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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIA E LETRAS DE ARARAQUARA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

FINANÇAS ÉTICAS E SOLIDÁRIAS:


afirmação das alternativas na era da mundialização do capital

Edmar Roberto Prandini

Fevereiro de 2008
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIA E LETRAS DE ARARAQUARA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

FINANÇAS ÉTICAS E SOLIDÁRIAS:


afirmação das alternativas na era da mundialização do capital

Edmar Roberto Prandini

Trabalho apresentado para a Banca de


Qualificação ao Doutorado em Sociologia do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade
de Ciências Letras de Araraquara.

Fevereiro de 2008
“...que hoje o que era impossível parece
ter se tornado possível e que parecem transitáveis
as vias que antes eram consideradas impraticáveis.
E a experimentação, a aventura e o risco foram
restituídos ao terreno do fazer – e não
simplesmente ao terreno do malfadado esperar...”

(Negri & Cocco, 2005)


Sumário
Introdução......................................................................................................................5
1. Situando o problema: o novo contexto internacional................................................7
a) A reemergência de importantes movimentos de manifestação de massas.....7
b) O Fórum Social Mundial.................................................................................10
c) O novo ambiente institucional latino-americano...........................................17
d) Sintetizando....................................................................................................22
2. O Movimento das Finanças Solidárias....................................................................25
2.1. Redes e Grupos de Pressão Política..........................................................26
2.1.1. Campanha pelo Perdão das Dívidas Externas dos Países Pobres.....26
2.1.2. Movimento pela Implantação da Taxa Tobin........................................27
2.1.3. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais .....................29
2.1.4. Fórum Brasileiro de Economia Solidária..............................................33
2.2. Redes e Grupos de Estudo e Fomento .....................................................40
2.2.1. ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário.....................................40
2.2.2. INAISE..................................................................................................41
2.3 redes e grupos de operadores financeiros..................................................42
2.3.1 O Cooperativismo de Crédito................................................................42
2.3.2 As instituições operadoras do microcrédito...........................................44
2.3.3 Fundos de Investimento em microempreendimentos ou em
empreendimentos de “desenvolvimento sustentável” ...................................52
2.3.4. Investidores em Bolsas........................................................................53
2.3.5. Financiamento do Comércio Justo.......................................................53
2.3.6 Emissores de Moedas Sociais..............................................................54
2.3.7 Bancos Éticos e Alternativos.................................................................54
Conclusão....................................................................................................................63
Bibliografia...................................................................................................................65
Introdução

No final de 1994, durante uma reunião do Conselho de Pastoral de uma


paróquia da cidade de Ribeirão Preto, um senhor manifestou as dificuldades que
estava tendo para quitar as parcelas de uma máquina fotocopiadora que adquirira
para um pequeno comércio que havia montado, onde vendia material de papelaria e
presentes. Sua intenção, com aquela iniciativa, era ter uma fonte adicional de renda,
de modo que sua esposa o pudesse ajudar, já que seu trabalho como pintor não
estava com muito serviço. Ele pediu a ajuda da paróquia, que acabou emprestando-
lhe algum dinheiro para ele poder pagar sua máquina.

Ainda naquele mesmo ano, situações semelhantes aconteceram com


alguns outros pequenos comerciantes. E, do mesmo modo, naquela paróquia,
conseguiram a ajuda para solucionar seus problemas. Foram cerca de oito casos,
até que a paróquia já não tinha mais dinheiro e o Conselho Pastoral também
começou a discutir que não tinha como ficar financiando situações deste tipo, porque
as contribuições que as pessoas davam tinham por destino manter o funcionamento
dos espaços, os salários e pouca coisa mais.

As condições de financiamento do pequeno empreendimento no Brasil, de


lá para cá, melhoraram, mas ainda prosseguem como um grave problema. O
sistema bancário, fortemente concentrado no país1, ao mesmo tempo, faz-se
presente no dia a dia, como o lugar onde as pessoas pagam suas contas2, onde
1 No país, há pouco mais de uma centena de instituições bancárias.
2 Vale lembrar que o serviço de cobranças não consistia nos serviços habituais nas instituições
bancárias. Os bancos surgiram como instituições para a guarda de valores (poupança) e
depositam suas poupanças, onde recebem suas aposentadorias, etc. Além das
agências, os bancos fazem-se presentes também por meio de casas lotéricas ou
outros “correspondentes bancários”3, ou ainda através de páginas eletrônicas na
Internet. Apesar disso, o crédito tem direcionamento restrito às camadas mais
aquinhoadas e as micro e pequena empresas sofrem enormes restrições para obter
financiamento para a melhoria da gestão de suas atividades ou para investimentos
no seu desenvolvimento. Os empreendimentos informais, por sua vez, que são em
número bastante elevado no país, tem ainda maiores dificuldades a respeito.

O breve relato aqui apresentado, já abre vistas para a diversidade


temática com que o tema das finanças solidárias acaba sendo impelido a lidar. A
discussão sobre as finanças solidárias contém articulações e enlaces com questões
relativas à

a) às relações sociais: a pobreza, o trabalho, a reestruturação produtiva, a


informalidade, a desigualdade social, o trabalho associativa;

b) às questões de caráter mais econômico: o crédito, a moeda, a


poupança, o seguro, o sistema bancário, as metodologias de análise de risco e
crédito, o papel da micro e pequena empresa, as políticas monetárias;

c) questões filosóficas: a solidariedade, a ética, o desenvolvimento

d) questões políticas: as formas de organização das populações


empobrecidas, os movimentos sociais, as formas de lutas dos movimentos sociais
por formas alternativas de produção e consumo, as articulações entre movimentos
sociais e suas formas organizativas com as estruturas de deliberação das políticas
dos Estados.

Neste trabalho, pretendemos nos concentrar mais na apresentação


histórica dos movimentos que têm atuado nesta área, buscando apreender as
principais características de suas práticas, de tal modo que o tratamento mais
sistemático dos temas ficará a cargo da tese de doutorado, resultante de todo o
processo de pesquisa.

posteriormente, incorporaram a finalidade do crédito.


3 Correspondentes Bancários são pontos comerciais ou de prestação de serviços, bem como casas
lotéricas que, por meio de convênio com as instituições bancárias, por meio de sistemas
eletrônicos, processam uma variada gama de serviços bancários, obtendo remunerações dos
bancos pelo serviço prestado. Para o banco, isso implica em ampliação dos canais de
atendimento da clientela, do horário em que os serviços ficam disponíveis, bem como redução de
custos com implantação de agência ou com custos com a mão-de-obra.
1. Situando o problema: o novo contexto internacional
O últimos anos do século XX e o início do século XXI foram marcados por
um conjunto de acontecimentos cujas implicações na ordem econômica e social
ainda não estão completamente compreendidas. Dentre eles, queremos ressaltar
alguns:

a) A reemergência de importantes movimentos de manifestação de


massas.
O símbolo primeiro desta etapa foram os acontecimento de Seattle, em 01
de dezembro de 1999. Nesta data, impressionantes 50 mil pessoas dirigiram-se à
cidade norte-americana, mobilizados por grupos os mais diversos, para acompanhar
a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), inaugurando um ciclo de
eventos em que os organismos multilaterais passaram a conviver com mobilizações
e manifestações públicas de grupos contrários às deliberações e articulações que ali
se decidiam.

Na verdade, toda esta mobilização representava a conjunção de diversas


ações anteriores cujo perfil principal estava no questionamento de processos e
articulações políticas e econômicas postos em andamento pelos líderes
empresariais e políticos sem o conhecimento e consentimento dos povos dos
diversos países. Este era o caso, por exemplo, do MAI – Multilateral Agreement on
Investiments4, “que em todo mundo deve colocar o direito do investidor acima das
leis trabalhistas, ambientais e sociais dos Estados e que, portanto, resulta em uma
transferência global dos direitos públicos de soberania às empresas multinacionais”
(Grefe et all, 2005: 19). Na verdade, o caráter dos próprios acordos de livre-comércio
que deram origem à OMC já podem ser considerados como uma “ampla
reordenação econômica do mundo”, como afirmam Grefe, Greffath e Schummann

4 Acordo Multilateral de Investimentos


8

(2005), realizada “sem os cidadãos, sem nenhuma influência, observação e controle


externos ... embora ... coloquem em questão os textos constitucionais das
democracias do Norte e do Sul” (2005: 19).

A enorme variedade de grupos que se encontraram em Seattle e o


protesto realizado não foram determinantes na interrupção das discussões do MAI,
ou sequer foram responsáveis pela interrupção da aprovação das discussões da
“Rodada Uruguai”, como ficou conhecida a proposição que se estava discutindo no
âmbito da OMC, mas, nos termos de Vandana Shiva, Seattle representou um “divisor
de águas”. Os movimentos reunidos em Seattle, produziram uma declaração, em
que exigiam

“... uma moratória de todas as negociações que aumentem o alcance


e o poder da OMC. Durante essa moratória, é preciso haver um
exame detalhado e fundamental dos acordos existentes [...] para
oferecer (às sociedades) a oportunidade de alterar o curso e de
desenvolver um sistema internacional alternativo, humano e
eficaz das relações de comércio e de investimento” (apud Grefe
et all, 2005: 22). (grifo meu).

Como se verifica, tal articulação punha em discussão o sentido anti-


democrático dos processos internacionais que se vinham negociando. E exprimiam
com clareza o fato de que, mais do que discutir o sentido formal das democracias
políticas, estava em questão a dimensão democrática das discussões e deliberações
de teor econômico no âmbito internacional. Os movimentos que se reuniram em
Seattle, e tantos outros depois de lá, em 1999, pretendiam, deste modo, repolitizar a
temática econômica internacional, enquanto naquele momento, sob a égide do
pensamento neo-liberal, se defendia que fosse tratada como uma realidade a ser
encarada exclusivamente no âmbito do pensamento econômico ou administrativo.

A reflexão de Negri e Hardt (2005) sobre estes acontecimentos de Seattle


e os que se seguiram a ele enriquece nossa compreensão sobre a exigência de
democratização dos debates sobre o caráter da organização da atividade
econômica. Dizem eles:

“Os gigantescos protestos contra aspectos políticos e econômicos do


sistema global, entre eles o atual estado de guerra, (...) devem ser
encarados como fortes sintomas da crise da democracia. O que esses
diferentes protestos deixam claro é que a democracia não pode ser feita
9

ou imposta de cima. Os manifestantes recusaram as noções de


democracia vinda de cima promovida por ambos os lados da guerra
fria: a democracia não é simplesmente a face política do capitalismo
nem o domínio de elites burocráticas. E a democracia não resulta de
intervenções militares e mudanças de regime, nem dos vários modelos
atuais de “transição para a democracia” que geralmente se baseiam em
algum tipo de caudilhismo latino-americano e se revelaram mais
eficazes na criação de novas oligarquias do que qualquer sistema
democrático. Todos os movimentos sociais radicais desde 1968 se têm
insurgido contra essa corrupção do conceito de democracia, que a
transforma numa forma de domínio imposto e controlado de cima. Em
vez disso, insistem, a democracia só pode surgir de baixo. Talvez a
atual crise do conceito de democracia decorrente de sua nova escala
global sirva de oportunidade para que retornemos a seu significado
mais antigo, como governo de todos por todos, uma democracia sem
adjetivos, sem “se” nem “mas”. (Negri e Hardt, 2005: 300-1).

Seattle inaugurou uma fase de mobilizações, sendo seguida com outras


muitas manifestações de rua. A Tabela 1 permite visualizar parcialmente a sequência
de mobilizações que se seguiram à Seattle, para onde convergiram os movimentos e
organizações contra o caráter anti-democrático da arquitetura do sistema
internacional que se estava negociando nas esferas internacionais:
Data Local Evento Manifes- Obs.
tantes*
Janeiro de Davos, Suiça Reunião do 1000
2000 Fórum
Econômico
Mundial
Abril de 2000 Washington, Reunião do 20000 Tentam paralisar as reuniões,
D.C., Estados Banco Mundial e formando bloqueios humanos
Unidos do Fundo para impedir a chegada dos
Monetário integrantes dos organismos
Internacional internacionais
(FMI)
Setembro de Praga, República Reunião do 9000
2000 Tcheca Banco Mundial e
FMI

Dezembro de Nizza Reunião de 60000 Protesto contra diversas


2000 Cúpula da União políticas de liberalização que
Européia estavam sendo discutidas

Abril de 2001 Quebec, Canadá Cúpula 25000 Oposição à criação de uma Zona
Econômica da de Livre Comércio continental.
OEA –
Organização dos
Estados
Americanos
Junho de 2001 Goteborg, Cúpula da União 20000 Além dos protestos que já
Alemanha Européia estavam se tornando habituais,
verificaram-se também
confrontos com a polícia.

Julho de 2001 Gênova, Itália Reunião do G8 Organiza-se o Fórum Social em


Gênova, em data simultânea. A
polícia italiana mata o estudante
Carlo Giuliani, durante os
protestos.

Tabela 1- Manifestações pela democratização das negociações internacionais


10

b) O Fórum Social Mundial


O segundo elemento de inovação na conjuntura do início do séc. XXI, é o
surgimento do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, com as suas diversas
reedições posteriores, anuais inicialmente, depois, numa evolução organizativa,
com um formato que articula edições “regionais” (continentais) alternadas por
edições globais, a partir de 2004. Desde 2001, já aconteceram seis edições globais,
sendo quatro em Porto Alegre, uma em Mumbai (Índia) e uma em Nairobi (Quênia).
O Fórum Social estimulou um novo modelo de articulação dos atores sociais, com
uma nova metodologia, que desde então, veio sendo frequentemente utilizada na
promoção de fóruns em nível local, em níveis territoriais sub-nacionais, em âmbito
de algumas nações ou mesmo os continentais. Na página do Fórum Social Mundial,
é possível encontrar uma listagem ano a ano de muitos Fóruns regionais e outros
fóruns temáticos que, a partir de 2001, foram acontecendo. São muitos, mas com
certeza, há outros tantos realizados segundo a mesma metodologia e filosofia, que,
entretanto não foram informados à Secretaria do Fórum Social Mundial. Isto implica
reconhecer que o Fórum Social Mundial, mais do que uma instância organizativa,
revelou-se uma dinâmica de agregação dos diversos movimentos, entidades ou
articulações, reunindo pessoas e organizações que se consideram contempladas
pela sua Carta de Princípios.

Em um texto publicado pelo IBASE – Instituto Brasileiro de Análise Social


e Econômica, Francisco Whitaker5 discute o que o Fórum Social traz de “novo”
enquanto prática de atuação política. Para Whitaker (2005), duas crises impuseram
a necessidade de se repensar o quefazer político: a primeira, crise dos sistemas
representativos, em que o distanciamento entre representante e representados foi se
acentuando com o tempo, de tal modo que a própria representação passa a perder
credibilidade; a segunda crise é aquela dos partidos que tendem ao fechamento
interno e ao ensimesmamento, onde lutas internas combinadas com disputas
eleitorais determinam a incapacidade de manter laços de interlocução com a
5 Francisco Whitaker, juntamente com Oded Grajew, é um dos idealizadores do Fórum Social
Mundial, em sua primeira edição. Ambos convidaram também o jornalista Bernardo Cansin, do
jornal francês Le Monde Diplomatique, para organizarem juntos o primeiro Fórum, que por
sugestão de Cansin, realizou-se em Porto Alegre. O sucesso do primeiro Fórum estimulou o
Comitê de entidades que participaram de sua organização a decidirem pela continuidade da
realização dos Fóruns. O Comitê, posteriormente, incorporou organizações de diversos países e
se tornou internacional.
11

sociedade. Diz Whitaker:

“A ineficácia política resultante – em termos de transformação social


efetiva – levou ao surgimento, de baixo para cima, em variados
setores da sociedade, de outras formas de ação com objetivos
igualmente políticos, sem passar pelos partidos ou sindicatos nem
por sistemas eleitorais de escolha de representantes. Essas novas
formas de ação vão se tornando conhecidas como “movimentos
cívicos”: reivindicatórios, ecológicos, de luta por direitos humanos
etc. Os chamados “movimentos populares”, nos países pobres, e as
mobilizações pontuais e independentes de trabalhadores ou
estudantes, nos países ricos, são claros exemplos dessas novas
formas de atuação política” (Whitacker, 2005: 206).

Para ele, como consequência das duas crises apontadas, as


características organizativas dos movimentos também apresenta-se diferente. Deste
modo, destaca que há, no interior dos novos movimentos reunidos no Fórum Social
Mundial, uma atitude que rejeita a obediência cega a palavras de ordem ou a
disciplinas partidárias ou a dependência de chefes carismáticos, todas
manifestações diversas, mas de qualquer modo, expressões de autoritarismo.
Aludindo a uma linhagem direta com os acontecimentos de maio de 68 na França,
comenta:

“Quando suas manifestações enchiam as ruas, isso decorria –


diferentemente das mobilizações manipuladas de direita ou de
esquerda – de uma tomada de consciência, por um grande número
de pessoas, do interesse e da responsabilidade de cada um nas
lutas que eram propostas. Seus líderes não demonstravam interesse
em se integrar posteriormente às estruturas de poder político ou
sindical. E as estruturas piramidais de comando eram substituídas
por coordenações colegiadas e por articulações que se espalhavam
em rede” (Whitacker, 2005: 206).

Fundamentalmente, Whitaker ressalta o surgimento e a consolidação de


uma consciência segundo qual a ação política não se restringe à atividade de
quadros políticos profissionais ou à militância partidária. Que as pessoas foram
percebendo a necessidade e a possibilidade de pensar e agir como cidadãos e
enquanto cidadãos, filiados ou não a partidos, sindicalizados ou não, sem
precisarem sem pagas para isso.

“Essa consciência de cidadania está ainda longe de alcançar as


grandes maiorias, mas vai ao mesmo tempo ganhando uma
dimensão mundial, à medida que a globalização intensa da
informação e da comunicação, assim como as facilidades de
12

transporte internacional, tornam possível um conhecimento direto


das situações de injustiça que ocorrem pelo mundo. O sentimento de
solidariedade decorrente amplia então sempre mais o número de
pessoas desejosas de participar, como protagonistas permanentes,
dentro de seus países ou internacionalmente, das novas formas de
atuação política cidadã” (Whitacker, 2005:207)

Para Whitaker, o FSM se insere nesta dinâmica e se apresenta em linha


de continuidade com as mobilizações iniciadas em Seattle. Era um “momento em
que os movimentos cívicos contrários às opções neoliberais hegemônicas no mundo
se ampliavam e suas redes se multiplicavam. Ele se inseriu no claro posicionamento
político desses movimentos, contra um modelo econômico que mercantiliza tudo e
submete o próprio processo político ao chamado “mercado”, aumentando as
desigualdades dentro dos países e entre países.” (Whitaker, 2005: 207).

Mas, o que diferencia o FSM daqueles movimentos, é que ele mostrou


que “já era tempo de consolidar e mesmo organizar, como alternativa às ações
propriamente partidárias a ação cívica, como ação política de uma 'sociedade
civil' autônoma em relação aos partidos. Ao mesmo tempo, o Fórum fez surgir um
novo ator político, a “sociedade civil planetária”, com a dimensão e a articulação
mundial que tem o sistema liberal atualmente hegemônico”. (Whitaker, 2005: 2008)
(grifos meus).

Este caráter de “alternativa” determina, portanto, a identidade do Fórum.


Por um lado, implica na sua distinção em relação a outros tipos de atores políticos
clássicos, tais como os partidos e os sindicatos. De outro lado, demarca o campo de
oposição ao aspecto excludente do sistema mundial, sob a égide do capitalismo
neoliberal. Por outro lado, ainda, o Fórum apresenta-se enquanto alternativa
também na metodologia e, por último, enquanto ideário.

Metodologicamente, o Fórum erige-se negando exercer “um lugar de


comando na luta contra o neoliberalismo”. Trata-se, segundo pretendem seus
“iniciadores”, de “grande espaço aberto de reconhecimento mútuo, respeitoso da
diversidade e do ritmo de cada um, que propicia com a força e a riqueza dos
entrelaçamentos, a interpenetração de ações até então estanques, abrindo novas
frentes planetárias e diversificadas de luta, buscando pela ação prática de cada um
e de todos a transformação efetiva do mundo, rumo a um sistema econômico e
13

político a favor do ser humano”. (Whitaker, 2005: 208).

Nesse sentido, para Whitaker, o Fórum passou do protesto massivo, que


tem Seattle como expoente, para a “construção massiva de alternativas”. Sobre o
conceito de alternativa, para uma primeira aproximação, vamos utilizar aqui a
concepção expressa na Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, art.4:

“4. As alternativas propostas no Fórum Social Mundial contrapõem-


se a um processo de globalização comandado pelas grandes
corporações multinacionais e pelos governos e instituições
internacionais a serviço de seus interesses, com a cumplicidade de
governos nacionais. Elas visam fazer prevalecer, como uma nova
etapa da história do mundo, uma globalização solidária que respeite
os direitos humanos universais, bem como os de todos os cidadãos
e cidadãs em todas as nações e o meio ambiente, apoiada em
sistema e instituições internacionais democráticos a serviço da
justiça social, da igualdade e soberania dos povos”

Novamente, na Carta de Princípios, a expressão “alternativas” aparece,


desta vez no art. 11, que trata do Fórum enquanto espaço de debates:

“11. O Fórum Social Mundial, como espaço de debates, é um


movimento de idéias que estimula a reflexão, e a disseminação
transparente dos resultados dessa reflexão, sobre os mecanismos e
instrumentos da dominação do capital, sobre os meios e ações de
resistência e superação dessa dominação, sobre as alternativas
propostas para resolver os problemas de exclusão e desigualdade
social que o processo de globalização capitalista, com suas
dimensões racistas, sexistas e destruidoras do meio ambiente, está
criando, internacionalmente e no interior dos países”

Como se desdobra desse texto, a temática da “dominação do capital”, da


“resistência e superação dessa dominação”, e da resolução dos problemas da
“exclusão e desigualdade social” ocupam vastamente, de modo complementar entre
si, a melhor interpretação do sentido dado à “alternativa” enquanto categoria do
ideário político do Fórum Social. Assim, a alternativa implica necessariamente a
alteração dos modelos econômicos predominantes. É por isso que, no primeiro
artigo da sua Carta de Princípios, o Fórum se propõe como espaço de debates,
reflexão, aprofundamento de idéias, de “troca livre de experiências”, mas também de
“formulação de propostas” e “articulação para ações eficazes”, de entidades e
movimentos “que se opõe ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo
capital e por qualquer forma de imperialismo”. Segundo este item da Carta de
14

Princípios, as entidades participantes do Fórum são aquelas que “estão


empenhadas na construção de uma sociedade planetária orientada a uma relação
fecunda entre os seres humanos e destes com a Terra”. Ainda que a redação não
explicite, a temática subjacente a esta sentença refere-se à produção e ao modo
como organiza-se. A expressão “relação fecunda entre os seres humanos e destes
com a terra” aponta para a temática do desenvolvimento sustentável, muito
frequente nas oficinas, conferências e outras atividades dos diversos Fóruns Sociais.

Retornando à discussão sobre a continuidade entre o Fórum Social


Mundial e os acontecimentos de Seattle e os seguintes, Whitaker atribui o sucesso e
a energia de Seattle ao modelo não hierárquico de sua organização:

“...o sucesso de Seattle foi uma demonstração desse tipo de


relações: uma enorme e surpreendente quantidade de militantes de
diferentes países foi a Seattle [em 1999] contestar as negociações
da Organização Mundial do Comércio (OMC), sem a necessidade de
um comando único impondo uma disciplina” (Whitaker, 2005: 100).

Este tema das redes6 é recorrente no pensamento de Whitaker. Sobre o


tipo de ação política que se desenvolve em formato de redes, ele destaca:

“Numa rede só subsiste aquilo que tem consistência pela sua própria
verdade, não pela autoridade de quem propõe. Essa é a diferença
fundamental de uma ação que nasce numa rede. Ela não nasce
porque o chefão mandou fazer, e sim porque é uma boa proposta,
que é assumida, que depende da adesão das pessoas. (...) Acho que
isso significa uma mudança de paradigma. A luta política no mundo
de hoje tem características diferentes. Não há necessidade de ser
unificada. A unificação tem muito a ver com a ordem,
homogeneidade. É preciso trabalhar com a heterogeneidade. A rede
é uma organização muito mais forte do que a pirâmide exatamente
por causa disso, porque ela se baseia numa opção de todos os seus
membros e eles só fazem coisas às quais aderem por convicção.
Então, não é uma unidade, é uma co-responsabilidade em torno de
objetivos pelos quais as pessoas lutam. Quando você tem que fazer
uma massa enorme se mobilizar, é preciso que ela esteja formada
por pessoas conscientes do processo que está sendo vivido. Caso
contrário, pode-se até alcançar o objetivo visado, mas ele se expõe à
derrota posterior” (Whitaker, 2005: 100).

Com a realização contínua dos Fóruns, surgiu a discussão sobre o papel

6 A questão das redes tornou-se um dos temas de maior saliência nos debates da sociologia. No
Brasil, Ilse Scherer-Warren tem uma publicação entitulada “Redes de Movimentos Sociais”,
datada de 1993. Mais recentemente, Euclides Mance publicou um texto acerca das “Redes de
Colaboração Solidária”, que teve tradução também na Itália.
15

do Fórum enquanto locus de deliberação de políticas orientadoras da prática dos


movimentos sociais. Deste modo, o Fórum de 2005. Houve um esforço bastante
significativo da coordenação de facilitar a proximidade, inclusive física entre os
participantes, segundo as áreas de interesse que apresentassem em um grande
processo de consultas aberto na preparação do Fórum de 2005, o V Fórum Mundial,
realizado pela quarta vez em Porto Alegre. No Fórum de 2007, em Nairobi,
Immanuel Wallerstein afirma ter-se tornado mais claramente perceptível o itinerário
do Fórum, que teria, na sua expressão, saído de uma linguagem “defensiva”, para
uma outra mais “ofensiva”, por meio da construção de uma teia de redes:
“Desde o começo, o FSM tem sido o ponto de encontro de uma
ampla gama de organizações e de movimentos de todo o mundo que
se definiram como opostos à globalização neoliberal e ao
imperialismo em todas as suas formas. O seu lema tem sido "um
outro mundo é possível", e a sua estrutura um espaço aberto sem
oficiais, porta-vozes ou resoluções. O FSM é contra a globalização
neoliberal e o termo alterglobalistas foi cunhado para definir a
postura dos seus proponentes - um outro tipo de estrutura global.
Nas primeiras reuniões do FSM, que começaram em 2001, a ênfase
era defensiva. Os participantes, cada vez mais numerosos,
denunciavam os defeitos do Consenso de Washington, os esforços
da Organização Mundial do Comércio (OMC) para legislar o
neoliberalismo, as pressões do Fundo Monetário Internacional (FMI)
sobre as zonas periféricas para privatizar tudo e abrir fronteiras ao
livre fluxo de capital, e a postura agressiva dos Estados Unidos no
Iraque e noutros lugares.
Nesta sexta reunião mundial, esta linguagem defensiva foi muito
reduzida - simplesmente porque toda a gente a considerou adquirida.
E, nestes dias, os Estados Unidos parecem menos poderosos, a
OMC num beco sem saída e impotente, o FMI quase esquecido. O
New York Times, numa reportagem sobre o encontro de Davos deste
ano, falou do reconhecimento da existência de uma "equação de
poder deslizante" no mundo, que já "ninguém está realmente no
comando", e que "os próprios alicerces do sistema multilateral" foram
abalados, "deixando o mundo com falta de liderança num momento
em que está crescentemente vulnerável aos choques catastróficos."
Nesta situação caótica, o FSM está a apresentar uma alternativa
real, e a criar gradualmente uma teia de redes cuja influência política
vai emergir nos próximos cinco a dez anos. Os participantes do FSM
debateram durante muito tempo se o FSM deveria continuar a ser
um fórum aberto ou se deveria lançar uma acção política planeada,
estruturada.
Calmamente, de forma quase subreptícia, ficou claro em Nairobi que
a questão não estava mais em debate. Os participantes fariam
ambas as coisas - deixar o FSM como um espaço aberto de todos os
que querem transformar o sistema-mundo existente e, ao mesmo
tempo, permitir e encorajar os que queiram organizar acções
políticas específicas e organizar as reuniões do FSM para agir desta
16

forma.
A ideia-chave é a criação de redes, que o FSM está particularmente
equipado para construir a nível global. Existe atualmente uma eficaz
rede de feministas. Pela primeira vez, em Nairobi, foi instituída uma
rede de lutas laborais (definindo o conceito de "trabalhador" de forma
bastante ampla). Está em formação uma rede de ativistas
intelectuais. A rede de movimentos rurais/camponeses foi reforçada.
Há uma promissora rede dos que defendem sexualidades
alternativas (o que permitiu que os movimentos gays e lésbicas
quenianos afirmassem uma presença pública que se tinha mostrado
difícil antes). E há redes em funcionamento em arenas específicas
da luta - direitos sobre a água, luta contra o HIV/Sida, direitos
humanos.
O FSM está também a lançar manifestos: o chamado Apelo de
Bamako, que expõe toda uma campanha contra o capitalismo; um
manifesto feminista, actualmente na segunda versão e que continua
a evoluir; um manifesto laboral que está a nascer. Haverá sem
dúvida outros manifestos como estes, à medida em que haja novos
fóruns.
O quarto dia deste encontro foi dedicado essencialmente a reuniões
destas redes, cada uma das quais decidiu que tipos de acções
conjuntas poderiam levar a cabo - no seu próprio nome, mas sob o
guarda-chuva do FSM.
Finalmente, dedicou-se atenção ao significado de se dizer "outro
mundo". Houve discussões e debates sérios sobre o que quer dizer
democracia, quem é um operário, o que é a sociedade civil, qual é o
papel dos partidos políticos na futura construção do mundo. Estas
discussões definem os objectivos, e as redes são uma grande parte
dos meios pelos quais estes objectivos serão realizados. As
discussões, os manifestos e as redes constituem a postura ofensiva”.
(Wallerstein, 2007).

É facilmente perceptível a incidência da temática de “uma outra economia


possível”, quando se examina os eixos de debates ao longo da história dos Fóruns
Sociais Mundiais:

Tabela 2-Temática Econômica no Fórum Social Mundial


Ano Local Eixos pertinentes à temática econômica
2001 Porto Alegre, Brasil  A Produção de Riquezas e a Reprodução Social
 O acesso às Riquezas e a Sustentabilidade
2002 Porto Alegre, Brasil  A produção de riquezas e a reprodução social
 O acesso às riquezas e à sustentabilidade
2003 Porto Alegre, Brasil  Desenvolvimento democrático e sustentável
2004 Mumbai, Índia  Meio ambiente e economia
 Exclusão, direitos e igualdade
 Globalização imperialista
2005 Porto Alegre, Brasil  Economia Popular Solidária
 Economias soberanas pelos e para os povos – Contra o
capitalismo neoliberal
17

Ano Local Eixos pertinentes à temática econômica


2006 Caracas, Venezuela 7
 Estratégias imperialistas e resistências dos povos
 Recursos e direitos para a vida: alternativas ao modelo
civilizatório depredador
 Trabalho, exploração e reprodução da vida
2007 Nairobi, Quênia  Pela libertação do mundo do domínio das multinacionais e
do capital financeiro
 Pelo acesso universal e sustentável aos bens comuns da
humanidade e da natureza
 Pela garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e
culturais, especialmente os direitos à alimentação, saúde,
educação, habitação, emprego e trabalho digno
 Pela construção de uma economia centrada nos povos e
na sustentabilidade

É importante ressaltar que esta presença forte das discussões de teor


econômico não afastaram ou minimizaram a importância de questões referentes à
democracia, à guerra, à ética, à espiritualidade, às organizações internacionais, à
educação, à saúde, às temáticas de gênero, de etnias, da agricultura, do
sindicalismo, da comunicação social, da tecnologia, etc.

Houve, por outro lado, constante liame entre as temáticas econômicas e o


modelo participativo da democracia, de modo que as discussões sobre a economia
solidária nutriram-se sempre desta dupla dimensão, do produzir, mas da participação
de todos no processo de decisão e apropriação do produto.

c) O novo ambiente institucional latino-americano


As eleições presidenciais latino-americanas, a partir do início do século
XXI representaram alterações importantes de posicionamento das populações em
relação às pautas neo-liberais adotadas pelos partidos políticos até então
predominantes no continente. Assim, iniciando-se com a eleição brasileira, em
outubro de 2002, abre-se um ciclo que se espraia por quase toda a extensão
territorial da América Latina, envolvendo a Argentina, o Uruguai, a Venezuela, o
Chile, a Bolívia e o Equador, na América do Sul, e a Nicarágua, na América Central,
em que os processos eleitorais resultaram na formação de governos cujas ações
alteraram profundamente a pauta política regional. Se, de modo esquemático,
considerarmos a década de 1981-1990, como os anos em que processaram os

7 O Conselho Internacional deliberou que o Fórum de 2006 seria policêntrico, ou seja, aconteceria
simultaneamente em três continentes. No caso das Américas, a escolha da sede recaiu sobre a
capital venezuelana. Na Ásia, a sede foi a capital do Paquistão, Karashi, e na África, Bamako, no
Mali.
18

ciclos de redemocratização em ruptura com as ditaduras militares que se instalaram


no continente, os anos entre 1991-2000, seriam aqueles em que os governos
nacionais teriam incorporado como horizonte central de ação a pauta dos “ajustes
estruturais” de suas economias, procedendo por meio de uma forte orientação para
a retirada do Estado da atividade, por meio de numerosas privatizações.

A longa citação que faremos, de Atílio Borón (1998), além de sintetizar


com precisão este cenário, ainda abrirá, ao final, o tópico subsequente de nossa
reflexão.

Diz Borón.

“A hegemonia ideológica do neoliberalismo e sua expressão política,


o neoconservadorismo”, adquiriram uma desabitual intensidade na
América Latina. Um de seus resultados foi o radical enfraquecimento
do Estado, cada vez mais submetido aos interesses das classes
dominantes e renunciando a graus importantes de soberania
nacional diante da superpotência imperial, a garnde burguesia
transnacionalizada e suas “instituições” guardiãs: o FMI, o Banco
Mundial e o regime econômico que gira em torno da supremacia do
dólar8. Por outro lado, a sua crise estrutural – seu raquitismo e
regressividade tributária, a irracionalidade do gasto, a sangria da
dívida externa, sua hipertrofia burocrática – se acrescenta um
discurso ideologico auto-incriminatório que iguala tudo o que é
estatal com a ineficiência, a corrupção e o desperdício, enquanto que
a “iniciativa privada” aparece sublimada como a esfera da eficiência,
da probidade e da austeridade. Essas imagens dicotômicas do
“público” e do “privado” não resistem à menor análise, ainda que seja
pelo fato elementar de que a outra cara da corrupção e da
ineficiência do “estatismo” é o empresário privado que corrompe o
funcionário estatal. Em todo caso, o amálgama da crise estrutural do
Estado com o discurso satanizador do setor público diminuiu a
capacidade deste para formular e executar políticas. A burguesia,
que no passado apoiou sua acumulação privada na gestão estatal e
nas políticas keynesianas, hoje se desdobra para amputar ao Estado
todas as suas capacidades regulatórias. Sua estratégia de
dominação – articulada nos diferentes cenários nacionais com a das
frações hegemônicas do capital imperialista – foi facilitada pelo
fenomenal retrocesso experimentado pelo movimento operário em
escala planetária. Essa situação precipitou uma ofensiva sem
precedentes destinada a desviar o caminho iniciado com a Grande
Depressão de 1929, deslocando o centro de gravidade da relação
Estado-mercado em direção deste último: daí a onda de
desregulações, liberalizações, aberturas indiscriminadas dos

8 A crise que se abate hoje sobre o dólar, enquanto unidade de referência monetária internacional,
não era ainda evidente, apesar de que os Estados Unidos, ao final do governo Ronald Reagan já
se convertera “de principal credor do planeta em primeiro devedor do universo!”, na expressão de
Borón (1998).
19

mercados e as privatizações mediante as quais os capitalistas se


apropriaram das empresas estatais e dos serviços públicos mais
rentáveis.

Como resultado de tudo isso, os capitalistas locais e seus sócios


metropolitanos obtiveram várias vantagens: primeiro, reforçaram de
maneira considerável seu predomínio econômico, reduzindo
drasticamente o controle público dos recursos nacionais e facilitando
a atuação do setor privado. Segundo, algo muito importante para o
grande capital financeiro internacional e do qual se fala muito pouco:
garantiram (pelo menos até agora) o pagamento da dívida externa,
destinando para esse efeito recursos e propriedades de caráter
público antes “intocáveis”; terceiro, modificaram a seu favor, e de
maneira decisiva, a correlação de forças entre o mercado e o
Estado, condicionando desse modo os graus de liberdade que
pudesse ter algum futuro governo animado por uma vocação
reformista ou transformadora. Diante desse panorama não há
dúvidas: talvez a tarefa mais urgente com que têm que se enfrentar
os países da América Latina uma vez esgotado o dilúvio neoliberal
será a reconstrução do Estado” (Borón, 1998: 78-9)

Como disse antes, a reflexão de Borón abriria a explicitação dos


problemas com quais poderíamos prosseguir nossa argumentação. Os três pontos
elencados por Borón neste segundo parágrafo que transcrevemos acima forjam uma
difícil equação com os governos nacionais subsequentes tiveram que ocupar-se,
sem dúvida. Os acontecimentos que mais claramente indicaram o grau de risco a
que os países foram expostos pela aplicação continuada daquelas políticas de
“ajuste estrutural”9 deram-se na crise que se abateu sobre a Argentina, no final de
2001. O país foi conduzido à insolvência, apesar de ter perdido, com o processo das
privatizações, quase por completo todo o seu patrimônio, motivo pelo qual, no prazo
de alguns meses, instalou-se uma absoluta desorganização política, com a
sucessão de trocas de comando na Presidência da República. Em consequência, a
reação social contrária ao tipo da ação política adotada naquela década manifestou-
se por via eleitoral, em todos os países, mesmo naqueles onde os candidatos mais

9 Sobre as políticas de ajuste estrutural do FMI, comenta Joseph Stiglitz: “As decisões eram
adotadas sobre a base de uma curiosa mescla de ideologia e má economia, um dogma que por
vezes parecia apenas velar por interesses criados. Quando a crise chegou, o FMI prescreveu
soluções velhas, inadequadas, ainda que “padroões”, sem considerar os efeitos que exerceriam
sobre os povos do países a que se aconselhava aplicá-las. Rara vez vi discussões sobre o que
fariam com as políticas com a pobreza; rara vez vi discussões ou análises cuidadosas sobre as
consequências de políticas alternativas: só havia uma receita e não se buscavam outras opiniões.
A discussão aberta e franca era desanimada. Não havia lugar para ela. A ideologia orientava a
prescrição política e se esperava que os países seguissem os critérios do FMI sem reclamar”.
STIGLITZ, Joseph E. El Malestar em la Globalización. Madrid: Taurus Pensamiento, 2002, p. 16.
20

identificados com a rejeição do paradigma neoliberal não chegaram à vitória


eleitoral.

Evidentemente, não há convergência entre os atores políticos e, muito


menos, entre os analistas e pesquisadores, de qual seja a mais adequada avaliação
sobre o papel que os governos atuais, liderados por Lula (Brasil), Cristina Kirschner
(Argentina), Tabaré Vasquez (Uruguai), Hugo Chavez (Venezuela), Bachelet (Chile),
Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e Daniel Ortega (Nicarágua) estejam
cumprindo. Com frequência, apontam-se os limites continuístas que estes governos
teriam adotado em suas políticas econômicas, quando comparadas às das gestões
precedentes. Em que pese a necessidade de aprofundamento destas discussões,
não nos compete neste trabalho dedicarmo-nos a tal tarefa.

Aqui queremos indicar que procedeu-se a uma mudança, mais ou menos


acentuada, a depender das características históricas e do tipo de construção política
que se fez em cada país, com a alternância dos agrupamentos políticos no comando
do poder central nestes países. Tal alternância, implicou, com frequência, na
ocupação dos espaços políticos institucionais por grupos provenientes dos
segmentos sociais comumente distantes do poder político, ao longo de toda a
história latino-americana ou das jovens democracias recém-instaladas nos países.

Tais mudanças, incidiram na alteração da agenda política. Temas como


privatizações, Estado Mínimo, perderam espaço. Ganharam importância as
questões das políticas sociais, a redução das desigualdades econômicas e sociais, a
valorização das culturas e etnias, as políticas afirmativas quanto a gênero e raça.
Além disso, no início da década, a pauta concentrava-se na discussão da instalação
da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas, apontando a prevalência da
dimensão do econômico sobre as questões sociais. Este é, sem dúvida, um dos
temas que desapareceu do cenário. Possivelmente, houve convergência entre as
mudanças promovidas por vias eleitorais nos grupos no centro do poder político em
cada país e a repercussão dos incidentes simbolizados pelo ataque às torres
gêmeas, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, alterando direcionamentos da
política externa norte-americana, envolta desde então com as guerras, que
acabaram explicitando não apenas o militarismo da política externa norte-americana,
21

mas o seu desrespeito pelo sistema de regulação internacional dos conflitos


instalados após a Segunda Guerra.

Em seu lugar, reforçou-se o caminho da integração latino-americana, com


a valorização do Mercosul. Apesar da crise de 2001, na Argentina, e 2002, no Brasil,
os esforços de manter e impulsionar o Mercosul foram mantidos e ampliados. O ano
de 2004, foi especialmente importante para o Mercosul e a integração latino-
americana. Em Cuzco, foi realiza a articulação com vistas à formação de um bloco
mais ampliado, unindo o Mercosul e a Comunidade Andina, a Comunidade Sul-
Americana das Nações; além disso, em Ouro Preto, em dezembro, foram
constituídas novas estruturas institucionais para o desenvolvimento do processo de
integração, com a criação do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul
(FOCEM) (Decisão CMC Nº 45/04), a fim de financiar programas de convergência
estrutural, competividade, coesão social e infra-estrutura institucional; a criação do
Grupo de Alto Nível (GAN) para a formulação de uma Estratégia MERCOSUL de
Crescimento de Emprego; e a encomenda à Comissão Parlamentar Conjunta de
uma proposta de Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, que se
implantou em maio de 2007. Segundo a proposta aprovada, já no início da próxima
década, o Parlamento do Mercosul será constituído por meio de eleições específicas
de deputados exclusivos, sem a atual coincidência de mandatos nacionais e
comunitários. Mas, os anos seguintes também não foram menos importantes, do
ponto de vista do desenvolvimento do relacionamento e da constituição institucional
do vínculos entre os países integrantes da Comunidade. Em 6 de julho de 2005, se
firmou o Protocolo de Assunção sobre Direitos Humanos do Mercosul e em
dezembro de 2005, a Venezuela protocolou seu pedido de adesão ao Mercosul, em
fase de aprovação pelos parlamentos brasileiro e paraguaio, uma vez que Argentina
e Uruguai já chancelaram seu aceite. Em 2006, aprovou-se a Estratégia Mercosul de
Crescimento do Emprego (Decisão CMC Nº 04/06) e criou-se o Observatório da
Democracia do Mercosul (Decisão CMC Nº 24/06); além disso, estabeleceu-se que a
Argentina será sede permanente do Mercosul Cultural.

Em 2007, deliberou-se também pela criação do Banco do Sul, com o


objetivo de financiar os processos de desenvolvimento regional. O dado inovador na
constituição do banco será o formato dos processos deliberativos, em que o voto
22

dos sócios independerá da capitalização que tenham feito no banco, numa espécie
de gestão com alguma similaridade em relação àquele pretendido pelas
cooperativas.

d) Sintetizando
O que viemos apresentando até este momento, refere-se ao apontamento
de que ao longo destes primeiros anos do século XXI, as condições da ação social e
política conheceu alterações significativas ante o ambiente de desesperança que se
via na década precedente.

O neoliberalismo foi difundido de maneira tão intensa quanto o


proselitismo de seitas pentecostais utilizando-se do televangelismo. A imagem do
proselitismo religioso não é de todo metafórica. De fato, como se sabe, os laços
entre os grupos conservadores da política norte-americana mantém fortes vínculos
com os grupos neo-conservadores religiosos. Ainda no final dos anos 70 e início dos
80, o IRD – Instituto de Religião e Democracia foi responsável pela elaboração do
Documento de Santa Fé, que serviria de plataforma para a atuação política do
governo Reagan no tratamento da questão religiosa, erigida à alçada de estratégia
política, com o intuito de interferir na difusão da teologia latino-americana da
libertação, que naquele período crescia aceleradamente, implicando no
fortalecimento da consciência política da população e na sua capacidade de
organização e articulação. Conforme argumenta Scherer-Warren, a teologia de
libertação constituiu-se numa utopia com importantes resultados junto às populações
que ela alcançava10. Diz ele

“...eu gostaria de sugerir que a existência de uma utopia de


libertação na América Latina seguindo essencialmente, o
pensamento da Teologia da Libertação, e em menor grau
influenciada também por outras utopias contemporâneas, tais como
feminismo e ecopacifismo, tem até agora trazido alguns resultados
importantes: tem ajudado pessoas não-privilegiadas a se organizar
para defender interesses comuns; tem-nas ajudado a se reconhecer
como pessoas em processo de crescimento, através da
redescoberta de sua dignidade; fez com que pessoas acreditassem
que poderiam ter um papel importante na moldagem de seus
10 O uso do verbo no passado não implica na idéia de que os impactos da teologia da libertação se
tenham encerrado. Apenas tem por intuito respeitar o tempo em que a autora redigiu seus escritos.
Na verdade, a teologia de libertação continua presente e bastante operante na América Latina,
apesar de ter perdido espaços no interior da insitucionalidade eclesial.
23

próprios destinos e, finalmente, participar na mudança de suas


sociedades.

Com relação a este último aspecto, esta utopia de libertação tem


criado uma forte esperança no poder de organização coletiva de
promover a mudança para uma sociedade melhor. Isto é positivo
enquanto funciona como motor para ação social e engajamento
político. Porém, pode se tornar negativo quando as mudanças não
são alcançadas por falta de estratégias, avaliação inadequada de
contra movimentos e deficiências na avaliação das possibilidade
reais de conquista em cada situação.

Resta, portanto, um desafio: como os latino-americanos poderiam


passar da redescoberta de sua própria dignidade ao reconhecimento
social dela? É aqui que reside o problema de transformar a utopia
de libertação em realidade liberta” (Scherer-Warren, 1996: 48).

O movimento neo-conservador religioso que se difunde pela América


Latina nos anos seguintes à posse do presidente Reagan, vêm, portanto, atuar como
o pregador da anti-utopia. E nisto também ele coincide com o perfil do pensamento
neoliberal, na medida em que o neoliberalismo, a partir de 1989, com a queda do
Muro de Berlim, passa a difundir a tese do triunfo definitivo do capitalismo e do “fim
da história”.

Trata-se, quando pensamos nos movimentos que se tem organizado nas


manifestações e marchas, ou nas redes de movimentos sociais ou ainda nas
articulações do Fórum Social Mundial, de discutir o possível ou o impossível de uma
globalização solidária, com as características já citadas na Carta de Princípios do
Fórum Social Mundial, sobre qual discorremos brevemente acima. Neste sentido,
pensar se “um outro mundo é possível”, como sintetiza o slogan do Fórum Social
Mundial coloca-nos diante da discussão sobre a utopia, sua possibilidade de
efetivação para além do âmbito do ideário no campo das relações sócio-políticas, e
mais que isso, de conhecer as formas em que se tem experimentado realizar a
utopia. O teólogo da libertação Franz Hinkelammert, em sua obra A Crítica da Razão
Utópica, publicada no Brasil em 1986. Lendo-o, e analisando, Enrique Dussell (2002)
comenta que Hinkelammert discute o tema da utopia e da anti-utopia. Enquanto a
utopia é sempre rejeitada enquanto irrealizável, Hinkelammert afirma que ela amplia
os marcos categoriais do pensamento social e lança-nos frente ao desafio da
factibilidade. Desistir da utopia, neste sentido, implica na rejeição do conhecimento,
24

uma vez que a realidade transcende a experiência, mas mais que isso, implica numa
atitude equivalente ao suicídio.

Diz ele:

“O sujeito prático não pode atuar a não ser que seja um sujeito vivo.
É preciso viver para poder conceber fins e encaminhar-se para
eles... Viver é também um projeto que tem condições materiais de
possibilidade e fracassa se não conseguir realizá-las... A decisão
sobre os fins é uma decisão sobre a concreção do projeto de vida
dos sujeitos e não se esgota numa relação formal meio-fim (como
opina Max Weber)... Nem todos os fins concebíveis tecnicamente e
realizáveis materialmente segundo um cálculo meio-fim (da razão
instrumental) são também factíveis: só aquele subconjunto de fins
que se integra em algum projeto de vida...

Fins que não são compatíveis com a manutenção da vida do próprio


sujeito caem fora da factibilidade... É possível realizar fins fora desta
factibilidadem mas sua realização implica a decisão de acabar com
um projeto de vida que engloba todos os projetos específicos de fins.
É uma decisão pelo suicídio” (Hinkelammert, 1986, apud Dussell,
2002: 263-4).

É neste ponto que passamos à apresentação das experiências dos


movimentos de finanças solidárias.
2. O Movimento das Finanças Solidárias

Como já expusemos anteriormente, o final do século XX e início do século


XXI, em termos dos movimentos sociais, está fortemente marcado pela presença de
eventos, grupos, mobilizações e articulações que se propõe a construir um campo
de “alternativa” ao modelo “rentista” que adquiriu o capitalismo contemporâneo.

É evidente que há uma enorme diversidade no interior deste campo de


alternativas de finanças solidárias, tanto quanto ao tipo de sua ação, quanto à
caracterização de seu discurso, ou ainda quanto à extensão geográfica de sua
atuação.

Para nossa classificação, vamos utilizar principalmente a distinção quanto


ao tipo de ação. Neste sentido, no movimento das finanças solidárias, podemos
distinguir entre os seguintes grupos:

a) redes e grupos de pressão política: aqueles movimentos e


organizações que pautam sua ação especialmente em promover o debate das
características anti-democráticas das instituições de deliberação na política
econômica internacional, questionando a livre circulação do capital sob controle dos
conglomerados internacionais e suas consequências sobre as populações
empobrecidas do planeta;

b) redes e grupos de estudo e fomento das finanças solidárias:


dedicam-se a pesquisar e oferecer análises sobre os processos do sistema
financeiro, sobre as práticas das organizações de finanças solidárias, bem como agir
no sentido de fortalecê-las ou ainda estimular a criação de novas instituições
dedicadas às finanças solidárias;

c) redes e grupos de operadores financeiros: aqueles que


efetivamente procuram atuar com os recursos financeiros em condições diferentes
daquelas empregadas no sistema financeiro internacional. São grupos que dedicam-
26
se a motivar usos para a moeda, como estímulo ao desenvolvimento local, ao
fortalecimento dos laços associativos das comunidades, a financiar as populações
de baixa renda em suas necessidades ou atividades produtivas, estimulam a
produção ou facilitam as condições de comercialização dos produtos dos pequenos
produtores, estimulam a criação de poupança comunitária autogerida, oferecem
garantias de crédito em condições acessíveis aos pobres ou pequenos
empreendimentos, facilitam os processos de remessas de recursos entre
trabalhadores em migração internacional e seus familiares, etc.

2.1. Redes e Grupos de Pressão Política

2.1.1. Campanha pelo Perdão das Dívidas Externas dos Países Pobres
Dentre eles, merece destaque o movimento em favor da redução e do perdão da
dívida externa dos países pobres. Esta campanha teve especial repercussão nos
anos imediatamente anteriores ao ano 2000, sendo conhecida com a Campanha do
Jubileu 2000, sob a inspiração da tradição bíblica, segundo qual, no ano jubilar, as
dívidas todas eram perdoadas e, em consequência, os escravos libertados. Esta
campanha encontrou enorme eco na África, ajudando a estruturar-se uma forte rede
de organizações dedicadas a promover discussões, debates, mobilizações e
produzirem eventos políticos sobre o problema da dívida.

No Brasil, em 1999, realizou-se o Tribunal da Dívida, como evento de


debates e julgamento dos seus impactos prejudiciais ao desenvolvimento nacional e
seus impactos mais acentuados sobre a população de baixa renda. No ano seguinte,
apoiado pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, mas com a
participação e coordenação de diversas organizações, uma grande mobilização foi
estimulada para promover o Plebiscito da Dívida Externa. Inicialmente, a
coordenação das entidades tentou conseguir a aprovação do Congresso Nacional
para a realização formal e oficial do Plebiscito. Entretanto, na medida em que o
Congresso Nacional negou-se a deliberar sobre o assunto, os movimentos optaram
por estimular a auto-organização das comunidades, das associações, dos
sindicatos, etc., de modo a construir o símbolo político do plebiscito. Evidentemente,
que sem a deliberação formal pela realização oficial do plebiscito, o debate que os
movimentos pretendiam promover com toda a sociedade brasileira acerca dos
impactos perversos do pagamento da dívida sobre o desenvolvimento nacional, não
se pode realizar, senão de modo residual. Apesar disso, a experiência da auto-
27
organização foi muito importante para aquele movimento, como uma espécie de
antecipação da experiência representada pelo Fórum Social Mundial de Porto
Alegre, cuja primeira edição seria realizada em janeiro do ano seguinte, 2001. Pode-
se dizer, que a aprendizagem mobilizadora e plural que as organizações puderam
adquirir com a preparação do Plebiscito serviu como suporte e alavanca para a
participação posterior em Porto Alegre. O Plebiscito foi organizado para setembro de
2000, e serviu também para lançar na agenda política dos movimentos sociais
brasileiros o Grito dos Excluídos.

2.1.2. Movimento pela Implantação da Taxa Tobin


Como apontam Greffe, Greffath e Schumann (2005), o economista norte-
americano James Tobin argumentava já nos anos 1970 que “o fluxo de capital
desregulamentado, com suas alterações de rota abruptas e oscilações caóticas de
câmbio, acaba causando danos à economia material”. Por isso sua recomendação
era no sentido de se “espalhar um pouco de areia na engrenagem de nossos
mercados monetários internacionais, exorbitantemente eficazes”, tributando as
transações de divisas com uma tarifa de 1%. Sua expectativa era, com isso, diminuir
drasticamente o aproveitamento, pelos especuladores, de oportunidades geradas
por diferenças de taxas de juros entre as diversas economias, a não ser em
situações extremas, em que as diferenças de taxas fossem muito compensadoras11.
Esta sua proposta, evidentemente, estava inspirada nas proposições de Keynes,
que defendia, segundo Belluzzo (1999), a criação de uma “administração
centralizada e pública do sistema internacional de pagamentos e de criação de
liquidez”. O sistema internacional regulado que se constitui sobre as proposições de
Keynes, no acordo de Bretton Woods, em 1944, assentava-se sobre as seguintes
bases: taxas de câmbios fixas, mas ajustáveis; limitada mobilidade de capitais; e
demanda por cobertura de déficits atendidas, sob condicionalidades, por meio de
uma instituição pública multilateral. O propósito deste modelo era “estimular o
acesso à riqueza através do crédito dirigido à acumulação produtiva, com o objetivo

11 Na situação brasileira atual, as taxas de juros pagas ao mercado pelo governo em função do
volume e do perfil do endividamento, ainda mantém enorme distância quando comparadas
àquelas pagas pelos governos europeus ou mesmo norte-americano. Este fenômeno evidencia-se
especialmente no caso das taxas pagas para o endividamento interno, uma vez que a dívida
externa passou por imortante melhoria do seu perfil nos últimos anos. Esta distância entre nossas
taxas de juros e aquelas pagas pelos governos dos outros países explica a atração elevada de
recursos internacionais que tem vindo ao país, num movimento constante nos últimos anos.
Quando comparam-se os países da Europa entre si ou com o Japão ou Estados Unidos e Canadá,
verifica-se que a distância é muito menor, e nestes casos, a aplicação da tarifa de 1% proposta
tornaria muito difícil o a circulação de capital especulativo. Deste modo, Tobin esperava conter o
fluxo desse tipo de capital, não de todo, evidentemente, mas em grande parte.
28
de manter o pleno emprego, elevando em termos reais, os salários e demais
remunerações do trabalho” (Belluzzo, 1999: 100-101).

Com a ruptura dos compromissos firmados em Bretton Woods, instalam-


se no cenário internacional recorrentes crises financeiras, desde o início do anos
1980, envolvendo o México e o Brasil, dentre outros, passando mais tarde pela crise
Russa, depois pelas crises das economias asiáticas, na década de 1990, até a
derrocada Argentina, em 2001.

É neste contexto, que em 1997, o jornalista francês Ignacio Ramonet


publica o artigo “Desarmar o mercado”. Neste artigo, Ramonet afirmava que a
mundialização do capital financeiro havia lançado as pessoas num estado de
“insegurança generalizada”, que havia criado seu próprio Estado, com seus
aparelhos, regras de funcionamento e meios de ação, a saber, o FMI, a OCDE, o
Banco Mundial e a OMC. Com tais instituições declinando a poesia das virtudes do
mercado, este Estado mundial consistiria num poder sem sociedade, um Estado em
que apenas tem cidadania o capital financeiro e as corporações internacionais. Sua
existência tem como consequência destituir as sociedades de poder, instalando uma
crise de governabilidade na ordem internacional. A OMC, depois de 1995, ter-se-ia
transformado num órgão com a pretensão de dominar as instituições política, impor
aos parlamentos o regramento legislativo as nações, estabelecer as políticas
relativas ao trabalho, ao desenvolvimento, às politicas sociais, condenando qualquer
uma delas que implicasse em contrariar a liberdade comercial. Neste cenário,
Ramonet afirma que desarmar o poder dessa ordem financeira é um dever cívico
dos cidadãos, inclusive com o objetivo de evitar a transformação do mundo num jogo
onde os “predadores” determinam a lei. Ramonet apresenta três ações que entende
serem necessárias para combater os impactos da financeirização que atenta contra
a democracia e os direitos: a) extinguir os paraísos fiscais; b) aumentar a
fiscalização e os impostos sobre as rendas do capital; c) taxar as transações
financeiras. Depois de argumentar justificando os dois primeiros pontos, Ramonet
lança aos sindicatos e associações de caráter cultural, social e ecológicas o desafio
de criar a Attac, que ele denomina de “Ação para uma Taxa Tobin de apoio aos
cidadãos” (Action pour une taxe Tobin d’aide aux citoyens), que constituída sob a
forma de organização não governamental deveria agir como um grupo de pressão
cívica sobre os governos com o intuito de tornar efetiva, em termos mundiais, a
solidariedade.
29
A força do artigo de Ramonet repercurtiu sobre a sociedade civil e as
organizações sociais na França, especialmente, mas não só. O jornal Le Monde
Diplomatique, onde o artigo de Ramonet foi publicado, recebeu mais de 5 mil cartas
comentando o documento. É importante ter em mente o lugar ocupado pelo Le
Monde na imprensa francesa, num campo “combativo” da esquerda, além da
movimentação dos trabalhadores franceses a partir de 1995, para entender como foi
possível que em tão pouco tempo a ATTAC fosse constituída e se tornasse presente
em quase trinta países, inclusive o Brasil, assumindo papel importante inclusive na
organização do Fórum Social Mundial de 2002, além de ser uma das mais
importantes organizações nas manifestações anti-globalização de que falamos ao
início deste trabalho.

Efetivamente, a ATTAC foi fundada em 3 de junho de 1998, com o nome


de ATTAC – Association pour une Taxation des Transactions Financières pour l'aide
aux Citoyens” (Associação para uma Taxação das Transações Financeiras para o
Auxílio aos Cidadãos). Além dos acompanhamentos das novas frentes de luta do
movimento social contra a globalização, a ATTAC passou efetivamente a defender a
implantação da Taxa Tobim como forma de geração de recursos para a aplicação na
redução da pobreza no mundo.

2.1.3. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais


A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais é uma
articulação de oitenta e duas entidades de atuação local, regional ou nacional, que
vem monitorando as políticas das instituições financeiras multilaterais sobre o Brasil.
A partir de 2005, diversas destas organizações passaram a dirigir-se ao BNDES,
apresentando propostas e críticas, mas inicialmente atuando de modo desarticulado.
Segundo Luciana Badin12, em 2006, o IBASE – Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas e a Rede Brasil “realizaram um seminário na sede do BNDES,
no Rio de Janeiro, para discutir não apenas questões pontuais, mas a atuação do
Banco em determinados setores: energia e desenvolvimento agrário. Neste
seminário houve a participação de outros setores da sociedade, de movimentos
sociais, como por exemplo, o Movimento dos Sem Terra, o Movimento dos Atingidos
por Barragens, a Rede Alerta contra o Deserto Verde, e fica cada vez mais claro a

12 Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. Redes, ongs e movimentos sociais
colocam em xeque o modelo de desenvolvimento financiado pelo BNDES e criam a
“Plataforma BNDES”. http://www.rbrasil.org.br/content,0,0,1981,0,0.html. Acesso em 22/02/2008.
30
importância de ampliarmos essa discussão e introduzir outros elementos que não
somente uma discussão pontual do Banco, mas também uma questão mais
propositiva, não no ponto de vista de um questionamento, uma crítica, mas também
na identificação de estarmos construindo propostas para o Banco” Este Seminário
teve como designação “o BNDES que temos e o BNDES que queremos” e, segundo
Badin, pode ser considerado um marco no surgimento de uma plataforma
apresentada pelas organizações e movimentos do Banco designada de “Plataforma
BNDES”.

A partir deste seminário, outras reuniões foram acontecendo e outros


temas foram agregando-se, resultando num longo documento de 19 páginas, que
tem como princípio diferenciar crescimento e desenvolvimento. Para a Plataforma
BNDES,

“Desenvolvimento se refere à dimensão qualitativa da economia, à


eficiência e à eficácia econômica, social e ambiental dos modos de
produzir e consumir no curto, médio e longo prazos. Assim, aquele
tipo de desenvolvimento que defendemos é o que aprofunda a
democracia. Ele é endógeno (gerado a partir dos potenciais e
recursos das pessoas, comunidades, povo e território eco-social), é
soberano (cujos sujeitos sejam os portadores dos potenciais e
recursos a desenvolver), é solidário (com base na consciência de
que ninguém desenvolve ninguém e ninguém se desenvolve
sozinho) e sustentável (que considera os custos no curto, médio e
longo prazos e os internaliza tão integralmente quanto possível no
momento de contabilizá-los). O tipo de desenvolvimento que
esperamos ver o BNDES financiar deve ter como objetivo central a
promoção do desenvolvimento próprio, ao mesmo tempo soberano,
solidário e sustentável, de cada pessoa e comunidade que constitui
nosso vasto País, na perspectiva de superar desigualdades”
(Plataforma BNDES: 2007, 2).

O documento ressalta o fato de que exprime a voz de setores


comprometidos com as populações “negativamente afetadas” pelo modelo de
desenvolvimento tradicionalmente adotados no Brasil, e por isso defende a
“redefinição dos rumos do desenvolvimento brasileiro”. Mais que isso, afirma que o
BNDES, enquanto banco público de fomento ao desenvolvimento

“...não apenas deve, mas precisa abrir suas portas ao diálogo com a
sociedade, sob pena de, caso rume em sentido contrário, ser
totalmente capturado pela lógica de mercado, o que esvaziaria o
caráter público indispensável ao financiamento de um tipo de
desenvolvimento, como já dissemos, democrático e justo com a
maioria da população brasileira. Alguns sinais desta captura são
visíveis. Eles estão na escolha do desembolso financeiro como único
critério de eficiência do Banco e na própria perspectiva de eliminação
de riscos, características de um banco privado comercial e não de
31
um banco público de desenvolvimento. Em nossa opinião, o BNDES
tem de passar a trabalhar com um conceito de políticas sociais,
quando da concepção de medidas estruturantes e abandonando de
vez a idéia de que o S de sua sigla signifique resquícios de políticas
compensatórias. É fundamental que esta orientação política se
transforme em prática, nos financiamentos do BNDES. Afinal, se a
maior fonte de recursos do Banco provêem dos trabalhadores e das
trabalhadoras, é necessário criar condições para que eles e elas se
beneficiem destes repasses compulsórios”. (Plataforma BNDES,
2007: 2-3).

O documento vai propor ao Banco acolher sugestões nas seguintes


áreas:
1. Transparência e necessidade de publicidade
2. Participação e controle social
3. Desenvolvimento de critérios e parâmetros:
a. Territoriais/Regionais
b. Socioambientais
c. Climáticos
d. Gênero e raça / etnia
e. Trabalho e renda
4. Políticas setoriais para as seguintes áreas:
a. Infra-estrutura social
b. Descentralização do crédito
c. Desenvolvimento rural sustentável e agroecológico
d. Energia e clima
e. Integração regional

Não importa, para o escopo deste trabalho, aprofundar o caráter das


propostas que constituem a Plataforma BNDES entregue ao banco. Importa captar
a presença de um novo tipo de movimentação, que parte do movimento social e
direciona ao banco público um conjunto de demandas de democratização das sua
estrutura operacional e a alteração de seus critérios de análise, segundo
pressupostos que apontem para o desenvolvimento de uma economia solidária. A
importância dessa iniciativa deve considerar o fato de que a carteira de
financiamento do BNDES aproxima-se de R$ 200 bilhões, que o banco tem a
previsão de liberar um montante de aproximadamente R$ 80 bilhões em 2008, e que
o BNDES, quando comparado a outras organizações interacionais de fomento, como
o BID ou o Banco Mundial, é o que tem realizado os maiores volumes de
desembolso, em nível mundial. Em 2005, por exemplo, o BNDES liberou
empréstimos duas vezes maiores do que o Banco Mundial e quatro vezes maiores
do que o BID13.

13 Torres Filho, E.T. Direcionamento do crédito: o papel dos bancos de desenvolvimento e a


experiência recente do BNDES. p. 291.
32
É absolutamente relevante também considerar que, neste caso, em
específico, o movimento construiu um canal de interlocução política, que resultou na
participação do presidente do banco, sr. Luciano Coutinho, numa reunião das
organizações, quando recebeu o documento produzido coletivamente. Esta reunião
aconteceu em agosto de 2007, e em outubro, conforme notícia veiculada pelo site
“Repórter Brasil”, o Banco ofereceu uma primeira resposta às reivindicações da
Plataforma BNDES, no sentido de aumentar o grau de informação pública sobre as
operações do banco, bem como a determinação para a constituição de grupos de
trabalho com vistas à preparação e adoção de critérios de avaliação, que em alguma
medida contemplem as demandas da Plataforma.

Numa articulação muito similar à Rede Brasil, constitui-se também uma


outra articulação, de que a própria Rede Brasil participa, juntamente com outras
organizações latino-americanas, discutindo a proposta de instalação do Banco do
Sul, proposto pelo presidente Hugo Chavez, da Venezuela, à comunidade de países
da América do Sul, no início de 2007.

Segundo Fabrina Furtado (2007), secretária da Rede Brasil,

“...o Banco do Sul precisa ser baseado em uma lógica que não seja
dominada por critérios financeiros, mas sim de complementaridade,
reciprocidade e solidariedade a partir de outras estratégias de
desenvolvimento diferente das políticas neoliberais e
desenvolvimentistas. O Banco não pode condicionar o acesso a
crédito a projetos essencialmente rentáveis, a indicadores
macroeconômicos ou a contratação de determinadas empresas a
serem executoras dos projetos. Assim sendo, o Banco não deve
apoiar os projetos de liberalização comercial e financeira e
privatizações (ou as Parcerias Público-Privada - PPPs) propostos e
apoiados pelas IFMs como por exemplo, a Iniciativa de Integração da
Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA). Pelo contrário, o
Banco deve servir como proteção aos países do Sul dos impactos
negativos da globalização econômica e política apoiando o
desenvolvimento interno e regional autônomo.”

O socioeconomista Marcos Arruda, durante o Fórum Social Mundial de


2007, em Nairobi, participou de um debate com 65 pessoas, representando a Rede
Brasil, e a respeito do Banco do Sul, fez uma apresentação no Seminário “Uma
Arquitetura Institucional Internacional diferente: O Banco do Sul”. Para Arruda
(2007), o Banco do Sul representa uma revolução nas finanças, que para ele viria
substituir o Banco Mundial, para os países da América do Sul. “A lógica de
financiamento do ‘desenvolvimento’ ao introduzir a perspectiva da solidariedade
(finanças solidárias) às relações produtivas e comerciais é invertida. Ela se dá no
33
contexto de iniciativas como a ALBA e outros esforços de integração solidária da
América do Sul, que transformam nas relações entre países, pois incorporam os
valores mencionados acima na prática dos intercâmbios”.

O objetivo maior, segundo ele, é a construção de instrumento autônomo e


soberano de financiamento de um outro desenvolvimento e de um sistema de
intercâmbios eqüitativo, e a redução drástica da dependência dos países do Sul em
relação a créditos e financiamentos do Norte. “Uma das possibilidades mais
importantes é que o Banco do Sul sirva para atrair as reservas internacionais dos
países do Sul, hoje em geral aprisionadas no FMI e nos bancos do hemisfério Norte.
Desta forma, as reservas podem ser um fator de capitalização do Banco do Sul e ao
mesmo tempo passam para a gestão soberana dos países sócios do Banco”.

“A América do Sul tem servido de berço desta iniciativa. Nela surge


também a proposta de uma ou mais moedas complementares para
promover intercâmbios de bens, serviços e saberes sem a
intermediação das divisas dos países do Norte. Também se prevê a
implantação de um Parlamento Sul-Americano, que reforça a
construção democrática no continente. Contudo, os desafios políticos
e civilizatórios são imensos, sobretudo pela diversidade de tipos de
governo que temos hoje na América do Sul. A solução dos
problemas técnicos passa necessariamente pela questão política. A
condição para o avanço dessas iniciativas, que apontam para uma
união democrática dos povos do continente, exige a participação
ativa dos mesmos povos neste processo. As Redes de Economia
Solidária e outras redes da sociedade civil são importantes atores
nesta mobilização”. (Arruda, 2007).

2.1.4. Fórum Brasileiro de Economia Solidária


O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) constituiu-se em
estreita proximidade com a realização dos Fóruns Sociais. No I Fórum Social,
realizado em Porto Alegre, entre os dias 25 e 30 de janeiro de 2001, a oficina
“Economia Popular Solidária e Autogestão” reuniu mais de 1500 participantes,
dentre os quais representantes de uma variada gama de organizações de práticas
associativas, sociais e políticas diferentes. Faziam-se presentes movimentos
atuantes no campo rural e urbano, estudantes, igrejas, grupos sindicais,
representantes de universidades, gestores públicos, entidades atuantes no campo
do crédito, redes de formação ou informação e organizações com vínculos aos
movimentos internacionais. A vitalidade do debate propiciou a constituição do
constituição do Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária (GT- Brasileiro),
composta por doze entidades e redes nacionais que em momentos e níveis
diferentes: a Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária (RBSES); Instituto Políticas
34
Alternativas para o Cone Sul (PACS); Federação de Órgãos para a Assistência
Social e Educacional (FASE); Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas
em Autogestão (ANTEAG); Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas
(IBASE); Cáritas Brasileira; Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST/CONCRAB); Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares (Rede ITCPs); Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS/CUT);
UNITRABALHO; Associação Brasileira de Instituições de Microcrédito (ABCRED); e
alguns gestores públicos que futuramente constituíram a Rede de Gestores de
Políticas Públicas de Economia Solidária.

O trabalho do GT-Brasileiro consistiu no esforço de acolher e ajudar a


coordenar a enorme diversidade de itinerários diferentes dos muitos atores
envolvidos na economia solidária, procurando favorecer a construção da identidade
da “economia solidária”, bem como fortalecer a divulgação e a articulação nacional
das diversas ações existentes nesse campo no país.

Inspirado pelo modelo do Fórum Social, o GT-Brasileiro passou a


organizar-se através de Plenárias por meio de qual, de maneira não hierárquica,
foram elaborando os “princípios da economia solidária”, o que permitiu ampliar e
caracterizar o movimento e seu campo de ação. Ao final de 2002, pouco tempo após
a eleição presidencial concluída com a vitória de Lula, nos dias 9 e 10 de dezembro,
contando com a participação de mais de 200 pessoas, realizou-se a I Plenária
Brasileira de Economia Solidária. Nesta Plenária, dentre outras ações, houve a
aprovação de um documento encaminhado ao presidente recém eleito, na forma de
carta, com o título “Economia Solidária como Estratégia Política de
Desenvolvimento”. Além de apresentar o ideário do movimento de economia
solidária no Brasil, o documento reivindicava a instalação de um órgão oficial para a
interlocução com o movimento de economia solidária. O Fórum Social Mundial de
2003, novamente em Porto Alegre, em janeiro, propiciou a oportunidade para a
continuidade das discussões com a realização da II Plenária Brasileira de Economia
Solidária, coordenada pelo professor Paul Singer, com a presença de
aproximadamente 800 pessoas.

A proposta da criação de uma Secretaria Nacional de Economia Solidária


foi aceita pelo presidente Lula, o que se concretizou ainda no primeiro semestre de
2003, com a condução do prefessor Paul Singer ao cargo de Secretário Nacional14.
Em junho de 2003, na continuidade do ascenso dessas mobilizações, realizou-se a
III Plenária Brasileira de Economia Solidária, preparada em eventos regionais
realizados em 17 estados. A III Plenária reuniu a participação de 900 pessoas de
diversas partes do país, e deliberou pela denominação Fórum Brasileiro de
Economia Solidária para o movimento. O FBES assumiu a incumbência de articular
e mobilizar as bases da Economia Solidária pelo país em torno da Carta de
Princípios e da Plataforma de Lutas aprovadas naquela oportunidade. Além de se
definir a composição e funcionamento do FBES, foi iniciado um processo
interlocução do FBES com a SENAES com o compromisso de promover um
intercâmbio qualificado de interesses econômicos, sociais e políticos, numa
perspectiva de superar práticas tradicionais de dependência, que tanto têm
comprometido a autonomia necessária ao desenvolvimento das organizações
sociais. Outro fruto decorrente daquele evento foi o desencadeamento da criação
dos fóruns estaduais e regionais que puderam garantir, por sua vez, a realização do
I Encontro Nacional de Empreendimentos de Economia Solidária com trabalhadores
advindos de todos os estados. Este encontro teve um total de 2500 pessoas e
aconteceu nos dias 13, 14 e 15 de agosto de 2004.

Neste processo, o FBES foi desafiado a gerir abastecimento,


comercialização, trabalhar com moeda social, promover rodadas de negócio, realizar
feiras em todos os estados, fazer campanha de consumo consciente, comércio justo
e solidário, constituir redes, cadeias produtivas, finanças solidárias, discutir as
questões relativas ao marco legal (especialmente a lei geral do cooperativismo e das
cooperativas de trabalho). Houve além disso, a demanda pela articulação também
com as estruturas do Estado, bem como com os movimentos latino-americanos e
internacionais.

O FBES passou a articular-se de modo próprio, desencadeando seus


próprios processos de organização, mas muito próximo à recém constituída
Secretaria Nacional de Economia Solidária, SENAES. A SENAES, por sua vez,
passou a atuar de forma a assegurar a identidade da ação pública do Estado, com
14 A instalação da SENAES, Secretaria Nacional de Economia Solidária, foi muito discutida no
governo, que buscava considerar o seu melhor posicionamento institucional no organograma
governamental. Ao final, depois de muitos defenderem que ficasse nos ministérios do
Planejamento ou do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, optou-se por sua instalação no
Ministério do Trabalho e Emprego. Durante a I Conferência Nacional de Economia Solidária, em
junho de 2006, o tema surgiu novamente, por influência da criação de um Ministério de Economia
Solidária pelo governo venezuelano, fato que repercutiu bastante no movimento de economia
solidária no Brasil, especialmente após o Fórum Social de janeiro de 2006, em Caracas.
vistas a estruturar a política pública de economia solidária, mas neste processo,
serviu de suporte para o fortalecimento e o crescimento do FBES. Em 2006, a
SENAES convocou, em fevereiro de 2006, a I Conferência Nacional de Economia
Solidária15, que realizou-se em junho, com a participação de mais de 1200
delegados, eleitos em Conferências Estaduais.

O FBES sistematizou, ao longo de sua trajetória, a sua carta de


princípios, mas também uma pauta com suas propostas de ação. Para a realização
de sua IV Plenária Nacional, convocada para março de 2008, estas propostas foram
agrupadas em um banco de dados, organizado por Daniel Tygel (2007) em quatro
eixos temáticos: Finanças Solidárias, Formação, Marco Legal e Produção,
Comercialização e Consumo. Este banco consolida as resoluções políticas que iam
se adotando nos eventos do movimento ou nas plenárias do FBES. Não cabe aqui
apresentar todas as propostas, mas, interessa-nos particularmente aquelas
referentes às finanças solidárias. O trabalho de Tygel nos interessa, porque nele,
também estão incorporadas as resoluções relativas às finanças solidárias
produzidas na I Conferência Nacional de Economia Solidária.

Destaca-se, pela frequência, a reivindicação da criação de um “Sistema


Nacional de Finanças Solidárias”. Com pequenas variações, tais como uma “política
nacional de finanças solidárias” ou um “sistema nacional de financiamento da
economia solidária”, esta proposição implica na percepção dos integrantes do FBES
de que o Estado deve fomentar uma política de desenvolvimento solidário. Para
tanto, os documentos produzidos nos diversos eventos demandam a utilização de
créditos solidários no conjunto das políticas públicas, disponibilizando mais recursos
que permitam o crescimento e o fortalecimento dos empreendimentos de economia
solidária. Para tanto, o I Encontro Nacional de Empreendimentos Solidários, de
2004, sugeriu a a criação de entidades financeiras, geridos em parceria entre os
entes federais, estaduais e municipais e as representações dos movimentos dos
empreendimentos solidários para gerenciar o financiamento de projetos da
economia solidária com crédito rotativo para estas atividades, bem como fomentar a
15 Para a Conferência Nacional de Economia Solidária, foi instalada uma Comissão Organizadora
constituída por integrantes da SENAES, mas também por representantes dos movimentos e do
FBES. A Comissão preparou um pequeno documento encaminhado ao todos os movimentos,
gestores públicos, entidades, facultando a liberdade de organizarem conferências municipais ou
regionais com o intuito de eleger representantes para as conferências estaduais, onde seriam
eleitos, segundo os critérios definidos no Documento Preparatório, os delegados à Conferência
Nacional. Contabiliza-se que, apesar do exíguo prazo de organização – a Conferência Nacional
começou a ser preparada em fevereiro, e realizou no final de junho de 2006, ente os dias 26 e 29
de junho, foram realizadas mais de 150 conferências municipais ou regionais e 27 conferências
estaduais, totalizando a participação de mais de 15 mil pessoas nos debates.
criação de moedas sociais em atividades locais.

Na Conferência Nacional, o tema deste Sistema Nacional de Finanças


Solidárias também se fez presente, mas com uma perspectiva mais ampla,
vinculado a uma política geral de democratização do crédito, o que implicaria na
abordagem de questões pertinentes à política tributária, à capitalização das
instituições fornecedoras de crédito, à regulamentação da autorização de captação
de poupança, aos processos de cobrança e outros.

Uma ação voltada à democratização do crédito deverá valorizar


iniciativas existentes na área das finanças solidárias. No que se
refere às agências de financiamento, devem ser estimuladas as
cooperativas de crédito, as OSCIPs de microcrédito, os "bancos
comunitários", as fundações públicas e os fundos públicos de
desenvolvimento, além dos fundos rotativos e os sistemas de
moedas sociais circulantes locais, lastreados em moeda nacional
(Reais) e outros sistemas de moeda social como outras formas
criativas de lastros. A democratização do crédito e acessibilidade
pelos empreendimentos solidários exige que se consolide e se
amplie a presença de uma vasta rede destas organizações pelo país,
criando um Sistema Nacional de Finanças Solidárias, o que requer
um fundo de financiamento específico com controle social, como
também o desenvolvimento de um marco legal apropriado, capaz de
lidar com as questões tributárias, com o problema da capitalização
das instituições, da captação de poupança, da cobrança, dentre
outros. (I Conferência Nacional de Economia Solidária, 2006).

O que se depreende de algumas leituras das demandas dos


empreendimentos de economia solidária, é a perspectiva de um tratamento
preferencial pretendido por alguns setores do movimento, como forma de proteção e
incubação destes empreendimentos, de tal modo que protegidos pela política
pública, eles possam desenvolver-se e crescer.

Nesta perspectiva, aparecem diversas proposições defendendo a


desburocratização de financiamento a pequenos grupos de economia solidária, a
elaboração de legislação específica para regulamentar a criação de fundos
específicos para a economia solidária em nível nacional, estadual e municipal, a
necessidade de financiamento e apoio dos governos populares, ou ainda o acesso
aos recursos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador pela Secretaria Nacional de
Economia Solidária.

O desenvolvimento da economia popular solidária requer a


construção de uma política de crédito e financiamento solidários
apropriados às características dos empreendimentos econômicos
solidários, o que inclui desde estabelecer novas condições de
acesso aos fundos públicos (municipais, estaduais e federais) já
existentes, como também a criação de programas e fundos
específicos de economia solidária que considerem as características
regionais, a estruturação e o fortalecimento de diversas agências de
financiamento, novos instrumentos de captação de poupança que
dêem suporte ao financiamento, novas linhas de crédito para
investimento e capital de giro, linhas de investimentos não
reembolsáveis e um sistema de garantias apropriado. Uma
significativa soma de recursos destinados ao financiamento do
desenvolvimento urbano e rural pode desencadear um grande
fortalecimento da economia solidária, quando aprovado e gerido com
a participação de empreendimentos autogestionários e organizações
locais. (I Conferência Nacional de Economia Solidária, 2006)

Estes fundos devem ser obtidos junto ao FAT, fundos constitucionais de


desenvolvimento regional e ao BNDES, segundo o documento aprovado na
Conferência Nacional de Economia Solidária.

Além disso, deve-se atuar para que recursos do FAT, dos Fundos de
Desenvolvimento Regional e do BNDES, possam ser acessados pela
Economia Solidária. Urge a criação de um programa similar ao
PRONAF, com acesso diferenciado aos recursos, com taxas
escalonadas em função de características e porte dos
empreendimentos, com prazos alongados e com carências que
auxiliem na maturação do empreendimento. Nesse sentido, propõe-
se a criação do "PRONADES" - Programa Nacional de
Desenvolvimento de Economia Solidária. Sistema "agregador" das
várias possibilidades de finanças de economia solidária em todas as
políticas setoriais e econômicas. (I Conferência Nacional de
Economia Solidária, 2006)

Apesar de dirigir-se ao Estado e aos fundos públicos onde encontram


vultosos volumes financeiros, o objetivo destas ações, seria na perspectiva dos
movimentos reunidos no FBES, estimular o desenvolvimento local comunitário,
através de formas menos burocráticas e mais baratas de financiamento às
comunidades de baixa renda e associações, com o acompanhamento por entidades
de assistência técnica aos projetos. Isso teria como consequência, dentre outras,
viabilizar financeiramente as comunidades indígenas, negras, além dos grupos de
portadores de necessidades especiais que estão envolvidos em algum tipo de
empreendimento.

Apesar de propugnar, portanto, a constituição de uma política pública


dirigida ao fortalecimento dos empreendimentos de economia solidária, o movimento
não entende que diretamente o Estado deva ser o agente responsável pelas funções
de análise e concessão de de financiamento aos empreendimentos solidários. O
ideal, na perspectiva do movimento, está no fomento à criação de instituições de
finanças solidárias: cooperativas de crédito, instituições de microcrédito, iniciativas
de fundos solidários, bancos comunitários, que na nesta lógica, tornaria próxima e
acessível a relação entre a necessidade do movimento e a deliberação pela
concessão do crédito. Esta proximidade16 é tida como facilitadora das operações,
que rapidamente podem ser avaliadas, reduzindo a burocracia, a abstração e o
enrijecimento de critérios de análise de risco de crédito, segundo os modelos
exigidos pelo sistema bancário, dos grupos de baixa renda.

É neste sentido, de valorizar a proximidade e a construção de laços


organizativos e sociais comunitários, que inserem-se também as demandas por
estruturas de financiamento baseados nos Fundos Solidários, em que o governo
apoiaria de modo a gerar recursos rotativos disponíveis à comunidade. Os
documentos do FBES apostam neste instrumento para reforçar o caráter da gestão
democrática dos projetos comunitários, o que além de mobilizar a comunidade
poderia ter como consequência o fortalecimento da cidadania dos sujeitos coletivos,
grupos comunidades e trabalhadores associados.

“No âmbito da política de financiamento, poupança e crédito à


Economia Solidária, requer-se igualmente estruturar linhas
subsidiadas e não-reembolsáveis, em função do público envolvido ou
do perfil da atividade desenvolvida. Por exemplo, empreendimentos
constituídos por egressos do sistema penitenciário, portadores de
necessidades especiais ou outras minorias. Também linhas
específicas de crédito com condições apropriadas em função do
perfil da atividade. Assim, linhas de fomento às cooperativas e
empreendimentos autogestionários. aos empreendimentos que
impactem positivamente a preservação do meio ambiente.
empreendimentos com impacto na preservação ou difusão da
cultura, tais como os artesãos. Em todos os casos, importa que o
sistema opere com os mais flexíveis modelos de avaliação dos
projetos e a menor burocracia para o acesso ao financiamento,
considerando, por exemplo, o calendário agrícola na concessão de
crédito para a agricultura familiar. Esses financiamentos devem
contemplar principalmente os empreendimentos em fase de
implantação e maturação”. (I Conferência Nacional de Economia
Solidária, 2006).
16 A dualidade distância/proximidade é interessante no debate das finanças solidárias. A temática da
escassez do crédito para os empreendedores populares, com suas microempresas, ou mesmo
aqueles informais, ou ainda reunidos em empreendimentos de economia solidária pode ser
compreendida por meio da elaboração de Stiglitz e Weiss (1981). Segundo eles, a escassez do
crédito pode resultar da ausência de disponibilidades financeiras que permitam atender a toda a
gama de demandantes, de um lado, ou, numa segunda situação, nos casos em que se impõe a
“assimetria de informação” entre o fornecedor e o demandante do crédito. Ou seja, uma situação
em que o tomador de crédito conhece as características do negócio no qual pretende investir o
dinheiro emprestado e também conhece as probabilidades de êxito ou fracasso desse negócio,
enquanto o emprestador consegue observar ou não o retorno esperado do crédito. É neste
contexto que a proximidade equaciona o problema econômico do fornecimento do crédito,
permitindo ao emprestador condições de observação da dinâmica do negócio para qual o crédito
será ou não conferido. (Lhacer, 2003) A proximidade, entretanto, é pensada também com outras
abordagens. na ótica do fortalecimento do tecido de relações sociais, do fortalecimento do
desenvolvimento local, da democracia, etc. (Neyret, 2006; Laville, 2007).
2.2. Redes e Grupos de Estudo e Fomento

No movimento das finanças solidárias constituíram-se algumas redes de


estudo e de fomento à criação de organizações de financiamento da economia
solidária. No Brasil, temos a ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário, ligada à
CUT, e na Europa, temos a rede INAISE – Rede Internacional de Economia Social.

2.2.1. ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário

Há ainda aqueles que tem se dedicado ao fortalecimento do


cooperativismo de crédito, buscando resgatar na tradição do movimento
cooperativista dimensões da autogestão e a proximidade. Assim, tem sido a atuação
da ADS - Agência de Desenvolvimento Solidário. A ADS foi criada em dezembro de
1999, a partir de um intenso debate no realizado em grupos sindicais vinculados à
CUT sobre as novas configurações do mercado de trabalho e da organização
produtiva no Brasil. Naquela conjuntura, deliberou-se no interior da CUT sobre a
necessidade de atuar com vistas a constituir novos referenciais de geração de
trabalho e renda e de alternativas de desenvolvimento, tendo como princípios
fundamentais a economia solidária e o desenvolvimento sustentável.

A missão da ADS é promover a constituição, fortalecimento e articulação


de empreendimentos auto gestionários, buscando a geração de trabalho e renda,
através da organização econômica, social e política dos trabalhadores e inseridos
num processo de desenvolvimento sustentável e solidário.

Sua estratégia de ação consiste na formação de complexos cooperativos,


concentrações locais de empreendimentos econômicos solidários que atuam em
estreita cooperação entre si, segundo princípios da economia solidária e articulados
ao desenvolvimento local, que garantem a sua sustentabilidade, autonomia e
capacidade de inovação endógenas. Estes complexos cooperativos são compostos
por empreendimentos de produção, de serviços e de crédito, com políticas
integradas e coletivas de formação, de comercialização, de desenvolvimento
tecnológico e outras.

Para promoção e fortalecimento dos complexos cooperativos, são


implementadas políticas de crédito, comercialização, desenvolvimetno tecnológico e
autogestão. A ADS articula também a implementação de políticas públicas, com a
finalidade de criar ambientes institucionais mais favoráveis ao desenvolvimento da
economia solidária.

A ADS, a partir de sua ação de fomento e organização de


empreendimentos econômicos solidários, gestou duas novas centrais, responsáveis
pela organização política e representação dos empreendimentos: a UNISOL Brasil -
central de empreendimentos autogestionários e de cooperativas de produção e
serviço, que envolve hoje pouco mais de 170 cooperativas, e a Cooperativa Central
de Crédito e Economia Solidária – ECOSOL.

2.2.2. INAISE
INAISE é uma rede que envolve grupos de atores financeiros de toda a
Europa, especialmente, mas que já conta com membros associados também na
Ásia. Principalmente integram-no as organizações que se especializam na oferta de
serviços financeiros com vistas ao financiamento da economia social, mas também
da economia solidária. Habitualmente, são bancos sociais, que primam por um
conjunto de valores distintos do mercado bancário convencional, de forma que
procuram realizar sua atividade bancária tendo como horizonte o princípio de uma
economia que valorize a vida humana e o bem estar das pessoas, preocupando-se
com a saúde, a segurança e a promoção do desenvolvimento e da cultura. Ocupam-
se de apoiar o comércio justo e agem movidos pela convicção de que é necessário
dar transparência à utilização do dinheiro captado dos seus clientes.

Este tipo de organização, os bancos sociais, existem desde o final dos


anos 1960 na Europa, e possuía em 2005, ativos de 300 milhões de euros. O
INAISE propriamente não se caracteriza enquanto instituição de operação
financeira, mas é uma rede de debates, conhecimento e difusão dos conceitos das
práticas de financiamento da economia social e solidária. Fundado no início dos
anos 1990, o INAISE passou a participar de todas as edições do Fórum Social
Mundial, procurando agregar novos parceiros à rede. Os sócios asiáticos e
australianos que se incorporaram ao INAISE, aderiram à rede em função do Fórum
de 2005, em Porto Alegre.

Recentemente, o INAISE, com recursos de um grupo de bancos sociais


da França, Alemanha, Inglaterra, Holanda e Bélgica instalaram um Institute for Social
Banking, em parceria com algumas universidades, com o intuito de promover cursos
de graduação e pós-graduação em atividades bancária de orientação social. A sede
do Institute for Social Banking situa-se na Alemanha, e a concepção com que
trabalha baseia-se na idéia de que a finalidade do dinheiro não é obter a maior
lucratividade possível, mas atender às necessidades humanas, acabar com a
pobreza, estimular a inovação, o desenvolvimento de habilidades e assegurar o
futuro das pessoas.

2.3 redes e grupos de operadores financeiros

O campo das finanças solidárias se completa pela presença de um vasto


número de organizações, atuando diretamente como operadores financeiros junto às
populações empobrecidas ou aos grupos associados.

Quando emprego a expressão operadores financeiros, refiro-me a uma


diversificada gama de serviços financeiros que estas organizações tem fornecido
aos seus associados ou clientes: crédito para consumo, crédito individual ou grupal,
financiamento do microempreendimento, financiamento habitacional, antecipação de
compra de produção, contas correntes, poupança, seguros, remessas internacionais
para trabalhadores migrantes, garantia de crédito, etc. A depender de sua história,
de sua filosofia, da região em que está atua ou do país em que está instalado, estes
operadores realizam um ou mais desses serviços de operação financeira,
normalmente atendendo a populações de baixa renda.

Ocupam um espaço em que os bancos habitualmente não operam,


porque consideram elevados os custos relativos do atendimento dessa clientela,
preferindo concentrar-se em operações mais vultosas.

2.3.1 O Cooperativismo de Crédito


O movimento do cooperativismo de crédito é o que mais tradicionalmnte é
apresentado como expressão das finanças solidárias. Com efeito, o cooperativismo
de crédito deita raízes no século XIX, sendo seus fundadores os alemães Hermann
Schulze-Delitzsch e Francisco Wilhelm Raiffeisen, na década de 1850. O modelo
criado por Schulze-Delitzsch baseava-se no princípio do ingresso de recursos pelo
associado, e na garantia de responsabilidade ilimitada que o associado possuía pelo
destino da cooperativa17. Em 1859 já existiam 183 cooperativas similares e em 1865,
organizou-se o Banco Alemão de Cooperativas, com a maioria das ações do banco
sendo subscritas pelas cooperativas. Em 1912, mais de 1000 Bancos do Povo,
neste modelo, atuavam na Alemanha.

Além do modelo criado por Schulze-Delitzsch, também as cooperativas


iniciadas por Reiffeisen tiveram rápido desenvolvimento. A inspiração que eles
tiveram, seguiu-se à Itália e ao Canadá, principalmente, mas posteriormente o
modelo do cooperativismo difundiu-se por todo o mundo.

No Brasil, a primeira cooperativa de crédito data de 1902, tendo sido


fundada em Nova Petrópolis (RS) mas durante o regime militar, especialmente, a
legislação criada caracterizou-se por ser excessivamente restritiva, dificultando seu
crescimento. Atualmente, existem 1452 cooperativas de crédito registradas junto ao
Banco Central, com um capital de R$ 6,2 bilhões de reais (2006), e ativos de R$
30,2 bilhões de reais (2006). As cooperativas de crédito realizaram R$ 13,2 bilhões
em créditos em 2006, o equivalente a 1,8% do crédito disponível no mercado. É
importante observar que apenas 10 anos antes, as cooperativas de crédito haviam
concedido empréstimos totais de R$ 1 bilhão, com uma participação de 0,5% do
mercado de crédito nacional. Ou seja, a participação do cooperativismo de crédito
no mercado creditício expandiu-se 260% em 10 anos. Outro dado de elevada
relevância, é que, segundo a OCB – Organização das Cooperativas do Brasil, 56%
dos créditos realizam-se com valor menores ou iguais a R$ 3 mil reais. Além disso, é
também crescente a participação do cooperativismo no patrimônio líquido do
mercado financeiro nacional, que passou de 1,3% em 1996 para 3,2% em 2006.
Mas expansão ainda maior, obteve o índice de participação dos ativos das
cooperativas em relação aos ativos do Sistema Financeiro Nacional, que
incrementou-se 400% no período. A Tabela 3 facilita a visualização deste

17 Assim exprime-se Paul Singer (2002): “Os membros têm de depositar sua poupança na
cooperativa para constituir o seu capital de giro. Precisando de mais dinheiro para atender às
necessidades de capital dos membros, a cooperativa recorre ao mercado, a partir do princípio da
responsabilidade ilimitada, que Schulze-Delitzsche traduzia no velho lema “todos por um e um por
todos. Todos os empréstimos feitos pela cooperativa destinam-se a financiar investimento
produtivo. A Garantia dos empréstimos era basicamente o caráter dos membros que os recebiam.
Como todos penhoravam juntos seus bens, era de interesse de cada um admitir como sócios
pessoas sóbrias, de hábitos regulares e frugais. Pois se parte dos sócios não honrasse seus
débitos, os outros sócios tinham que pagar por eles, com seu dinheiro ou propriedades. Cada
empréstimo era endossado por dois membros e vencia em três meses. Um princípio básico da
cooperativa é que sua porta estava sempre aberta a pessoas de valor, necessitadas de
empréstimos, sem distinçãó de profissão ou classe. Cooperativas com estes princípios passaram
a ser conhecidas como “Bancos do Povo” (MOODY e FITE, 1971, p.4-6). Apud: SINGER, Paul.
Introdução à Economia Solidária, p. 66.
movimento.
Tabela 2: Evolução do Cooperativismo de Crédito no Brasil
1996 2006 Variação
Ativos (bilhões R$) 1,5 30,2 1.913,3%
% Ativos no SFN* 0,3% 1,5% 400,0%
PL** (bilhões R$) 0,6 6,2 933,3%
% do PL no SFN 1,3% 3,2% 146,1%
Crédito (bilhões RS) 1,0 12,1 1.110,0%
% do Crédito no SFN 0,5% 1,8% 260,0%
* Sistema Financeiro Nacional **Patrimônio Líquido
Fonte: OCB – Organização das Cooperativas do Brasil

Os dados apresentados, da OCB, agregam todo o cooperativismo no


país, porque consolida os números do Banco Central. Entretanto, nem todas as
cooperativas de crédito sentem-se representadas e identificadas com a OCB. Há
uma ramificação recente que insiste no resgate do cooperativismo enquanto
participação no movimento da economia solidária. Este é o caso, por exemplo, das
cooperativas do sistema Cresol18. Existem outros, mas no caso Cresol, os números
revelam o fortalecimento ainda mais acelerado desse ramo do cooperativismo. O
número de cooperativas envolvidas saiu de 5, em 1996, para 112 em 2006 e o de
associados saiu de 1,6 mil para 77,5 mil, no mesmo período. O patrimônio líquido
envolvido era de R$ 101 mil em 1996 e chegou a 76,5 milhões de reais em 2006.

Evidentemente, os números apresentados, quando referem-se a valores


monetários, precisariam ser deflacionados para assegurar mais clareza analítica,
mas permitem vislumbrar a acelerada curva de crescimento, uma vez que a taxa de
inflação no período manteve-se em patamar relativamente baixo.

2.3.2 As instituições operadoras do microcrédito


Dentre as redes de operadores financeiros, as organizações de
microcrédito têm obtido grande repercussão internacional para suas atividades. Para
todos os efeitos, é muito difícil caracterizar precisamente o que seja uma
organização de microcrédito. Em todo o mundo, habitualmente as organizações que
realizam a concessão do microcrédito também realizam outras atividades
financeiras, mais habitualmente a gestão da poupança da comunidade, razão pela

18 Os números apresentados constam de publicação institucional de março de 2007 do Sistema


Cresol, sem título.
qual muitas cooperativas consideram-se organizações de microcrédito. Neste caso,
estamos nos referindo àquelas instituições de microcrédito constituídas na forma de
organizações sem fins lucrativos. Há que se ressaltar, o que dificulta essa
classificação, que algumas ONGs fornecedoras de microcrédito, em várias regiões
do mundo, constituíram-se em bancos, em função da maior capacidade de ação
propiciada pelo modelo dos bancos. Então se poderia optar por distinguí-las das
cooperativas pelo fato de que o capital de que dispõe não gera benefícios
patrimoniais ou remuneratórios aos seus associados, mas no caso do Compartamos
no México, as instituições associadas acabaram obtendo beneficios com a
conversão da instituição em banco e depois com a abertura de capital no mercado
financeiro.

Para o CGAP - Consultative Group to Assist the Poor, instituições de


microcrédito são aquelas que se assim se definem em função da oferta de serviços
financeiros aos pobres. A caracterização do serviço financeiro fornecido aos pobres
é que distingue a instituição de microcrédito do banco convencional, e para ele,
tendo em vista o custo operacional relativamente elevado da atividade, o ideal é que
a organização de microcrédito evolua no sentido de operar como instituição de
microfinanças. Os bancos oriundos das ONGs dedicadas ao microcrédito e que se
mantiveram orientadas à prestação de serviços a este público são tratados pelo
CGAP como instituições de microfinanças.

Entretanto, há diversos setores que não aceitam considerar o


microcrédito como partícipe do movimento das finanças solidárias. Citando o
exemplo da ADIE – Associação pelo direito à iniciativa econômica, francesa, “que
financia microprojetos individuais de criação de empresas por desempregados”,
Genauto C. França Filho e Jean Louis Laville (2004), observam que a diversidade de
experiências é bastante heterogêneo e que que existe um “risco liberal” em muitas
delas. Esse “risco liberal” consistiria numa “certa vulnerabilidade no sentido de sua
apropriação sob a ótica de um discurso liberalizante do ponto de vista econômico”.
Ele prossegue dizendo que “a concentração da ajuda em empreendedores
individuais, como acontece em algumas experiências, pode conduzir a uma situação
em que antigos assalariados transformam-se em novos terceiros subcontratantes”.
Para França Filho e Laville,

“tendências deste tipo refletem uma evolução instrumental, afetando


a dinâmica das relações trabalhistas, que é acentuada pela moda do
microcrédito junto às grandes instituições financeiras internacionais
que defendem a multiplicação de microempresas independentes
como alternativa positiva às regras protetoras da relação
assalariada. A distinção, pois, da perspectiva da finança solidária em
relação à abordagem liberal se situa em dois pontos: nessas
experiências, de um lado, a seleção dos projetos a investir é fundado
sobre critérios de utilidade social; e, de outro, dá-se ênfase à
importância do acompanhamento do projeto após seu início” (França
Filho e Laville: 2004: 123).

O professor Paul Singer, em Introdução à Economia Solidária (2002),


inclui a experiência de Bangladesh, o Grameen Bank, entre as experiências da
economia solidária, inclusive como um resgate contemporâneo dos movimento das
cooperativas de crédito, mas quando se refere ao microcrédito no Brasil, o faz em
apenas uma frase, com uma manifestação contra qual muitos atores do microcrédito
já se manifestaram. Para ele, “nas experiências do microcrédito em nosso país, as
adaptações sacrificam a prioridade aos mais pobres e o caráter democrático e
emancipatório que são as marcas do Grameen”.

Já Luiz Inácio Gaiger (2004) tem uma abordagem mais otimista do papel
representado pelo microcrédito. Citando o Centro de Apoio aos Pequenos
Empreendimentos - CEAPE Ana Terra, Gaiger afirma ser esta organização a pioneira
no

“apoio solidário a pequenos empreendedores individuais, ao


introduzir práticas de confiança mútua na intermediação do crédito e
na formação gerencial. Seu serviço é visto como uma forma de
combate à pobreza, pela criação e fortalecimento de postos de
trabalho em estratos de baixa renda e, igualmente, por seus efeitos
indiretos, como a diminuição da evasão escolar, a valorização da
mulher e a promoção da cidadania. Sua clientela majoritária compõe-
se de empreendedores familiares, alijados do sistema financeiro
convencional por causa da precariedade dos seus negócios e da
falta de garantias reais. Uma modalidade de empréstimo, introduzida
no Brasil pelo CEAPE, é a Fiança Solidária: pessoas com pequenos
negócios associam-se em confiança e avalizam mutuamente os
créditos contraídos. O processo seleciona naturalmente os bons
pagadores e incrementa os laços pessoais e as práticas de mútua
ajuda. A oferta de créditos sucessivos tem por fim adicionar um
poderoso estímulo ao negócio e agregar um caráter educativo ao
aporte financeiro”19.

Além do CEAPE Ana Terra, Gaiger (2004) comenta também o papel da


Instituição Comunitária de Crédito Porto Alegre Solidariedade - Portosol, inaugurada
em 1996. Para ele, o que importa ressaltar é que a Portosol

“além dos avais convencionalmente praticados, aceita como garantia

19 GAIGER, Luiz Inácio. A economia solidária e o projeto de outra mundialização. Dados, 2004,
vol.47, no.4, p.809-10.
a formação de grupos solidários, cujos membros contraem
financiamentos de igual valor e se responsabilizam mutuamente
pelos débitos individuais. A marca distintiva do banco, a exemplo de
experiências internacionalmente consagradas, é a relação com a
clientela, personalizada no agente comunitário de crédito. Ao banco
incumbe aproximar-se do cliente, avaliar a solvabilidade do seu
negócio, calcular suas condições de pagamento e monitorar as
atividades financiadas, instituindo um relacionamento com base no
conhecimento pessoal e na transparência. Trunfo decisivo é a
aceitação de distintas modalidades de garantia para os empréstimos
contraídos: fiador ou avalista, reserva de domínio das aquisições ou
bens alienáveis, "avais solidários" e fórmulas mistas. São premissas
do trabalho valorizar a autonomia e a iniciativa própria dos
beneficiários, operar com eficiência e estabelecer vínculos
duradouros com a clientela”20.

Do nosso ponto de vista, trataremos as organizações atuantes no


microcrédito como partícipes do movimento das finanças solidárias, pelo seu caráter
cooperativista, com mais frequência internacionalmente, como também pela
dimensão de atenção prioritária às populações de baixa renda, no Brasil, bem como
pela metodologia de crédito, que utiliza-se com frequência de grupos solidários para
obter o crédito ou para o aval do crédito.

Evidentemente, não há situações ideais e práticas perfeitas. Mas, assim


também, as cooperativas autogestionárias, por exemplo, também não são. Que
hajam resistências e contradições no interior dos movimentos de economia solidária
é uma dimensão de realidade, que entretanto não invalida o caráter geral das
iniciativas.

O microcrédito e as microfinanças são práticas financeiras cujas origens


podem ser encontradas ainda na Idade Média. Sua forma contemporânea surgiu nos
anos 1970, sendo que há quase simultaneidade entre o projeto UNO organizado no
Brasil, em Recife, e o Grameen Bank, em Bangladesh, sob a liderança do
economista Muhammad Yunus. Desde este momento, o microcrédito, incluindo a
conversão de muitas dessas organizações em entidades microfinanceiras, passou
por extrardinária evolução quantitativa. Estima-se que hoje mais de 10 mil
organizações atuem com o microcrédito e as microfinanças no mundo e o número
de clientes já ultrapasse 100 milhões de pessoas. Com efeito, em 1997, realizou-se
uma grande conferência internacional denominada Microcredit Summit, e na época,
13,4 milhões de pessoas já eram clientes do microcrédito. Em Hallifax, no Canadá,
realizou-se o segundo Microcredit Summit, e esse número, 10 anos depois havia
crescido para 92,2 milhões de pessoas (Servet, 2006). Como se verifica, a taxa de

20 Id.Ibid., p.810.
expansão é fortíssima, mas ainda assim, estima-se que o público alvo seja
alcançado em apenas 1/7 do seu potencial, em termos mundiais.

Jean-Michel Servet (2006) procura explanar sobre uma possível


periodização do desenvolvimento das microfinanças, apontando três fases de seu
desenvolvimento, como se segue:

1a. Fase: entre 1975-1985, é o período da emergência das organizações


modernas de microfinanças, com a aparição das primeiras organizações.
Conseguiram elevadas taxas de pagamentos dos seus créditos. Seus
fundadores são hoje nomes emblemáticos no mundo das microfinanças,
tais como o prof. Yunus, do Grameen Bank;

2a. Fase: entre 1985-1995: um grande números de organizações das


mais conhecidas na atualidade foram fundadas neste período, tais como o
BRI na Indonésia, ou o BancoSol na Bolívia. Os números de beneficiários
passa a alcançar elevadas cifras, tais como milhões de pessoas na Ásia
ou centenas de milhares em outras regiões;

3a. Fase: entre 1995-2005: nesse período, verifica-se por um interesse


quase geral pelas microfinanças enquanto técnica financeira, bem como
por sua integração nos programas de desenvolvimento econômico e pela
proliferação de modelos, ao mesmo tempo em que se evidencia uma forte
tensão entre o objetivo de luta contra a pobreza e a autonomia financeira das
organizações. As instituições públicas e fornecedores de funding, pensando
em acelerar a conversão das instituições em organizações auto-sustentáveis
incitam a uma concentração das microfinanças. Há uma diversificação de
serviços e uma interrogação crescente sobre a capacidade das
microfinanças de realizar as suas promessas e sobre a eficiência relativa das
instituições nos contextos particulares nos quais elas intervém. (Servet,
2006: 13)

Uma das experiências pioneiras no microcrédito, em termos mundiais,


aconteceu no Brasil: trata-se da implantação do Projeto UNO21, em 1973, em

21 “A UNO, organização especializada em crédito e capacitação, apoiada pela Accion International,


iniciou a experiência pioneira de desenvolvimento de pequenos negócios, proporcionando
capacitação e financiamentos para atividades produtivas em Recife e em Salvador. As suas
iniciativas contribuíram para a elaboração de uma alternativa de apoio financeiro aos
empreendedores, mediante o desenvolvimento da metodologia do grupo solidário que a Acción
International desenvolveu, em parceria com organizações não governamentais (ONG) da América
Latina e do Caribe, sendo, posteriormente, disseminada a outros continentes”. In CORSINI, J.N.
Microcrédito e Inserção Social em Cidade Baianas: Estudo da Experiência do Centro de Apoio aos
Pernambuco. Posteriormente, nos anos 1980, surgiram as experiências dos Centros
de Apoio ao Pequeno Empreendedor – CEAPE22, cujas instituições, em sua maioria,
continuam presentes e ativas, em vários estados brasileiros; na década de 1990, a
partir de 1996, as experiências de constituição das Instituições Comunitárias de
Crédito, em que, com frequência observou-se a participação do poder público,
notadamente municipal, em associação com outras entidades, tais como sindicatos,
associações comerciais, bancos de fomento, etc. Também verificou-se, muitas
vezes, o surgimento de iniciativas em que o próprio poder público, diretamente,
através de programas governamentais, procurasse estimular o fornecimento de
crédito à população de baixa renda. A característica principal desse período é que
todas estas experiências concentravam sua atividade sobre as operações de crédito,
dirigidos, quase exclusivamente, ao financiamento do microempreendimento.

A segunda metade da década de 1990, marca o período em que o


microcrédito passa a expandir-se mais fortemente no Brasil. Alguns defendem que
haja correlação entre esta expansão e a estabilização econômica, obtida com a
implantação do Plano Real, a partir de 1994. Neste período, os governos passam a
atuar no sentido de favorecer o desenvolvimento de políticas locais, e há diversos
casos de municípios em que, por esta razão, são criadas instituições comunitárias
de crédito (ICCs), com o intuito de fornecer microcrédito. Podemos citar Porto Alegre
e Blumenau entre as primeiras, sendo que o modelo de Porto Alegre (Portosol) foi
reproduzido em diversas localidades, com adaptações. Também o governo federal,
diretamente ou através de bancos sob seu controle, como o BNB – Banco do
Nordeste do Brasil, que implantou o programa Crediamigo23 ou o BNDES, passam a
intervir nesse segmento, buscando estimular o desenvolvimento do microcrédito
tanto pelo fornecimento do crédito ao microempreender, quanto pelo apoio direto às
organizações operadoras, através da ajuda para seu desenvolvimento institucional
(treinamento de pessoal, desenvolvimento de software, aquisições de equipamentos,
etc.), do fornecimento de recursos de funding para constituição de carteiras ou pela
adequação do marco jurídico.

Neste sentido, muitas organizações passaram a atuar com a cobertura da

Pequenos Empreendimentos da Bahia – CEAPE/BAHIA Salvador, 2007. Dissertação de Mestrado.


22 CORSINI, 2007.
23 O Crediamigo é o maior programa de microcrédito produtivo orientado em funcionamento no
Brasil. Recente pesquisa de autoria de Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, indica que
desde 1998 o Crediamigo já efetuou mais de 3,3 milhões de operações, tendo desembolsado R$
2,8 bilhões. Presente em 1420 municípios, o Crediamigo possuía, em março de 2007, 244 mil
clientes ativos e uma carteira de microcréditos de 166 milhões de reais.
legislação, no caso das organizações sem fins lucrativos, desde que adaptadas à Lei
federal 9.790, de 1999, obtendo junto ao Ministério da Justiça, a qualificação de
OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Mas, além disso,
foram constituídas também as SCM – Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor, por meio da Lei federal 10.194, de 2001, com a perspectiva de
atender a investidores privados interessados em financiar atividades produtivas dos
empreendedores de baixa renda.

Em 2001, uma rede de cinquenta organizações da sociedade civil, mas


também alguns programas de microcrédito conduzidos diretamente por
administrações municipais, como em Recife ou em Belém, fundam a ABCRED24 -
Associação Brasileira de Gestores e Operadores de Associação Brasileira dos
Dirigentes de Entidades Gestoras e Operadoras de Microcrédito, Crédito Popular
Solidário e Entidades Similares - que passa a propor a organização de um Sistema
Nacional de Financiamento da Economia Popular, apresentada aos candidatos a
presidente nas eleições de 2002.

Gradativamente, o Brasil vê a ampliação dos serviços financeiros à


população de baixa renda, inclusive pelo sistema financeiro, aproveitando-se
inclusive de facilidades advindas das tecnologias de informação. É o caso, por
exemplo, da multiplicação das redes de correspondentes bancários, dispondo
crescentemente de novos produtos disponíveis a oferecer para seus clientes.

A partir de 2003, dentro de uma perspectiva política, implementada pelo


novo governo, sob a liderança da Lula, decidida a viabilizar a expansão do crédito,
com vistas à ampliação da atividade econômica, algumas inovações na legislação e
nas normas infra-legais são postas em andamento, para assegurar fontes adicionais
para o financiamento das operações de microcrédito; para incentivar o ingresso de
novos contingentes de pessoas ao sistema bancário; para incentivar a operação de
microcrédito pelos agentes do sistema financeiro, públicos ou privados; e para
estimular a expansão do cooperativismo de crédito e o ingresso das cooperativas de

24 A ABCRED tem como objetivos: a) promover o desenvolvimento econômico social sustentável e


combater a pobreza e a exclusão; b) estimular a criação, crescimento e consolidação da prática e
gestão de microcrédito visando o desenvolvimento local e regional sustentável; c) estimular os
dirigentes de instituições gestoras e operadoras de microcrédito, crédito popular e solidário e
entidades similares por meio de debates, seminários e cursos a aprimorarem seus objetivos e
encaminharem a solução das questões que dificultam o atendimento aos micro empreendedores,
no enfrentamento da exclusão social, na geração de emprego trabalho e renda; d) buscar fontes
alternativas de recursos financeiros para fomentar as entidades praticantes de microcrédito em
todo território nacional; entre outros. Informações extraídas da página eletrônica da ABCRED,
http://www.abcred.org.br.
crédito no rol das organizações operadoras de microcrédito.

Todas estas mudanças produziram, por consequência, o aumento da


diversidade dos modelos jurídicos e das metodologias com que as populações de
baixa renda são alcançadas pelos programas de microcrédito.

Fundamentalmente, passou-se a designar de modo diverso o microcrédito


chamado “de uso livre”, que pode ou não financiar atividades ou empreendimentos
econômicos, e o “microcrédito produtivo orientado”, que compreende a modalidade
mais tradicionalmente praticada no país, até aquele momento, que consiste
fundamentalmente em apoio ao desenvolvimento de microempreendimentos
econômicos, tendo além disso, como característica essencial, a intervenção da
figura do agente de crédito, responsável pelas visitas in loco aos empreendedores, a
avaliação do perfil sócio-econômico do empreendimento e do empreendedor
popular, a análise do crédito solicitado, sua concessão, quando aprovada e seu
acompanhamento posterior. Tais características e as especificidades deste tipo
atuação, além de sua tradição na prática de dezenas de organizações atuantes no
país, levaram o governo federal a propor ao Congresso Nacional nova legislação,
por meio de Medida Provisória (MP 226/2004), instituindo o PNMPO – Programa
Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado. A aprovação da Lei federal 11.110
pelo Congresso Nacional, em abril, coincidiu com o Ano Internacional do
Microcrédito, em 2005.

Alguns dados ainda a serem consolidados indicam que, apenas em 2007,


no Brasil, as operações de microcrédito já alcançaram um volume total superior a R$
1 bilhão de reais, excluídos os movimentos realizados por alguns bancos estaduais
como o Banco do Estado de Sergipe, o Banco do Estado do Espírito Santo, a Nossa
Caixa (SP), ou alguns governos como o do Estado do Paraná, dentre outros.

Observa-se que, apesar da legislação já construída, há ainda grande


dispersão das informações, a falta de coordenação das ações de microcrédito e
microfinanças e enormes dificuldades para que as organizações de microcrédito
possam obter canais efetivos de acesso aos recursos em tese disponíveis para o
microcrédito. Durante o segundo semestre de 2007, um convênio entre o Ministério
do Trabalho e Emprego, BNDES e BID possibilitou que se realizassem 10 oficinas
para identificar possíveis dificuldades à expansão do microcrédito pelo Brasil.
Participaram destas atividades, 375 pessoas, de mais de 100 organizações de
microcrédito brasileiras.
Dentre diversas medidas reclamadas pelas instituições operadoras, são
elencadas a constituição de um Conselho Nacional de Microfinanças, que integre as
representações das instituições de microcrédito, a saber, a Abcred, a ABSCM –
Associação Brasileira das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, a Ancosol
– Associação Nacional das Cooperativas de Crédito Solidárias, os Ministérios do
Trabalho e Emprego, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o
Ministério do Desenvolvimento Social, o Banco Central, BNDES, Caixa, Banco do
Brasil e Banco Popular do Brasil, o Banco do Nordeste do Brasil e o Banco da
Amazônia, bem como os governos estaduais, os bancos estaduais e as agências
estaduais de fomento. O Conselho teria como papel formular a política em suas
diretrizes gerais e estratégicos, mas também em sua operacionalidade, coordenando
os esforços para uma mais rápida disseminação do microcrédito produtivo orientado
no país.

As pesquisas recentes, além de estudar a saúde financeira das


organizações de microcrédito, começam a ocupar-se de conhecer os impactos
produzidos no fortalecimento ou crescimento dos pequenos empreendimentos e os
resultados gerados sobre a renda dos microempreendedores e de suas famílias, a
partir do acesso ao microcrédito. Mário Monzoni (2006) estudando o programa São
Paulo Confia, examina a evolução de um grupo de 175 microempreendedores, na
Favela Heliópolis, e conclui por incrementos sobre a renda dessas famílias da ordem
de 40% superiores àqueles microempreendedores que não tiveram acesso ao
microcrédito na mesma comunidade. Marcelo Neri (2008) estudando o Crediamigo
também obtém resultados muito próximos a este, com um incremente de renda
pelos clientes de microcrédito, de 37%, em média.

Voltaremos a tratar da questão do microcrédito mais adiante.


.

2.3.3 Fundos de Investimento em microempreendimentos ou em


empreendimentos de “desenvolvimento sustentável”
Existem ainda organizações que atuam como fundos de capital de risco
que dedicam-se a capitalizar empreendimentos e empresas que possam comprovar
padrões produtivos ambientalmente e socialmente “responsáveis”25. Na França, por
exemplo, existe uma importante base instalada, com mais de 200 organizações

25 Já há um movimento nesta direção, especialmente relativamente à temática ambiental, inclusive


junto aos bancos convencionais.
deste perfil criadas desde 1983, denominadas de CIGALES26 - Clubes de
Investimento para uma Gestão Local de Poupança Solidária.

“Constituídos por aproximadamente umas dez pessoas físicas, cada


um desses clubes de investimento aporta entre 4500 e 6000 euros
anualmente em empresas que tenham forma de sociedade de
responsabilidade limitada, de pequena sociedade anônima ou de
cooperativa. Mais de duzentos CIGALES foram criados depois de
1983; oitenta delas atuam em áreas extremamente diversificadas,
que incluem atividades ecológicas, culturais, sociais, etc. Estes
clubes dão o exemplo de mobilização de poupança de proximidade”
(Servet, 2006: 257)

Deste modo, os CIGALES possibilitam às pessoas atuarem de modo a


atuarem como cidadãos ativos sobre os territórios onde vivem, numa nítida
perspectiva de desenvolvimento local.

2.3.4. Investidores em Bolsas


Além das diversas formas de movimentos e organizações que já
apresentamos que atuam objetivando superar o padrão desigual do sistema
financeiro internacional, há tambe´m alguns grupos que optaram por atuar runo às
finanças solidárias por meio dos investimentos que realizam em bolsas de valores.
Neste caso, são grupos que procedem a seleção de ações de empresas que
atendam, em suas práticas de mercado, a exigências estabelecidas pelo grupo em
função de critérios de sustentabilidade ambiental, combate à pobreza, ao trabalho e
à exploração sexual de crianças, obediência à legislações trabalhistas, etc. Tais
organizações podem ser encontradas na Europa ou nos Estados Unidos.

2.3.5. Financiamento do Comércio Justo


Outro campo em que a intervenção das organizações de finanças
solidárias pode ser observada com frequência é aquele do comércio justo (fair
trade). Neste caso, há inclusive, de modo bastante recorrente, laços de cooperação
internacional. Os operadores financeiros das finanças solidárias, habitualmente
cooperativas de crédito, sustentam as redes de lojas de comércio justo em suas
aquisições de produtos antecipando os valores para a produção dos produtos
adquiridos. Os produtores recebem o pagamento, ainda que parcial, e após a
produção e entrega dos produtos, recebe o restante do recurso. Isto permite ao
pequeno produtor o acesso a capital de giro em condições facilitadas. Deste modo,
constitui-se uma cadeia que envolve produção, financiamento e consumo, com o

26 Clubs d'investissement pour une gestion alternative et locale de l'épargne solidaire.


intuito de elevar a remuneração do pequeno produtor e assegurar produtos sob
determinadas especificações para as redes de consumo consciente.

2.3.6 Emissores de Moedas Sociais


Existem ainda organizações que têm atuado na difusão das moedas
sociais. São organizações que buscam fortalecer laços comunitários por meio da
emissão de moedas locais, que estimulam a interação entre as pessoas da
comunidade. Além de funcionar como meio transacional, a moeda social permite a
expansão do microcrédito na comunidade. Entre os defensores da proposta de
emissão de moeda social nas comunidades, estão aqueles que entendem que com
esta prática, além de tudo, a comunidade retém riqueza internamente, evitando a
“fuga de capitais”27

São diversos os casos em que a moeda social apresenta-se lastreada na


moeda oficial do país, mas há outros em que ela apresenta-se sustentada por
relações consensuadas na comunidade, tais como horas de trabalho, ou outras.

No Brasil, as experiências mais representativas da utilização da moeda


social acontecem nos casos do Banco Palmas, que se auto-entitula de “banco
comunitário”, em Fortaleza, no Ceará, e na organização Instrodi, atuante no Rio
Grande do Sul. Ambos os exemplos, tanto do Banco Palmas, quanto o Instrodi,
propiciaram a constituição de redes de comunidades que tem gerado suas próprias
moedas sociais. Este fenômeno, ainda que pouco representativo do ponto de vista
macroeconômico tem chamado a atenção do Banco Central do Brasil, que têm
procurado acompanhar o desenvolvimento destes movimentos com estudos e
pesquisas, com enquanto. No caso do Banco Palmas, há parceiros governamentais
que tem apoiado a formação dessa rede, especialmente a Secretaria Nacional de
Economia Solidária.

2.3.7 Bancos Éticos e Alternativos

Por fim, encerraremos nos exposição sobre a diversidade das formas que
o movimento das finanças solidárias assumiu com a apresentação de uma forma
bastante elaborada de organização do movimento, que consiste na articulação dos

27 “...É comum nos pequenos municípios que seus moradores efetuem compras em localidades
maiores, transferindo a renda para outros pólos. Com o deslocamento, a economia local acaba
tendo seu desenvolvimento travado pela fuga de capitais.” Extraído do boletim eletrônico
Vermelho: http://www.vermelho.org.br/diario/2005/1107/1107_santana-moeda.asp. Acesso em
26/02/2008.
Bancos Éticos e Alternativos ou Bancos Solidários.

Em 2001, foi constituída uma federação, denominada FEBEA –


Federação Européia de Bancos Éticos e Alternativos, que além de outros temas, tem
discutido a constituição de um Banco Central Alternativo Europeu e está engajada
na organização de um sistema internacional de finanças éticas e solidárias.

É composta por um conjunto de 16 organizações financeiras, constituídos


na forma de bancos, cooperativas ou associações, distribuídas por diversos países
europeus, a saber: Itália, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Polônia, Inglaterra e
Suíça. O alcance geográfico da FEBEA, porém, alastra-se por inúmeros outros
países por meio das operações de financiamento ou de relações de parcerias com
organizações latino-americanas, africanas ou asiáticas, em especial dedicadas ao
microcrédito.

A sede da FEBEA situa-se na cidade de Pádova, no norte da Itália, em


razão da presença naquela cidade de um grupo de organizações que merecem um
olhar muito atencioso, em função de, por vezes, terem caráter paradigmático no
interior deste movimento. Tratam-se da Banca Ética, um banco cooperativo
constituído também em 2001, mas preparado nos anos anteriores por importante
mobilização das entidades e organizações italianas, e do Consórcio Etimos, uma
espécie de cooperativa internacional, formado por organizações italianas e
estrangeiras de diversos tipos e origens, tais como cooperativas de crédito, de
produção, redes de comércio justo, organizações religiosas, etc.

Tanto o Consórcio Etimos quanto a Banca Ética integram essencialmente


uma mesma articulação, que inclui ainda a Etica SGR, dedicada a investimentos na
Bolsa de Valores, e uma fundação cultural.

Como dissemos acima, a Banca Ética e o Consórcio Etimos, a nosso ver


constituem-se em paradigmas no interior do movimento das finanças éticas e
solidárias dada a trajetória de suas constituições, ao perfil de sua atuação e ao
ideário expresso em seus documentos. Sua origem está ancorada em uma tradição
que vinha do início dos anos 80, de um grupo de sociedades denominadas MAGs
(Mutuo Autogestione). A primeira MAG surgiu em Verona, em 1978, seguida de
outras em Milão, Pádova, Udine, Piemonte, Emília Romana, Gênova e Veneza. Uma
surgiu em 1978, uma em 1980, duas em 1983, uma em 1985 e outras três em 1986.
Em 1989, constituido um Consórcio, denominado CTM-MAG, Consorzio Terzo
Mondo – MAG. Segundo Laura Calegaro, as MAGs podem ter seus valores
sintetizados em quatro principais conjuntos: a) controle e uso responsavel dos
ganhos, rendimentos e salários; b) sustentação de iniciativas de solidariedade social
com recursos “limpos”; c) o desenvolvimento de um circuito de coleta de poupança
alternativa aos tradicionais; d) renúncia a rendimentos e juros supérfluos (Calegaro,
2007: 13) Em função de mudanças na legislação bancária italiana, a partir de 1991,
as MAGs vêem-se diante da imposição de passar por mudanças estruturais e
estratégicas, sob pena de ficarem impedidas de prosseguir atuando.

Em função disso, iniciam processos de fusões, de reestruturações e, de


maneira associada, lançam em 1994 um movimento com o intuito de criar um banco,
que em função de sua trajetória deveria ser um “banco ético”. Em 1998, o montante
de recursos necessários para a capitalização da instituição já fora obtido, sendo
seguido pelo pedido de formalização junto ao Banco Central italiano, cuja aprovação
veio em 1999, com a instalação do banco ocorrendo em 2001.

É muito interessante observar que tais organizações reivindicam-se


participantes de um movimento de mudança social, baseado no exercício ativo da
cidadania. Não admitem ser considerados meramente como operadores financeiros.
Assim, por exemplo, na fundação da Banca Etica italiana em Bologna, no dia 24 de
março de 2001, mais do que uma Ata de Constituição, publica-se um “Manifesto”28.
Diz o Manifesto:

“Banca Etica nasce no âmbito de um movimento que se reconhece


na promoção da economia civil e solidária. As numerosas iniciativas
e experiências que foram desenvolvidas neste contexto representam
os muitos modos através dos quais os cidadãos organizados em
grupos, associações, cooperativas, se têm mobilizado para a
realização do bem comum. Banca Etica insere-se nesta iniciativa
portadora de sentido de que nossa sociedade precisa para recuperar
identidade civil e a esperança no futuro” (Zerbetto, 2003: 51)

A opção de posicionamento do Banco enquanto partícipe de um processo


de lutas também se evidência no trecho a seguir, que aponta além disso a
consciência de que atuar com finanças solidárias implica ocupar um lugar central
nas práxis das lutas sociais contemporâneas. No texto, o Manifesto afirma que
constituir finanças éticas e solidárias resulta não de opções meramente ideológicas,
que se pretende enquanto reforço para a organização de experimentações e lutas
que possam representar acumúlos políticos nos processos de transformação social.

“(...)não doutrina ou ideologia, mas projetos em torno dos quais as


28 ZERBETTO, Claudio. Banchieri Ambulanti: presente e futuro nella finanza etica e nel microcredito.
p. 51.
pessoas possam agregar-se e trabalhar para responder aos grandes
desafios com quais a humanidade atualmente se defronta: a luta
contra a exclusão, contra a pobreza e a degeneração social, o
desemprego, o cuidado com o meio ambiente, as relações Norte-Sul,
uma mais justa distribuição das riquezas e recursos do planeta. Tudo
se tem feito tendo em conta que a remoção das desigualdades não
pode prescindir, evidentemente, da diversidade, no direito e na
situação da fato, das mulheres na relação com os homens. Os
valores desta economia solidária repousam sobretudo sobre um
conceito de cidadania ativa e responsável em processo de
crescimento humano e econômico da sociedade. Banca Etica,
especificamente, propõe-se como um instrumento de participação
responsável dos cidadãos num dos setores mais complexos e, ao
mesmo tempo, decisivo na organização da sociedade mundial: a
finança”

O texto do Manifesto vai prosseguir apontando a dimensão planetária que


o sistema financeiro alcançou e como esse fenômeno tem produzindo importantes
condicionamentos às politicas de inúmeros países. Sempre na perspectiva de
compreender-se enquanto parte do movimento de transformação, o Manifesto
assume o lugar dos detentores, proprietários dos recursos de poupança, que é a
matéria prima do mercado financeiro e que, segundo o texto é quem efetivamente dá
poder aos seus gestores. Ao adotar esta compreensão, o Manifesto passa a
explicitar o direcionamentos e o objetivos que o movimento de finanças solidárias
pretende dar ao uso dos recursos financeiros:

“Finanças não como instrumento de padronização, de


despersonalização e de desagregação, mas como valorização das
identidades, das diferenças, das relações interpessoais, da interação
solidária entre as pessoas, empresas e instituições que animam a
vida no território, finanças enquanto parte do desenvolvimento local.
Na definição de suas estratégias, Banca Etica considera fundamental
a presença ativa e responsável de sua base social” (Sconzo, p.117).

Coerentemente com estes objetivos, o Manifesto prossegue, apontando


cinco linhas de atuação prioritárias: cooperação Norte-Sul; a questão social; o meio
ambiente; o sistema financeiro; a paz e a não-violência.

Sobre a cooperação Norte-Sul, o Manifesto afirma que o movimento das


“finanças éticas” deve se perguntar sobre que tipo de iniciativas financeiras podem
ser desencadeadas de modo a efetivamente contribuir ao “auto-desenvolvimento”
das organizações dos países do Sul. O Manifesto posiciona-se em tensão com
ações que possam ser caracterizadas como tutoras do desenvolvimento dos países
empobrecidos.

“Elemento fundante (...) é a convicção de que a emancipação da


miséria e da pobreza da população mais pobre não pode depender
de programa de ajuda ou subvenções proveniente dos países mais
ricos – habitualmente mal dimensionados, geradores de
dependência e elaborado para atender objetivos políticos
estratégicos – mas deve fundar-se no avivar da atividade de auto-
desenvolvimento, que sabe-se, poe em andamento, mesmo no
campo econômico, círculos virtuosos sobre quais todos possam
produzir renda, obtendo acesso aos bens e aos serviços essenciais.
O objetivo é aquele de criar condições para a pessoa participar de
modo ativo e responsável do processo de crescimento social,
econômico e político da comunidade.” (Sconzo, p. 118)

Neste ponto, o Manifesto afirma a relevância de se criarem condições de


acesso a crédito pelos grupos socialmente mais empobrecidos, destacando que
deve ser uma modalidade de oferta de crédito cuja destinação possa ser a ativação
de iniciativas econômicas, mesmo que simples. Com esta perspectiva, o
microcrédito, na lógica dos movimentos de finanças éticas e solidárias, insere-se
enquanto ferramenta emancipatória, geradora de autonomia, e posiciona-se
politicamente orientando-se na direção de mudanças efetivas na lógica do
desenvolvimento do sistema mundial.

Esta discussão possui enorme atualidade, uma vez que as ações de


microcrédito tem sido objeto de impulso por múltiplos atores diferentes, com
perspectivas e objetivos sociais radicalmente distintos. De um lado, tem se
posicionado aqueles que consideram o microcrédito como um meio de correção de
distorções de mercado, especificamente aquelas geradas pela assimetria de
informações, razão pela qual, segundo eles, os serviços financeiros não far-se-iam
disponíveis às populações de baixa renda em escala apropriada pelos sistemas
financeiros de cada país. Nesta perspectiva, o microcrédito, de modo particular, e as
microfinanças, de modo mais amplo, ambos caracterizados pela oferta de produtos e
serviços financeiros de baixo volume, corrigiriam deficiências dos provedores de
serviços e da legislação, sem entretanto incidir estruturalmente nas relações sociais.
De outro lado, o movimento das finanças éticas e solidárias, consideram o
microcrédito e as microfinanças como partes dos processos de transformação do
status quo em escala global.

A “Declaração de Cusco” elaborada na ex-capital do império inca, no


Peru, em 2005, durante o evento denominado Compartimos, promovido pelo
Consórcio Etimos, com seus associados europeus, latino-americanos, asiáticos e
africanos, afirma:

“Convencidos que o microcrédito, se bem é um instrumento para


alcançar o desenvolvimento, requer que as entidades de
microfinanças sejam suficientemente criativas e capazes de
impulsionar simultaneamente um serviço financeiro e de
emancipação dos atores econômicos populares que modifiquem seu
status quo. É uma estratégia de empoderamento que começa pela
sustentabilidade no tempo das organizações de microcrédito e
requer que estas sejam capazes de construir redes e alianças para
outorgar um serviço integral, que considere o microcrédito, a
capacitação, a interaprendizagem, assistência técnica e a formação
para a intervenção política” (Etimos, 2005)

A Declaração opõe-se, coerentemente, à concepção do microcrédito


como uma oportunidade de negócios – de obtenção de ganhos em função do
enorme números de pessoas alcançáveis pelos serviços financeiros dedicados à
população de baixa renda. E, categoricamente, acusa:

“Afirmamos que o aprofundamento da lógica mercantil representa


uma ameaça ao desenvolvimento dos povos e à sustentabilidade do
meio ambiente. Nesta lógica, o que se anuncia é o incremento das
desigualdades entre as pessoas, das relações de poder
inequitativas, da exclusão da maioria das pessoas das instâncias de
tomada de decisão e do desrespeito à diversidade das culturas”
(Etimos, 2005).

As diferente opiniões sobre o papel do microcrédito e sua utilização tem


se evidenciado cada vez mais com maior nitidez. Torna-se cada vez mais presente a
atuação de atores diversos no sentido de que o próprio sistema financeiro
tradicional, utilizando-se de possibilidades advindas da utilização de novas
tecnologias informacionais, possa atuar no segmento das microfinanças. Nesta
perspectiva, poder-se-iam conduzir políticas de “bancarização” dos pobres,
provendo-lhes serviços e incorporando-os na base de clientes das instituições
financeiras, diretamente ou através da mediação de agências especialmente
constituídas para este fim.

No Brasil, tal postura pode ser verificada na legislação aprovada em 2003,


criando uma modalidade específica de conta corrente “simplificada”, caracterizada
pelo baixo volume de movimentação mensal, pela ausência da exigência de
endereço do correntista, para qual dispõe-se da autorização da concessão de
pequenos créditos. Pouco utilizada pelos bancos privados, por orientação
governamental, foi objeto de forte ação dos bancos públicos, alcançando a casa de
mais de 5 milhões de contas em poucos anos. Nesta mesma linha, o Banco do
Brasil destinou R$ 100 milhões para fundar um outro banco, o Banco Popular do
Brasil, exclusivamente orientado a este público, com estratégia operacional
fundamentalmente assentada na utilização da tecnologia e nas contas simplificadas.
O Banco Central do Brasil tem atuado insistentemente no sentido de estimular o
crescimento desta linha de atuação pelo sistema bancário como um todo,
promovendo regularmente seminários a respeito. Há ainda o caso do Banco Real,
de propriedade do ABN-AMRO, que criou uma empresa específica, Real
Microcrédito29, para atuar no segmento.

Em nível internacional, são dois os movimentos: de um lado, a expansão


das organizações atuantes com microcrédito viabilizaram o surgimento de
instituições bancárias, numa perspectiva de “baixo para cima”; de outro lado, “de
cima para baixo”, bancos tem criado suas instâncias de atuação em microfinanças.
Mas há ainda outro fenômeno, muito novo. Um banco, Compartamos, do México,
nascido “de baixo para cima”, que abriu seu capital em bolsa de valores, num
lançamento público de ações no mercado, sendo objeto de capitalização por
investidores de modo geral. Tal fato, ocorrido em 20 de abril de 2007, opôs entre si
líderes importantes do segmento do microcrédito e das microfinanças.

Questionado a respeito, Mohammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz, em


função da criação e condução do Graemeen Bank, declarou:

“O microcrédito deveria ajudar os pobres a sair da pobreza


protegendo-os dos agiotas e não criando outros novos. (...) Alguns
estão dizendo que a oferta pública de ações dá um impulso
significativo à “credibilidade” do microcrédito nos mercados globais.
Porém, esse é meu temor, porque é um tipo equivocado de
“credibilidade”. Está conduzindo o microcrédito na direção da
agiotagem. A única justificativa para ganhos tremendos seria deixar
os poupadores desfrutá-los, não investidores externos. O modelo
ideal seria um segundo que pusesse a maior parte da propriedade
da IMF nas mãos de seus clientes. Os clientes do Grameen Bank
são donos de 94% de suas ações”30

Voltando ao Manifesto da Banca Ética, no tópico que trata da questão


social, explicita um conjunto de pressupostos interessantes de se observar. Diz o
texto:

“Banca Ética faz própria uma visão da sociedade, compartilhada com


o Terceiro Setor, que parte do pressuposto de que se deva
reconhecer a dignidade substancial a todas as pessoas a componha,
29 O Banco Real está operando o microcrédito por meio de uma estrutura muito parecida com aquela
adotada pelo Banco do Nordeste do Brasil, com o programa Crediamigo. A carteira de créditos é
do banco, mas a seleção e o acompanhamento dos agentes de crédito é realizada pela Real
Microcrédito, que atua deste modo como uma agência para a gestão da mão de obra dedicada ao
atendimento do microcrédito. Informações do Banco Real informamestar atendendo 37 mil clientes
no Brasil.
30 Texto extraído do Boletim Eletrônico “Noticias Electrónicas de la Cumbre de Microcrédito”,
distribuído por correio eletrônico por responsabilidade do “Microcredit Summit Secretariat”. 18 de
julho de 2007.
garantir e estimular a interdependência, a corresponsabilidade, a
solidariedade, contemplando ao mesmo tempo o direito dever de
dedicar atenção especial às pessoas em condições menos
avantajadas. (...) Esta visão social afirma que a pessoa humana vale
de per si, não só pela inteligência de que seja dotada, nem pelos
bens econômicos que possua ou por sua produtividade. Afirma, por
meio de sua própria ação, que as estruturas estão em função do
homem e não o homem em função das estruturas. Além disso,
testemunha que qualquer forma de ajuda, ainda que econômica, de
fato, é autêntica se é libertadora ou promocional, se restitui à pessoa
seus direitos e se a acompanha até sua autonomia” (Sconzo, 119-
120).

No que tange à questão ambiental, o Manifesto defende o cuidado com o


meio ambiente, mas além de atuar em favor da difusão de uma consciência
ambiental, o faz pela promoção de processos produtivos e de consumo que não
tragam prejuízos ambientais. O conceito de fundo é financiar exclusivamente
iniciativas econômicas que sejam ecologicamente sustentáveis, superando a
dicotomia entre produção econômica e proteção ambiental. Ao invés disso, finanças
éticas são aquelas que harmonizam os objetivos econômicos com o cuidado ao
patrimônio ambiental31.

Acerca do Sistema Financeiro, diz o Manifesto que o objetivo consiste em


“transferir riqueza” de quem poupa a quem necessita efetuar investimentos.
Acusando o mercado financeiro, tal como configurou-se recentemente, de ter fugido
do controle das autoridades nacionais ou internacionais, de ter se convertido
essencialmente em especulação, afirma que as finanças éticas são aquelas que
financiam a economia “real”, propondo-se a modificar o comportamento “financista”,
em favor de um sentido mais social, na ótica do desenvolvimento humano e
ambiental. A evolução das finanças éticas implicaria, na perspectiva do Manifesto da
Banca Etica, na exigência da transparência das operações financeiras do sistema
bancário, explicitando as responsabilidades sociais e ecológicas dos investidores e
dos investimentos32.

É de extrema relevância apontar então algumas características do modelo


operacional da Banca Etica. Em primeiro lugar, o conceito de transparência com que
atua a organização implica um elevado sentido participativo. O banco estrutura-se
por meio de uma rede de unidades regionais e cada unidade regional tem além das
atribuições típicas da instituição bancária o papel de articulador e fomentador de
31 Sconzo, 2003: 120.
32 A Banca Etica inclui os elementos da análise sócio-ambiental na sua matriz de análise de crédito.
Para o banco, a avaliação econômica e financeira do empreendimento deve ser acompanhada
pela avaliação sócio-ambiental, de modo que a decisão sobre a concessão de financiamento
subordine-se simultaneamente às duas lógicas.
uma consciência de “finanças éticas”. Para tanto, as pessoas são motivadas
regularmente à frequência a eventos, cursos, palestras, que versem sobre temáticas
relativas à ordem econômica ou às ações de superação da pobreza, exclusão e
desigualdades. Além disso, por meio das unidades regionais, os clientes podem
participar dos processos da assembléia anual do banco, por meio de qual definem-
se os critérios para destinação das disponibilidades de investimento. Finalmente, o
conceito de transparência implica na publicação dos indicadores financeiros da
organização mas muito mais do que isso, na explicitação de todas as operações de
crédito, cliente por cliente, incluindo a informação da modalidade de crédito utilizada,
os valores financiados bem como o destino do crédito.

Finalmente, a Banca Etica trata da temática da Paz e da Não-Violência,


afirmando reconhecer que os conflitos tem raízes complexas, mas comumente com
enorme influência do dinheiro. Assim, para o Manifesto, para a existência de
finanças éticas é preciso haver clareza quanto à origem do dinheiro, quanto ao seu
emprego e quanto à gestão33. Só assim, pode-se evitar que o uso do dinheiro seja
causador de conflitos indesejáveis que tem caracterizado uma visão violenta da economia.

33 Sconzo, 2003: 125-126.


63

Conclusão

A dinâmica das lutas sociais adquiriu, necessariamente, com a


acentuação dos processos da globalização, fisionomia internacionalista. Não há
nada de novo na noção de que o enfrentamento do capitalismo teria que ter alcance
internacional. O que há de novo, é que de modo simultâneo à temática
evidentemente econômica do enfrentamento do capitalismo, especialmente do
neoliberalismo, os movimentos e organizações que compõe o campo das finanças
solidárias e aqueles que permeiam a cena política atual portando o ideário das
alternativas impõem também que se acrescente à pauta o tratamento da questão de
democracia, com forte ênfase numa perspectiva participativa.

Com muita clareza, Gabriela Cunha (2003) observa:

“Embora não se possa falar em um movimento organizado, pois


entidades e grupos pró-modelos alternativos de desenvolvimento
possuem objetivos e estratégias diversos (e por vezes até
contrapostos), é possível ao menos identificar uma insatisfação
comum com o modelo econômico vigente, e, apesar das diferenças,
em geral todas as propostas levantam dois elementos comuns: a
democracia inclusiva e participativa e o crescimento econômico justo
e apropriado, tanto em termos sociais quanto ambientais” (Cunha,
2003: 53).

É desta composição entre o modelo econômico e as práticas participantes


que emerge o revigoramento das iniciativas autogestionárias que tem se expandido.
É daí também que parte o impulso revigorado para um modelo de cooperativismo
“solidário”.

Como verificamos ao longo da exposição ainda incompleta,


evidentemente, dos movimentos e redes ou organizações de finanças solidárias,
tanto no grupos daqueles atores caracterizados mais enquanto grupos de pressão
política, quanto naqueles de fomento ou dos operadores, essa composição entre o
sentido democrático das deliberações econômicas é de fato pauta constante.

É este fator que explica que haja concomitância das práticas de lutas no
campo do organismos multilaterais internacionais, numa esfera do global, quanto na
64
atuação com ênfase no local, como por exemplo, os movimentos de emissão de
moedas sociais, que visam reter na comunidade o recurso produzido e
transacionado ali mesmo.

Amartya Sen (1999) argumenta que a distância entre a economia e a


ética deu-se pela acentuação de um modelo de “engenharia econômica”, em
detrimento de uma economia mais normativa. Tal processo teria implicado em
empobrecimento tanto da ética quanto da economia. É o revigorar da economia
política no sentido de que a economia seja pensada em função do pensar o modelo
social que os processos produtivos está desenvolvendo que permitirá refazer os
laços da interlocução entre elas, essencial para renovar a qualidade do debate
econômico e também ético. O que os movimentos da economia solidária propiciam,
e o das finanças solidárias de modo particular, é a retomada da economia política no
âmbito das lutas e das práticas. Das lutas enquanto bandeiras reivindicativas, das
práticas enquanto construções “de baixo para cima” do novo território de cidadania.

As reivindicações apontam para o futuro a ser conquistado e para o


macro político, incidindo na esfera do global, das estruturas de governança da
ordem (ou desordem) internacional e na esfera dos Estados, enquanto as práticas
revelam a construção local, com as forças possíveis, com a organização já
disponível, fruto do acumulo da organização e das lutas já realizadas. Neste sentido
combinam política com economia, economia com política, a partir de um conjunto de
valores sintetizados no conceito de solidariedade.

Ainda que a solidariedade para alguns possa ser vista como sinônimo de
filantropia, aqui consiste em práticas de reciprocidade, igualdade e respeito à
pluralidade, implica o processo dialógico e participativo para a formação dos
consensos, das convicções e das deliberações, bem como no direcionamento de
toda ação no intuito de redução da pobreza e exclusão social.

É neste sentido que as finanças solidárias são expressão nítida da


globalização anti-hegemônica (Boaventura Santos, 2002) e expressão da utopia e
da alternativa de um outro mundo possível, como aponta o slogan do Fórum Social
Mundial. A utopia de uma outra economia que acontece.
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