Sei sulla pagina 1di 7

A alteridade na polêmica sobre raça e classe no Brasil

Igor Vitorino1
Resumo

O presente ensaio objetiva pincelar a discussão sobre raça e classe que vem
esquentando o debate contemporâneo do movimento negro, principalmente no
contexto das propostas das políticas cotas dirigidas a população afro-descente. Indica-
se que essa discussão na realidade é sinal de uma questão mais profunda que é a re-
interpretação do lugar do negro na história brasileira e a disputa pelo monopólio do
poder simbólico, ou seja, pelo direito de dizer sobre o mundo.

Palavras-chave: raça, classe, alteridade

Abstract

This article is related to the debate about race and class that have been warming the
discussions inside the black movement, especially in the context of the public politics
that reserve places in the universities for afro descendent students. I indicate that this
discussion is really a sign of a deeper question which is the reinterpretation of black
people’s place in Brazilian history and the dispute for the monopoly of symbolic power,
meaning the right to speak about the world.

Key words: race, class, otherness

Recentemente, em 2006, num seminário no Centro Cultural Banco do Brasil, o


conferencista apresentava a interpretação destoante de Manuel Bonfim2 sobre
a questão da viabilidade do Brasil diante de sua matriz racial. Segundo o
conferencista, o eminente intelectual brasileiro defendia que o Brasil não era
um pais birracial, como os implantadores do sistema de cotas defendem hoje.
Manoel Bonfim seria avant-lettre anunciador da não existência de raças,

1
Formando em historia pela UFES. Mestrando em Planejamento Urbano e Regional -IPPUR
\UFRJ.
2
“Manoel Bomfim (1868-1932), intelectual sergipano, autor de A América Latina (1905), Através do
Brasil (1910) — co-escrito por Olavo Bilac (1864-1934) — etc., além de uma trilogia composta por: O
Brasil na América (1929), O Brasil na História (1930) e O Brasil Nação (1931). Livros dedicados à
análise da formação da nacionalidade brasileira. O autor se empenhava em criticar os historiadores e os
políticos do Brasil que, segundo ele, teriam deturpado a história nacional e contribuído para a
"degradação" da nação. Interessado em resgatar as "qualidades características do povo" brasileiro — que
considerava esquecidas pela historiografia —, ele desenvolveu uma reflexão sobre o País e seus
habitantes, em que é possível identificar diálogos com pensadores de seu tempo e de outros tempos”(
Gontijo, 2003)
demonstrando o uso do racismo como forma de dominação. A partir dessa
proposição que destoava da agenda pública no início do século, o nobre
conferencista argumentou para o plenário: não havendo raças, não há sentido
na política de cotas. As cotas estariam produzindo um país bicolor,
impulsionando a fragmentação da unidade da nação – exclamava acidamente
o sociólogo.

Nessa linha de argumentação, construiu-se uma conclusão de que as políticas


de cotas racializam as relações sociais, pois impulsionam os indivíduos a
interagirem a partir do reconhecimento de sua identidade étnica, em primeiro
lugar. Para contestar essas políticas, o conferencista novamente chamou para
o debate a questão de que o problema é de classe, pois a grande maioria dos
negros estariam nas classes populares.

Entretanto, o estudioso se esqueceu de que, apesar da Física moderna desde


Galileu ter descoberto que o sol não gira em torno da terra, não é impossível
encontrar muitos que pensam o contrário. Ora, se a biologia descobriu que só
há uma raça humana e, inclusive, que ela partiu da África para os outros
continentes, não significa que essa informação irá diluir a ideologia do racismo
e a representação social da diferença pela idéia de raça, que constituem o
tecido social desse país. Continuamos a explicar as diferenciações sociais a
partir das diferenças biológicas, ainda que também se utilize das diferenças
sociais para legitimar as hierarquias. A questão não é dizer que não existe uma
substância chamada raça, mas sim reconhecer que ela é uma categoria social,
utilizada na vida social para fazer reconhecer e estabelecer distinções e
hierarquias sociais, que ela serve para julgar moralmente o outro.

Com a crise do Estado do Bem-Estar Social na Europa e nos Estados Unidos,


as diferenciações biológicas e diferenciações étnicas e culturais têm sido
tomadas como justificava das diferenciações sociais, e usadas como
explicação para a crise que vivem esses países. Muçulmanos, africanos,
indianos são visto como os estranhos produtores da desordem, ameaçadores
da unidade nacional. O preconceito racial e o racismo se tornam armas que
escondem os processos de mudanças no capitalismo central e tendem a culpar
os explorados por sua própria exploração.

É claro que os efeitos de classe podem se unir aos efeitos de status(raça),


entretanto não nos podemos deixar enganar pelas facilidades ao queremos
sobrepor as questões raciais às questões de classe. O professor Milton Santos,
um dos mais importantes intelectuais brasileiros da atualidade, pertencia à
classe média intelectualizada, entretanto essa posição de classe não se
traduzia em anulação dos efeitos do status, não era reconhecido como cidadão
completo. Assim como a estratégia de Pelé de não discutir sobre sua negritude
evidencia que a condição de negro lhe traz alguns problemas ligados às
interações sociais.

Creio que o ódio que se levanta recentemente contra as políticas de cotas se


inscreve na disputa pelo poder simbólico, de se poder dizer quem somos. É
isso que está em jogo. Negar que o poder social no Brasil é branco é fechar
olhos aos efeitos materiais e imateriais dessa realidade. Encontramos, é claro,
negros em todos os lugares em que vamos, mas quase sempre estão na
cozinha, estão dirigindo o carro de alguém, estão nas portaria de prédios,
limpando as ruas, etc. Não temos nada contra essas profissões, elas são
dignas e devem ser mais valorizadas, entretanto por que não há mais negros
em outros lugares sociais?

A grande mudança contemporânea hoje na problematização do preconceito


racial e do racismo no Brasil é que sua problematização enquanto problema
social está sendo construída pelos sujeitos que vivem/viveram esse drama. A
emergência de uma elite intelectual negra ou membros de classe média
colocou em disputa os meios simbólicos e materiais de produção das
interpretações sobre a condição da negritude, de combate às imagens e
práticas depreciadoras dos negros, cujo maior efeito eram construir um self-
ideal negador de nós mesmo.

Voltando ao seminário, o palestrante afirmava que o Brasil não era um país bi-
racial e que as cotas iram institucionalizar o racismo e o preconceito racial, que
é necessário uma política universal de educação básica. Não discordo.
Entretanto ele não conseguia explicar porque as positividades e qualidades
sociais têm com centro imagens da população branca. Ter um diploma, em
última instância, não revolverá o problema do negro, mas possibilitará que ele
vivencie a positividade de sua condição, possibilitará outra experiência de
mundo e construção de outras perspectivas, inclusive, para outros negros. O
mais importante nas políticas de cotas é dotar de instrumentos intelectuais e
condições sociais a população negra, possibilidade de que o que sempre foi
silenciado se torne grito, no historia. Não sabemos quais serão os problemas
dessa escolha, mas poderemos dizer que tentamos. Nós, indíos e negros,
precisamos reinterpretar o Brasil.

Se fomos escravos, a vergonha não é nossa, mas de quem nos escravizou.


Lutamos pela liberdade, sim – que o digam os muitos negros direcionados ao
tronco, os alforriados, os que trabalhavam a mais para conseguirem pagar suas
alforrias, as diversas estratégias de resistências, individuais e coletivas. A
questão é que as interpretações do Brasil foram feitas a partir dos dilemas e
questões postos um determinado tempo; esse é primeiro momento em que
essas questões e dilemas têm a presença de outros sujeitos, não mais como
objetos, mas como sujeitos, buscando reinterpretar a sua presença. Queremos
nosso reconhecimento como cidadãos plenos porque cada cantinho e pedra
colocada em construções deste país tiveram o dedo de nossos avós. Se não
temos os sobrenomes deles – porque até isso foi negado – temos a visibilidade
de suas mãos que construíram sob chicotada, negociação, rebeldia, protestos
à nação brasileira.
Sabemos que as explicações da presença maior dos negros nos setores mais
subalternos da sociedade não se explica somente pela questão racial, mas
também pela modelo de desenvolvimento concentrador de renda e autoritário
que esse país adotou. A formulação dos problemas raciais por aqueles que os
sofrem abriu, enfim, espaço para uma nova formulação do que seja o Brasil,
talvez o preço a ser pago seja mesmo o processo de racialização da
sociedade, emergência de interesses apoiada na diferenciação racial, o que
nos colocará novos desafios, inclusive da descoberta de que os donos do
poder continuam brancos.

Mesmo assim, fica-nos uma pergunta: a quem interessa a reação pacífica dos
negros à sua condição de inferiorização? O ódio racial cada vez mais
impulsionado também não estaria ligado à inexistência de instituições que
reconheçam o negro como cidadão? Até quando nós negros teremos que dizer,
peremptoriamente, que não somos marginais ou exclamar: "E aí, dona, não
vou roubar a sua bolsa"? Ou perceber que, na rua, uma pessoa adiantou os
passos ao ver um de nós se aproximando dela? A luta do negro no Brasil
carrega a mesma problemática da luta dos trabalhadores, ou seja, torna as
condições objetivas, de negro e trabalhador, em condições subjetivas, tornar-se
sujeito diante de seu outro, os brancos e o Capital. Todavia, no Brasil,
constantemente são bloqueadas essas possibilidades pelos discursos
nacionalistas, da pacificidade do brasileiro, da cordialidade, da democracia
racial. Dizia o revolucionário russo Leon Trotski: "Se o sol não é de todos, por
que ele tem que brilhar para alguns?"

É claro que os negros, mais do que na sua condição de trabalhadores, têm


cada vez mais conseguido tornar seus interesses expressos na agenda pública
– efeito da ascensão social de muitos negros – entretanto, precisamos construir
uma agenda que concilie as condições sociais de negro e as condições de
trabalhador. Meus avós reconheciam, com muita dor, o lugar social deles,
sabiam que eram pobres e que eram negros, mesmo que não verbalizassem.
Nós que iniciamos um processo de individuação queremos ser reconhecidos
como cidadãos, temos o direito disso, não queremos que nossas ações sejam
avaliadas pelas nossas características físicas e biológicas, mas sim por
partilharmos a mesma humanidade. Esse é medo do racista: ver no outro a sua
semelhança.

Acredito – ao contrário do intelectual que grita contra a destruição do sonho


brasileiro do país pacifico – que a bicoloridade e multicoloridade brasileira, dará
início, nesse país, a uma nova releitura de sua história e a uma rediscussão de
sua nacionalidade. Queremos que a diferença seja reconhecida não só como
direito, mas que ela se expresse na apropriação dos recursos materiais e
imateriais desse país. A raça, enquanto construção social, existe, orienta e
coordena as ações sociais e o imaginário da sociedade brasileira, portanto é
preciso abrir espaço para raças e etnias que são oprimidas, esquecidas,
escondidas, indignificadas nessa relação: índios, negros.... Enquanto na mini-
série Malhação só aparecerem imagens e modelos de beleza branca, enquanto
um juiz julgar pela aparência, continuaremos um pais bicolor ou tricolor, onde
só têm direito à fala os brancos. Queremos nosso direito à fala.
Bibliografia:

GONTIJO, Rebeca. Manoel Bomfim: "pensador da história" na Primeira


República. Rev. Bras. Hist. , São Paulo, v. 23, n. 45, 2003 . Disponível
em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882003000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 Oct 2007.

Potrebbero piacerti anche