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ARTIGO ARTICLE
repensando o vínculo terapêutico
Andrea Caprara 1
Josiane Rodrigues 1
1 Universidade Estadual
do Ceará, Centro de
Ciências da Saúde,
Departamento de Saúde
Pública.
Av. Paranjana 1700, Itaperi,
60740-000, Fortaleza CE.
a.caprara@flashnet.it
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Caprara, A. & Rodrigues, J.
trumento desenvolvido por Grol e Lawrence (ibidem). Como enfatizado pela literatura, o es-
(1995). Este instrumento é dividido em 4 cate- paço terapêutico teria de facilitar a comunica-
gorias: a) estrutura da consulta; b) condução ção, mantendo a privacidade, evitando inter-
da relação médico-paciente; c) performance rupções, sendo um espaço o mais confortável
clínica; d) ação psicossocial. Para cada uma possível (Lloyd, 1996). A proxêmica entre mé-
dessas categorias foram observados diferentes dico e paciente, a distância entre eles, a coloca-
períodos da consulta: a) investigação do pro- ção das cadeiras, da mesa, são todos fatores im-
blema; b) esclarecimento do problema; c) defi- portantes a serem considerados, fatos não pre-
nição do problema; d) formulação de um pla- sentes na maioria de estruturas físicas no con-
no. Decidiu-se adaptá-lo para ser utilizado no texto da saúde da família no Ceará.
contexto do Ceará. Foi adotada uma metodo- Pelo que se refere à comunicação entre mé-
logia de tradução e adequação do instrumento, dicos e pacientes, a pesquisa mostra que no co-
seguindo em parte as guias da Organização meço da consulta quase todos os médicos ten-
Mundial da Saúde na tradução de instrumen- tam estabelecer uma relação empática com o
tos (Sartorius e Kuyken, 1994). paciente. Apesar disso uma série de problemas
A amostra foi composta por 400 consultas surge de forma evidente: 39,1% dos médicos
realizadas por 20 médicos: 200 foram realiza- não explicam de forma clara e compreensiva o
das em áreas rurais e 200 na área urbana de problema, bem como em 58% das consultas, o
Fortaleza, a capital do Estado (Caprara et al., médico não verifica o grau de entendimento do
2001). Os dados em área urbana se referem aos paciente sobre o diagnóstico dado. Os médicos,
consultórios de PSF de Fortaleza. Entre a po- em 53% das consultas, não verificam a com-
pulação total de 47 equipes de PSF foram esco- preensão do paciente sobre as indicações tera-
lhidos aleatoriamente 10 médicos que traba- pêuticas (Caprara et al., 2001).
lham em área urbana e foram observadas 20 Dados estes que poderiam estar interferin-
consultas por médico (total 200). Pelo que se do em uma melhor relação médico-paciente,
refere à área rural, foi considerado não factível cuja natureza da interação irá depender de co-
(do ponto de vista econômico e tempo neces- mo acontece o encontro de ambos. Encontro
sário de disponibilidade) trabalhar com uma que está sendo influenciado por vários fatores
amostra aleatória das 1.039 equipes cadastra- como: o setting terapêutico, os aspectos psicos-
das, porém, foram consideradas 883 unidades sociais do paciente com seu adoecer (suas ex-
funcionando. Decidiu-se, então, escolher a pectativas, medos, ansiedades, etc.), suas expe-
amostra de 10 médicos diferenciando três gran- riências anteriores de outros médicos, bem co-
des áreas sociodemográficas: serra, sertão, cos- mo, pelos próprios profissionais, com a sua
ta litorânea. Nesses três contextos foram obser- personalidade, seus fatores psicológicos (es-
vadas 200 consultas médicas. tresse, ansiedade, frustração, etc.) e seu treina-
Foi constituído um banco de dados utili- mento técnico (experiência profissional e habi-
zando o programa SPSS. Uma análise descriti- lidades comunicacionais).
va das principais variáveis foi acompanhada Nesse momento, enfocamos como os médi-
por uma análise comparativa buscando asso- cos pesquisados não reconhecem o seu pacien-
ciações entre variáveis independentes e depen- te como sujeito capaz de assumir a responsabi-
dentes através de testes estatísticos (odss ratio, lidade com o cuidado pela sua própria saúde; e
chi-quadrado). Os dados não-estruturados fo- também não desenvolvem a autonomia e parti-
ram elaborados a partir de transcrições de en- cipação do paciente no seu processo de adesão
trevistas com informantes-chave e codificação ao tratamento, e suas práticas de prevenção e
dos dados e da análise, como também de ob- promoção da saúde.
servações inseridas no contexto de aplicação do O tempo médio da consulta é de 9 minutos
instrumento. Todas as entrevistas abertas fo- com uma ampla variação de 2 até 24 minutos.
ram gravadas e transcritas. O material foi su- É importante enfatizar que um maior tempo de
cessivamente codificado, classificando as res- consulta está associado a uma melhor qualida-
postas por categorias em relação a cada tema. de do atendimento: como uma melhor anam-
Primeiramente, os aspectos organizacio- nese (p<0.01), uma melhor explicação do pro-
nais, como a alta rotatividade dos médicos, a blema e dos procedimentos diagnósticos e te-
falta de estruturas físicas adequadas, os proble- rapêuticos, assim como a verificação do médi-
mas na organização dos serviços, afetam a rela- co sobre a compreensão do paciente (<0.01) e
ção, bem como os fatores culturais e sociais a participação do paciente na consulta (<0.01).
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lhor controle, por exemplo, de diabetes e hiper- cas e das situações, visto que os elementos co-
tensão. municacionais são analisados primeiro em for-
Essas considerações nos convidam a abor- ma separada (no primeiro ano) e depois pro-
dar a questão da formação médica. Nos cursos gressivamente integrados entre eles (Dalen et
tradicionais para médicos e enfermeiros, os es- al., 1995). Durante as etapas sucessivas do cur-
tudantes adquirem uma série de conteúdos e so, os conteúdos adquirem passo a passo uma
capacidades práticas que levam a considerarem maior elaboração, passando de temas mais
somente os aspectos físicos, excluindo as carac- simples, como “formulação de perguntas” e
terísticas culturais e socioeconômicas. Segundo “capacidade de escuta” a aspetos mais comple-
Anne Scott (1998), durante a formação os es- xos como “a comunicação de más notícias” e a
tudantes adquirem a consciência do que deve “assistência de pacientes em fase terminal”.
ser ignorado, excluído, reforçando a lógica bio- Com o transcorrer do tempo, cada estudante
médica. Na realidade, o conto do paciente mui- identifica as próprias capacidades e dificulda-
tas vezes não contém somente elementos de des, escolhendo o percurso formativo mais
história da doença, mas também elementos de adequado às suas necessidades.
história social (Skultans, 1998). Há algumas Como resposta a essa necessidade é impor-
décadas, nas universidades européias e norte- tante enfatizar a introdução das “humanidades
americanas estão sendo desenvolvidos cursos médicas” na formação universitária e na edu-
sobre o tema da relação médico-paciente. Qua- cação continuada. Por exemplo, a abordagem
se todos esses cursos têm uma característica co- das humanidades médicas prevê a incorpora-
mum: a duração acompanha todo o processo ção de elementos das ciências humanas (filoso-
de formação do estudante desde os primeiros fia, psicologia, antropologia, literatura) na for-
até os últimos anos. mação e na prática dos profissionais de saúde
Apesar dessa característica comum, ainda (Gruppo CPR, 1996; Dawnie et al., 2000). As
existe uma alta variabilidade na qualidade dos humanidades médicas se constituem como um
cursos (Whitehouse, 1991). Para que o currí- espaço para repensar a prática em medicina,
culo tenha um perfil adequado, observamos intervindo na qualidade da assistência com a
que é importante que o tema da relação médi- personalização da relação, a humanização das
co-paciente esteja presente durante todo o pro- atividades médicas, o direito à informação, o
cesso formativo; bem como a inserção impres- aperfeiçoamento da comunicação médico-pa-
cindível da abordagem interdisciplinar (clíni- ciente, diminuindo o sofrimento do paciente,
ca, psicologia, ciências sociais). O processo vai repensando as finalidades da medicina, au-
progressivamente se aprofundando: de uma mentando o grau de satisfação do usuário. Tra-
maior simplicidade até uma maior complexi- ta-se de um campo que precisa de investigações
dade; tendo que formar os médicos para sabe- de novas elaborações conceituais e empíricas e
rem lidar com situações críticas, como diag- que são objeto de interesse deste trabalho.
nóstico de doenças graves e terminais; e tam-
bém organizar um processo de formação dos
docentes desses cursos, visto que os programas Conclusão
mais estruturados são mais efetivos.
Na Escola de Medicina de Harvard, por Observa-se uma necessidade crescente em de-
exemplo, o curso prevê alguns elementos bási- senvolver uma comunicação mais aberta entre
cos como a aprendizagem que se inicia no pri- médicos e pacientes que possibilite uma maior
meiro ano com um procedimento no qual o qualidade na relação. Em face dessa questão, o
aluno examina a própria experiência, as moti- primeiro ponto a ser apresentado para reflexão
vações que o levaram a se inscrever no curso de é relativo ao comportamento profissional do
medicina. No programa de formação está in- médico. Este deve incorporar aos seus cuidados
cluída a compreensão de como a percepção da a percepção do paciente acerca de sua doença,
doença por parte do paciente influencia o pro- que possivelmente diverge do modelo clínico,
cesso de cura, e como a aprendizagem está diri- visto que são valores e compreensões próprias
gida à compreensão de aspectos éticos da me- daquele caso. Isto não significa que os médicos
dicina e das ciências humanas (Branch et al., tenham de se transformar em psicólogos ou
1991). Na Universidade de Maastricht, os as- psicanalistas, mas que, além do suporte técni-
pectos comunicacionais são abordados aumen- co-diagnóstico, necessitam de sensibilidade pa-
tando gradualmente a complexidade das práti- ra conhecer a realidade do paciente, ouvir suas
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Agradecimentos
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