O problema é bastante diferente quando nos referimos as flutuagdes nos pre- cos de produgio ou nas taxas de lucro, que exercem um papel central no sistema de Marx. Nessas flutuages, isto é, na busca de um superlucro, temos a explicagéo basica para a totalidade dos esforcos de investimento e acumulacao do capitalista Isso, por sua vez, nos remete imediatamente para a concorréncia. Enquanto Marx compreensivelmente ignora a concorréncia em seu projeto de provar que o equili- brio é possivel no modo de producdo capitalista, e pressupde n&o apenas o equili- brio entre oferta e demanda mas também o desenvolvimento regular de ambos os setores, isto é, de todos os capitais, Grossmann insere os mesmos pressupostos a0 longo de sua investigacao das tendéncias & acumulacdo, crescimento e colapso do capitalismo. Ele no percebe que tais pressupostos se tomam absurdos para a and- lise dessas tendéncias, pois, de fato, negam o que ele pretende provar. Seja dito que a abordagem de Grossmann dos esquemas de reproducgo reve- Ja, em contraste com a de Rosa Luxemburg, uma incompreensao fundamental do papel decisivo desempenhado pela concorréncia no sistema de Marx. Grossmann cita uma passagem de Marx acerca do surgimento da concorréncia fora de seu con- texto — isto é, de sua relacgao com os problemas do valor e conclui que ela no exerce um papel importante na explicago de Marx da lgica interna do modo de producio capitalista. Ele o faz, em que pese o fato de haver citado a seguinte passagem do volume 3 de O Capital,* que devia té-lo ensinado, de uma vez por todas, que capitalismo sem concorréncia é capitalismo sem crescimento: “Tao logo a formacao de capital caisse em poder de um ntimero reduzido de grandes capitais de a Em sua argumentacdo, Grossmann emprega o esquema de Otto Bauer, elabo- rado em 1913 como uma resposta a A Acumulagdo do Capital, de Rosa Luxem- burg. Os esquemas de Otto Bauer parecem levar em conta as leis de desenvolvi- mento do capital, pois neles aumenta a composicao organica do capital — e com ela a taxa de acumulagdo — enquanto, ao contrério, diminui a taxa de lucro. Mas logo em seguida negam suas préprias pressuposicdes, pois, juntamente com uma crescente composicao orgénica do capital, contemplam taxas idénticas de mais-va- lia e de acumulacao para os dois Departamentos, 0 que ¢ insustentavel logica e his- toricamente.* Assim, os esquemas proporcionam a Grossmann a sua “prova mate- mética” de que a acumulacao deve estagnar por falta de mais-valia, pois de outra forma ndo seria bastante a parte encaminhada ao capitalista para consumo. Reco- nhecidamente, s6 deverd “estagnar” no 34.° ciclo. Se lembrarmos que 0 objetivo dos esquemas de reproducdo é formular situacdes de equilibrio purificadas por cri- ses periddicas a cada 5, 7 ou 10 anos, sera evidente que Grossmann, contraria- mente a suas proprias intengées, de fato demonstrou o oposto daquilo que preten- dia provar. Porque a substdncia desse argumento € que © capitalismo poderia so- breviver por muitas décadas, se nao por varios séculos, antes de sofrer um colapso econémico. Bukharin também baseou sua critica a Rosa Luxemburg nos esquemas de Marx. No processo, tentou formular uma “teoria geral do mercado e das crises”, que mais uma vez parte das condigées de equilibrio e quando muito chega & des- proporcionalidade por meio de “tendéncias contraditérias no capitalismo” (esfor- %® GROSSMANN, Henryk. Das Akkumulations- und Zusammenbruchsgesetz des kapitastischen Systems. Frankfurt, 1967. p. 90-92. MARX. Capital. v. 3, p, 254, “© BAUER, Otto. “Die Akkumulation des Kapitals” In: Die Neue Zeit 1913. v. 31/1, p. 83. ASLEISDEMOVIMENTOEAHISTORIADOCAPITAL 21 os para aumentar a producao e reduzir os salérios) que nao sao as tendéncias ima- nentes do desenvolvimento do capital ou as leis de movimento do préprio modo de produg&o capitalista, “Aqui, portanto, € pressuposta 1) a produgiio capitalista, em que a produco de ca- da indistria em particular e 0 seu acréscimo no so diretamente regulados e controla- dos pelas necessidades da sociedade, mas pelas forcas produtivas a disposicao de ca- da capitalista isolado, independentemente das necessidades da sociedade; 2) admite- se, apesar disso, que a producdo seja proporcional (as exigéncias), como se 0 capital fosse empregado nas diferentes esferas da producéo diretamente pela sociedade, de acordo com suas necessidades. Nessa hipétese, caso a producdo capitalista fosse pro- dugo inteiramente socialista — uma contradigao em termos — de fato ndo poderia haver superproducao”.% Bukharin acrescenta triunfalmente: ia, " Nesse ponto, Bukharin nao observou que entre as condicdes sob as quais a produgdo capitalista seria “‘producdo inteiramen- te socialista”, Marx inclui expressamente nao sO a proporcionalidade entre as esfe- ras isoladas da producdo, mas também o emprego de “capital” diretamente pela sociedade, de acordo com suas necessidades (isto 6, ndo a producéo de mercado- rias ou valores de troca, mas a producao de valores de uso). Tanto o paragrafo an- terior ao trecho citado por Bukharin quanto os seguintes mostram com bastante clareza que, para Marx, o crescimento proporcional da criagdo de valor nos varios ramos industriais ndo é’a resposta ao problema da realizacdo da mais-valia, porque esse problema pode apenas ser resolvido sob condicdes de “producao inteiramen- te socialista”, através do ajuste da produgdo de valores de uso as necessidades da sociedade: “Caso todos os outros capitais se tenham acumulado & mesma taxa, absolutamente no se pode concluir que sua produco tenha aumentado na mesma proporcéo, Mas, se tiver, n3o decorre daf que eles queiram 1% a mais de artigos de cutelaria, pois sua demanda de artigos desse tipo nao esté de maneira alguma relacionada ao acréscimo em sua pr6pria produgao ou a seu poder aumentado para compra-los”. E mais adian- te: “A propésito, nos varios ramos da inddstria em que ocorre a mesma acumulagdo de capital (e essa é também uma suposi¢éo infeliz, de que o capital se acumule a uma ta- xa idéntica nas diferentes esferas), 0 montante de produtos correspondentes ao capital aumentado pode variar largamente, pois as forcas produtivas nas diferentes inddstrias ‘ou 0s valores de uso totais produzidos em relacdo 20 trabalho empregado variam de modo considerével. O mesmo valor é produzido em ambos os casos, mas a quantida- de de mercadorias em que esta representado & muito diferente. Portanto, no se pode 8 BUKHARIN, Imperialism and the Accumulation of Capital. p. 226. 8 MARX. Theories of Surplus Value. Londres, 1972, v. 3, p. 118. © BUKHARIN, Op. cit, p. 228-229. 22 ‘AS LEIS DE MOVIMENTO E.A HISTORIA DO CAPITAL compreender que a indtstria A, porque aumentou em 1% o valor de sua produga enquanto o volume de seus produtos cresceu em 20%, deva encontrar um mercado em B, onde o valor aumentou igualmente em 1%, mas a quantidade de sua produgdo cresceu em 5%. Aqui o autor deixou de tomar em consideracdo a diferenga entre va- lor de uso e valor de troca”.** do valor de uso, isto 6, pela desproporcionalidade entre a valorizacao do capital e G@leonsUMONO capitalismo de estado de Bukharin, livre da ocorréncia de crises, te- ria de eliminar igualmente esse segundo tipo de desproporcionalidade — em ou- tras palavras, deixaria totalmente de ser capitalismo, pois deixaria de se basear na presso para a valorizacao do capital. Teria superado a antinomia entre valor de uso e valor de troca. Se agora nos deslocarmos da inadequac&o dos esquemas de reproducéo de Marx enquanto instrumental para a andlise das leis de desenvolvimento do capita- lismo, e focalizarmos a inadequagao dos métodos de anélise econ6émica, emprega- dos depois de Marx, defrontar-nos-emos com um fato primordial. As discussdes do problema das tendéncias de desenvolvimento a longo prazo e do colapso inevité- vel do modo de producdo capitalista tém sido dominadas, por mais de meio sécu- lo, pelos esforcos de cada um dos autores para reduzir esse problema a um tinico fator.*® Para Rosa Luxemburg esse fator é, naturalmente, a dificuldade na realizagao da mais-valia, e a necessidade subseqiiente de absorver um ntimero crescente de esferas do mundo nao-capitalista na circulacao capitalista de mercadorias; esta ulti- ma é vista como a tnica maneira possivel para comercializar o resfduo inevitavel de bens de consumo que, de outra forma, no poderia ser vendido. Esse mecanis- mo basico é utilizado para explicar tanto o desenvolvimento do capitalismo, da eta- pa da livre concorréncia ao imperialismo, quanto a prevista inevitabilidade do co- lapso econdmico do sistema.** Em Finanzkapital, de Hilferding, a concoréncia — a anarquia da produg3o — 0 calcanhar de Aquiles do capital. Mas Hilferding deslocou de seu contexto glo- bal esse aspecto indubitavelmente decisive do modo de producdo capitalista, e o identificou como a causa exclusiva das crises e desequilibrios capitalistas. Isso inevi- tavelmente conduziu-o sua concepcao posterior de “‘capitalismo organizado”, em que um “cartel geral” elimina as crises, e a rejeico da idéia do colapso econé- mico final do capitalismo.*” MARX. Theories of Surplus Value. v. 3. p. 118-119. ' Ate agora, a mais extremada — e mais ingenua — verso de uma explicaggo “monocausal” do desenvolvimento ca pitalista.¢ olerecida por Natale Mosekowska. "O mesmo fator !) que determina a curva conjuntural determina tam- bem a curva global da economia caplalista, Se do consideratmos os fatores e causas secundaris, levando unicomen- te em conta a causa principal, poderemos distinguir duas tendéncias diametalmente opostas na economia politica, Os representantes de uma tendéncia veer a causa das ruptures na economia no consumo excessivo e na poupanca insult lente (subacumulagao), ¢ os da outra tendéncia, inversamente, afbuem-nas ao consumo insufclente e'& poupanca excessiva (superacumulagdo)”. Ela acrescenta a sequinte nota: “E verdade que multos economistas rejtam teorias monocausais das crses, devido 8 ‘complexidade de maneitas pelas quais as crises se manifestam’, e falam de uma ‘multipicidade de fontes para esses eventos’. Mas um exame mals atento mostra que, mesmo nas feorias destes pes- uisadores, na maioria das vezes predomina uma causa Unica". MOSZKOWSKA, N. Zur Dynaimik des Spatkapialis ‘mus. Zurque, 1943. p. 9 Os primeiios autores a desenvolverem sistematicamente essas idéias foram: CUNOW, Heinrich. “Die Zusammen- bbruchstheorie”. In: Die Neue Zeit 1898, p. 424-430; PARVUS, Alexander. Die Handelskisis und die Gewerkschaften. ‘Munigue, 190i; KAUTSKY, Karl “Krsentheorte. in: Die Neve Zeit 1902, v, 20/2, p. 80; © o manxista norte-amer- ano BOUDIN, Louis B. The Theoretical System of Karl Marx. 1907, p. 163-169, 243-244. © Ver GROSSMANN. Op. cit. p. 57-59. ASLEISDE MOVIMENTOEAHISTORIADOCAPITAL 23, Na obra de Otto Bauer ha uma luta permanente para encontrar a “‘tinica”’, a mais importante contradigéo econémica intema do modo de producdo capitalista, luta que o encaminha, sucessivamente, a uma série de posigdes diferentes. Pouco a pouco, a partir de sua concepsio original de que a liberacao periddica de capital monetario ndo-acumulado é 0 fator mais importante na ruptura do equilfbrio capi- talista, ele desenvolve uma versdéo mais engenhosa da teoria de subconsumo de Rosa Luxemburg.“* Essa versdo esta presente em seu tltimo trabalho de anélise eco- némica, Zwischen zwei Weltkriegen?, em que ele expée a tese de que a contradi- Go basica no capitalismo é 0 fato de que a producdo de capital constante (no De- partamento I) cresce mais rapidamente que a demanda de capital constante na pro- dugao de bens de consumo. Isso é apresentado como uma inevitavel conseqtién- cia do aumento de mais-valia.*’ Fritz Stenberg, Leon Sartre e Paul Sweezy adota- ram a tese de Bauer com alteracées de pouca importancia, ou a desenvolveram in- dependentemente;® em resultado, todos eles terminam por chegar 4 mesma con- cluséo que Rosa Luxemburg: o capitalismo softe inerentemente, se nao de um resi- duo de bens de consumo invendaveis, pelo menos de capacidade nao utilizada para a producao de bens de consumo (ou, o que vem a ser a mesma coisa, de um volume de meios de produgéo que nao podem ser vendidos porque, embora desti- nados ao Departamento Il, ndo podem ser adquiridos por este). Em Marxist Economic Theory eu ja expus a incompreensao fundamental — uma 6bvia petitio principii — subjacente a esse tipo de argumento. Todos esses au- tores trabalham a partir da pressuposicao basica de que nao haja mudanga na pro- porcdo do valor de producéo ou da capacidade produtiva entre os dois Departa- mentos, a0 passo que a demanda de mercadorias provenientes do Departamento Il cresce naturalmente mais devagar do que a demanda de mercadorias do Depar- tamento I, devido ao aumento na taxa de mais-valia e na composi¢ao organica do capital. Assim, a crise torna-se inevitavel. Mas a constancia dessa “proporcdo técni- ca” (Otto Bauer fala de um “coeficiente técnico”) entre o crescimento da produ- so no Departamento I e a capacidade produtiva do Departamento Il (Sweezy) ou 0s meios de produc&o necessérios & producgio de bens adicionais de consumo (Bauer) nao foi absolutamente comprovada O fato de que o desenvolvimento acelerado no Departamento |, ao aumentar a composicio organica do capital na economia como um todo, deve também au- mentar, em ultima andlise, a capacidade produtiva do Departamento Il, nao prova de maneira alguma que a capacidade produtiva de ambos os Departamentos deva aumentar na mesma proporcdo. No entanto, se houver uma alteraco nas propor. Ses recfprocas das duas capacidades, e dado um grande acréscimo na producao total de mercadorias, uma demanda ampliada em relagdo as mercadorias do De- partamento | poderé certamente ser acompanhada por um aumento absoluto, em- bora menor em termos relativos, na capacidade produtiva do Departamento II e pela utilizaco plena dessa capacidade, sem que isso necessariamente acarrete su- Perproducao ou capacidade excedente. As sucessivas concepgdes de Otto Bauer a esse respeito devem ser encontradas basicamente em seu artigo “Marx Theorie der Wirtschafskrsen”. In: Die Neue Zeit 1904, em seu luro Die Nationaltitenfrage und die Sovaidemokra- tie. Viena, 1907. p_ 461-474; em seu artigo "Die Akkurulation des Kapitals”. In: Die Neue Zeit. 1913; @ em seu livto Zuischen zwei Weitkriegen?, publicado em Bratislava em 1936, Os elementos crucials que ele coloca en prmeito pla no foram, em ordem cronologica, as futuacdes na reconstrucso do capital fxo (1904), a presse do capital ocioso com vistas ac investimento no exterior (1907), a diserepdncia entre a acumulacao de capital e 0 crescimento populacio- nal (1913) e, fnalmente, a ciscrepancia entre o crescimento do Departamento I e a demanda de meios de\produgao rho Departamento Il (1936) “BAUER. Otto. Zuischen zwei Weitkriegen? p. 351-353. {8 SWEEZY, Paul M. The Theory of Capitalist Development. Nove York, 1942, p. 180-184, SARTRE, Leon. Esquisse dune Théorie Mandste des Crises Périodiques. Paris, 1937. p. 28.40, 62.67, STERNBERG, Friz. Der Imperaisrmus und Seine Kritker. Belin, 1929, p. 163 et segs 24 © ASLEISDE MOVIMENTOE A HISTORIA DO CAPITAL Henryk Grossmann vé a debilidade maior do modo de produgio capitalista nos crescentes problemas de valorizacao do capital, que devem necessariamente le var a uma “superacumulagao”, isto é, a uma situacéo em que a totalidade da mais-valia disponivel deixa de ser suficiente a valorizacao lucrativa do capital dispo- nivel. Sua argumentacao, que se apdia de maneira exorbitante nas cifras algo arbi- trérias de que ele parte, hesita entre duas abordagens principais. Ele afirma, por um lado, que as dificuldades de valorizacao do capital seriam uma barreira absolu- ta se de fato conduzissem a uma queda na mais-valia improdutivamente consumi- da pelo capitalista. Por outro lado, pretende que a incapacidade em valorizar “lu- crativamente” todo o capital acumulado traria a interrupgao da totalidade do pro- cesso de expanséo.*' O primeiro argumento nao se sustenta, pois deixa de conside- rar 0 fato de que uma parte da mais-valia destinada ao consumo poderia ser dividi- da entre um numero cada vez menor de capitalistas (ainda mais nos termos do es- quema de Grossmann do que na realidade, pois as dificuldades de valorizagao que ele pressupde intensificariam em grande medida a competicao intercapitalista). Uma queda no consumo enquanto parcela da mais-valia produzida é perfeitamen- te compativel com um aumento no consumo de cada familia capitalista (nao consi- deraremos aqui até que ponto Grossmann esté certo em ver as necessidades de consumo do capitalista como 0 “objetivo ultimo” da produgdo capitalista). O se- gundo argumento contém um erro evidente: se todo o volume disponivel de mais- valia deixar de ser suficiente para a valorizacao de todo o capital acumulado, o re- sultado nao seré o colapso de toda a economia, mas apenas a desvalorizacdo (Entwertung) do capital “‘supérfluo”, através da concorréncia e da crise. Tudo que Grossmann consegue provar por esse caminho é que a tendéncia inerente & supe- racumulacao, que é indubitavelmente um traco distintivo do capitalismo, deve ser neutralizada pela tendéncia, também inerente ao sistema, & periddica desvaloriza- cdo do capital, de maneira a evitar uma estagnago mais longa do processo de va- lorizagao. Como o préprio Marx enfatizou, essa é precisamente a funcdo das crises de superproducdo. Portanto, Grossmann nao conseguiu provar que esse processo tome a valorizacao de capital impossivel em termos gerais, a longo prazo.** O economista polonés-americano Michal Kalecki empreendeu a tentativa mais elaborada, até o momento, de combinar os métodos de pesquisa do marxismo com os da moderna econometria — seu trabalho antecipou muitas das descober- tas de Keynes. Sua conclusdo é uma variante da tese de Grossmann: alfaxald@lcu- isto €, a diviséo dessa mais-valia entre o con- de r io explica por que razdo os capitalistas apresentam uma taxa mais baixa de acumula in. por Outra variante da mesma posicao é proposta pelos tedricos da chamada “‘eco- nomia de guerra permanente”, representados principalmente pelo marxista britani- co Michael Kidron.* A acumulacdo pode continuar além de seus limites interiores se quantidades crescentes de mais-valia forem deslocadas “para fora do sistema”, por intermédio do consumo improdutivo. Discutiremos as contradicdes basicas des- sa teoria no capitulo 9: 0 adiamento do colapso do capitalismo é-explicado pelo 8 GROSSMANN, Op. at, p. 118-123, 129-135, 137-141, % Uma ertca agugada &'tese de Grossinann & fomnecida por Fritz Stemberg, Eine Umilzung der Wissenschaft, Ber im, 1930. 5 KALECKI, Michal. Theory of Economic Dynamics, Londres, 1954. “KIDRON, Michael, Western Capitals Since the Wor Londres, 1962, ‘ASLEISDEMOVIMENTOEAHISTORIADOCAPITAL 25, uso improdutivo, isto é, pelo desperdicio de mais-valia. Permanece incompreensf- vel, entretanto, de que maneira a produgdo de armas, isto é, a producdo de merca- dorias, a produgdo de valor, pode ser equiparada ao desperdicio de mais-valia, e de que maneira esse desperdicio de mais-valia pode resultar em crescimento eco- némico acelerado. Bukharin € 0 Gnico marxista® que, em sua critica a Rosa Luxemburg, assina- lou, ainda que de passagem, que seria preciso levar em conta diversas contradi- ges basicas do sistema, para que se pudesse antever o seu colapso inevitavel.°* Ao mesmo tempo, Grossmann tem razéo quando acusa Bukharin de nao ter dedi- cado uma Gnica linha & anélise da dinamica dessas contradig6es, e de néo haver explicado em que medida e por que motivo essas contradicées — ou algumas de- las — deveriam possuir uma tendéncia a se intensificar.°” Verificamos, assim, que todas essas teorias (4 excecdo de um comentario de Bukharin, que justamente deixou de desenvolver uma teoria sistemdtica nessa dire- 80) sofrem da debilidade basica de pretender deduzir toda a dinamica do modo de produc&o capitalista a partir de uma Gnica varidvel do sistema. Todas as outras leis de desenvolvimento que Marx descobriu agiriam, mais ou menos automatica- mente, apenas como fungGes dessa varidvel Gnica. No entanto, é 0 proprio Marx quem categoricamente contradiz essa suposicao em varios trechos. Por exemplo: “As crises econdmicas mundiais devem ser vistas como a concentracdo efetiva e 0 juste compulsorio de todas as contradigées da economia burguesa. Os fatores isola- dos que estéo condensados nessas crises devem, por esse motivo, apresentar-se ¢ se- tem descritos em cada esfera da economia burguesa; quanto mais avancarmos em nos- sa investigacao desta ultima, mais aspectos desse conflito devem ser delineados e, por outro lado, deve-se mostrar que suas mais abstratas formas esto reaparecendo, conti- das nas formas mais concretas”.** ® Nao estamos considerando Lenin a esse respeito porque ele nfo oferece uma taorla sstemstica das contradicées do desenvolvimento capitalsta. Mas seu Imperiaismo, o Mass Alto Estégio do Capitalsmo ceriamente nao solte da doen. 8 da “monocausalidade”’ 2 BUKHARIN. p. 229-230, 264.268, 8 GROSSMANN, Henryk’ Op. cit, p. 44-48, € verdade que, em uma frase, Bukharin busca deduir © colanso do capi talismo a partir da destrugso das forgas de producao e da impossbiidade de reproduatt a forea de trabalho, seguindo exatemente o esquema de seu lvro Zur Oekonomie der Transformationsperiode. No decorer do presente estudo,lere- ‘mos oportunidade para empreender um exame critco mais sstemstico de suas opinides 5 MARX. Theories of Surplus Value. v. 2, p. 510, Ibid. p. 584 “Nas enses econémicas mundiais, todas as contiadt- ‘900s da produgdo burguese entram em erupeao coletivamente 26 —_ASLEISDE MOVIMENTOE AHISTORIA DO CAPITAL taco do capital; e as relacSes de troca entre os dois Departamentos (as quais so basicamente, mas nao de maneira exclusiva, uma func&o da composicao orgénica de capital dada nesses Departamentos). Uma parte importante do presente estudo ser dedicada a investigagao do de- senvolvimento e correlacio dessas seis variaveis basicas do modo de producao ca- pitalista, Nossa tese é que a histéria do capitalismo, e ao mesmo tempo a histéria de suas regulatidades internas e contradicdes em desdobramento, 6 pode ser ex- plicada ¢ compreendida como uma fungao da ago reciproca dessas seis varidveis. As flutuacées na taxa de lucto so o sismégrafo dessa historia, na medida em que expressam com a maior clareza possivel o resultado dessa interagéo em conformi- dade com a légica de um modo de produc&o baseado no lucro — em outras pala- vras, na valorizagao do capital. Mas tais flutuacdes so apenas resultados, que tam- bém devem ser explicados pela interacdo das variaveis. ‘Aqui, numa antecipacdo de nossas descobertas posteriores, ofereceremos al- guns exemplos que, em nossa opiniéo, mostram que essa tese é correta. Alitaxalde mais-valia — isto 6, a taxa de exploracdo da classe operéria — é uma funcdo da lu- ta de classes” e de seu desfecho provisorio em cada periodo especifico, entre ou- tras coisas. Vé-la como uma fungdo mecSnica da taxa de acumulacao, digamos, na forma simplificada — taxa mais alta de acumulacéo = menos desemprego = esta- bilizag&io ou mesmo reducdo da taxa de mais-valia — significa confundir condigdes ‘objetivas que podem conduzir a um resultado especifico, ou atenud-lo, com 0 prd- prio resultado. Se a taxa de mais-valia vai efetivamente aumentar ou nao depende- té_entre outros fatores. do grau de resisténcia revelado pela classe operdria aos es- ‘fergosiidalcanitaliparalamplialla; O_nimero de variacGes possiveis a esse respeito e adiversidade dos seus resultados podem facilmente ser vistos na histéria da classe ar i tiltimos 150 anos. Um exemplo ainda mais incorreto de relacéo mecdnica pode ser fornecido pela formula de Grossmann: bai- xa produtividade do trabalho = baixa taxa de mais-valia; elevada produtividade do trabalho = elevada taxa de lucro. Marx repetidas vezes chamou a atenc&o para a situagéo nos Estados Unidos, onde os salarios foram altos desde 0 inicio, nao co- mo uma fungdo da alta produtividade do trabalho mas da crénica escassez de for- ¢a de trabalho provocada pela fronteira; portanto, a alta produtividade do trabalho nos Estados Unidos nao foi a causa, mas o resultado de altos salarios, e conseqiien- temente foi acompanhada, durante um perfodo bastante longo, por uma taxa de lucto mais baixa do que na Europa. O grau de resisténcia do proletariado, isto ¢, o desdobramento da luta de clas- ses, no é 0 Gnico determinante que leva a taxa de mais-valia a se tomar uma va- ridvel parcialmente independente da taxa de acumulagao: a situagdo historica origi- nal do exército industrial de reserva também desempenha um papel decisivo. De- pendendo do tamanho desse exército de reserva, é possivel que uma taxa crescen- te de acumulacao seja acompanhada por uma taxa de mais-valia crescente, estacio- natia ou decrescente. Quando existe um macico exército de reserva, a taxa cres- cente de acumulacao nao exerce influéncia significativa na relacdo entre a deman- da e a oferta da mercadoria forca de trabalho (exceto, possivelmente, em algumas /profissées"altamente iqualificadas). Isso explica, por exemplo, o rapido crescimento na taxa de mais-valia, apesar do igualmente rapido aumento na taxa de acumula- ¢&o na Inglaterra entre 1750 e 1830, ou na India apés a Primeira Guerra Mundial. 8 0 maximo de hucro s6 se acha limitada pelo minimo fisico dos salérios e pelo maximo fisico da jomada de trabalho. E evidente que. entre os dois mites extremos da taxa maxima de lucro, cabe uma escala imensa de variantes. A deter- rminagao de seu grau efetivo 36 flea assente pela lua incessante entre 0 capital ¢ o trabalho.” MARX, Karl. Salirios, Preco e Lucro. In: MARX e ENGELS. Selected Works, Londres, 1968. p. 226. ASLEISDEMOVIMENTOEAHISTORIADOCAPITAL 27 Ao contrério, quando hé uma tendéncia ao decréscimo do exército industrial de re- serva, devido — entre outros fatores — A emigracdo em massa da forga de traba- lho “supérflua” para o estrangeiro, um rapido aumento na taxa de acumulacdo po- de perfeitamente ser acompanhado por uma taxa de mais-valia estaciondtia ou de- crescente. Tal esquema seria adequado, por exemplo, a Europa ocidental entre 1880 e 1900, ou a Italia no inicio dos anos 60 do presente século. De maneira similar, a taxa de crescimento da composicao organica do capital nao pode ser simplesmente considerada como uma fungéo do progresso tecnolégi- co ligado a concorréncia. Esse progresso tecnolégico reconhecidamente induz a substituic&o do capital vivo pelo capital morto, de forma a reduzir custos — em ou- tras palavras, ocasiona um aumento mais rapido no dispéndio em capital fixo do que em salétios. Podemos facilmente encontrar comprovac&o empfrica para isso na histéria do capitalismo, Mas, como sabemos, 0 capital constante compreende duas partes: uma parte fixa (mAquinas, construcées etc.) e uma parte circulante (matérias-primas, fontes de energia, elementos auxiliares etc.). O crescimento rapi- do do capital fixo e a rapida ampliagao na produtividade social do trabalho dai re- sultante ainda nao nos dizem algo de definido acerca das tendéncias de desenvolvi- mento da composi¢ao orginica do capital. Porque, no caso de a produtividade do trabalho no setor que produz matérias-primas crescer mais rapidamente do que no setor de producao de bens de consumo, o capital constante circulante tornar-se-4 relativamente mais barato do que o capital varidvel, e isso acarretara, em tiltima anélise, uma situac&o em que, apesar do progresso tecnolégico acelerado e apesar da acumulagao acelerada de mais-valia no capital fixo, a composigiio organica do Capital crescerd mais devagar, €ndo mais rapido do que anteriormente. Antecipamos aqui esses resultados de nossas investigacSes para ilustrar 0 mé- todo que sera utilizado nas mesmas. Esse método trata simultaneamente todas as proporgdes basicas do modo de producdo capitalista como varidveis parcialmente independentes, de maneira que se torne possfvel formular leis de desenvolvimento a longo prazo para esse modo de produco. A tarefa-chave consistiré em analisar © efeito que essas varidveis parcialmente independentes exercem nas situacées hi toricas concretas, para que se possa interpretar e explicar as fases sucessivas da his- t6ria do capitalismo. Tomar-se-A claro que a aco reciproca dessas diferentes varidveis e leis de de senvolvimento pode ser resumida numa tendéncia ao desenvolvimento desigual das varias esferas da producdo e das vérias partes componentes do valor do capi- tal. O desenvolvimento desigual do Departamento I e do Departamento II é ape- nas 0 inicio desse processo, que nao é absolutamente redutivel a esse tinico movi- mento. Ao mesmo tempo, teremos de investigar em que medida a l6gica interna do modo de produgdo capitalista ndo apenas conduz a um desenvolvimento desi- gual nos dois Departamentos, mas também a um desenvolvimento desigual nas ta- xas de acumulacao e de mais-valia nos dois Departamentos e na economia como um todo, a um desenvolvimento desigual entre o capital fixo e o capital constante circulante, a um desenvolvimento desigual entre a taxa de acumulagdo e 0 exército industrial de reserva e a um desenvolvimento desigual entre o desperdicio improdu- tivo de mais-valia e a crescente composic&o organica do capital. ‘A combinacéo de todas essas tendéncias desiguais do desenvolvimento das proporgées fundamentais do modo de producéo capitalista — a combinacao des- sas variantes parcialmente independentes das principais variéveis do sistema de Marx — vai permitir-nos explicar a historia do modo de produgao capitalista, e so- bretudo da terceira fase desse modo de produc&o, que denominaremos “‘capitalis- mo tardio”, mediante as leis de movimento do préprio capital, sem recorrer a fato- res ex6genos, alheios ao 4mago da anélise de Marx do capital. Assim, a “vida da 28 —_ASLEISDE MOVIMENTO EA HISTORIA DO CAPITAL matéria’” deveria despontar pela aco reciproca de todas as leis de movimento do capital. Em outras palavras, é a totalidade dessas leis que fornece a mediacao entre as aparéncias superficiais e a esséncia do capital, e entre os “muitos capitais” e o “capital em geral”. Em sua recente polémica com Arghiti Emmanuel, Charles Bettelheim questio- nou a validade da nogo de “varidveis independentes” no contexto da andlise mar- xista. Embora, em seu conjunto, concordemos com os rumos dessa polémica, n&o podemos admitir esse ponto sem uma ressalva. Bettelheim escreve: “Quando estamos lidando com as formulas de Marx, ¢ as empregando com plena consciéncia de sua func&o, néo temos o direito de alterar as ‘magnitudes’ presentes nessas formulas, a menos que tais alteragdes sejam justificadas por variagbes que afe- tem, de acordo com leis, os diferentes elementos constituintes da estrutura a que essas formulas se referem. Apenas tais mudangas teoricamente justificadas poderiam alterar essas magnitudes, nao arbitrariamente mas de uma maneira que obedeca precisamen- te as leis reais de estrutura”’.® Nesse ponto Bettelheim deixa de considerar duas dificuldades basicas. Em primei- to lugar, o fato de que os esquemas de reprodugao nao sao instrumentos para a anélise de problemas de crescimento e rupturas de equilibrio, e que, assim, € im- possivel que “leis” de qualquer espécie regulem as variagdes de suas partes com- ponentes. (Um crescimento igual dos dois Departamentos ou uma taxa idéntica de acumulacao nesses dois Departamentos nao constituem “leis” do modo de produ- 40 capitalista, mas apenas abstracdes metodol6gicas para desempenhar o propési- to dos esquemas, que é provar a possibilidade de um equilibrio periédico na eco- nomia.) Em segundo lugar, o fato de que, embora as leis de desenvolvimento do capitalismo descobertas por Marx revelem’ resultados finais a longo prazo (a cres- cente composicao organica do capital, a crescente taxa de mais-valia, a queda na taxa de lucro), elas nao revelam quaisquer proporgées exatas e regulares entre es- sas tendéncias de desenvolvimento, Portanto, é nao apenas legitimo, mas imperati- vo, considerar as varidveis listadas acima como parcialmente independentes e par- ciaimente interdependentes quanto a sua funcdo. E claro que essa independéncia nao é arbitraria, mas se manifesta dentro da estrutura da légica intema do modo de produc&o especifico e de suas tendéncias gerais de desenvolvimento a longo prazo.*' Mas é precisamente a integragao das tendéncias gerais de desenvolvimen- to a longo prazo com as flutuagdes a curto e médio prazos dessas variéveis que possibilita a mediac&o entre o abstrato “‘capital em geral” e os “muitos capitais” concretos. Em outras palavras, é isso que toma posstvel reproduzir 0 processo his- t6rico real do desenvolvimento do modo de producdo capitalista através de seus es- tagios sucessivos. Assim, a hist6ria desse modo de producao toma-se a histéria do antagonismo em desenvolvimento entre o capital e as relacdes econémicas semica- pitalistas e pré-capitalistas, que o mercado mundial capitalista incorpora permanen- temente a si mesmo. Comegaremos, portanto, com um balanco das mudangas es- truturais que a difuséo do modo de produc&o capitalista talhou no mercado mun- dial no periodo que se estende de Waterloo a Sarajevo, e das transformagdes sub- seqiientes desse mercado mundial na época de declinio capitalista inaugurada pela Primeira Guerra Mundial. © BETTELHEIM, Charles. In: EMMANUEL, A. Unequal Exchange. Londres, 1972. p. 283-284 ©! 0 proprio Betteheim admite a seguir que hé uma “indeterminagdo relativa” nas relagoes partculares que Marx des cobsu. Unequal Exchange. p. 288 A Estrutura do Mercado Mundial Capitalista O movimento efetivo do capital manifestamente comeca a partir de relages nao capitalistas e prossegue dentro do quadro de referéncia de uma troca constan- te, exploradora, metabélica, com esse meio nao capitalista. Essa nao é, de maneira alguma, apenas uma das teses ou descobertas de Rosa Luxemburg: o proprio Marx 0 compreendeu e salientou, de modo explicito, em varias ocasiées. Assim, por exemplo: “A sdbita expanséo do mercado mundial, a multiplicagdo de mercadorias em circula- ‘do, 0 fervor competitive das nagées européias em apoderar-se dos produtos da Asia @ dos tesouros da América, o sistema colonial — todos contribuiram substancialmente para destruir os entraves feudais @ producdo. Entretanto, em seu primeiro perfodo — 0 erfodo manufatureiro —, 0 modemo modo de producto desenuolveu-se apenas on- de as condicdes para tal haviam se concretizado no decorrer da Idade Média.’ Compa- re-se, por exemplo, a Holanda e Portugal ... Os obstaculos apresentados @ influencia corrosiva do comércio pela solidez e organizacio interiores de modos de producao na- cionais pré-capitalistas so notavelmente ilustrados nas relagdes dos ingleses com a In- dia e a China ... O comércio inglés exerceu uma influéncia revolucionaria sobre essas comunidades e as rasgou em pedacos unicamente na medida em que os baixos pre- 0s de suas mercadorias contribufram para destruir as oficinas de fiago e tecelagem, que eram um tradicional elemento integrador dessa unidade da producéo agricola e in= dustrial. Ainda assim, esse trabalho de dissolucao avanca de modo bastante gradual Por outro lado, 0 comércio russo, ao contrario do inglés, deixa inalterada a base eco- némica da producdo asiatica”’? Vinte anos depois de Marx haver escrito essas palavras, Friedrich Engels colo- cou claramente, numa carta a Conrad Schmidt: “Acontece exatamente © mesmo com a lei do valor e a distribuiggo da mais-valia por meio da taxa de lucro... Ambas atingem sua completa realiza¢ao aproximada ape- nas com o pressuposto de que a produgdo capitalista tenha sido completamente esta- belecida por toda parte, isto é, que a sociedade tenha sido reduzida 8s modemas clas- ses dos proprietétios rurais, capitalstas (industriais e comerciantes) e operdrios — ten- “A esse respeito, ver nossas observagbes em Marxist Economic Theory, p. 119-126. =MARK. Capital v. 3, p. 332.334, (Gs gritos sdo nossos. EM.) 29 30 A ESTRUTURA DO MERCADO MUNDIAL CAPITALISTA, do sido abolidos todos os graus intermediarios. Essa condigdo nao existe nem mesmo rna Inglaterra e jamais existird — ndo deixaremos que chegue a tal ponto”.* (Os grifos so nossos. E, M.) Marx, além disso, elaborou o simples axioma tedrico de que a génese do capi- tal nao deve ser equiparada a seu autodesenvoluimento: “As condigdes e pressupostos do vir-a-ser, do despontar do capital, implicam preci- samente que ele nao esteja ainda em existéncia, mas apenas em devenir; por isso, de- saparecem quando surge 0 capital real, que coloca por si mesmo, com base na sua propria realidade, as condigdes para sua realizacko. Assim, por exemplo, enquanto 0 processo pelo qual o dinheiro ou um valor em si mesmo se torna originariamente capi- tal, pressupée, de parte do capitalsta, uma acumulaco — talvez mediante poupancas armazenadas de produtos e valores criados por seu proprio trabalho, que ele empreen- deu como um ndo capitalsta, isto @, enquanto os pressupostos sob os quais o dinheiro se torna capital aparecem como pressupostos externos, dados, para nascer do capi- tal — (ndo obstante), assim que o capital passa a existit enquanto tal, ele cria seus prs- prios pressupostos, ou seja, a possesstio das condicées reais da criagdo de novos valo- tes sem intercambio — mediante seu proprio processo de produgao”.* (Grifado por Marx. E. M.) Estamos tratando, portanto, com um processo duplo, e os dois lados do mes- mo devem ser combinados para que possamos compreender a génese e o subse- qiiente autodesenvolvimento do capital. Em outras palavras, a acumulacao primiti- va de capital e a acumulagdo de capital através da producdo de mais-valia nao séo apenas fases sucessivas da histéria econémica, mas também processos econémicos convergentes. Até hoje, ao longo de toda a historia do capitalismo, processos de acumulacao primitiva de capital tem constantemente coexistido junto a forma pre- dominante de acumulacao de capital, através da criacéo de valor no processo de producao. Camponeses, lojistas, arteséos, por vezes até mesmo empregados, fun- cionétios piblicos e operdrios altamente qualificados tentam torar-se capitalistas e explorar forga de trabalho, ao conseguirem, de uma maneira ou de outra (consu mo excepcionalmente baixo; usura; roubo; fraude; heranca; prémios de loteria), apropriar-se de um volume inicial de capital. Embora esse processo de acumula- do primitiva j4 pressuponha a existéncia do modo de producdo capitalista, ao con- trério do processo hist6rico de acumulacdo primitiva de capital, descrito por Marx, e embora seu papel nos paises capitalistas ja industrializados seja insignificante, ele é, apesar disso, de importancia consideravel nos paises coloniais e semicoloniais — 0s chamados pajses “em desenvolvimento”. Em geral, nessas reas, 0 proceso permanece ainda, quantitativa e qualitativamente, mais decisivo para a estrutura so- cial e 0 desenvolvimento econémico do que a criag&o de mais-valia no decorrer do processo de producao. Esses dois momentos separados devem ser levados a estabelecer entre si uma ligagdo estrutural. A acumulacao primitiva de capital, cujas origens histéricas re- montam & génese do modo de producdo capitalista, ganhou sua dinamica particu- lar precisamente de seu cardter monopolista; 4 excecéo dos poucos lugares na su- 9 Engels to Conrad Schmid, carta de 12 de marco de 1895, In: MARX e ENGELS, Selected Correspondence, Mos cou, 1965. p. 483, Ver também Mane. "Nos a tomamos (a Inglaterra} como um exemplo porque o modo de produgao capitalists encontra-se al num estagio desenvalvide endo opera mais, como é 9 caso na Europa continental, substan clalmente sobre a base de ume economia componesa que nao se gusta a ele.” "Resuitate des unmittelbaren Produk ‘tonsprozesses” 0 sexto capitulo criginal do primeiro volume de O Capial, Arkhiv Marksa i Engetsa. vol. It (VI). Mos- cou, 1933. p. 258. (Os gifs s40 nossos. EM.) SMARX. Grundnsse. p. 459-460, A. ESTRUTURA DO MERCADO MUNDIAL CAPITALISTA, 31 perficie da Terra onde brotaram as primeiras fabricas modernas, operando com méquinas, n&o havia no mundo nenhuma industria capitalista em grande escala (embora houvesse criacdo de valor em empresas capitalistas manufatureiras). De que que, todavia, todas elas tinham um nivel mais ou menos andlogo de produtivi dade — estivessem na Europa ocidental ou na América Latina, na Russia, China ou Japio — praticamente nao havia nenhum gradiente internacional em seus lu- cros para estimular um crescimento dinamico.* A situacdo que define processos de acumulacao primitiva na atualidade 6 ob- viamente bastante diversa. Eles se manifestam dentro da estrutura de um modo de producao capitalista e de um mercado mundial capitalista j4 estabelecidos; estdo, portanto, em constante competicéo, ou permanente troca metabdlica, com a pro- ducao capitalista j4 estabelecida. O crescimento e difus4o intemacional do modo de producdo capitalista nos ultimos dois séculos constitui, assim, uma unidade dia- Iética de trés momentos: a) acumulacdo de capital em andamento, no ambito de processos de produ- So ja capitalistas; b) acumulacdo primitiva de capital em andamento, fora do ambito de proces- sos de producao j4 capitalistas; ¢) determinagao e limitagao do segundo momento pelo primeiro, isto é, luta e competigao entre o segundo momento e o primeiro. Qual é, entao, a légica interna desse terceiro momento — a determinagao e li- mitaco da acumulacdo primitiva de capital em andamento pela acumulacdo de ca- pital ocorrendo no ambito de processos de producao jé capitalistas? Em cada pais ou em escala internacional, o capital exerce presséo para fora, a partir do centro — em outras palavras, seus lugares historicos de origem — para a periferia. Ele tenta continuamente estender-se a novos dominios, converter setores de reproducdo simples de mercadorias em novas esferas da producao capitalista de mercadorias, suplantar, pela producao de mercadorias, os setores que até entdo 86 produziam valores de uso.° O grau em que esse proceso continua a ocorrer ain- da hoje, perante nossos olhos, nos paises altamente industrializados, ¢ exemplifica- do pela expansao, nas duas tiltimas décadas, das industrias que produzem refei- g6es prontas para servir, maquinas distribuidoras de bebidas e assim por diante. Mas a penetracao do modo de producdo capitalista nessas esferas vé-se limita- da por dois fatores cruciais. Em primeiro lugar, esse modo de producao deve ser competitivo, isto é, o preco de venda deve ser menor do que o preco de custo dos mesmos bens na esfera da producao simples de mercadorias ou da produco fami- liar — ou, pelo menos, suficientemente baixo para que os produtores tradicionais ® André Gunder Frank cita um ex-presidente chileno, que teva dito que, no século XVII, a produce manufatureira no Brasil era mals consideravel do que nos Estados Unidos. Capitalism and Underdevelopment in Latin America. Nova York, 1967. p. 60, Ver Marx: “Precisamente a produtividade do trabalho, o volume de produgo, © volume populacional. o volume de ppopulacdo excedente, que s80 desenvolvides por esse modo de produco, clam continuamente, alravés da Tberag3o Se capital e trabalho, novos ramos empresarals onde o capital pode novamente trabslhar numa escala reduzida e, ‘mais uma vez, passar pelos virios desenvolvimentes, até que esses novos ramos sejam também conduridos numa lar” gh escala social Esse processo ocorte continuamente. Ao mesmo tempo a produgso capialista tende a conquisiar to dos os ramos da indistria sobre os quais ainda ndo tenha supremacia, que tenha subordinado apenas formaimente. Tao logo tenha assegurado o dominio sobre a agrcultra, a indstria de mineragéo, a manufature dos mais importan- tes maleriais para vestuaro, e assim por diante, © capital se apodera de esferas ainda mais dstantes, onde seu controle © ainda apenas formal e existem até mesmo artesSos independentes”. Resultte des unmittelbaren Produktionsprozes- ses. p. 120-122. 32 ‘A ESTRUTURA DO MERCADO MUNDIAL CAPITALISTA, considerem que sua prépria producao, mais barata, deixa de ser lucrativa em vista do tempo e trabalho poupados pela compra dos novos produtos.” Em segundo lu- gar, deve estar disponfvel algum capital excedente, cujo investimento nessas este- tas produzird uma taxa de lucro mais alta do que seu investimento em dominios j4 existentes (nao necessariamente mais alta, em termos absolutos, mas de qualquer maneira mais alta do que a taxa marginal, produzida por um investimento adicio- nal de capital nas esferas que ja so capitalistas). Enquanto essas duas condicdes nao forem realizadas, ou o forem apenas em parte, ou forem realizadas sob limitagdes demasiado onerosas, a acumulago de ca- pital auto-reprodutor ainda deixar espaco para a acumulacdo primitiva de capital. O pequeno e médio capital penetra por esse espaco disponivel, leva a cabo o “tra. balho sujo” de destruir as relacdes nativas e tradicionais de producao* — e no pro- cesso desaba em rufnas, ou prepara o terreno para a producao “normal’’ de mais- valia, de que poderé também participar. Neste tltimo caso, converte-se em capital “normal”, industrial, agricola, comercial ou financeiro. Bukharin definiu corretamente a economia mundial como “um sistema de re- lagdes de producdo e relacées de troca correspondentes, numa escala internacio- nal’”.° No entanto, em seu livro Imperialism and World Economy, deixou de enfati- zar_um aspecto crucial desse sistema: a saber, si por relacdes capitalistas de i. E unicamente dessa maneira que a formacao desse mercado mundial pode ser entendida como 0 produto do desenvolvimento do mo- do de producdo capitalista — e nao ser confundido com o mercado mundial cria- do pelo capital mercantil, que foi uma condigo prévia para esse modo de produ- 40 capitalista!® — e como uma combinacdo de economias e nagées capitalistica- mente desenvolvidas e capitalisticamente subdesenvolvidas num sistema multilate- ralmente autocondicionante, Exploraremos esse problema de maneira mais profun- da no decorrer do presente capitulo e ao nos ocuparmos das questées da troca de- sigual e do neocolonialismo. O historiador Oliver Cox tem um vislumbre dessa espécie de sistema articula- do, mas esta influenciado de maneira forte demais por seu trabalho anterior sobre © capital mercantil veneziano para ver essa “hierarquia de economias e nacées” co- mo determinada por alguma coisa a mais do que “‘situacdes diferenciadas no mer- cado mundial. Assim, ele desconsidera totalmente a existéncia de diferentes rela- Ges de produgao."" Esse € um erro que partilha em maior ou menor grau com ou- tros autores, tais como Arrighi Emmanuel, Samir Amin e André Gunder Frank; vol- taremos a isso no capitulo 11. Se examinarmos a hist6ria da economia mundial capitalista desde a Revolu- Nao estamos discutindo aqui o caso “mais normal”, em que a violent Intervengdo do capital (expropriaggo dos pos suidores originals, expulsto dos camponeses de suas teras ¢ lares, bloquelo do acesto a teservas de tere tradicional ‘mente disponiveis, a meios de subsisténcia e trabalho) impede a produgao de valores de uso pelos produtores nativos «© 03 transforma em vendedores da mercadoria forga de trabalho e, consequentemente, em compradores de bens in. lustialmente produzidos. Ver Rosa Luxemburg: “Segundo a teoria marxista, os pequenos capitalistas desempenham, ao longo do desenvolvi mento capitalsta, 0 papel de pioneitos da moxificagao técnica, @ 0 exetcem num duplo sentido Elesiniclam novos mo- todos de produsao em ramos de inddstria bem implantados, e servem de instrumento na eriagso de novos ramos de Dipdugdo ainda ndo explorados pelo grande capitalists”. Sociai Reform or Revolution, Nova York, 1970. p15. 'BUKHARIN. N. Imperiaism and World Economy. Londees, 1972, p. 25-26. MARX: “O proprio mercado mundial forma a base para esse mado de produclo. Por outro lado, a necessidade ima- nente desse modo de producdo, de produair em escala cada ver mais ample, tende a expand continuamente o met cado mundial, de manea que, nesse caso, nao é 0 comércio que revoluciona o comércio”. (Copltal v3, p. 333) Ver tambem a nota inserida por Engels no volume 3 de O Capital: A colossal expansio dos meios de transpore e co- ‘municagio — transatlantcos. iemevas, telegrafiaelétrice, o canal de Suez — tomou em teatdade um efetwo mercado ‘mundi. Ibid. p. 488, "COX, Olver C. Capitalism as o Sister. Nova York, 1964 p. 1, 6,10. ‘A ESTRUTURA DO MERCADO MUNDIAL CAPITALISTA 33 co Industrial, ao longo dos tiltimos duzentos anos, poderemos distinguir os seguin- tes estagios nessa articulacao especifica de relacoes de producdo capitalistas, semi- capitalistas e pré-capitalistas. Na era do capitalismo de livre concorréncia, a produ- 4o direta de mais-valia pela industria em grande escala limitava-se exclusivamente @ Europa ocidental e & América do Norte. Entretanto, o processo de acumulacéo primitiva de capital estava se realizando simultaneamente em muitas outras partes do mundo, mesmo se o seu ritmo era irregular. Com isso, a producao téxtil por ar- tes&os e camponeses nativos foi gradualmente destruida nesses paises, enquanto a nascente industria doméstica combinou-se com freqiiéncia a real indtstria fabril Naturalmente, o capital estrangeiro afluiu aos paises que estavam comecando a se industrializar, mas foi incapaz de dominar os processos de acumulagéo em curso. "* Devem ser destacados dois dos mais importantes obstaculos & dominacao do capi- tal estrangeiro sobre essas economias capitalistas nascentes. Em primeiro lugar, a amplitude da acumulacao de capital na Gra-Bretanha, Franca ou Bélgica nao era suficiente para permitir que esse capital se lancasse ao estabelecimento de fabricas em outras partes do mundo. Na Gra-Bretanha, a média anual de investimentos de capital no estrangeiro foi de apenas 29 milhdes de libras entre 1860/69; eles au- mentaram em 75% entre 1870/79, chegando a 51 milhdes de libras anuais, e de- pois a 60 milhdes de libras anuais, entre 1880/89." O segundo obstaculo foi a ina- dequagao dos meios de comunicacéo — o desenvolvimento desigual da Revolu- cdo Industrial na industria manufatureira e na industria de transporte.** Esse aspec- to bloqueou efetivamente a penetracdo dos artigos baratos, produzidos em escala de massa pela grande indtstria. da Europa ocidental, ndo apenas nas mais afasta- das aldeias e cidadezinhas da Asia e América Latina, mas mesmo naquelas da Eu- ropa meridional e oriental. De fato, a insuficiéncia dos sistemas de transporte e co- municaco prejudicou a formagao de mercados nacionais propriamente ditos mes- mo na Europa ocidental. Antes da difusdo das ferrovias, o prego de uma tonelada de carvdo na Franca variava, em 1838, de 6,90 francos na regiao mineira de St. Etienne, ao sul do Loire, até 36-45 francos em Paris, chegando a 50 francos em Bayonne e nas areas mais remotas da Bretanha.'° 22 AC. Carter caleula que o capital holandés compreendia cerca de 1/4 do total das cotas de capital na Gré-Bretanha por volta de 1760 (ver a discusséo desse ponto em WILSON, Chasis. “Dutch Investment in 18" Century England’ In: Economic History Review. abril de 1960). O papel do capital inglés na industialzacso da Bélgica ¢ simbolzado pe- los fundadores da modema indistia de construcdo de méquinas, os imndos Cocker. Os capitas inglés belga deser- penharem, além disso, uma importante fung8o no primelro momento da industraizacSo francesa. (Ver HENDER- SON, W. 0. The Industral Revolution on the Continent. Londres, 1961: DHONT, J. ‘The Cotton industy at Ghent during the French Regime", In: CROUZET. F., CHALONER, W. H. e STERN, W. M. (Ed). Essays in European Eco- nomic History 1789-1914. Londres, 1969-) mesmo se aplica 20 capital holandés em relacdo & industia alem& na ‘margem esquerda do Reno. (Ver ADELMANN, Gerhard. "Structural Changes in the Rhenish Linen and Cotton Tra- des at the Outset of Industialization’”, In: Essays in European Economic History 1789-1914.) Pata o papel do capital francés na primeira onda de industralzaczo na Ila, ver GILLE, A, B. Les Investisemenis Frangais en Itale 1815-1940, Turim, 1968; MOLA, Aldo Alessandro (Ed), L'Eoonomia Htalana dopo Und. Turim, 1971. p. 130 et ‘eqs. Para o papel central do capital esrangeiro, prinipalmente britanico, na construgSo do sistema lerrovsanto dos Es tados Unidos (sobretudo no periodo 1866/73), ver JENKS, L. H. “Railroads as an Economic Force in Amencan Deve- lopment”. In: Journal of Economic Histor. 1V, 1944. 18 DEANE, Phyllis e COLE, W. A. Britsh Economic Growth 1688-1959. Cambridge, 1967. p. 36, 266. Ver também Marx: “Cada vez mais ampla, a produgdo em massa se derrama sobre o mercado existente e deste maneita trabalha ‘continuamente para uma expansfo ainda maior desse mercado, levando-o a romper com seus limites, O que tolhe es sa produgo em massa néo é 0 comercio (na medida em que cle expressa a demanda existente), mas a magnitude de ‘capital empregado ¢ 0 nivel de desenvolvimento da produtvidade do trabalho”. (Capital. v. 3, p. 386.) Alem descas ‘bras, consultar JENKS, Leland Hamton. The Migration of Bntish Capital to 1875. Londres, 1927; e ainda a conhec. dda Circular do Foreign Office datada de 15 de janeiro de 1848 e dirgida as missdes diplomaticas no exterior, que ex pressamente enfatizava a necessidade da precedéncia dos investimentos intemos sobre o controle de companhies no ‘estrangeito. (Foreign Office Archives, F.O. 16, v. 63.) 3©"O meio principal de reduzir 0 tempo de citculagSo & o aperfeigoamento das comunicages. Os dltimos cingient ‘anos trouxeram consigo uma revoluéo nesse campo, apenas compardvel & Revolucéo Industral da segunda metade do século XVIIL” MARK. Capital v3, p. 7. 'S Ver LEWY-LEBOYER, Maurice, Les Bangues Européennes et lIndustaisation Intemationale dans la Premigre Moi 118 du 19e Siecle. Paris, 1964, p. 320, 34 A ESTRUTURA DO MERCADO MUNDIAL CAPITALISTA Nao foi, portanto, por acaso que o impacto gradativamente crescente dos in- vestimentos externos de capital da Gra-Bretanha, Franca, Bélgica e Holanda con- centrou-se principalmente na construgdo de ferrovias no exterior, pois a expansao dessa rede internacional de comunicacao era uma pré-condicgao para a extensao gradual de seu dominio sobre os mercados internos dos paises desenvolvidos, que haviam sido arrastados para o turbilhao da economia mundial capitalista.'° No entanto, foi precisamente essa concentracdo na construcao de ferrovias que deu origem a uma importante defasagem — compreendida aproximadamente en- tre a Revolucao de 1848 e o final da década de 1860 — durante a qual as econo- mias que estavam avancando no sentido de um modo de producao capitalista g zaram, em termos gerais, de um raio de aco ilimitado para a acumulagao primit va de capital nacional nativo. Os diferenciais de salarios em escala internacional tor- naram mais facil esse processo.'” O fato de que mesmo essa primeira revolucdo nos transportes nao tenha conseguido uma redu¢ao decisiva nos custos de condu- ao de mercadorias baratas e facilmente pereciveis, por longas distancias, signifi- cou que 0 capital local dos paises desenvolvides continuou a desfrutar de merca- dos nao ameacados nas industrias de alimentos, bebidas fermentadas, malharia (a excecao dos artigos de luxo, em cada caso) e assim por diante, A Italia, a Russia, 0 dapao e a Espanha constituem os mais notaveis exemplos desse fendmeno, Nesses paises, se n&o considerarmos os investimentos estrangeiros na construcdo ferrovia- ria e os empréstimos ptiblicos, foi o capital local que dominou a expansao constan- te do mercado interno e’o avanco sem freios da acumulagao primitiva. Na Italia, por exemplo, na década de 1850, o setor téxtil era ainda basicamen- te composto de arteséos — camponeses ou trabalhadores da industria domiciliar; cerca de 300 mil camponesas eram mobilizadas por aproximadamente 150 dias de trabalho por ano, na fiacdo de linho e canhamo. Da producao de 1,2 milhdo de quintais dessas matérias-primas, 300 mil eram exportados e 900 mil consumidos na propria Italia — pouco mais de 1/9 pela industria j4 mecanizada e 8/9 pela pro- ducao doméstica. Ainda em 1880, a tecelagem doméstica excedia a fabril na pro- ducdo dos varios tipos de tecidos de linho. Na indtistria da seda a arrancada indus- trial comecou por volta de 1870 e s6 se completou no final do século, Na produ- go de algodao, a industria doméstica predominou nas décadas de 1850 e 1860; a indistria em grande escala irrompeu na fiagéo por volta de 1870, e na tecelagem 86 dez anos depois."* Ac longo de todo esse proceso de industrializacao o capital estrangeiro néo desempenhou nenhum papel. O mesmo ocorreu na Rtissia. Nesse pais, ainda que a primeira vaga de indus- trializagéo, de 1840 a 1870, fosse levada a cabo com maquinaria importada — a Rtissia adquiriu 26% das méquinas exportadas pela Inglaterra em 1848 —, nao houve participagao do capital estrangeiro digna de nota." Em 1845 0 total das im- portagdes e da produgao interna de maquinaria na Riissia valia pouco mais de 1 milhdo de rublos, em 1870, atingia 65 milhes de rublos. O valor total do equipa- mento industrial utilizado na Russia chegava a 100 milhées de rublos em 1861, e a 350 milhdes de rublos em 1870. O valor anual da produgao nas industrias mais im- 1 "Por outro lado, © prego barato dos artigos produzidos por maquinas e os meios aperieicoades de transporte e co- ‘municagdo fornecem as armas para a conquista de mercados estrangeitos.” (MARX. Capital v. 1, p. 451.) Acerca do significado da constucéo de ferrovias para os exportadores britinicos de capital e mercaorias na, Space pré-imperiais- ‘a, ver, entie outros, DOBB, Maurice. Studies in the Development of Capitalism. Londres, 1963, p. 297-298, "Em 1883 uma operata tecendo determinado tipo de fio recebia um salirio semaral equivalente a 37 francos por 69 horas de trabalho na Gré-Bretanha, 19 francos por 72-84 horas de trabalho na Franca e 9-12 francos pot um riimero similar de horas ne Suga, LEVY-LEBOYER. Op. ct. p. 65. E'SERENI, Emilio, Il apralismo nelle Campagne. 1068. p, 18, 19, 22.23, 2 STRUMILIN, S. “industrial Crises in Russia 1847.67". In: CROUZET, F., CHALONER, W. H. e STERN, W. M. (Ed. Essays in European Economic History 1789-1914. Londres, 1969. p. 158 A ESTRUTURA DO MERCADO MUNDIAL CAPITALISTA, 35 portantes (sem considerar a Polénia e a Finlandia) cresceu de aproximadamente 100 milhdes de rublos em 1847 até cerca de 280 milhdes de rublos em 1870. O capital que sustentou esse movimento era quase exclusivamente nacional.*® Encon- tramos desenvolvimento andlogo no Japao. Seu capital bancdrio total aumentou de 2,5 milhdes de yens em 1875 para 43 milhdes em 1880. Nesse ano, a indtistria doméstica ainda dominava a tecelagem e fiacao de algodao, mas em 1890 a indais- tria em grande escala j4 havia consolidado seu dominio sobre esses setores.** Foi dupla a articulacdo concreta entre esses paises, que entéo eram nagées ca- pitalistas “em desenvolvimento”, e o mercado mundial capitalista. Por um lado, a importacao de artigos baratos, produzidos por maquinas no exterior, com 0 acom- panhamento da “artilharia de precos baixos”’, foi a grande destruidora da tradicio- nal produc&o doméstica. Na Itdlia, no inicio da década de 1880, metade das impor- tages ainda consistia em produtos da inddstria manufatureira ou produtos semi- acabados, e no Japao a importacao sem restricbes de fio barato de algodao (ao preco médio de aproximadamente 29,6 yens por Kin em 1874 e 25,5 yens em 1878) exerceu efeito devastador sobre a indiistria camponesa doméstica (preco médio de 42,7 yens em 1874 e 45 yens em 1878).”” Nos dois casos, entretanto, a industria mecanizada local conseguiu preencher o lugar da industria doméstica lo- cal em menos de dez anos, isto é, os produtos estrangeitos simplesmente prepara- ram o terreno para o desenvolvimento do capitalismo “nacional”. Por outro lado, a répida especializagdo desses paises no comércio exterior (produtos agricolas e, mais tarde, também petroleo, no caso da Russia; seda em ra- ma e em fio, no caso do Japo} conseguiu tornar importantes setores do mercado mundial em escoadouros para essas economias capitalistas em ascensao. Os lucros assim realizados tomaram-se, por sua vez, a fonte mais importante para a acumula- Go local de capital. Naturalmente, também é verdade que a integragéo no mercado mundial e as condigées de relativo subdesenvolvimento nessa fase tiveram efeitos bastante nega- tivos sobre a acumulacdo primitiva de capital nesses paises. A troca de mercadorias produzidas em condicées de mais alta produtividade do trabalho por mercadorias produzidas em condicées de mais baixa produtividade do trabalho era uma troca desigual; era uma troca de menos trabalho por mais trabalho, que inevitavelmente conduziu a um escoamento, a um fluxo para fora de valor e capital desses paises, em beneficio da Europa ocidental* A existéncia de grandes reservas de trabalho barato e terra nesses paises logicamente resultou numa acumulacao de capital com uma composic&o organica de capital mais baixa do que nos primeiros paises a se industrializarem.* Mas a amplitude desse escoamento e a da mais baixa compo: co organica nao foram suficientes para representar uma séria ameaca a acumula- As companhias forrmadas na Russia tisham um capital de 750 mil rublos em 1855 ¢ de 51 milhdes de rublos em 1858 Ubid. p. 68). Ver também PORTAL, Pager. “The Industialzation of Russia". In: Cambridge Economic History of Europe. v. VI, Parte Segunda. Cambridge, 1966, que apresenta cifras de 350 milhées de rublos em 1860 e 700 mi Tides de rublos para o capial em acdes das companhias de estradas de fero lancadas entre 1860/70, LOCKWOOD, W. W. The Economic Development of Japan. Princeton, 1954. p. 113. A producso de flo de algedso. elevou'se de 13 mil boias em 1884 a 292 mil em 1894 e 757 mil em 1899: SMITH, Thomas C. Poltical Change and Industrial Development in Japan: Government Enterprise 1868-1880. Stanford, 1965. p. 37, 63 2 SERENI Op. cit, p. 32-33, SMITH. Op. ct, ». 26:27. 2 Strumiin calcula que entte 1855/60 um valor em ouro de 80 miles de rublos tenha escoado para fora da Rissa, © que entre 1861/66 0 fluxo tenha atingido 143 milhées de rublos-ouro. Reconhecidamente, boa parte da segunda soma, pode ser atribuida a atuagso dos aristoctatas russos que, em resposta 4 aboicao da servdéo, venderam seus dominios @ passaram a levar uma via improdutiva no estrangelto. 21'Se os salrios e 0 prego da tera forem baixos em um pais os juros sobre o capital forem altos, porque © modo de producio capitalist no foi desenvolvido em escala generalzada, a0 passo que, noviro pals, os slarios e o preco da {erra so supostamente altos, @ baixos os juros sobre 0 capital, o capitalsia empregara maior quantdade de mao-de-o- bra terra no primeiro pais, € no outro relativamente mais capital.” MARX. Capital v 3, p. 852 36 A ESTRUTURA DO MERCADO MUNDIAL CAPITALISTA, do de capital nativa e independente — pelo menos, nao nos paises onde as forcas sociais e politicas de classe jé eram capazes de substituir a destruicdo de um artesa- nato pelo desenvolvimento da inddstria nacional em grande escala. Em regiées co- mo a Turquia, onde essas condigées nao existiam, ou existiam apenas de maneira inadequada — porque o Estado nao desejava, ou nao podia, exercer sua funcao de parteira do capitalismo modemo (por exemplo, onde ele era dominado pelo ca- pital mercantil externo, como a Companhia das Indias Orientais), ou porque estran- geiros, e néo uma burguesia nativa, j4 controlavam a acumulacdo primitiva de capi- tal monetario, e assim por diante —, as tentativas de gerar a industrializacdo do- méstica estavam destinadas ao fracasso, embora, de um ponto de vista puramente econémico, as pré-condigdes existentes para essas regides nao fossem menos pro- picias do que na Russia, Espanha ou Japao.”* Na era do imperialismo houve uma mudanga radical em toda essa estrutura, e © processo de acumulacdo de capital em economias anteriormente nao capitaliza- das passou também a subordinar-se a reproducao do grande capital do Ocidente. A partir desse ponto, foi a exportacdo de capital dos pafses imperialistas, e nado o processo de acumulacao priméria impulsionado pela classes dominantes locais, que determinou 0 desenvolvimento econémico do que seria, mais tarde, denomi- nado “Terceiro Mundo”. Este ultimo via-se, agora, forcado a complementar as ne- cessidades da produco capitalista nos paises metropolitanos. Isso ndo era apenas uma conseqliéncia indireta da concoréneia de mercadorias mais baratas prove nientes desses paises metropolitanos; era, acima de tudo, resultado direto do fato de que proprio investimento de capital vinha desses paises metropolitanos, ¢ s6 estabelecia as empresas que correspondessem aos interesses da burguesia imperia- lista. Em conseqtiéncia, o proceso da exportacdo imperialista de capital sufocou o desenvolvimento econémico do chamado “Terceiro Mundo”. Isso porque, em pri- meiro lugar, absorveu os recursos locais disponiveis para a acumulacao primitiva de capital, por meio de um ‘“‘escoamento” qualitativamente acrescido. Do ponto de vista da economia nacional, esse escoamento passou a assumir a forma de ex- propriagéo continua, pelo capital estrangeiro, de produto excedente social local, o que obviamente acarretou uma reducdo significativa nos recursos disponfveis para a acumulagao nacional de capital.2* Em segundo lugar, concentrou os recursos re- manescentes nos setores que se torariem caracteristicos do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” — para citar Gunder Frank — ou do “desenvolvimento da dependéncia”, na terminologia de Theotonio dos Santos:”” comércio exterior, servi- co de influéncia para as firmas imperialistas, especulacdo com a terra e a constru- do imobiliéria, usura, empresas de “servicos” da limpen-burguesia e pequena burguesia (loterias, corrupcdo, gangsterismo, jogo, até certo ponto o turismo). Fi- nalmente, o processo restringiu a acumulacéo primitiva de capital, ao consolidar as % Ver as citagbes do trabatho de Omer Celal Sare (“The Tanzmat and our industry”) ¢ LM, Smilanskaya (“The Pisin tegration of Feudal Relations in Syria and Lebanon in the Middle of the 19 Century") na antologia ecitada por ISSA Wi, Charles. The Economic History of the Middle East. Chicago, 1966. p. 48-51, 241-245, E interessante observar {que a auséncia de um “efeito de retomo” ["industraizacto cumulativa”) 6 de faio determinada pelo complexo que

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