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sas vertentes, procurando analisar fios condutores que explicam a ocorrência
daqueles casos em todo o Mundo. O autor, Paolo Crepet, é um psiquiatra e
sociólogo especializado na investigação sobre o suicídio. (AMBAR)
L
uiz Pacheco é um dos pondência?
mais controversos escrito- Já não tenho capacidade. E ti-
res da história da literatura nha um ficheiro bastante bom.
portuguesa. Autor e editor, Mas isso agora acabou tudo. Ó
mal-dizente e feroz cronista, aque- pá, não há hipótese: um gajo de
le que assinou alguns dos textos repente vê-se perante um gran-
mais malditos em português tem de divórcio entre mim e o novo
hoje 77 anos e vive “rodeado de sistema de fazer livros. Agora é
fantasmas”num pequeno quarto tudo por computador. Comecei
da Liga dos Amigos dos Hospi- a editar em 1950. E 50 anos já
tais, em pleno Jardim do Principe chega. Havia gajos que não me
Real, Lisboa. pagavam os livros. Também
Escassos dias após a reedi- nunca mais receberam. Mas,
ção do texto “Os doutores, a sal- agora, esta edição ficou boa,
vação e o Menino Jesus”, o JN não ficou? Isto é um texto mui-
passou uma tarde à conversa to antigo. Na altura foi apreendi-
com este homem que não tem do. E não foi só este texto. Fo-
medo da morte depois de uma ram coisas do Mário Ruivo e do
vida passada a “dar porrada em Ferro Rodrigues, o pai desse
muita gente”. Em discurso direc- gajo que anda agora por aí. Ó
to, fica a transcrição possível. pá, isto naquela altura era dificil.
Hoje as pessoas têm o que qui-
JORNAL DE NOTÍCIAS – Sen- serem. Antigamente um gajo fa-
te-se feliz neste lar? zia uma laracha qualquer num
LUIZ PACHECO – Isto aqui é ou- jornal e a censura cortava logo.
tro mundo, é só patarecos. Um Mas eu tive dois casos ainda
gajo não cria alegria. Já estou piores. Aquele gajo que morreu
nesta merda dos lares há quase e a quem eu dediquei o livro – o
dez anos. Já nem vou lá fora. Te- Fernando Ribeiro de Mello –
nho aqui a minha companhia: a teve muitos processos e uma
rádio. Há pouco estava ali a ver série de edições apreendidas.
uma merda qualquer na televi- Agora, esta editora (Oficina do
são mas nem sei o que era aqui- Livro) tem livrarias e aquela...
lo. Pelo menos, aqui, há assis- como é que ela se chama? Re-
tência dia e noite. Há uns anos belo Pinto, não é? Faz edições
atrás, fiquei um bocado chatea- enormes de não sei quantos mil
do com estas casas mas agora já exemplares. Isso é uma espécie
consigo ver que não há outra so- de vaga. Eu nunca li nada dela.
lução. Já não há casas para ve- Trouxeram-me aqui um livro
lhos: é tudo T1 ou T2, para casais mas eu dei-o a uma rapariga aí.
e filhos que não querem ter ve- A gaja viu lá umas passagens e
lhos em casa. E há velhos que quis levar aquilo para casa. Acho
não podem ficar sozinhos. Aqui que era o “Sei lá”. Mas ela é
há um sistema de protecção e vi- muito bonitinha...
gilância. Mas isto não dá para re-
lações... naquela sala ali ao lado Tem escrito ultimamente? Al-
(a da tv), só há fantasmas. Há ga- guma vez usou computador?
jos que nem sequer saiem dos Nem vê-los! Já nem à máquina
quartos. Eu também não vou lá. escrevo. Consigo ver as teclas
Para quê? mas não vejo as letras no papel.
Mas não é só isso. Um tipo já
Podia ser que arranjasse uma está fora do seu tempo. Um
namorada... gajo tem uma fase de mocidade
Nem penses! Com a minha e curiosidade – e aí quer conhe-
idade? cer o mundo. Depois tem a fase
de maturidade que é a fase cria-
E qual é o problema? Diga lá: tiva por excelência. Só que mais
há quanto tempo é que não...? tarde vai-se vendo mal, ouvindo
O quê? mal, pá, enfim, o que é que es-
“ANTIGAMENTE, UM GAJO FAZIA UMA laracha qualquer num jornal e a censura cortava logo...” peras quando tiveres a minha
Enfim, há quanto tempo é que idade? No Bairro Alto há a livra-
não está com uma mulher? importante? Não faço ideia. As Ó pá, o que calhou, o que ca- nha a franjinha. Havia um pro- ria “Ler Devagar”. Aqui é mais
Ó pá, sei lá, há uns 30 anos! Já pessoas têm o seu tempo. Não lhou! Tive oito filhos. Ou me- grama dedicado à luxúria. Apa- “Morrer Devagar”. Ao menos,
nem sei como é que se faz! estou muito preocupado com lhor: tiveram elas. Mas os meus receu lá uma rapariga muito de- um gajo aqui está protegido –
isso. Já tive os meus dezoito filhos não costumam aparecer sinibida e vivaça a dizer “Cá co- não lhe cai um carro em cima.
Essas coisas nunca mais se es- anos. Que idade tens? aqui. Não podem. Têm outra migo é assim”. Eu fixei-a. Uns Só que essa protecção é tam-
quecem... vida. Mulheres, filhos, trabalho. tempos depois apareceu lá em bém uma forma de apagamen-
Isso é como a bicicleta, não é? Vinte e oito. Os filhos são como os pássa- Setúbal. Ela era muito trabalha- to. Aqui pode ser sossegado
Mas espera aí... a função se- A tua efervescência é diferente ros: ganham asas e voam sozi- dora. Para fazer essa cronologia mas um gajo vai-se alheando do
xual.... há gajos que a levam lon- da efer vescência de um gajo nhos. Mas essa biografia é um até foi aos arquivos da PIDE. Só Mundo. A minha ligação com
ge. Há um cabrão de um amigo com a minha idade. Tens que bocado aldrabona. Nunca mais que depois começou a querer ele é através da rádio – a TSF e
meu – que tem mais dois anos aproveitar agora! vi a rapariga que a escreveu. Ela mandar em mim, armada em a Antena 2. Mas é um bocado
que eu – que se gaba de foder é um bocado passada da mona. minha mandona e eu mandei-a ilusório. Eu estava a ver que não
todos os dias. Porra! Ele era um A julgar pela sua biografia, o A primeira vez que a vi foi na te- à merda. Não tenho feitio para chegava vivo ao lançamento
grande fodilhão, de facto, lá isso Luiz Pacheco era muito efer- levisão, no programa da Paula aturar mulheres a mandarem- deste livro. Afinal cheguei. E já
era. Mas será que isso agora é vescente... Moura Pinheiro, aquela que ti- me. Essa gaja é demais. não é mau.
JORNAL DE NOTÍCIAS sexta-feira, 3 de janeiro de 2003 CULTURA 33
UM LIVRO ESCRITO HÁ 57 ANOS AGORA REEDITADO “LÍNGUA PORTUGUESA MUDOU COM ASTELENOVELAS”
Não sendo a sua prosa mais brilhante, “Os doutores, a salvação e o “A literatura é uma coisa que envelhece muito depressa. Num qua-
Menino Jesus” é uma “parábola bíblica” publicada em 1946 e logo dro, o amarelo é sempre amarelo. Na música, o dó é sempre dó.
apreendida pela PIDE. Agora reeditada pela Oficina do Livro, trata-se Mas, na literatura, a base são as palavras – e é tudo muito precário.
de um conto que, “escrito vai para 57 anos”, ainda mantém “a sua Por exemplo: um gajo usa o calão, porque é a língua viva. Mas, daí a
aguda oportuna presciência, talvez mais desesperada, talvez mais ir- uns poucos anos, já esse calão morreu. A língua portuguesa, desde
respirável”, segundo palavras do autor. que há telenovelas, mudou muito”. Luiz Pacheco dixit.