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TROILUS AND CRESSIDA E A DESCONSTRUÇÃO DO MITO CLÁSSICO1

Valéria Moura Venturella2

Troilus and Cressida, uma peça de Shakespeare escrita por volta de 1602, narra a
frustrada história de amor entre Troilus – filho de Príamo – e Cressida – filha de Calchas, um
sacerdote troiano que havia traído seu povo e se unido aos exércitos gregos – que se passa
no sétimo ano da Guerra de Tróia. O relacionamento entre Troilus e Cressida é
intermediado e estimulado por Pandarus, tio dela, que descreve um ao outro com
entusiasmo, de modo a despertar o interesse mútuo, e faz os arranjos necessários para sua
união. Quando Calchas exige que sua filha lhe seja trazida em troca de um prisioneiro
troiano, ele causa a separação dos amantes logo após seu primeiro encontro.
Paralelamente ao caso de amor, Shakesperare narra, em Troilus and Cressida, as
batalhas que levaram à queda de Tróia, que dá fim à clássica guerra, e também eventos
ocorridos no interior do acampamento grego ao redor da cidade de Príamo. Os
acontecimentos políticos relacionados à guerra, por vezes, assumem importância maior do
que o romance entre os dois jovens. Os dois núcleos dramáticos da narrativa, no entanto,
têm uma estreita conexão na narrativa, mesmo que pareçam interagir pouco.
Troilus and Cressida foi escrita provavelmente no ano de 1602, publicada pela
primeira vez em 1609 por Richard Bonian e Henry Walley na Quarto e, em 1623, incluída,
com algumas alterações, no First Folio (BOYCE, 1990). Acredita-se que, para compor
Troilus and Cressida, Shakespeare tenha se inspirado principalmente na tradução da Ilíada
de George Chapman, de 1598, e na peça Troilus and Criseyde, de Geoffrey Chaucer,
escrita por volta de 1492 (BOYCE, 1990).
Acredita-se que o público inglês estava familiarizado com a história de Troilus e
Cressida, e que a narrativa sobre a Guerra de Tróia era já bastante conhecida na Inglaterra
pela publicação da tradução de Chapman (BOYCE, 1990). Assim, o público deve ter se
surpreendido com a apresentação oblíqua e áspera que Shakespeare faz desses temas. Em
Troilus and Cressida, o autor rompe com muitas das imagens e dos estereótipos associados
aos heróis e aos eventos narrados por Homero, e as glórias bélicas, os ideais guerreiros
aparecem como um vivo contraste em relação a sua representação na Ilíada. Mesmo o
amor romântico é diminuído e desprezado por Shakespeare nesse trabalho tão polêmico e
obscuro.

1
Texto produzido como pré-requisito para a aprovação na disciplina Tópicos de Narrativa, ministrada
pela Profa. Dra. Regina Zilbermann no Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Teoria da
Literatura da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – de março a julho
de 2005.
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria da Literatura da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre e professora dos cursos de Pedagogia e Letras da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Campus Uruguaiana.
Se, por um lado, podemos interpretar o arrebatamento dos amantes como sendo de
natureza puramente sexual, podemos, por outro lado, acreditar que eles estejam mais
apaixonados pelo amor em si do que por pessoas reais. Troilus e Cressida não se
conhecem pessoalmente, mas apenas através das descrições excitantes e encorajadoras
que Pandarus faz de um para o outro. A admiração e a atração que sentem, assim, é por
imagens construídas pelo intermediário e não por experiência direta.
Ao finalmente se encontrarem, porém, suas expectativas parecem se confirmar. Mas
mesmo seu primeiro encontro tem um sabor sinistro. Embora os jovens amantes jurem
dedicação e fidelidade eternas, a ameaça da traição já está presente. “Se eu for falsa, ou
me desviar um fio de cabelo da verdade (...) de falso a falso, dentre as falsas donzelas
apaixonadas (...) deixem-nas dizer, para cravar o coração da falsidade: ‘Tão falsas como
Cressida’”, diz ela, como que prevendo o futuro de seus atos (2.2.189-204). Após ser
trocada pelo prisioniero troiano, Cressida logo cede à corte de Diomedes, traindo seu amado
em sua primeira noite entre os gregos.
Se o amor nos parece corrompido em Troilus and Cressida, a guerra comporta
personagens que pouco lembram os heróis destemidos da Ilíada. Shakespeare faz
desmoronar as imagens de Agamenon, Ajax, Diomedes, Heitor, Ulisses, e Aquiles, que são
apresentados por Shakespeare como seres contraditórios em seus caracteres, suas falas, e
suas ações.
Agamenon é mostrado como um velho cansado e desapontado com a guerra e com
a passagem do tempo, buscando razões para a atitude pessimista que percebe em seus
comandantes e soldados. Ajax é um bufão vaidoso e facilmente logrado. Já Diomedes é um
oportunista que mal pode esperar para tomar Cressida em sua primeira noite no
acampamento grego.
Heitor, o grande líder troiano, parece, à primeira vista, um herói justo e sensato, que
insiste na honra dos bravos guerreiros, e poupa Aquiles em um duelo porque este último
está desarmado. Porém, morre porque Aquiles não é capaz de agir segundo os mesmos
princípios, mas também – e especialmente – porque abandona suas elevadas convicções
para saquear um guerreiro que havia eliminado por ambicionar seus ricos paramentos.
Ulisses, o sábio guerreiro grego, é para Shakespeare um personagem discursivo que
nos leva às raias do tédio, ao defender que os problemas do exército grego se devem à falta
de respeito pela autoridade, causada principalmente pelo comportamento insolente de
Aquiles, que se recusa a lutar e passa seus dias em sua tenda com Pátroclo caçoando de
seus superiores. Ulisses acredita que uma hierarquia organizada que pode ser mantida
através de articulações e racionalizações como as que emprega com Aquiles. Quando
Heitor desafia o melhor guerreiro grego para um duelo que pode pôr fim à guerra, Ulisses
decide, através de uma artimanha, convocar Ajax – em vez de Aquiles – para o desafio,
esperando que isso provoque o orgulho do grande combatente e o faça retornar ao conflito.
Ele é um personagem moralista, crítico da desarticulação dos exércitos gregos, da atitude
desleixada de Aquiles e do comportamento fútil de Cressida ao chegar ao acampamento. No
final, porém, ele abandona suas próprias verdades ao confessar a Aquiles que acredita que
o único mérito da guerra reside na glória da reputação conquistada.
De todos os personagens, porém, o que é o alvo da desconstrução mais brutal da
imagem homérica é Aquiles. Em Troilus and Cressida, Shakespeare o mostra como um
homem cruel e sem princípios, vaidoso, indolente e covarde. Para vencer a guerra, ele
planeja eliminar Heitor do modo mais fácil possível, embriagando-o para que não tenha um
bom desempenho no combate. E quando encontra Heitor debruçado sobre o o guerreiro
grego para dele retirar o armamento, ordena que seu exército pessoal o esfaqueie
furtivamente, enquanto apenas observa a cena. Ele, porém, não deixa de arrastar o corpo
do troiano morto ao redor das paredes da cidade, no supremo ato de humilhação pública do
orgulho e da força de Tróia.
Shakespeare, ao representar esses guerreiros de modo tão pouco honrado e
glorioso, parece querer expressar a futilidade e o desperdício de vidas e energias que uma
guerra representa. Nesse sentido, seu personagem Thersites é seu mais perfeito porta-voz.
Thersites ocupa o papel do coro, uma figura alegórica que, embora não participe da ação da
peça, oferece comentários sobre ela através da crítica das ações dos outros personagens
(BOYCE, 1990). Ele é assumidamente covarde e continuamente discursa contra a guerra. É
cínico, ferino e expressa uma concepção amargurada da humanidade. Thersites parece
poder enxergar através das pretensões heróicas dos guerreiros, para constatar que não há
qualquer glória ou grandeza nos feitos humanos.
No mundo corrupto criado por Shakespeare em Troilus and Cressida, em que todos
são ou agentes da corrupção ou vítimas iludidas e impotentes dela, Thersites, com sua fúria
niilista, e Pandarus – um alcoviteiro calculista com evidentes tendências voyeurísticas –
parecem ser os habitantes mais coerentes e consistentes em suas ações. Embora não
sejam admiráveis, são lúcidos e realistas, os únicos personagens que parecem saber o que
fazem e dizem.
É difícil definirmos Troilus and Cressida em termos de seu gênero. A representação
de seres humanos aparentemente piores do que os comuns e de suas ações pouco
elevadas poderia nos levar a classificar esse trabalho – do ponto de vista da Poética de
Aristóteles (ARISTOTLE, 1971) – como uma comédia. A peça apresenta evidentes
elementos cômicos, como a malícia de Pandarus, a linguagem insultosa de Thersites e a
futilidade de Helena. Mas essa comicidade nunca é leve. Ao contrário, o humor presente
neste trabalho é sempre ácido e perturbador.
Por outro lado, em Troilus and Cressida não há o claro triunfo do amor que
geralmente caracteriza as comédias shakespearianas. A separação dos amantes, a
desilusão do protagonista e o tratamento pessimista e descrente da sociedade e da guerra
não permitem que a obra seja classificada como uma comédia. Ao contrário, os
personagens da narrativa, como nas tragédias (ARISTOTLE, 1971), são levados à
infelicidade pelas imperfeições em seus caracteres e em seus atos, mas também – e
principalmente – pelas imperfeições das relações que estabelecem entre si e do mundo em
que vivem.
O ângulo sob o qual Shakespeare descreve seu protagonista Troilus talvez seja a
evidência mais saliente da complexidade deste trabalho: ao mesmo tempo que ele é o
objeto mais importante da ferina crítica do autor, é também seu elemento mais trágico.
Troilus é o amante idealista e enfraquecido por seus sentimentos, e o guerreiro iludido com
os ideais guerreiros. Ele se engana tanto em relação aos sentimentos de sua amante quanto
em relação aos motivos para a Guerra de Tróia, descrevendo Cressida – o objeto de seu
amor – e Helena – o objeto de disputa entre gregos e troianos – como “pérolas” que
merecem sua dedicação e seu sacrifício.
Sua trajetória pode ser vista, na narrativa, como a sorte do herói trágico 3: o jovem
franco, idealista e apaixonado que vê suas ilusões e seus princípios brutalmente destruídos.
Incapaz de aceitar a devastação de seus sonhos românticos, após a morte de Heitor, ele se
torna o líder dos troianos, incitando-os à luta, e se lança em um ataque suicida contra
Diomedes e Ajax. Embora não possamos ver o desfecho dessa luta, podemos facilmente
prevê-lo.
À primeira vista, a peça apresenta uma visão relativista do mundo que pode
facilmente chegar ao cinismo. Os valores que permeiam as elocuções e as ações dos
personagens não apresentam validade universal e absoluta, variando ao sabor das
circunstâncias, e o final da narrativa parece sugerir que a vida humana não tem sentido, e
que o caos é o inevitável destino do mundo e de nossos esforços.
Os heróis em Troilus and Cressida estão iludidos a seu próprio respeito e a respeito
da batalha que travam. Troilus e Heitor demonstram, ao longo da história, acreditar que a
guerra é um jogo de cavalheiros em que a honra dos guerreiros é seu valor mais elevado.
Mesmo assim, no final, ambos sucumbem por motivos diferentes da honra. Suas mortes são
motivadas pelo orgulho ferido, pelo desejo de vingança, pela cobiça e pela traição, o que o
que acentua o tom depreciativo do trabalho em relação ao amor romântico e às glórias
militares. A ênfase de Shakespeare, assim, parece estar localizada nas tendências humanas
às cegueiras e ao auto-engano: “a maldição comum da humanidade, - loucura e ignorância”,
diz Thersites (2.3. 30-32), parecendo resumir a visão do autor, segundo a qual os seres
humanos vergam-se em suas ilusões a respeito da vida, do amor e da glória.
Há, porém, um aspecto peculiar nesta obra, que é a clara consciência dos
personagens a respeito da passagem do tempo e de suas conseqüências. Agamenon, antes
3
Informação verbal disponibilizada pela professora Regina Zilberman em exposição realizada no dia 12 de abril
de 2005 na disciplina Tópicos de Narrativa para o Doutorado em Letras no Programa de Pós-Graduação em
Teoria da Literatura da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
do clímax da guerra, reforça o valor da paz, mesmo que temporária: “O que é passado e o
que está por vir é dispersado com corpos e uma ruína disforme de esquecimento [em
contraste] com este momento existente” (4.5.165-167). Ulisses, por sua vez, acredita que
“amor, amizade, caridade estão todos sujeitos ao tempo invejoso e calunioso” (3.3.173-174),
e lembra Aquiles que o tempo destrói através do esquecimento: “boas ações passadas são
devoradas tão rapidamente quanto são realizadas, esquecidas assim que feitas” (3.3.148-
150). Heitor parece concordar com ele, quando afirma “o fim coroa tudo, e aquele velho
árbitro comum, o Tempo, irá um dia finalizá-lo” (4.5.223-225).
Esta noção do tempo modificando o mundo – inquietante e contrastante com a
percepção vigente no século XVII da realidade constante (BOYCE, 1990) – aliada à cruel
descrição que Shakespeare faz dos heróis homéricos pode, no entanto, velar uma
interessante intenção do autor: a de romper com a concepção de que a vida, os valores e os
ideais clássicos são eternos e válidos universalmente. Ao reduzir os personagens míticos a
proporções humanas, o autor parece afirmar que, por um lado, sua sociedade não
incorporava valores e virtudes inalcançáveis e que, por outro, seus ideais devem ser vistos
por olhos contemporâneos em uma perspectiva crítica. Ao negar à audiência a chance de
continuar idealizando o mundo antigo e seus habitantes, ele parece sugerir que podemos e
devemos encontrar nobreza e altivez em nossa própria cultura. Um claro contraste entre o
mundo representado na peça e o mundo real é estabelecido pela fala de encerramento de
Pandarus, que rompe com a atmosfera pessimista e amarga dos eventos finais, ao
comparar o público ao alcoviteiro e – por conseguinte – nossas supostas virtudes aos vícios
expostos no palco.
Poderíamos definir Troilus and Cressida como uma paródia hostil da clássica
epopéia homérica, mas isso significaria reduzir o trabalho de Shakespeare a seus elementos
mais rasos, deixando de lado a crítica indignada que ele realiza dos costumes, das
instituições e dos ideais clássicos e a incitação à reflexão sobre nossos próprios padrões e
estruturas. Esta complexa obra parece resistir a rotulações, mas poderíamos arriscar uma
definição, sugerindo que ela se configura como uma sátira.
Uma das características essenciais da sátira é que a crítica que faz às falhas
humanas implique a possibilidade de crescimento e superação das limitações (BOYCE,
1990). Shakespeare não parece acreditar que as ações humanas representadas em sua
peça pudessem ser melhoradas em qualquer aspecto, mas ele deixa essa possibilidade
aberta para os espectadores. O final ambíguo parece sugerir que nós – o público de
qualquer tempo – através de nossas ações aqui e agora, podemos construir um mundo
melhor e mais lúcido, e ser pessoas mais corretas e mais sensatas do que os gregos e
troianos de sua história. Troilus and Cressida é, então, uma peça educativa, que tem o
poder de nos fazer refletir sobre as imperfeições humanas e as incorreções presentes no
mundo, mas também de nos fazer sentir algo elevados ao percebermos que a passagem do
tempo aliada à reflexão pode nos libertar de nossas ilusões e desvarios.

REFERÊNCIAS:

ARISTOTLE. On Poetics. Translated by Ingram Bywater. In: HUTCHINS, Robert Maynard


(ed.). Great books of the Western world. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1971.

BOYCE, Charles. The Wordsworth dictionary of Shakespeare. New York: Wordsworth


Reference, 1990.

SHAKESPEARE, William. Troilus and Cressida. In: CRAIG, W. J. The complete works of
William Shakespeare. London: Henry Pordes, 1990.

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