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APOLÔNIO DE TÍANA

O Filósofo, Explorador e Reformador Social

do Primeiro Século depois de Cristo

G.R.S.Mead

Edição de 1901

CONTEÚDO
I Introdução
II As Associações e Comunidades Religiosas do Primeiro Século
III Índia e Grécia
IV O Apolônio das Primeiras Descrições
V Textos, Traduções e Literatura
VI O Biógrafo de Apolônio
VII Primeiros Anos
VIII As Viagens de Apolônio
IX Nos Santuários dos Templos e Retiros Religiosos
X Os Gimnosofistas do Alto Egito
XI Apolônio e os Governantes do Império
XII Apolônio, o Profeta e Taumaturgo
XIII Seu Estilo de Vida
XIV Ele e Seu Círculo
XV De Seus Ditos e Sermões
XVI De Suas Cartas
XVII Os Escritos de Apolônio

I. INTRODUÇÃO

Para o estudioso das origens do Cristianismo naturalmente não há período na


história ocidental de maior interesse e importância do que o primeiro século de
nossa era; e mesmo assim quão comparativamente pouco é conhecido sobre
ele de natureza realmente definida e confiável. Se já é tão lamentável que
nenhum escritor não-Cristão do primeiro século tenha tido intuição suficiente do
futuro para registrar sequer uma só linha de informação referente ao
nascimento e crescimento do que viria a ser a religião do mundo ocidental,
igualmente desapontador é encontrar tão pouca informação definida sobre as
condições sociais e religiosas gerais da época. Os governantes e as guerras do
Império parecem ter constituído o interesse principal dos historiógrafos do
século seguinte, e mesmo neste departamento de história política, ainda que os
atos públicos dos Imperadores possam ser bastante bem conhecidos, pois os
podemos averiguar por registros e inscrições, quando passamos aos seus atos
e motivos privados já não nos encontramos mais no terreno da história, mas
geralmente na atmosfera do preconceito, escândalo e especulação. Os atos
políticos dos Imperadores e seus oficiais, entretanto, podem no máximo lançar
só uma tênue luz sobre as condições sociais gerais da época, mas já não
iluminam nada das condições religiosas, exceto até onde de algum modo estas
contatem o âmbito da política. Também poderíamos tentar reconstruir uma
imagem da vida religiosa da época a partir dos atos e editos Imperiais tanto
quanto poderíamos formar alguma idéia da religião privada deste país a partir
de um estudo dos estatutos e anais das sessões do Congresso.

As chamadas Histórias Romanas, com as quais estamos bem familiarizados,


não podem nos ajudar na reconstrução de uma imagem do ambiente onde, de
um lado, Paulo conduziu a nova fé na Ásia Menor, Grécia e Roma; e onde, de
outro lado, já a encontramos estabelecida nos distritos margeando o sudeste
do Mediterrâneo. É somente reunindo laboriosamente migalhas isoladas de
informação e fragmentos de inscrições que nos tornamos cônscios da
existência da vida de um mundo de associações religiosas e cultos privados
que existiam neste período. Não que mesmo assim tenhamos qualquer
informação muito direta do que ocorria nestas associações, guildas e
irmandades; mas temos evidências suficientes para fazer-nos lamentar
agudamente a ausência de um conhecimento adicional.

Mesmo que este seja um campo difícil de lavrar, é extraordinariamente fértil em


interesse, e é de lastimarmos que comparativamente tão pouco trabalho tenha
sido feito nele até agora; e que, como ocorre tão amiúde, em sua maior parte
seja inacessível ao leitor em português. O trabalho que já foi feito sobre este
assunto em especial pode ser conferido através da nota bibliográfica anexa a
este ensaio, na qual é dada uma lista de livros e artigos tratando das
associações religiosas entre os gregos e entre os romanos. Mas se
procurarmos obter uma visão geral da situação dos assuntos religiosos no
primeiro século, nos encontramos desprovidos de um guia confiável; pois
tratando deste assunto particular há só poucos livros, e neles aprendemos
pouco, que não interessa diretamente, ou imagina-se que interesse, ao
Cristianismo; enquanto que, no nosso caso, é justamente sobre o estado do
mundo religioso não-Cristão que desejamos ser informados.

Se, por exemplo, o leitor dirigir-se a trabalhos de história geral como o de


Merivale, History os the Romans under the Empire (História dos Romanos sob
o Império – Londres, 1865), ele encontrará, de fato, no capítulo iv, uma
descrição do estado da religião até a morte de Nero, mas aprenderá pouco de
seu estudo. Se ele recorrer à Geschichte der römischen Kaiserreichs unter der
Regierung des Nero (História do Império Romano sob o Reinado de Nero –
Berlin, 1872), de Hermann Schiller, ele encontrará muitas razões para
abandonar as opiniões vulgares sobre os monstruosos crimes imputados a
Nero, como de fato poderia fazer pela leitura do artigo de G.H.Lewes Was Nero
a Monster? (Nero foi um Monstro? – Cornhill Magazine, julho de 1863) – e ele
também encontrará no livro IV, capítulo III, uma visão geral da religião e da
filosofia da época que é muito mais inteligente que a de Merivale; mas tudo
ainda é muito vago e insatisfatório, e nos sentimos fora da vida íntima dos
filósofos e religiosos do primeiro século.

Se, ainda, ele acorrer aos últimos escritores da história da Igreja que
abordaram esta questão específica, verá que eles estão inteiramente ocupados
com os contatos entre a Igreja Cristã e o Império Romano, e só incidentalmente
nos dão alguma informação sobre a natureza do que buscamos. Neste terreno
específico, C.J.Neumann é interessante em seu cuidadoso estudo Der
römische Staat und die allgemeine Kirche bis auf Dioclecian (O Estado
Romano e a Igreja Geral até Diocleciano – Leipzig, 1890); enquanto que o Prof.
W.M.Ramsay, em seu The Church in the Roman Empire before AD 170 (A
Igreja no Império Romano antes de 170 d.C. – Londres, 1893) é extraordinário,
pois ele tenta interpretar a história romana através dos documentos do Novo
Testamento, cujas datas em sua maioria são tão calorosamente disputadas.

Mas, você pode dizer, o que tudo isso tem a ver com Apolônio de Tíana? A
resposta é simples: Apolônio viveu no primeiro século; seu trabalho foi
realizado precisamente entre estas associações religiosas, colégios e guildas.
Um conhecimento deles e de sua natureza nos daria uma ambientação natural
para grande parte de sua vida; e informação sobre suas condições no primeiro
século talvez nos ajudasse a entender melhor alguns dos motivos da tarefa que
ele empreendeu.

Entretanto, se apenas a vida e trabalhos de Apolônio fossem iluminados por


este conhecimento, poderíamos entender por quê tão pouco esforço tem sido
feito nesta direção; pois o caráter do Tianeu, como veremos, desde o século IV
tem sido encarado pouco favoravelmente, mesmo por poucos, enquanto que a
maioria olha para nosso filósofo não só como um charlatão, mas mesmo como
um anticristo. Mas quando exatamente este conhecimento sobre estas
associações e ordens religiosas é o que lançaria uma torrente de luz sobre a
evolução inicial do Cristianismo, não só a respeito das comunidades Paulinas,
mas também a respeito daquelas escolas que posteriormente foram
condenadas como heréticas, é espantoso que não tenhamos trabalhos mais
satisfatórios feitos sobre o assunto.

Entretanto, pode ser dito que esta informação não está disponível
simplesmente porque não é encontrável. De modo geral isto é verdade; não
obstante, muito mais do que já foi feito até agora poderia ser tentado, e os
resultados da pesquisa em direções específicas e nos desvãos da história
poderiam ser combinados, de modo que o leigo pudesse obter alguma idéia
geral das condições religiosas da época, e fosse assim menos inclinado a se
juntar à agora estereotipada condenação de todo o esforço moral e religioso
não-Judeu ou não-Cristão no Império Romano do primeiro século.

Mas o leitor pode redargüir: As coisas sociais e religiosas naqueles tempos


devem ter estado em uma condição muito deplorável, pois, como este ensaio
demonstra, o próprio Apolônio passou a maior parte de sua vida tentando
reformar as instituições e cultos do Império. A isto respondemos: Sem dúvida
havia muito a ser reformado, e quando não há? Mas para nós seria não apenas
mesquinho, mas nitidamente maldoso, julgarmos nossos companheiros
daqueles dias somente pelo alto padrão de uma moralidade ideal, ou mesmo
desclassificá-los sob o peso de nossas próprias supostas virtudes e
conhecimentos. Nossa opinião não é que não havia nada a reformar, longe
disto, mas que todas as acusações de depravação levantadas contra a época
não suportariam uma investigação imparcial. Ao contrário, havia muito bom
material pronto para ser desenvolvido de muitas maneiras, e se não fosse
assim, como poderia ter havido entre outras coisas alguma Cristandade?

O Império Romano estava no auge de seu poder, e se não tivesse tido muitos
administradores notáveis e homens dignos na casta governante, uma
consumação política como aquela jamais poderia ter sido conseguida e
mantida. Mais ainda, e como jamais no mundo antigo, a liberdade religiosa era
garantida, e onde encontramos perseguições, como nos reinados de Nero e
Domiciano, isso deve ser atribuído a razões políticas antes que teológicas.
Pondo de lado a disputada questão da perseguição dos Cristãos sob
Domiciano, a perseguição de Nero foi dirigida contra aqueles que o poder
Imperial considerava como revolucionários políticos Judeus. Assim, também,
quando encontramos os filósofos presos ou banidos de Roma durante aqueles
dois reinados, não foi porque fossem filósofos, mas porque o ideal de alguns
deles era a restauração da República, e isto os tornou passíveis da
condenação de serem não só agitadores políticos, mas também de tramarem
ativamente contra a majestas do Imperador. Apolônio, entretanto, foi sempre
um ardoroso defensor da regra monárquica. Quando, então, ouvimos sobre
filósofos sendo banidos de Roma ou sendo lançados na prisão, devemos
lembrar que isto não era uma perseguição total da filosofia por todo o Império;
e quando dizemos que alguns deles quiseram restaurar a República, devemos
lembrar que a sua vasta maioria não se envolvia na política, e este
especialmente foi o caso dos discípulos das escolas religioso-filosóficas.

II. AS ASSOCIAÇÕES E COMUNIDADES RELIGIOSAS DO PRIMEIRO


SÉCULO

No campo da religião é bem verdade que os cultos estatais e instituições


nacionais do Império estavam quase sem exceção num estado lamentável, e
deve ser notado que Apolônio devotou muito tempo e trabalho para os reviver e
purificar. De fato, a força havia há muito se esvaído das instituições religiosas
gerais do estado, onde tudo era agora perfunctório; mas longe isto de não
haver uma vida religiosa na região, pois na medida em que os cultos oficiais e
instituições ancestrais já não satisfaziam às suas necessidades religiosas, mais
diligentemente o povo se devotava aos cultos privados, e avidamente se fazia
batizar em todo aquele afluxo de entusiasmo religioso que derivava cada vez
com maior força do oriente. Sem dúvida em toda essa fermentação houve
muitos excessos, e mesmo abusos penosos, de acordo como nossa atual
concepção de decoro religioso; mas ao mesmo tempo muitos encontravam
nisto a devida satisfação para sua emoção religiosa, e, se excetuarmos
aqueles cultos que eram nitidamente viciosos, temos em grande medida diante
de nós o espetáculo, em círculos populares, do que, em última análise, são
fenômenos similares aos entusiasmos que em nossos dias podemos encontrar
freqüentemente em seitas como os Shakers e Ranters [seitas inglesas surgidas
no século XIX, caracterizadas por sua pregação veemente, seus cultos onde
havia grande agitação místico-física, e seus preceitos de pureza e sobriedade
de vida – NT], e nas assembléias de revivescência religiosa das pessoas
simples.

Não se deve pensar, contudo, que os cultos privados e os atos das


associações religiosas fossem todos desta natureza ou confinados a esta
classe; longe disto. Havia irmandades, comunidades e clubes religiosos –
thiasi, erani, e orgeônes – de todos os tipos e condições. Havia também
sociedades de benefício mútuo, grêmios para funerais, e companhias onde
havia refeições grupais, os protótipos de nossos atuais Maçons, Oddfellows, e
etc. Estas associações religiosas não eram só privadas no sentido de que não
eram mantidas pelo Estado, mas também em sua maior parte eram privadas no
sentido de que o que faziam permanecia secreto, e talvez esta seja a razão
principal para que delas tenhamos registros tão falhos.

Entre elas devem ser enumeradas não somente as formas inferiores dos cultos
de mistérios de vários tipos, mas também as maiores, como os Mistérios
Frígios, Báquicos, Isíacos e Mitraicos, que estavam espalhados por todo o
Império. Os famosos Mistérios de Elêusis, entretanto, estavam sob a égide do
Estado, mas ainda que fossem tão famosos, como cultos estatais, eram muito
mais perfunctórios.

Além disso, não deve ser pensado que os grandes tipos de cultos de mistérios
acima mencionados fossem uniformes mesmo entre eles mesmos. Não havia
somente vários degraus e graus dentro deles, mas também com toda a
probabilidade havia muitas formas em cada linha de tradição, boas, más e
indiferentes. Por exemplo, sabemos que era considerado obrigatório para todo
cidadão respeitável de Atenas ser iniciado nos Eleusinia, e por isso os testes
não poderiam ser muito exigentes; enquanto que no trabalho mais recente
sobre o assunto, De Apuleio Isiacorum Mysterirorum Teste (Sobre o Teste de
Apuleio nos Mistérios de Ísis – Leyden, 1900), o Dr. K.H.E. De Jong demonstra
que numa forma dos Mistérios de Ísis o candidato era convidado à iniciação
através de um sonho; isto é, ele devia ser psiquicamente impressionável antes
que fosse aceito.

Aqui, então, temos um vasto terreno intermediário para o exercício religioso


entre as formas mais populares e indisciplinadas de culto e as formas mais
altas, que poderiam ser abordadas somente através da disciplina e treinamento
da vida filosófica. O lado superior destas instituições de mistérios despertou o
entusiasmo de todos os melhores na antigüidade, e aplauso irrestrito foi dado a
uma ou outra de suas formas pelos maiores pensadores e escritores da Grécia
e Roma; de modo que não podemos senão pensar que aqui o instruído
encontrava aquela satisfação para suas necessidades religiosas que era
necessária não só para os que não poderiam se elevar ao ar rarefeito da razão
pura, mas também para aqueles que já haviam subido tão alto aos píncaros da
razão que poderiam captar um vislumbre do outro lado. Os cultos oficiais eram
notoriamente incapazes de lhes dar esta satisfação, e eram tolerados pelos
ilustrados apenas como um auxílio para o povo e um meio de preservar a vida
tradicional da cidade ou estado.

Era pensamento geral que as pessoas mais virtuosas da Grécia fossem


membros das escolas Pitagóricas, tanto homens quanto mulheres. Após a
morte de seu fundador, os Pitagóricos parecem ter gradualmente se misturados
às comunidades Órficas e a “vida Órfica” era o termo reservado para uma vida
de pureza e auto-negação. Sabemos igualmente que os Órficos, e portanto os
Pitagóricos, estavam ativamente engajados na reforma, ou mesmo na
reformulação completa, dos ritos Baco-Eleusinos; eles parecem ter recuperado
o lado puro do culto Báquico com a reinstituição ou reimportação dos Mistérios
Báquicos, e é muito evidente que tais ascetas e profundos pensadores não
poderiam ter-se contentado com uma forma inferior de culto. Sua influência
também se espalhou amplamente nos círculos Báquicos em geral, de modo
que vemos Eurípides colocando as seguintes palavras na boca do coro dos
iniciados Báquicos: “Envolto em vestes brancas eu fujo da raça dos mortais, e
jamais me aproximarei do vaso da morte novamente, pois eu criei com alimento
aquela alma sempre habitada” (de um fragmento de Os Cretenses. Vide
Aglaophamus, de Lobeck, p. 622). Tais palavras poderiam bem ser colocadas
na boca de um asceta Brâmane ou Budista, ávido por escapar dos laços de
Samsâra [a roda dos eternos nascimentos e mortes – NT]; e tais homens não
poderiam com justiça ser classificados indiscriminadamente junto com álacres
dissolutos – a concepção comum de uma companhia Báquica.

Mas, alguém poderia dizer, Eurípides e os Pitagóricos e os Órficos não


constituem evidência para o primeiro século; qualquer bem que tenha havido
em tais escolas e comunidades, tinha terminado há muito. Ao contrário, a
evidência é toda contra esta objeção. Filo, escrevendo em torno de 25 d.C.,
nos fala que em seus dias numerosos grupos de homens, que em todos os
aspectos levava esta vida de religião, que haviam abandonado suas
propriedades, se retirado do mundo e devotado-se completamente à procura
da sabedoria e ao cultivo da virtude, estavam largamente espalhados por todo
o mundo. Em seu tratado Sobre a Vida Contemplativa, ele escreve: “Esta
classe natural de homens é encontrada em muitas partes do mundo habitado,
tanto grego como não-grego, comungando no bem perfeito. No Egito há
multidões deles em cada província, ou nomo, como eles chamam, e
especialmente em torno de Alexandria”. Esta é uma declaração
importantíssima, pois se havia tantos devotados à vida religiosa em seu tempo,
segue-se que a época não era de pura depravação.

Não se deve pensar, contudo, que estas comunidades fossem todas de


natureza exatamente similar, ou de uma e mesma origem, a menos que fossem
todos Terapeutas ou Essênios. Temos só que lembrar das várias linhas de
descendência das doutrinas mantidas por inumeráveis escolas classificadas
em bloco como Gnósticas, como esbocei em meu último trabalho, Fragments
of a Faith Forgotten (Fragmentos de uma Fé Esquecida), e então voltarmo-nos
aos belos tratados das escolas Herméticas, para nos persuadirmos que no
primeiro século a procura pela vida religiosa e filosófica era largamente
disseminada e multiforme.
Não estamos, porém, entre aqueles que acreditam que a origem das
comunidades dos Terapeutas de Filo, e dos Essênios de Filo e Josefo, deva ser
derivada da influência Órfica ou Pitagórica. A questão da origem precisa ainda
está além do poder da pesquisa histórica, e não somos daqueles que
amplificam um elemento da massa até que se torne uma fonte universal. Mas
quando lembramos da existência de todas estas comunidades tão amplamente
disseminadas no primeiro século, quando estudamos os registros imperfeitos
mas importantes das mui numerosas escolas e irmandades de natureza
semelhante que passaram a contatar intimamente com o Cristianismo em suas
origens, não podemos senão sentir que havia o fermento de uma forte vida
religiosa agindo em muitas partes do Império.

Nossa grande dificuldade é que estas comunidades, irmandades e associações


se mantiveram à parte, e com raras exceções não deixaram registros de suas
práticas e crenças íntimas, ou se deixaram algum, foi destruído ou se perdeu.
Para a maior parte temos então que nos fiar em indicações gerais de caráter
muito superficial. Mas este registro imperfeito não é escusa para negarmos ou
ignoramos sua existência e a intensidade de suas práticas; e uma história que
se propõe a formar uma imagem da época é inteiramente insuficiente na
medida em que omitir de sua perspectiva este assunto tão vital.

Apolônio circulou neste ambiente; mas quão pouco seu biógrafo parece ter-se
apercebido do fato! Filóstrato tem uma apreciação retórica de uma vida
filosófica palaciana, mas nenhum sentimento para a vida religiosa. É só
indiretamente que A Vida de Apolônio, como agora é descrita, pode jogar
alguma luz sobre estas interessantíssimas comunidades, mas mesmo um
clarão ocasional é precioso onde tudo está em tamanha obscuridade. Fosse
possível apenas entrar na memória viva de Apolônio e ver com seus olhos as
coisas que viu quando viveu dezenove séculos atrás, quão inestimável página
da história poderia ser recuperada! Ele não só percorreu todos os países onde
a nova fé estava assentando raízes, mas viveu durante anos na maioria deles,
e estava intimamente relacionado com diversas comunidades místicas do
Egito, Arábia e Síria. Certamente ele deve ter visitado também algumas das
primeiras comunidades Cristãs, deve ter palestrado até mesmo com alguns dos
“discípulos do Senhor”! Mas nenhuma palavra é dita sobre isso, nem obtemos
sequer um simples fragmento de informação sobre estes pontos do que foi
registrado sobre ele. Certamente ele deve ter-se encontrado com Paulo, se não
em outro lugar, pelo menos em Roma, em 66, cidade que ele teve de deixar por
causa do edito de banimento contra os filósofos, no mesmo ano em que
segundo alguns Paulo foi decapitado!

III. ÍNDIA E GRÉCIA

Há contudo uma outra razão pela qual Apolônio é importante para nós. Ele era
um admirador entusiástico da sabedoria da Índia. Aqui também se abre um
tópico de grande interesse. Que influências, se alguma houve, tiveram o
Bramanismo e o Budismo sobre o pensamento ocidental naqueles primeiros
anos? Alguns asseveram enfaticamente que houve grande influência; do
mesmo modo enfático outros negam que tenha havido alguma. Portanto é
aparente que não há evidência realmente inquestionável a respeito do assunto.
Exatamente como alguns atribuiriam a influência Pitagórica sobre a
constituição das comunidades Essênias e Terapêuticas, outros atribuiriam suas
origens à propaganda Budista; e não somente eles detectariam esta influência
nos preceitos e práticas Essênias, mas relacionariam até o ensino geral de
Cristo a uma fonte Budista sob uma feição monoteísta Judia. E não só, mas
alguns diriam que dois séculos antes, através do contato direto e comum da
Grécia com a Índia, produzido pelas conquistas de Alexandre, a Índia, via
Pitágoras, teria influenciado forte e duradouramente todo o pensamento grego
posterior.

A questão certamente não pode ser resolvida com uma negativa ou afirmação
apressadas; requer não apenas um amplo conhecimento de história geral e um
estudo detalhado das indicações esparsas e imperfeitas sobre o pensamento e
a prática, mas também uma fina apreciação do valor correto da evidência
indireta, pois não temos nenhum testemunho direto de natureza realmente
decisiva. Não pretendemos possuir estas altas qualificações, e nossa maior
ambição é simplesmente dar umas indicações muito breves e gerais sobre a
natureza do assunto.

É claramente asseverado pelos antigos gregos que Pitágoras foi à Índia, mas
como a declaração foi feita por escritores Neo-Pitagóricos e Neo-Platônicos,
posteriores ao tempo de Apolônio, é objetado que as viagens do Tianeu
sugeriram não só este item na biografia do grande Samiano mas diversos
outros, ou mesmo que o próprio Apolônio, em sua Vida de Pitágoras, foi o autor
do boato. A estreita semelhança, entretanto, entre muitas das características da
disciplina e doutrina Pitagóricas e o pensamento e prática Indo-Arianas nos
fazem hesitar ante rejeitar inteiramente a possibilidade de Pitágoras ter visitado
a antiga Âryâvarta.

E mesmo que não possamos ir tão longe a ponto de acalentar a possibilidade


de um contato direto pessoal, devemos levar em conta o fato de que Ferécides,
o mestre de Pitágoras, possa ter conhecido algumas das idéias principais da
sabedoria Védica. Ferécides ensinou em Éfeso, mas ele mesmo era muito
provavelmente persa, e é muito verossímil que um asiático instruído, ensinando
uma filosofia mística e baseando sua doutrina sobre a idéia do renascimento,
possa ter tido algum conhecimento direto ou indireto do pensamento Indo-
Ariano.

A Pérsia deve ter estado naquele tempo em contato estreito com a Índia, pois
perto da morte de Pitágoras, no reinado de Dario, filho de Histaspes, e no fim
do sexto e início do sétimo século antes de nossa era, ouvimos sobre a
expedição do general Persa Scilax sobre o Indo, e aprendemos de Heródoto
que neste reino da Índia (isto é, o Punjab), ele constituiu a vigésima satrápia da
monarquia Persa. Mais ainda, havia tropas indianas entre as hostes de Xerxes;
elas invadiram a Tessália e lutaram em Platéia.

Do tempo de Alexandre em diante houve um contato constante e direto entre


Âryâvarta e os reinos dos sucessores do conquistador do mundo, e muitos
gregos escreveram sobre esta terra de mistérios; mas em tudo o que nos
chegou procuramos em vão por algo além de vagas indicações do que os
“filósofos” da Índia pensavam sistematicamente.

Que os Brâmanes tivessem nesta altura permitido que seus livros sagrados
fossem lidos pelos yavanas (os jônios, o nome genérico para os gregos nos
registros indianos) é contrário a tudo o que conhecemos de sua história. Os
yavanas eram mlechchhas [estrangeiros – NT], estranhos à sociedade dos
árias, e tudo o que poderiam obter da ciosamente guardada Brahma-vidyâ ou
teosofia deve ter dependido somente de observação externa. Mas a atividade
religiosa dominante na Índia de então era o Budismo, e é neste protesto contra
as rígidas distinções de casta e raça feitas pelo orgulho Bramânico, e na
extraordinária novidade de uma propaganda religiosa entusiástica entre todas
as classes e raças da Índia, é que devemos procurar pelo contato mais direto
de pensamento entre a Índia e a Grécia.

Por exemplo, em meados do século III a.C., sabemos, pelo XIII Edito de Asoka,
que este imperador Budista da Índia, o Constantino do oriente, enviou
missionários a Antíoco II da Síria, Ptolomeu II do Egito, Antígono Gônatas da
Macedônia, Magas de Cirene, e Alexandre II do Épiro. Quando, em um terreno
de registros tão imperfeitos, a evidência do lado da Índia é tão clara e
indubitável, quão mais extraordinário é que não tenhamos nenhum testemunho
direto de nosso lado sobre uma atividade missionária tão grande. Mesmo que,
então, meramente por causa de uma ausência de toda informação direta a
partir de fontes gregas, seja muito temerário generalizarmos, não obstante por
nosso conhecimento da época não é ilegítimo concluirmos que nenhum grande
impacto público poderia ter sido feito por estes pioneiros do Dharma no
ocidente. Com toda probabilidade estes Bhikshus [sábios ascetas – NT]
Budistas não produziram nenhum efeito sobre os governantes ou sobre o povo.
Mas foi sua missão inteiramente improfícua; e a iniciativa missionária Budista
para o ocidente termina com eles?

A resposta para esta pergunta, segundo nos parece, está oculta na


obscuridade das comunidades religiosas. Não podemos, contudo, ir tão longe a
ponto de concordar com os que cortariam o nó górdio assegurando
dogmaticamente que as comunidades ascéticas na Síria e no Egito foram
fundadas por estes propagandistas Budistas. Mesmo na Grécia já havia não só
comunidades Pitagóricas, mas mesmo antes destas, comunidades Órficas,
pois mesmo aqui acreditamos que Pitágoras antes desenvolveu o que
encontrou já existindo, do que estabeleceu algo inteiramente novo. E se eram
encontradas na Grécia, é muito mais que razoável supor que estas
comunidades já existissem na Síria, Arábia e Egito, cujas populações eram
muito mais dadas a exercícios religiosos do que os Gregos, céticos e amantes
do riso.

Contudo, é crível que em tais comunidades, se em alguma delas, a


propaganda Budista tenha encontrado uma audiência receptiva e atenta; mas
mesmo assim é notável que elas não tenham deixado traços diretos nítidos de
sua influência. De todo modo, seja por mar, seja pela grande rota de
caravanas, sempre houve uma linha de comunicação aberta entre a Índia e o
Império dos sucessores de Alexandre; e é mesmo permissível especular que se
fosse possível recuperar um catálogo da grande biblioteca de Alexandria, por
exemplo, talvez por acaso descobríssemos que havia manuscritos indianos
entre outros rolos e pergaminhos das escrituras dos povos.

De fato, há frases nos tratados mais antigos da literatura Hermética


Trismegística que podem ser emparelhados tão próximo com frases dos
Upanishads e do Bhagavad Gitâ que quase se é tentado a acreditar que os
escritores tinham algum conhecimento do conteúdo geral destas escrituras
Brâmanes. A literatura Trismegística tem sua gênese no Egito, e seu primeiro
depósito deve ser datado pelo menos no primeiro século d.C., se a data não
puder ser levada ainda mais para trás. Ainda mais extraordinária é a similitude
entre a elevada metafísica mística do doutor Gnóstico, Basílides, que viveu
entre o fim do primeiro e o início do segundo século d.C., e as idéias
Vedantinas. Mais ainda, tanto as escolas Herméticas quanto as Basilidinas e
suas predecessoras imediatas eram devotadas à férrea auto-disciplina e ao
profundo estudo filosófico, o que as poderia tornar ávidas por acolher quaisquer
filósofos ou místicos que pudessem chegar do longínquo oriente.

Mas mesmo assim, não somos daqueles que por suas limitações de
possibilidades auto-impostas estão condenados a considerar algum contato
físico direto como uma explicação para a similaridade de idéias ou mesmo de
frases. Considerando, por exemplo, que há muita semelhança entre os
ensinamentos do Dharma de Buda e o Evangelho de Cristo, e que o mesmo
espírito de amor e gentileza pervade a ambos, ainda não há necessidade, por
virtude desta semelhança, de procurar por uma transmissão puramente física.
Do mesmo modo quanto a outras escolas e instrutores; condições semelhantes
produzem fenômenos similares; esforços e aspirações similares produzem
experiências e idéias parecidas, e respostas também semelhantes. E este
acreditamos ser o caso não de uma maneira genérica, mas que tudo é muito
definidamente ordenado a partir de dentro pelos servos dos verdadeiros
guardiães das coisas religiosas neste mundo.

Não somos, pois, compelidos a enfatizar demais a questão da transmissão


física, ou a procurar mesmo encontrar prova de cópia. A mente humana em
seus vários graus é basicamente a mesma em todos os climas e idades, e sua
experiência interna tem um chão comum no qual a semente pode ser lançada,
assim como é cultivada e livrada de ervas daninhas. As boas sementes provêm
todas do mesmo granel, e os que as semeiam não prestam atenção alguma às
distinções externas de raça e credo feitas pelo homem.

Portanto, por mais difícil que seja provar, a partir de registros


inquestionavelmente históricos, qualquer influência direta do pensamento
indiano sobre as concepções e práticas de algumas destas comunidades
religiosas e escolas filosóficas do Império Greco-Romano, e mesmo que em
qualquer caso particular a similaridade de idéias não precise necessariamente
ser assinalada pela transmissão física direta, de qualquer maneira, a maior
probabilidade, se não a maior certeza, continua sendo a de que mesmo antes
dos dias de Apolônio havia na Grécia algum conhecimento privado das idéias
gerais do Vedânta e do Dharma; enquanto que no caso do próprio Apolônio,
mesmo se descontarmos nove décimos do que é dito sobre ele, sua única idéia
parece ter sido disseminar largamente entre as irmandades e instituições
religiosas do Império alguma porção da sabedoria que ele trouxe consigo da
Índia.

Quando, então, descobrimos no final do primeiro e no início do segundo


séculos, entre associações místicas tais como as escolas Herméticas e
Gnósticas, idéias que nos lembram fortemente a teosofia dos Upanishads ou a
ética esclarecida dos Suttas, temos sempre que levar em conta não só a alta
probabilidade de Apolônio ter visitado tais escolas, mas também a possibilidade
de ele ter nelas palestrado amplamente sobre a sabedoria indiana. Não só isso,
mas a memória de sua influência pode ter perdurado por muito tempo em tais
círculos, pois não encontramos Plotino, o corifeu do Neo-Platonismo, como é
chamado, tão enamorado pelo que ele ouvira em Alexandria sobre a sabedoria
da Índia, que em 242 ele partiu com a malfadada expedição Górdia ao oriente
na esperança de atingir aquela terra da filosofia? Com o fracasso da expedição
e o assassínio do Imperador, contudo, ele teve de voltar, para sempre
desapontado em sua esperança.

Porém, não devemos pensar que Apolônio tenha-se disposto a fazer uma
propaganda da filosofia hindu do mesmo modo que os missionários aprontam-
se para pregar sua concepção do Evangelho. De modo algum; Apolônio parece
ter tentado ajudar seus ouvintes, quaisquer que pudessem ser, do modo mais
adequado para cada um deles. Ele não começava lhes falando que aquilo no
que acreditavam era completamente falso e mortal para a alma, e que seu
bem-estar eterno dependia de sua adoção instantânea de seu esquema
especial de salvação; ele simplesmente tentava purgar e explicar melhor aquilo
que eles já acreditavam e praticavam. Que algum grande poder o susteve em
sua atividade incessante, e em sua obra quase universal, não é tão difícil de
acreditar; e é uma questão do mais profundo interesse, para aqueles que
tentam enxergar através das névoas da aparência, especular o modo como
não só um Paulo mas também um Apolônio foi ajudado e dirigido em sua obra
a partir de dentro.

Mas ainda não nasceu o dia em que será possível para a mente comum no
ocidente abordar a questão livre de preconceitos, para aceitar o pensamento
de que, vistos de dentro, não só Paulo mas também Apolônio bem podem ter
sido “discípulos do Senhor” no verdadeiro sentido da palavra; e que mesmo
que na superfície das coisas suas tarefas possam parecer tão diferentes em
muitos aspectos, e mesmo, para os preconceitos teológicos, inteiramente
antagônicas.

Por fortuna, contudo, já hoje existe um número crescente de pessoas


pensantes que não ficarão chocadas com esta crença, mas a receberão com
alegria como se fosse o anúncio do nascimento de um verdadeiro sol de
retidão, que fará mais para iluminar as multifárias vias da religião de nossa
humanidade comum do que toda a auto-retidão de qualquer corpo particular de
religiosos exclusivistas.

Então, é nesta atmosfera de caridade e tolerância que pediríamos ao leitor


abordar a consideração de Apolônio e seus feitos, e não só a vida e atos de um
Apolônio, mas também de todos aqueles que têm tentado ajudar seus
semelhantes em todo o mundo.

IV. O APOLÔNIO DAS PRIMEIRAS DESCRIÇÕES

Apolônio de Tíana (pronuncia-se com o acento na primeira sílaba e o primeiro


a curto) foi o mais famoso filósofo do mundo greco-romano do primeiro século,
e devotou a maior parte de sua longa vida à purificação dos muitos cultos do
Império e à instrução dos ministros e sacerdotes de suas religiões. Com a
exceção de Cristo, nenhum personagem mais interessante apareceu na cena
da história ocidental nestes primeiros anos. Muitas e variadas e
freqüentemente contraditórias são as opiniões que têm sido sustentadas sobre
Apolônio, pois o relato de sua vida que chegou a nós é do feitio de uma história
romântica antes que do de uma história objetiva. E isto em certa medida talvez
deva ser esperado, pois Apolônio, além de seu ensino público, teve uma vida à
parte, uma vida na qual mesmo seu discípulo favorito não entra. Ele viaja até
as terras mais distantes, e perde-se para o mundo por anos inteiros; ele entra
nos santuários dos templos mais sagrados e nos círculos internos das
comunidades mais fechadas, e o que ele diz ou faz lá permanece um mistério,
ou serve somente como uma oportunidade para tecerem alguma história
fantástica aqueles que não compreendem.

O estudo a seguir é simplesmente uma tentativa de colocar para o leitor um


breve esboço do problema que os registros e tradições sobre a vida do famoso
Tianeu representa; mas antes que tratemos da Vida de Apolônio, escrita por
Flávio Filóstrato no começo do século III, devemos dar uma breve notícia das
referências sobre Apolônio entre os escritores clássicos e os Padres da Igreja,
e um curto resumo da literatura de tempos mais recentes sobre o assunto, e
das várias oscilações da guerra de opinião a respeito de sua vida ao longo dos
últimos quatro séculos.

Primeiramente, então, as referências em autores clássicos e patrísticos.


Luciano, o espirituoso escritor da primeira metade do século II, toma como
tema de uma de suas sátiras o aluno de um discípulo de Apolônio, um
daqueles que estavam familiarizados com “toda a tragédia” (Alexander sive
Pseudomantis – Alexandre, ou o Pseudo-mago -, vi.) de sua vida. E Apuleio,
um contemporâneo de Luciano, classifica Apolônio junto com Moisés e
Zoroastro, e outros Magos famosos da antigüidade (De Magia – Sobre a Magia
-, xc; ed. Hildebrand, 1842; ii, 614).

Cerca da mesma época, em uma obra intitulada Quaestiones et Responsiones


ad Orthodoxos (Perguntas e Respostas aos Ortodoxos), antigamente atribuída
a Justino, o Mártir, que floresceu no segundo quarto do século II, encontramos
a seguinte interessante declaração:

“Pergunta 24: Se Deus é o autor e mestre da criação, como os objetos


consagrados (τελεσματα. Telesma era “um objeto consagrado, transformado
pelos árabes em telsam, talismã”; vide o Lexicon de Liddell e Scott, sub voc.)
de Apollonius têm poder nas (várias) ordens desta criação? Pois, como nós
vemos, eles acalmam a fúria das ondas e o poder dos ventos e impedem o
ataque dos vermes e das bestas selvagens”. ‡ (Justin Martyr, Opera – Obras -,
ed. Otto; 2ª edição; Jena, 1849; ii, 32)

Dion Cássio, em sua história (Lib. I; xxvii, 18), que escreveu entre 211 e 212
d.C., diz que Caracala (Imperador entre 211 e 216) honrou a memória de
Apolônio com uma capela ou monumento (heroum).

Foi bem nesta época (216) que Filóstrato compôs sua Vida de Apolônio, a
pedido de Domna Julia, a mãe de Caracala, e é com este documento
principalmente que temos de lidar a seguir.

Lamprídio, que floresceu em meados do século III, informa-nos ainda que


Alexandre Severo (Imperador entre 222 e 235) colocou a estátua de Apolônio
em seu lararium [espécie de capela onde os romanos colocavam as imagens
de seus deuses protetores do lar – NT] junto com as de Cristo, Abraão e Orfeu
(Life of Alexander Severus – A Vida de Alexandre Severo -, xxix).

Vopisco, escrevendo na última década do século III, nos conta que Aureliano
(Imperador entre 270 e 275) dedicou um templo a Apolônio, de quem ele tivera
uma visão quando assediava Tíana. Vopisco fala do Tianeu como “um sábio da
mais larga fama e autoridade, um antigo filósofo, e um verdadeiro amigo dos
Deuses”, e mais, como uma manifestação da deidade. “Pois quem dentre os
homens”, exclama o historiador, “foi mais santo, quem mais digno de
reverência, quem mais venerável, quem mais divinal que ele? Ele foi quem deu
vida aos mortos. Ele foi quem operou e disse tantas coisas além do poder dos
homens”. (Life of Aurelian – A Vida de Aureliano, xxiv). Tão entusiástico é
Vopisco sobre Apolônio, que prometeu que se vivesse, escreveria uma breve
história de sua vida em latim, para que seus feitos e palavras pudessem estar
na língua de todos, pois até então os únicos relatos estavam em grego (“Quae
qui velit nosse, groecos legat libros qui de ejus vita conscripti sunt – Que quem
quiser saiba que os gregos deixaram livros sobre sua vida”. Estes relatos
provavelmente foram os livros de Máximo, Merágenes e Filóstrato). Vopisco,
entretanto, não cumpriu sua promessa, mas sabemos que perto desta data
tanto Sotérico (um poeta épico Egípcio, que escreveu diversas histórias
poéticas em grego; floresceu na última década do terceiro século) quanto
Nicômaco escreveram Vidas sobre nosso filósofo, e logo depois Tácio
Vitoriano, trabalhando sobre as obras de Nicômaco (Sidonius Apollinaris,
Epistolae - Cartas -, viii, 3. Vide também Legrand d’Aussy, Vie d’Apollonius de
Tyane – A Vida de Apolônio de Tíana -, Paris, 1807; p. xlvii), também compôs
uma Vida. Nenhuma destas Vidas, contudo, chegou a nós.

Também foi exatamente neste período, a saber, os últimos anos do século III e
os primeiros do IV, que Porfírio e Jâmblico compuseram seus tratados sobre
Pitágoras e sua escola; ambos mencionam Apolônio como uma de suas
autoridades, e é provável que as primeiras 30 estâncias de Jâmblico sejam
tomadas de Apolônio (Porphyryus, De Vita Pythagorae – A Vida de Pitágoras -,
seção ii, ed. Kiessling; Leipzig, 1816. Iamblichus, De Vita Pythagorica – Sobre
a Vida Pitagórica -, cap. xxv, ed. Kiessling; Leipzig, 1913; vide especialmente a
nota de Kiessling, pp. II sqq. Vide também Porphyryus, Frag., De Styge –
Sobre o Estige -, p. 285, ed. Holst).
Agora chegamos a um incidente que arremessa o caráter de Apolônio na arena
da polêmica Cristã, onde tem sido debatido até os dias de hoje. Hiérocles,
sucessivamente governador de Palmira, da Bitínia e de Alexandria, e um
filósofo, cerca do ano 305 escreveu uma crítica sobre as reivindicações Cristãs,
em dois livros, chamada Um Apelo Verdadeiro aos Cristãos, ou mais
concisamente O Amante da Verdade. Ele parece ter-se baseado em grande
parte no trabalho anterior de Celso e Porfírio (vide Duchesne sobre as obras
recentemente descobertas de Macário Magno, Paris, 1877), mas introduziu um
novo tema de controvérsia ao contrapor as obras maravilhosas de Apolônio à
reivindicação dos Cristãos de direito exclusivo sobre “milagres” como prova da
divindade de seu Mestre. Nesta parte de seu tratado, Hiérocles usa a Vida de
Apolônio, de Filóstrato.

A esta pertinente crítica de Hiérocles, Eusébio de Cesaréia imediatamente


replicou em um tratado ainda existente, intitulado Contra Hieroclem (Contra
Hiérocles – O melhor texto é o de Gaynsford; Oxford, 1852: Eusebii Pamphili
contra Hieroclem – Eusébio Pânfilo contra Hiérocles; também existe em várias
edições de Filóstrato. Há duas traduções em latim, uma em italiano, uma em
dinamarquês, todas reunidas à Vita, de Filóstrato, e uma em francês, impressa
à parte: Discours d’Eusèbe Evêque de Cesarée touchant les Miracles attribuez
par les Payens à Apollonius de Tyane – Discursos de Eusébio, Bispo de
Cesaréia, a respeito dos Milagres atribuídos pelos Pagãos a Apolônio de Tíana
-, tr. de Cousin; Paris, 1584, 12°, 135 pp.). Eusébio admite que Apolônio era um
homem sábio e virtuoso, mas nega que haja provas suficientes de que as
maravilhas atribuídas a ele tenham mesmo ocorrido; e mesmo se ocorreram,
foram obra de “daimons” [preferimos manter a palavra daimon, mantida
também pelo autor (daemon), evidenciando sua fonte grega (δαιμσν), e
significando seres mais espirituais que o homem, de vários graus de
sublimidade, em vez da tradução contemporânea demônio, cujas associações
são completamente diversas em relação às originais – NT] e não de Deus. O
tratado de Eusébio é interessante; ele escrutiniza severamente as declarações
de Filóstrato, e mostra-se possuído de uma faculdade crítica de primeira linha.
Tivesse ele apenas usado esta faculdade nos documentos da Igreja, da qual foi
o primeiro historiógrafo, a posteridade lhe teria um débito eterno de gratidão.
Mas Eusébio, como tantos outros apologistas, só conseguia ver um lado da
questão; quando qualquer coisa tocante ao Cristianismo era chamada à cena,
a justiça se tornava estranha à sua mente, e ele teria considerado blasfemo
usar sua faculdade crítica sobre documentos que relatassem os “milagres” de
Jesus. Mesmo assim o problema dos “milagres” era o mesmo, como Hiérocles
assinalou, e assim permanece até hoje.

Depois a controvérsia reencarnou no século XVI, e quando a hipótese de ser o


“Diabo” a causa primeira de todos os “milagres” exceto os da Igreja perdeu sua
força com o progresso do pensamento científico, a natureza dos prodígios
relatados na Vida de Apolônio ainda era uma dificuldade tão grande que deu
origem a uma nova hipótese, a de plágio. A vida de Apolônio seria um plágio
Pagão da vida de Jesus. Mas Eusébio e os Padres que o seguiram não
suspeitavam disto; eles viveram numa época em que tal asserção poderia ter
sido facilmente refutada. Não há uma só palavra em Filóstrato que demonstre
ter ele algum conhecimento da vida de Jesus, e fascinante como é para muitos
a teoria de “escrita tendenciosa” de Baur, podemos somente dizer que como
plagiador da história do Evangelho, Filóstrato é um óbvio fracasso. Filóstrato
escreve a história de um homem bom e sábio, um homem com a missão de
ensinar, revestida das maravilhosas histórias preservadas na memória e
embelezadas pela imaginação de uma posteridade indulgente, mas não o
drama da Deidade encarnada como o cumprimento da profecia mundial.

Lactâncio, escrevendo em torno de 315, também atacou o tratado de Hiérocles,


que parece ter apresentado algumas críticas muito pertinentes; pois o Padre da
Igreja diz que ele enumera tantos de seus ensinamentos Cristãos internos
(intima) que algumas vezes ele parece ter seguido ao mesmo tempo o mesmo
treinamento (disciplina). Mas, diz Lactâncio, é em vão que Hiérocles tenta
demonstrar que Apolônio executou feitos similares ou mesmo maiores que
Jesus, pois os Cristãos não crêem que Cristo é Deus porque operou prodígios,
mas porque todas as coisas encontradas nele foram as que os profetas
anunciaram (Lactantius, Divinae Institutiones – As Instituições Divinas -, v 2, 3;
ed. Fritsche; Leipzig, 1842; pp. 233, 236). E tomando este rumo Lactâncio viu
muito mais claramente que Eusébio a fragilidade da “prova milagrosa”.

Arnóbio, o professor de Lactâncio, entretanto, escrevendo no fim do século III,


antes da controvérsia, ao se referir a Apolônio ele simplesmente o classifica
entre os Magos, como Zoroastro e os outros mencionados na passagem de
Apuleio a que já nos referimos (Arnobius, Adversus Nationes – Contra as
Seitas -, i, 52; ed. Hildebrand; Halle, 1844; p. 86. O Padre da Igreja, contudo,
com aquele exclusivismo peculiar à visão Judeu-Cristã, omite Moisés da lista
de Magos).

Mas mesmo depois da controvérsia ainda existe uma larga diferença de opinião
entre os Padres, pois já no fim do século IV João Crisóstomo, com grande
mordacidade, chama Apolônio de enganador e fazedor de más obras, e declara
que todos os incidentes de sua vida são ficção desqualificada (Johannes
Chrysostomus, Adversus Judaeos – Contra os Judeus -, v, 3, p. 631; De
Laudibus Sancti Pauli Apost. Homil. – Sobre as Honoráveis Homilias de São
Paulo Apóstolo -, iv, p. 493 d; ed. Monfauc). Jerônimo, ao contrário, na
mesmíssima data, assume uma posição quase favorável, pois, após ler
Filóstrato, escreve que Apolônio encontrou em toda parte algo que aprender e
algo por onde se tornar um homem melhor (Hieronymus, Ep. Ad Paulinum –
Epístola aos Paulinos -, 53; texto a partir de Kayser, pref. ix). No começo do
século V também Agostinho, enquanto ridiculariza qualquer tentativa de
comparar-se Apolônio com Jesus, diz que o caráter do Tianeu era “muito
superior” àquele atribuído a Júpiter, no que se tratava de virtude (Augustinus,
Epistolae – Cartas -, cxxxviii. Texto citado por Legrand d’Aussy; op. cit., p. 294).

Por volta da mesma data também encontramos Isidoro de Pelúsio, morto em


450, negando asperamente que houvesse qualquer verdade na reivindicação
feita por “alguns”, que ele não diz quem são, de que Apolônio de Tíana
“consagrou muitos locais em muitas partes do mundo para a segurança de
seus habitantes” (Isidorus Pelusiota, Epp. – Cartas -, p. 138; ed. J. Billius;
Paris, 1585). É instrutivo comparar a negativa de Isidoro com a passagem que
já citamos do Pseudo-Justino. O escritor de Perguntas e Respostas aos
Ortodoxos no segundo século não poderia descartar a pergunta através de
uma simples negação; ele teve de admití-la e discutir o caso em outras bases,
quais sejam, a agência do Diabo. Nem o argumento dos Padres, de que
Apolônio usava magia para produzir seus resultados, enquanto que Cristãos
ignorantes poderiam realizar curas milagrosas através de uma simples palavra
(vide Arnóbio, loc. cit.), pode ser aceito como válido pelo crítico imparcial, pois
não há evidências para sustentar a pretensão de que Apolônio haja empregado
tais métodos para suas obras maravilhosas; ao contrário, tanto o próprio
Apolônio quanto seu biógrafo Filóstrato reiteradamente repudiam a acusação
de magia levantada contra ele.

Por outro lado, poucos anos depois, Sidônio Apolinário, Bispo de Claremont,
fala de Apolônio em termos os mais altos. Sidônio traduziu a Vida de Apolônio
para o latim para Leão, conselheiro do Rei Eurico, e escrevendo para seu
amigo, diz: “Lêde a vida de um homem que, religião à parte, se assemelha à
vossa em muitos pontos; um homem procurado pelos ricos, ainda que jamais
tenha procurado riquezas; que amava a sabedoria e desprezava o ouro; um
homem frugal em meio a festins, vestido de linho no meio dos purpurados,
austero no meio da luxúria... Enfim, falando claramente, talvez nenhum
historiador encontrará nos tempos antigos um filósofo cuja vida fosse igual à de
Apolônio” (Sidonius Apollinaris, Epistolae - Cartas -, viii, 3. Também Fabricius,
Bibliotheca Graeca – Biblioteca Grega -, pp. 549, 565; ed. Harles. A obra de
Sidônio sobre Apolônio infelizmente foi perdida.)

Assim vemos que mesmo entre os Padres da Igreja as opiniões se dividiam;


enquanto que entre os próprios filósofos o louvor de Apolônio era ardente.

Pois Amiano Marcelino, “o último súdito de Roma que compôs uma história
profana na língua latina”, e amigo de Juliano, o Imperador filósofo, refere-se ao
Tianeu como “aquele celebérrimo filósofo” (amplissimus ille philosophus, xxiii,
7. Vide também xxi, 14; xxiii, 19), enquanto que uns poucos anos depois
Eunápio, discípulo de Crisâncio, um dos professores de Juliano, escrevendo
nos derradeiros anos do século IV, diz que Apolônio era mais que um filósofo;
era “um meio-termo, por assim dizer, entre os deuses e os homens” (τι θεων τε
κατ ανΦρωπου μεσο, significando com isso presumivelmente alguém que
tenha atingido o grau de ser superior ao homem, mas ainda não igual aos
deuses. Esta era a ordem “daimôníca” dos gregos. Mas a palavra “daimon”,
devido à aspereza sectarista, há muito degradou-se de seu antigo patamar
elevado, e a idéia original agora encontra tradução na linguagem comum
através do termo “anjo”. Compare com Platão, Symposium – O Banquete, xxiii,
παν τα δαιμσνιονμεταεν εστι θεου τε και ϑνητου – “tudo o que é daimônico está
entre Deus e o homem”. Não só Apolônio era um adepto da filosofia Pitagórica,
mas “exemplificou plenamente o seu lado mais divino e prático”. De fato,
Filóstrato deveria ter chamado sua biografia de “A Estada de um Deus entre os
Homens” (Eunapius, Vitae Philosophorum – Vidas dos Filósofos -, Proêmio, vi;
ed. Boissonade; Amsterdam, 1822; p. 3). Esta apreciação aparentemente por
demais exagerada talvez encontre uma explicação no fato de que Eunápio
pertenceu a uma escola que conhecia a natureza das realizações atribuídas a
Apolônio.
Na verdade, “tão tarde quanto no século V, encontramos um Volusiano, um
procônsul da África, descendente de uma antiga família romana e ainda
fortemente ligado à religião de seus ancestrais, quase adorando Apolônio de
Tíana como um ser sobrenatural” (Réville, Apollonius of Tyana; tr. do francês, p.
56; Londres, 1866. Contudo, não fui capaz de descobrir com que autoridade
esta declaração é feita).

Mesmo depois do declínio da filosofia encontramos Cassiodoro, que passou os


últimos anos de sua longa vida em um mosteiro, falando de Apolônio como o
“renomado filósofo” (“Insignis philosophus”; vide sua Chronicon – Crônica -,
escrita antes de 519). Do mesmo modo entre os autores bizantinos, o monge
George Syncellus, no século VIII, refere-se diversas vezes ao nosso filósofo, e
não apenas despido de toda a crítica adversa, mas declarando que ele foi a
primeira e mais notável de todas eminências que surgiram no Império. †
(Chronographia. Vide Legrand d’Aussy, op. Cit., p. 313). Tzetzes também, o
crítico e gramático, chama Apolônio de “todo-sábio e ante-conhecedor de todas
as coisas” (Chiliades, ii, 60).

E mesmo que o monge Xiphilinus, no século IX, em uma nota para sua versão
abreviada da história de Dion Cássio, chame Apolônio de astuto ilusionista e
mágico, § (Citado por Legrand d’Aussy, op. cit. p. 286), não obstante Cedreno,
no mesmo século, dá a Apolônio o título não indigno de “adepto filósofo
Pitagórico” (φιλοσοφος ΙΙυφαγσρειος στοιχειωματικσς. Cedreno, Compendium
Historiarium – Compêndio de História -, i, 346; ed. Bekker. A palavra que traduzi
como “adepto” – stoicheiomaticos - significa “o que tem poder sobre os
elementos”) e relata diversos exemplos da eficácia de seus poderes em
Bizâncio. De fato, se podemos acreditar em Nicetas, no século XIII ainda havia
em Bizâncio certas portas de bronze, antigamente consagradas por Apolônio,
que tiveram que ser postas abaixo porque se haviam tornado objeto de
superstição mesmo entre os próprios Cristãos. (Legrand d’Aussy, op. cit., p.
308).

Tivesse a obra de Filóstrato desaparecido junto com as outras Vidas, o que


apresentei acima seria tudo o que conheceríamos sobre Apolônio (se
excetuarmos as suas controversas Cartas e umas poucas citações de um dos
escritos perdidos de Apolônio). Muito pouco, de fato, relativo a uma figura tão
distinguida, mas o bastante para mostrar que, com a exceção do preconceito
teológico, o sufrágio da antigüidade estava todo do lado de nosso filósofo.

V. TEXTOS, TRADUÇÕES E LITERATURA

Agora passamos aos textos, traduções e literatura geral sobre o assunto em


tempos mais recentes. Apolônio voltou à memória do mundo, depois do
esquecimento na idade das trevas, sob maus auspícios. Desde o início a antiga
controvérsia Hiérocles-Eusébio foi ressuscitada, e todo o assunto foi de uma
vez retirado da calma região da filosofia e história e arremessado mais uma vez
na tumultuosa arena do amargor e preconceito religiosos. Durante muito tempo
Aldus hesitou em publicar o texto de Filóstrato, e finalmente só o fez em 1501,
com o texto de Eusébio como apêndice, para que, como ele piamente diz, “o
antídoto possa acompanhar o veneno”. Junto apareceu uma tradução latina do
florentino Rinucci (Philostratus de Vita Apollonii Tyanei - Sobre a Vida de
Apolônio de Tíana, por Filóstrato, tr. por Rinucci, e Eusebius contra Hieroclem
– Eusébio contra Hiérocles, tr. por Acciolo; Veneza, 1501-04, fol.), a tradução
de Rinucci foi retificada por Beroaldus e impressa em Lion [1504?], e
novamente em Colônia [1534]).

Em acréscimo à tradução latina o século XVI produziu também uma italiana (F.
Baldelli, Filostrato Lemnio della Vita di Apollonio Tianeo – A Vida de Apolônio
de Tíana, por Filóstrato de Lemnos, Florença, 1549, 8°) e uma francesa (B. de
Vignère, Philostrate de la Vie d’Apollonius – A Vida de Apolônio, por Filóstrato,
Paris, 1596, 1599, 1611). A tradução de Blaise de Vignère subseqüentemente
foi corrigida por Frédéric Morel e mais tarde por Thomas Artus, Sieur d’Embry,
com notas bombásticas nas quais ataca ferozmente a taumaturgia de Apolônio.
Uma tradução francesa também foi feita por Th. Sibilet, em torno de 1560, mas
nunca foi publicada; o manuscrito estava na Biblioteca Imperial. Vide Miller,
Journal des Savants, 1849, p. 625, citado por Chassang, op. infr. cit. P. iv).

A editio princeps de Aldus foi superada um século depois pela edição de Morel
(F. Morellus, Philostrati Lemnii Opera – Obras de Filóstrato Lêmnio, Grega e
Latina; Paris, 1608), que por sua vez um século depois foi superada pela de
Olearius (G. Olearius, Philostratorum quae supersunt Omnia – As Obras
Completas Remanescentes de Filóstrato, Grega e Latina; Leipzig, 1709). Cerca
de um século e meio após o texto de Olearius foi superado novamente pelo de
Kayser (o primeiro texto crítico), cujo trabalho em sua última edição contém
todo o moderno aparato crítico (C.L.Kayser, Flavii Philostrati quae supersunt...,
etc; Zurique, 1844, 4°). Em 1849 A. Westermann também editou um texto,
Philostratorum et Callistrati Opera – Obras de Filóstrato e Calístrato, na
Scriptorum Graecorum Bibliotheca – Biblioteca de Escritores Gregos; Paris,
1849, 8°). Mas Kayser trouxe à luz uma nova edição em 1853 (?), e novamente
uma terceira, com informações adicionais no Prefácio, na Bibliotheca
Teubneriana (Leipzig, 1870). Toda a informação que diz respeito aos
manuscritos, é encontrada nos Prefácios Latinos de Kayser.

Agora tentaremos dar alguma idéia da literatura geral sobre o assunto, para
que o leitor possa ser capaz de perceber algumas das várias oscilações da
guerra de opiniões nas indicações bibliográficas. Se o leitor comum for
impaciente e ávido de chegar a algo de maior interesse, ele poderá facilmente
omitir sua consulta; enquanto que se for um amante do caminho místico, e não
tiver gosto pela controvérsia, poderá ao menos simpatizar com o escritor, que
foi compelido a repassar as obras do último século e a dúzia dos séculos
precedentes, antes que pudesse aventurar uma opinião própria com clara
consciência.

Um preconceito sectarista contra Apolônio caracteriza quase toda a opinião


antes do século XIX (para um sumário geral da opinião antes de 1807, em
escritores que mencionam Apolônio incidentalmente, vide Legrand d’Aussy, op.
cit. pp. 313-327). Dos livros especialmente dedicados a Apolônio, os trabalhos
do Abade Dupin (L’Histoire d’Apollone de Tyane convaincue de Fausseté et
d’Imposture – A História de Apolônio de Tíana, cheia de Falsidade e Impostura,
Paris, 1705) e de Tillemont (An Account of the Life of Apollonius Tyaneus – Um
Relato da Vida de Apolônio de Tíana, Londres, 1702; tr. do francês, do vol. ii da
Histoire des Empereurs – História dos Imperadores, de Lenain de Tillemont, 2ª
ed. Paris, 1720: à qual são acrescentadas Some Observations upon Apollonius
- Algumas Observações sobre Apolônio. A visão de Tillemont é que Apolônio foi
enviado pelo Diabo para destruir a obra do Salvador) são ácidos ataques ao
Filósofo de Tíana em defesa do monopólio Cristão dos milagres; enquanto que
os do Abade Houtteville (A Critical and Historical Discourse upon the Method of
the Principal Authors who wrote for and against Christianity from its Biginning –
Um Discurso Crítico e Histórico sobre os métodos dos Principais Autores que
escreveram pró e contra o Cristianismo desde seus Primórdios, Londres, 1739;
tr. do francês do Abade Houtteville; ao qual é acrescentada uma Dessertation
on the Life of Apollonius Tyanaeus, with some Observations on the Platonists of
the Latter School – Dissertação sobre a Vida de Apolônio Tianeu, com algumas
Observações sobre os Platônicos da Última Escola, pp. 213-254) e de
Lüderwald (Anti-Hierocles oder Jesus Christus und Apollonius von Tyana in
ihren grossen Ungleichheit – Contra Hiérocles, ou Jesus Cristo e Apolônio de
Tíana em sua grande Desigualdade, editada por J.B.Lüderwald; Halle, 1793)
são menos violentos, ainda que nas mesmas linhas. Um escritor sob
pseudônimo, entretanto, segue uma linha algo distinta, no século XVIII, ao
emparelhar os milagres dos Jesuítas e de outras Ordens Monásticas aos de
Apolônio, considerando-os todos espúrios e sustentando a autenticidade só
dos de Jesus (Phileleutherius Helvetius, De Miraculis quæ Pythagoræ, Apolloni
Tyanensi, Francisco Asisio, Dominico, et Ignatio Lojolæ tribuuntur Libellus –
Libelo contra os Milagres atribuídos a Pitágoras, Apolônio de Tíana, Francisco
de Assis, Domingos e Inácio de Loyola, Draci, 1734).

Não obstante, Bacon e Voltaire falam de Apolônio nos mais altos termos (Vide
Legrand d’Aussy, op. cit., p. 314, onde são dados os textos) e mesmo um
século antes de Voltaire, o Deísta inglês Charles Blount (The Two First Books
of Philostratus concerning the Life of Apollonius Tyanaeus – Os Dois Primeiros
Livros de Filóstrato a respeito da Vida de Apolônio de Tíana, Londres, 1680, fol.
As notas de Blount, geralmente atribuídas a Lord Herbert, suscitaram tamanha
grita que o livro foi condenado em 1693, e sobrevivem poucas cópias. As notas
de Blount, entretanto, foram traduzidas para o francês um século mais tarde,
nos dias do Enciclopedismo, e anexas a uma versão da Vita, sob o título Vie
d’Apollonius de Tyane par Philostrate avec les Commentaires donnés en
Anglois par Charles Blount sur les deux Premiers Livres de Cette Ouvrage – A
Vida de Apolônio de Tíana, por Filóstrato, com os Comentários feitos em Inglês
por Charles Blount sobre os Primeiros Livros desta Obra, Amsterdam, 1779; 4
vols., S°, com uma irônica dedicatória ao Papa Clemente XIV, assinada
“Philaletes”) ergueu sua voz contra o opróbrio universal lançado contra o
caráter do Tianeu; este trabalho, contudo, foi rapidamente suprimido.

Em meio a esta guerra sobre milagres no século XVIII é agradável assinalar o


curto tratado de Herzog, que tenta dar um esboço da vida filosófica e religiosa
de Apolônio (Philosophiam Practicam Apollonii Tyanae in Sciagraphia –
Memento sobre a Filosofia Prática de Apolônio de Tíana, apresentado por
M.Jo. Christian Herzog; Leipzig, 1709; uma preleção acadêmica de 20 pp.)
mas, pena, não houve seguidores de exemplo tão liberal neste século de
contendas.
O mesmo quanto à literatura anterior sobre a matéria. Falando francamente,
nada é digno de leitura; o problema não podia ser considerado calmamente
neste período. Parte-se do falso terreno da controvérsia Hiérocles-Eusébio, que
foi apenas um incidente (pois a taumaturgia é comum a todos os grandes
instrutores e não exclusiva de Apolônio ou Jesus), e foi acirrado pelo
surgimento do Enciclopedismo e do racionalismo do período Revolucionário.
Não que a controvérsia sobre os milagres cessasse mesmo no século passado;
contudo, não obscureceu mais o horizonte todo, e o sol de um julgamento
tranqüilo pode ser visto irrompendo por entre as névoas.

A fim de tornar o resto de nosso sumário mais claro anexamos no fim deste
ensaio os títulos das obras que apareceram desde o início do século XIX, em
ordem cronológica. Um relance nesta listagem mostrará que o último século
produziu uma inglesa (Berwick), uma italiana (Lancetti), uma francesa
(Chassang), e duas alemãs (Jacob e Baltzer) (Filóstrato é um autor difícil de
traduzir; não obstante, Chassang e Baltzer o conseguiram muito bem; Berwick
também vale a pena, mas em sua maior parte nos dá uma paráfrase antes que
uma tradução e amiúde se engana no sentido. Chassang e Baltzer são de
longe as melhores traduções). A tradução do Rev. E. Berwick é a única versão
inglesa; em seu Prefácio, o autor, enquanto proclama a falsidade do elemento
milagroso na Vida, diz que o restante da obra merece atenção cuidadosa.
Nenhum mal sobrevirá à religião Cristã pela sua leitura, pois não há alusão à
vida de Cristo nele, e os milagres são baseados naqueles atribuídos a
Pitágoras.

Certamente este é um ponto de vista mais salutar do que o da controvérsia


religiosa tradicional, a qual, infelizmente, reviveu sob a grande autoridade de
Baur, que diz haver em alguns dos primeiros documentos da era Cristã
(notavelmente os Atos canônicos) escritos tendenciosos de apenas escasso
conteúdo histórico, representando os destinos variáveis das escolas e partidos
e não as verdadeiras histórias dos indivíduos. A Vida de Apolônio seria um
destes escritos tendenciosos; seu objetivo teria sido apresentar uma visão
oposta ao Cristianismo e a favor da filosofia. Baur, assim, divorcia todo o
assunto de seu ponto de vista histórico e atribui a Filóstrato um elaborado
esquema do qual era inteiramente inocente. A visão de Baur foi largamente
adotada por Zeller em sua Philosophie der Griechen (A Filosofia dos Gregos; v,
140), e por Réville, na Holanda.

Esta teoria Crística (levada por alguns extremistas ao ponto de negarem que
Apolônio jamais tenha existido) esteve em grande voga entre escritores deste
tema, especialmente os compiladores de artigos enciclopédicos; de qualquer
modo esta é uma posição mais tolerante do que a tradicional rinha milagreira,
que novamente foi ressuscitada em toda sua antiga estreiteza por Newman,
que só usa Apolônio como pretexto para uma dissertação sobre os milagres
ortodoxos, aos quais devota dezoito das vinte e cinco páginas de seu tratado.
Noack também acompanha Baur, e em alguma medida Pettersch, ainda que
trabalhe o tema no terreno da filosofia; enquanto que Möckeberg, pastor de S.
Nicolai em Hamburgo, ainda que tente ser justo com Apolônio, termina sua
prolixa dissertação com uma erupção de louvores ortodoxos a Jesus, louvores
que de modo nenhum criticamos, mas que estão totalmente deslocados neste
assunto.

A evolução da controvérsia taumatúrgica de Apolônio-Jesus para a batalha


Jesus-contra-Apolônio e mesmo Cristo-contra-Anticristo, contou com a
participação de ardentes campeões de um lado contra na melhor das hipóteses
fracos protestos de outro, é um espetáculo penoso de contemplar. Quão
tristemente Jesus e Apolônio devem ter olhado, e ainda olham, para toda essa
acidez e disputa inútil sobre suas santas pessoas. Por que a posteridade
deveria colocar suas memórias uma contra a outra? Opuseram-se eles durante
suas vidas? O fizeram seus biógrafos depois de suas mortes? Por que então a
controvérsia não cessou com Eusébio? Pois Lactâncio admite francamente o
ponto levantado por Hiérocles (para exemplificar que Hiérocles somente se
referiu a Apolônio como um exemplo entre muitos) – que “milagres” não provam
divindade. Baseamos nossos argumentos, diz Lactâncio, não sobre milagres,
mas no cumprimento da profecia (isto pelo menos devolveria Apolônio ao seu
ambiente natural, e confinaria a questão da divindade de Jesus ao seu terreno
Judeu-Cristão próprio). Tivesse esta postura mais sensível sido retomada em
vez da de Eusébio, quatro séculos atrás o problema de Apolônio teria sido
considerado em seu ambiente histórico natural, e muita tinta e papel teriam
sido poupados.

Com o progresso do método crítico, entretanto, a opinião finalmente em parte


recobrou seu equilíbrio, e é bom podermos recorrer a obras que resgatam o
assunto daquele obscurantismo teológico e o devolvem ao campo aberto da
pesquisa histórica e crítica. Os dois volumes do pensador independente
Legrand d’Aussy, que apareceram bem no início do século passado, são, para
a época, notavelmente livres de preconceito, e são uma tentativa de
imparcialidade histórica digna de louvor, mas a crítica ainda era jovem naquele
período. Kayser, ainda que não mergulhe completamente na matéria, decide
que o relato de Filóstrato é puramente uma “fabularis narratio” (narração
fabulosa - NT), mas encontra oposição consistente em I. Müller, que combate
por um forte elemento de história como pano de fundo. Mas de longe a melhor
análise das fontes é a de Jessen (Sou incapaz de oferecer qualquer opinião
sobre o livro de Nielsen, pela minha ignorância do dinamarquês, mas mas ele
tem todo o aspecto de um tratado cuidadoso e erudito, com abundância de
referências). O estudo de Priaulx trata somente do episódio indiano e não tem
valor crítico nenhum para a avaliação das fontes. De todos os estudos
anteriores, contudo, os trabalhos de Chassang e Baltzer são os mais
inteligentes no geral, pois ambos escritores conhecem as possibilidades da
ciência psíquica, ainda que em sua maior parte do ponto de vista precário dos
fenômenos espíritas.

Quanto ao algo pretensioso volume de Tredwell, que, sendo em inglês, é


acessível ao grande público, é largamente reacionário, e é usado como uma
fachada para uma crítica adversa das origens do Cristianismo de um ponto de
vista Secularista, que nega desde o começo a possibilidade do “milagre” em
qualquer acepção desta palavra. É introduzida uma massa de dados
numismáticos e outros bem conhecidos, que são inteiramente irrelevantes, mas
que parecem ser novos e surpreendentes para o autor, e é dado um mapa
antes da página de título, pretendendo indicar o itinerário de Apolônio, mas que
tem pouca relação com o texto de Filóstrato. Na verdade, em parte alguma
Tredwell demonstra que está trabalhando sobre o próprio texto, e o assunto,
nas suas mãos, é somente uma desculpa para uma divagante dissertação
sobre o século I sob o seu próprio ponto de vista.

Tudo isso é lamentável, pois com a exceção da tradução de Berwick, que é


quase inencontrável, não possuímos nada de valor em inglês para o leitor
comum (O Pagan Christ – Cristo Pagão – de Réville é uma completa
deformação do assunto, e o tratamento de Newman sobre a matéria transforma
seu tratado em um anacronismo para o século XX), exceto o breve esboço de
Sinnett, que é descritivo antes que crítico ou explanatório.

É o que temos, então, a respeito da história da opinião sobre Apolônio; agora


passaremos ao Apolônio de Filóstrato, e tentaremos se possível descobrir
alguns traços do homem histórico, e a natureza de sua vida e obra.

VI. O BIÓGRAFO DE APOLÔNIO

Flávio Filóstrato, o escritor da única Vida de Apolônio que chegou até nós
(consistindo de oito livros escritos em grego sob o título geral Τα ες τον Τυανεα
Απολλωνιον), era um distinguido homem de letras que viveu no último quartel
do século II e na primeira metade do século III (c. 175 – 245 d.C.). Ele era um
no círculo de escritores famosos e pensadores que se formou em torno da
Imperatriz filósofa (η θιλοιφος, vide o artigo Filóstrato, no Dicionário de
Biografias Gregas e Latinas, de Smith; Londres, 1870; iii. 327 b.) Julia Domna,
que foi o espírito dirigente do Império durante os reinados de seu marido
Septímio Severo e seu filho Caracala. Todos os três membros da família
imperial eram estudantes da ciência oculta, e era eminentemente uma época
em que as artes ocultas, boas ou más, eram uma paixão. Assim o cético
Gibbon, em seu esboço de Severo e sua famosa consorte, escreve:

“Como a maioria dos africanos, Severo era apaixonadamente dedicado aos


vãos estudos da magia e divinação, profundamente versado na interpretação
dos sonhos e augúrios, e perfeitamente conhecedor da ciência da astrologia
judiciária, que em quase todas as eras exceto a presente, manteve seu
domínio sobre a mente do homem. Ele perdeu sua primeira esposa enquanto
era governador da Gália Lionesa. Procurando uma segunda, desejou ligar-se
somente a alguma favorita da fortuna; e tão logo descobriu que uma jovem
dama de Emesa, na Síria, tinha um horóscopo régio [os itálicos são de Gibbon
- NA], ele solicitou e obteve sua mão. Julia Domna [mais corretamente Domna
Julia; Domna não sendo uma abreviação de Domina, mas sim o nome sírio da
Imperatriz - NA], (sendo este seu nome), mereceu tudo o que os astros
poderiam lhe prometer. Ela possuía, mesmo em idade avançada [morreu em
217 d.C. - NA], os encantos da beleza, unidos a uma imaginação brilhante,
raramente concedida ao seu sexo. Suas cativantes qualidades nunca fizeram
qualquer impressão profunda na sombria e ciumenta têmpera do marido
[outros historiadores sustentam o contrário - NA], mas no reinado de seu filho,
ela administrou os principais negócios do Império com uma prudência que
avalizava a autoridade dele, e com uma moderação que às vezes corrigia as
selvagens extravagâncias dele. Julia dedicou-se às letras e à filosofia com
algum sucesso, e com a mais esplêndida reputação. Ela era a patrona de todas
as artes, e a amiga de todos os homens de gênio” (Gibbon, Decline and Fall....
– Declínio e Queda do Império Romano, I, vi).

Vemos assim, mesmo a partir da apreciação algo mordaz de Gibbon, que


Domna Julia era uma mulher de caráter notável, cujos atos externos dão
evidência de um propósito interior, e cuja vida privada não foi descrita. Foi a
seu pedido que Filóstrato escreveu a Vida de Apolônio, e foi ela quem o proveu
da base de certos manuscritos que estavam em sua posse; pois a bela filha de
Bassiano, sacerdote do Sol em Emesa, era uma ardorosa colecionadora de
livros de todas as partes do mundo, especialmente de manuscritos de filósofos
e de memorandos e notas biográficas relacionadas aos estudantes famosos da
natureza interna das coisas.

Que Filóstrato era o melhor homem a ser encarregado de tão importante tarefa,
não há dúvida. É verdade que ele era um habilidoso estilista e versado homem
de letras, um crítico de arte e aficcionado antiqüário, como podemos ver por
seus outros livros; mas ele era um sofista antes que um filósofo, e mesmo
sendo um entusiástico admirador de Pitágoras e sua escola, o era à distância,
considerando-os mais através de uma adorável e maravilhosa atmosfera de
curiosidade e dos embelezamentos de uma imaginação vivaz do que de um
conhecimento pessoal de sua disciplina, ou de um conhecimento prático das
forças ocultas da alma com que lidavam seus adeptos. Temos, portanto, que
esperar um esboço da aparência de uma coisa desde fora, antes que uma
exposição da coisa em si desde dentro.

Abaixo damos uma listagem das fontes de onde derivaram suas informações a
respeito de Apolônio (uso inteiramente as edições do texto de Kayser de 1846
e 1870):

“Coletei meu material em parte das cidades que o amaram, em parte dos
templos cujos ritos e regras ele restaurou de seu antigo estado de negligência,
e em parte de suas próprias cartas [uma coleção destas cartas – mas não de
todas – esteve em posse do Imperador Adriano (117 – 138 d.C.), e foi
depositada em seu palácio de Âncio (viii, 20). Isto prova a grande fama que
Apolônio desfrutava logo depois de seu desaparecimento da história, e
enquanto sua memória ainda era viva. Deve ser notado que Adriano era um
governante esclarecido, um grande viajante, um amante da religião, e um
iniciado nos Mistérios de Elêusis – NA]. Informações mais detalhadas eu
procurei do seguinte modo. Damis foi um homem de alguma educação que
antes costumava viver na antiga cidade de Ninus [Nínive – NA]. Tornou-se um
discípulo de Apolônio e registrou suas viagens, nas quais ele diz que também
tomou parte, e também as concepções, ditos e predições de seu mestre. Um
membro da família de Damis trouxe à Imperatriz Julia seu livro de notas [τας
δελτους, tabuletas de escrever. Isto sugere que o relato de Damis não poderia
ser muito volumoso, ainda que Filóstrato mais adiante assegure sua natureza
detalhada (i, 19) - NA] contendo estas memórias, que até então não eram
conhecidas. Como eu era um do círculo da princesa, que era uma amante e
patrona de todas as produções literárias, ela me ordenou que reescrevesse
estes esboços e melhorasse sua forma de expressão, pois o ninivita
expressou-se claramente, mas seu estilo estava longe de ser correto. Também
tive acesso a um livro de Máximo de Egue [um dos secretários imperiais da
época, famoso por sua eloqüência, e tutor de Apolônio - NA], que continha
todos os feitos de Apolônio em Egue [uma cidade não longe de Tarso – NA].
Também há um testamento escrito por Apolônio, onde podemos conhecer
como ele quase desdenha a filosofia ως υποφεαζων την φσλοσφιαν εγενετο. O
termo υποφεαζων ocorre só nesta passagem, e não estou bem seguro de seu
significado – NA]. Quanto aos quatro livros de Merágenes [esta Vida, de
Merágenes, é casualmente mencionada por Orígenes, Contra Celsum, vi, 41;
ed. Lommatzsch; Berlin, 1841; ii, 373 – NA] sobre Apolônio, não merecem
atenção, pois ele não sabe nada sobre a maioria dos fatos de sua vida” (i, 2,3).

A estas fontes é que Filóstrato deve sua informação, fontes que infelizmente já
não existem, exceto talvez umas poucas cartas. Tampouco Filóstrato poupou
quaisquer esforços para reunir mais informações sobre o assunto, pois em
suas palavras finais (viii, 31), ele nos conta que ele próprio viajou para muitas
partes do “mundo” e em toda parte deparou-se com os “ditos inspirados”
(λογοις δαιμονιος) de Apolônio, e que ele conhecia especialmente bem o
templo dedicado à memória de nosso filósofo de Tíana e fundado às expensas
imperiais (“pois os imperadores não o julgaram indigno de honras semelhantes
às devidas a eles mesmos”), cujos sacerdotes, presume-se, tinham reunido
toda informação que podiam a respeito de Apolônio.

Uma análise inteiramente crítica do esforço de Filóstrato, portanto, deve levar


em conta todos estes fatores, e tentar assignar todas as declarações às suas
fontes originais. Mas mesmo então a tarefa do historiador seria incompleta,
pois é transparentemente óbvio que Filóstrato “embelezou” consideravelmente
a narrativa com numerosas notas e acréscimos próprios e com a composição
de diálogos.

Já que os antigos escritores não separavam suas notas do texto, ou


destacavam-nas de um modo nítido, temos de estar constantemente em
guarda para distinguir as fontes originais das glosas do escritor (raramente
temos uma indicação tão clara como, por exemplo, em i, 25: “O que segue é o
que eu fui capaz de saber... sobre a Babilônia.”). De fato Filóstrato está sempre
tirando partido da menção de um nome ou tema para demonstrar seu próprio
conhecimento, o qual é freqüentemente de uma natureza altamente legendária
e fantástica. Especialmente este é o caso na descrição das viagens de
Apolônio à Índia. Naquela época e por muito tempo depois a Índia era
considerada “o fim do mundo”, e uma infinidade das mais estranhas “histórias
de viajantes” e fábulas mitológicas estavam em circulação a seu respeito. Só
temos que ler os relatos dos escritores sobre a Índia (vide E.A.Schwanbeck,
Megasthenis Indica – A índia, por Megástenes; Bonn, 1846; e J.W.McCrindle,
Ancient India as described by Megásthenes e Arrian – A Índia descrita por
Megástenes e Arriano, Calcutá, Bombaim, Londres, 1877; The Commerce and
Navigation of the Erythraean Sea – O Comércio e Navegação do Mar Eritreu,
1879; Ancient India as described by Ktesias – A Ìndia descrita por Ktésias,
1882; Ancient India as described by Ptolemy – A Ìndia descrita por Ptolomeu,
Londres, 1885; e The Invasion of India by Alexander the Great – A Invasão da
Índia por Alexandre o Grande, Londres, 1893, 1896) do tempo de Alexandre em
diante para descobrirmos a fonte dos mais estranhos incidentes que Filóstrato
registra como experiências de Apolônio. Para tomarmos apenas um exemplo
dentre centenas, Apolônio tinha de cruzar o Cáucaso, um nome genérico para
o grande sistema de montanhas que guardam o limite norte de Âryâvarta.
Prometeu foi acorrentado ao Cáucaso, como todas as crianças têm aprendido
durante séculos. Portanto, se Apolônio cruzou o Cáucaso, deve ter visto
aquelas correntes. E assim foi, conforme nos assegura Filóstrato (ii,3). Não só
isso, mas ele livremente acrescenta a informação de que ninguém poderia
dizer de que material elas eram feitas! Uma consulta a Megástenes, contudo,
logo reduz a longa narrativa de Filóstrato sobre as viagens indianas de
Apolônio (i, 41 – iii, 58) para um âmbito bem mais estreito, pois página após
página é pura invenção, retirada das numerosas histórias indianas às quais
nosso ilustrado escritor tinha acesso (um outro bom exemplo é encontrado na
discussão sobre os elefantes que Filóstrato toma da História da Líbia, de Juba,
ii, 13 e 16). A julgar por estes escritores, Poro (talvez um título, ou o Rei de
Purus), o rajá vencido por Alexandre, era o legendário rei da Índia. De fato,
falando sobre a Índia ou qualquer outro país pouco conhecido, um escritor de
então tinha de nutrir-se de todas estas lendas associadas ou teria pouca
chance de se fazer ouvir. Tinha de dar à sua narrativa uma “cor local”, e este foi
o caso especialmente em um esforço retórico como o de Filóstrato.

Além disso, era moda inserir diálogos e colocá-los na boca de personagens


bem conhecidos em ocasiões históricas, e bons exemplos disto podem ser
vistos em Tucídides e no Ato dos Apóstolos. Filóstrato faz isso repetidamente.

Mas nos alongaríamos demais se entrássemos em uma investigação detalhada


do assunto, ainda que o escritor tenha preparado notas sobre todos estes
pontos, pois isso daria um volume inteiro e não um esboço. Só poucos pontos
são dados doravante, para alertar o estudante para que esteja sempre atento e
separe Filóstrato de suas fontes (não que Filóstrato de algum modo dissimule
seus embelezamentos; vide, por exemplo, ii, 17, onde ele diz: “Deixe-me,
porém, contar o que eu tenho a dizer sobre o assunto das serpentes, da
maneira de caçá-las que é descrita por Damis”).

Mas ainda que devamos estar agudamente atentos para a importância de uma
atitude inteiramente crítica onde fatos históricos definidos estão envolvidos,
deveríamos estar em guarda da mesma maneira contra o julgamento de tudo a
partir do ponto de vista dos preconceitos modernos. Há somente uma literatura
da antigüidade que foi tratada sempre com real simpatia no ocidente, e é a
Judeu-Cristã; só nela as pessoas foram treinadas para se sentirem à vontade,
e tudo na antigüidade que trata da religião de um modo diverso do Judeu ou do
Cristão, é sentido como estranho, e, se obscuro ou extraordinário, como
repulsivo. Os ditos e feitos dos profetas Judeus, ou de Jesus, e dos Apóstolos,
são relatados com reverência, embelezados com as maiores formosuras de
fraseado, e iluminados com o melhor pensamento da época; enquanto que os
ditos e feitos de outros profetas e instrutores têm sido em sua maior parte
sujeitos à crítica mais antipática, na qual não é feita nenhuma tentativa de
entender seus pontos de vista. Tivesse um julgamento benevolente sido
concedido em toda a volta, o mundo hoje seria muito mais rico em
entendimento, em liberalidade de mente, em compreensão da natureza, da
humanidade e de Deus, em resumo, em experiência da alma.

Portanto, ao lermos a Vida de Apolônio, lembremos que devemos encará-la


com os olhos de um Grego, e não com os de um Judeu ou um Protestante. O
Múltiplo em sua própria esfera deve ser para nós uma manifestação tão
autêntica do Divino como o Um ou o Todo, pois de fato os “Deuses” existem a
despeito da lei e do credo. Os Santos e Mártires e Anjos aparentemente têm
tomado o lugar dos Heróis e Daimons e Deuses, mas a mudança de nome e de
ponto de vista entre os homens afeta muito pouco os fatos imutáveis. Sentir os
fatos da religião universal debaixo dos nomes sempre em mudança que os
homens lhes atribuem, e então penetrar plenamente simpáticos e
compreensivos nas esperanças e temores de cada fase da mentalidade
religiosa – ler, talvez, as vidas passadas de nossas próprias almas, é uma
tarefa das mais difíceis. Mas até que consigamos nos colocar
compreensivamente no lugar de outros, jamais veremos mais que um lado da
Infinita Vida de Deus. Um estudante de religião comparada não deve temer os
nomes; ele não deve se intimidar quando depara-se com o “politeísmo”, ou
horrorizar-se quando encontra o “dualismo”, ou sentir uma satisfação maior
quando chega no “monoteísmo”; ele não deve assombrar-se quando pronuncia
o nome de Javé e desprezar o nome de Zeus; não deve imaginar um sátiro
quando lê a palavra “daimon”, ou figurar um sonho alado de beleza quando
pronunciar a palavra “anjo”. Para ele a heresia e a ortodoxia não devem existir;
ele vê apenas sua própria alma lentamente elaborando sua própria experiência,
olhando para a vida de todos os ângulos possíveis, de modo que
eventualmente enfim ela possa ver o todo, e tendo visto o todo, possa unificar-
se a Deus.

Para Apolônio a mera forma da fé de um homem não era o essencial; ele


estava em casa em todas as terras, entre todos os cultos. Tinha uma palavra
de auxílio para todos, e um conhecimento íntimo do caminho particular de cada
um, o que lhe possibilitava devolvê-los à saúde. Tais homens são raros; os
registros de tais homens, preciosos, e não requerem nenhum embelezamento
retórico.

Tentemos então, primeiramente, recuperar o perfil da primeira vida exterior e


das viagens de Apolônio, livre dos embelezamentos de Filóstrato, e então
tentemos considerar a natureza de sua missão, a feição da filosofia que ele
tanto amava e que para ele era sua religião, e enfim, se possível, o modo de
sua vida interior.

VII. PRIMEIROS ANOS

Apolônio nasceu em Tíana (lendas das maravilhas que ocorreram no seu


nascimento estavam em circulação, e têm a mesma natureza de todas as
lendas de nascimento de grandes personagens), uma cidade no sul da
Capadócia, em algum momento dos primeiros anos da era Cristã, Seus pais
eram de antiga linhagem e considerável fortuna (i, 4). Numa idade precoce deu
sinais de memória prodigiosa e disposição estudiosa, e era notável por sua
beleza. Com a idade de 14 anos foi enviado a Tarso, um afamado centro de
estudos daquele tempo, para completar sua instrução. Mas mera retórica e
estilo e a vida das “escolas” eram pouco afins ao seu espírito sério, e ele logo
passou a Egue, uma cidade no litoral a leste de Tarso. Lá encontrou um
ambiente mais adequado às suas necessidades, e mergulhou com ardor no
estudo da filosofia. Tornou-se íntimo de sacerdotes do templo de Esculápio,
onde curas ainda eram realizadas, e desfrutou da sociedade e instrução de
discípulos e instrutores das escolas de filosofia Platônica, Estóica, Peripatética
e Epicurista; mas mesmo tendo estudado estes sistemas de pensamento com
atenção, foram as lições da escola Pitagórica que ele absorveu com uma
extrordinária profundeza de compreensão (αρρητω τινι σοφια ενελαβε), mesmo
que seu professor, Euxeno, fosse apenas um repetidor das doutrinas e não um
praticante da disciplina. Mas tal repetição não era o suficiente para o espírito
ávido de Apolônio; sua “memória” extraordinária, que infundiu vida nas secas
lições de seu tutor, levaram-no adiante, e com dezesseis anos “ele elevou-se à
vida Pitagórica, levantado por algum Grande” (Sci., seu tutor então; isto é, a
“memória” dentro dele, ou seu “daimon”). Não obstante ele reteve sua afeição
pelo homem que lhe mostrara o caminho, e recompensou-o generosamente (i,
7).

Quando Euxeno perguntou-lhe como ele iniciaria seu novo modo de vida ele
respondeu: “Como o doutor purga seus pacientes”. Daí em diante ele recusou
tocar qualquer coisa que tivesse tido vida animal, considerando que isso
densifica a mente e a torna impura. Ele considerava que a única forma de
alimentação pura era a produzida pela terra: frutas e vegetais. Também se
abstinha do vinho, pois mesmo sendo feito de frutas, “tornava o éter túrbido
[presumivelmente a substância mental – NA] na alma”, e “destruía a
compostura da mente”. Mais ainda, andava descalço, deixou seu cabelo
crescer livremente, e vestia-se somente com tecidos de linho. Agora vivia no
templo, para a admiração dos sacerdotes e com a aprovação expressa de
Esculápio (isto é, presumivelmente ele foi encorajado em seus esforços por
aqueles auxiliares invisíveis do templo através de quem as curas eram
indicadas através de sonhos, e ajuda era dada de modo psíquico e mesmérico)
e rapidamente se tornou tão famoso por seu ascetismo e vida pia, que uma
frase dos cilícios sobre ele (“Para onde estão correndo? Apressam-se para ver
o jovem?”) se tornou um provérbio (i, 8).

Com a idade de vinte anos seu pai morreu (sua mãe havia morrido alguns anos
antes), deixando considerável fortuna, que Apolônio dividiria com seu irmão
mais velho, um jovem selvagem e dissoluto de 23 anos. Sendo ainda menor,
Apolônio continuou a morar em Egue, onde o templo de Esculápio havia se
tornado um movimentado centro de estudos, e reverberava de um extremo a
outro ao som dos elevados discursos filosóficos. Chegando à maioridade,
voltou a Tíana para tentar salvar seu irmão de sua vida viciosa. Seu irmão
aparentemente já havia dissipado sua parte da herança, e Apolônio
imediatamente deu metade de sua própria parte para ele, e através de seus
conselhos gentis devolveu-o à humanidade. De fato parece ter devotado este
tempo para colocar em ordem os assuntos da família, pois então distribuiu o
restante de seu patrimônio entre alguns parentes, mantendo para si apenas
uma mínima parte; precisava de pouco, dizia, e jamais casaria (i, 13).
Então fez um voto de silêncio por cinco anos, pois determinou-se que não
escreveria sobre filosofia antes de ter passado por toda sua disciplina. Estes
cinco anos foram passados na Panfília e na Cilícia, e ainda que passasse muito
tempo em estudo, não emparedou-se numa comunidade ou mosteiro, mas
manteve-se em movimento nas proximidades e viajava de cidade em cidade.
As tentações de quebrar seu voto auto-imposto foram enormes. Sua estranha
aparência chamava a atenção de todos, e o populacho amante do chiste fez o
silencioso filósofo o alvo de sua verve inescrupulosa, e toda a proteção que
tinha contra suas insolências e mal-entendidos era a dignidade de seu
semblante e o olhar de seus olhos que agora podiam ver o passado e o futuro.
Muitas vezes esteve a ponto de imprecar contra algum excepcional insulto ou
falatório mentiroso, mas sempre se conteve com as palavras: “Coração, sê
paciente, e tu, língua, fica quieta” (compare com a Odisséia, xx, 18) (i, 14).

Mesmo esta férrea repressão da fala comum não o impedia de fazer o bem. Já
nesta idade juvenil ele havia começado a corrigir abusos. Com olhos e mãos e
movimentos da cabeça, fazia-se entender, e em uma ocasião, em Aspendo, na
Panfília, evitou um grave furto de grãos silenciando a turba com seus gestos
imperiosos e então escrevendo o que queria dizer sobre uma tabuleta (i, 15).

Até aqui, aparentemente, Filóstrato depende do relato de Máximo de Egue, ou


talvez só até a época em que Apolônio deixou Egue. Agora há uma lacuna
considerável na narrativa, e tudo o que Filóstrato pôde produzir foram dois
breves capítulos de vagas generalidades (i, 16, 17) sobre cerca de 15 ou 20
anos (sou inclinado a pensar, contudo, que Apolônio ainda era um homem
jovem quando iniciou sua viagem à Índia, em vez de ter já 46 anos, como
alguns supõem. Mas as dificuldades da maior parte da cronologia são
insuperáveis), até que começam as notas de Damis.

Depois dos cinco anos de silêncio, encontramos Apolônio em Antióquia, mas


isto parece ter sido apenas um incidente em uma longa série de viagens e
trabalho, e é provável que Filóstrato saliente Antióquia meramente porque o
pouco que sabia sobre este período da vida de Apolônio havia conseguido
nesta movimentada cidade. Mesmo do próprio Filóstrato sabemos
incidentalmente mais adiante (i, 20; iv, 38) que Apolônio havia passado algum
tempo entre os Árabes, e havia sido instruído por eles. E por Arábia
entendemos o sul da Palestina, que nesta época acolhia numerosas
comunidades místicas. Os locais que visitou eram fora das rotas, onde reinava
o espírito da solitude, e não as populosas e agitadas cidades, pois o tema de
sua conversação, dizia, requeria “homens, e não povo” (φησας ουκ ανφρπν
εαυτω δειν αλλ ανδρων). Ele passou o tempo viajando de um a outro destes
templos, santuários e comunidades; de onde podemos concluir que havia entre
eles algo semelhante a um tipo de maçonaria comum, da natureza de uma
iniciação, que franqueava-lhe as portas de sua hospitalidade.

Mas onde quer que fosse, sempre observava uma divisão regular do dia. Ao
nascer do sol praticava certos exercícios religiosos sozinho, cuja natureza ele
só transmitia a quem passasse a disciplina dos “quatro anos” (cinco anos?) de
silêncio. Então palestrava com os sacerdotes do templo ou os líderes das
comunidades, conforme estava em um templo grego ou não-grego com ritos
públicos, ou em uma comunidade com uma disciplina peculiar à parte do culto
público (ιδιοτοπα).

Então tentava trazer os cultos públicos de volta à pureza de suas tradições


antigas, e sugerir melhoramentos nas práticas das irmandades privadas. A
parte mais importante de seu trabalho era com aqueles que estavam seguindo
a vida interna, e que já olhavam Apolônio como um instrutor do caminho oculto.
A estes camaradas (εταιρους) e discípulos (ομιλητας), devotava muita atenção,
estando sempre pronto para responder suas perguntas e dar conselhos e
instrução. Não que nisso negligenciasse o povo; era seu costume invariável
ensiná-lo; pois os que viviam a vida interior (τους ουτω φιλοσοφουντας), ele
dizia, deveriam ao raiar do dia entrar na presença dos Deuses (isto é,
presumivelmente, passar algum tempo em meditação silenciosa), e então
passar o tempo até o meio-dia dando e recebendo instrução nas coisas santas,
e só depois devotar-se aos afazeres humanos. Isto é, a manhã era devotada
por Apolônio à ciência divina, e a tarde, à instrução em ética e na vida prática.
Depois do trabalho do dia ele se banhava em água fria, como faziam tantos
místicos da época naquelas terras, notavelmente os Essênios e os Terapeutas
(i, 16).

“Depois destas coisas”, diz Filóstrato, tão vagamente como o escritor de uma
narrativa evangélica, Apolônio determinou-se a visitar os Brachmanes e
Sarmanes (isto é, os Brâmanes e Budistas. sarman é a corruptela grega do
sânscrito shramana e do páli samano, o termo técnico para um asceta ou
monge Budista. A ignorância dos copistas mudou sarmanes primeiro para
germanes e depois para hircanianos!). O que induziu nosso filósofo a fazer tão
longa e perigosa jornada não é esclarecido por Filóstrato, que diz
simplesmente que Apolônio imaginou ser uma boa coisa para um jovem viajar
(isto mostra que Apolônio ainda era jovem, e não entre 40 e 50, como alguns
têm afirmado. Tredwell, p. 70, data as viagens indianas em 41-54 d.C.). É mais
que evidente, contudo, que Apolônio jamais viajou meramente por amor da
viagem. O que ele faz, faz com um propósito específico. E seus guias nesta
ocasião, como assevera a seus discípulos que tentavam dissuadí-lo de seu
projeto e recusaram acompanhá-lo, foram a sabedoria e seu orientador interno
(daimon). “Já que sois fracos de coração”, diz o peregrino solitário, “dou-vos
meu adeus. Pois eu mesmo devo ir onde quer que a sabedoria e meu eu
interior me levarem. Os Deuses são meus conselheiros e não posso fiar-me
senão em suas direções” (i, 18).

VIII. AS VIAGENS DE APOLÔNIO

E assim Apolônio parte de Antióquia e viaja para Ninus, relíquia da uma vez
grande Nina ou Nínive. Lá encontra com Damis, que se torna seu companheiro
constante e fiel discípulo. “Vamos juntos”, diz Damis em palavras que nos
lembram algo das de Rute, “tu seguindo Deus e eu a ti!” (i, 19)

Deste ponto em diante Filóstrato declara basear-se em grande medida na


narrativa de Damis, e antes de prosseguirmos, é necessário tentarmos formar
uma imagem do caráter de Damis, e descobrir até que ponto ele foi admitido na
verdadeira confiança de Apolônio.
Damis era um entusiasta que amava Apolônio com um afeto apaixonado. Ele
via em seu mestre um ser quase divino, possuidor de poderes maravilhosos
que continuamente o assombravam, mas que jamais pôde entender. Como
Ânanda, o discípulo favorito de Buda e seu companheiro constante, Damis
avançou só lentamente na compreensão da real natureza da ciência espiritual;
ele tinha sempre de ficar nos recintos externos dos templos e comunidades a
cujos santuários e círculos internos Apolônio tinha pleno acesso, enquanto que
ele freqüentemente professa sua ignorância dos planos e propósitos de seu
mestre (vide especialmente iii, 15, 41; v, 5, 10; vii, 10, 13; viii, 28). O fato
adicional que ele inscreve em suas notas como as “migalhas” (εκφατνισματα)
das “festas dos Deuses” (i, 19), aqueles festejos que ele na maior parte das
vezes podia conhecer só de segunda mão pelo pouco que Apolônio julgava
conveniente lhe contar, e que ele sem dúvida geralmente compreendia mal e
revestia com suas próprias fantasias, confirmará isso, se alguma confirmação é
necessária. Mas de fato é claramente manifesto em toda parte que Damis
estava fora do círculo da iniciação, e isso explica tanto seu amor pelas
maravilhas quanto sua superficialidade geral.

Um outro fato que sobressai na narrativa é sua natureza tímida (vide


especialmente vii, 13, 14, 15, 223). Ele teme constantemente por si e por seu
mestre; e mesmo perto do fim, quando Apolônio é preso por Domiciano, ele
precisa ver com seus próprios olhos a remoção sobrenatural das correntes que
prendiam Apolônio para convencer-se de que ele era uma vítima voluntária.

Damis ama e se maravilha; agarra um detalhe irrelevante e o amplifica,


enquanto que pode falar das coisas realmente importantes só o que ele
fantasia ter ocorrido a partir de poucas sugestões de Apolônio. À medida que a
história avança, realmente ele adquire um tom mais sóbrio; mas o que Damis
omite, Filóstrato está sempre pronto para suprir com seu próprio estoque de
prodígios, se a chance aparece.

De qualquer maneira, mesmo que tivéssemos o escalpelo da crítica para cortar


fora cada pedaço de carne deste corpo de tradição e lenda, ainda restaria um
esqueleto de fatos que representariam Apolônio e nos dariam uma idéia de sua
estatura.

Apolônio foi um dos maiores viajantes conhecidos da antigüidade. Dentre os


países e lugares que visitou os que se seguem são os principais que foram
registrados por Filóstrato (a lista está repleta de lacunas, pois não podemos
supor que as notas de Damis sejam algo semelhante a um registro completo
dos numerosos itinerários; não só isso, mas somos tentados a crer que todas
as viagens em que Damis não tomou parte estão omitidas).

De Ninus (i, 19) Apolônio passa para Babilônia (i, 21), onde permanece um ano
e oito meses (i, 40), e visita as cidades vizinhas de Ecbatana, a capital da
Média (i, 39); de Babilônia até a fronteira da Índia nenhum nome é mencionado;
a Ìndia foi atingida provavelmente através do Passo Khaibar (ii, 6) (aqui de
qualquer forma eles vislumbram as gigantescas montanhas do Imaus, ou
Himavat, ou Cordilheira do Himalaia, onde estava o grande monte Meros, ou
Meru. O nome do Olimpo hindu, mudado para Meros em grego, desde o tempo
da expedição de Alexandre, deu margem ao mito de que Baco nascera da coxa
– meros - de Zeus – presumivelmente um dos fatos que levaram o Prof. Max
Müller a estigmatizar toda a mitologia como uma “doença da linguagem”), pois
a primeira cidade que é mencionada é Taxila (Attock) (ii, 20); e assim seguem
caminho através dos tributários do Indo (ii, 43) até o vale do Ganges (iii, 5), e
finalmente chegam ao “mosteiro dos sábios” (iii, 10), onde Apolônio passa
quatro meses (iii, 50).

Este mosteiro provavelmente se localizava no Nepal; é nas montanhas, e a


“cidade” mais próxima é Paraca. O caos que Filóstrato fez da história de
Damis, e antes dele as maravilhosas transformações que o próprio Damis fez
nos nomes indianos, é presumivelmente demonstrado por esta palavra.
Paraca, talvez, é tudo o que Damis pôde fazer com Bharata, o nome genérico
do vale do Ganges onde os árias dominantes se estabeleceram. Também é
provável que estes sábios fossem Budistas, pois eles vivem em um τυρσις, um
lugar que a Damis parecia um forte ou fortaleza.

Tenho poucas dúvidas que Filóstrato não poderia conceber nada da geografia
da Índia a partir dos nomes no diário de Damis; todos lhe são desconhecidos,
de modo que tão logo esgota os poucos nomes gregos conhecidos por ele a
partir dos relatos da expedição de Alexandre, perde-se ele “nos confins da
Terra”, e nada pode fazer até que encontre novamente nossos viajantes já a
caminho de volta na embocadura do Indo. O fato saliente de que Apolônio
estava estabelecendo uma certa comunidade, o que era seu objetivo
específico, impressionou tanto a imaginação de Filóstrato (e provavelmente a
de Damis antes dele) que ele a descreveu como sendo a única em seu gênero
na Índia. Apolônio foi à Índia com um propósito e voltou de lá com uma missão
diferente (referindo-se aos seus instrutores ele diz: “Sempre me lembro de
meus mestres e viajo por todo o mundo ensinando o que aprendi deles”; vi, 18);
e talvez suas incessantes indagações a respeito daqueles “sábios” que ele
procurava, induziram Damis a imaginar que só eles fossem os “Gimnosofistas”,
os “filósofos nus” (se formos tomar a palavra ao pé da letra) da popular lenda
grega, que ignorantemente atribuía a todos os ascetas hindus as mais
extraordinárias peculiaridades que na verdade pertenciam só a um reduzido
grupo. Mas voltemos ao nosso itinerário.

Filóstrato embeleza o relato da viagem do Indo até a foz do Eufrates (iii, 52-58)
com as lendas de viajantes e nomes de ilhas e cidades que ele apanhou nos
livros de histórias da Índia que lhe eram acessíveis, e assim novamente
voltamos à Babilônia e à geografia familiar seguindo este itinerário: Babilônia,
Ninus, Antióquia, Selêucia, Chipre; e então a Jônia (iii, 58), onde ele passa um
tempo na Ásia Menor, especialmente em Éfeso (iv, 1), Esmirna (iv, 5), Pérgamo
(iv, 9), e Tróia (iv, 11. Daí Apolônio cruza para Lesbos (iv, 13), e
subseqüentemente embarca para Atenas, onde passa alguns anos na Grécia
(iv, 17-33), visitando os templos da Hélade, reformando seus ritos e instruindo
os sacerdotes (iv, 25). A seguir o encontramos em Creta (iv, 34) e depois em
Roma no tempo de Nero (iv, 36-46).

Em 66 d.C. Nero emitiu um decreto proibindo qualquer filósofo de permanecer


em Roma, e Apolônio mudou-se para a Espanha, e desembarcou em Gades, a
moderna Cádiz; parece ter ficado na Espanha só um curto período (iv, 47); daí
cruzou para a África, e por mar de novo à Sicília, onde visitou as principais
cidades e templos (v, 11-14). Então Apolônio voltou à Grécia (v, 18), tendo
transcorrido quatro anos desde sua chegada em Atenas a partir de Lesbos (v,
19) (de acordo com alguns, Apolônio estaria então com 68 anos de idade. Mas
se ainda era jovem, digamos em torno dos 30 anos, quando partiu para a Índia,
ele então deve ter passado um longo período naquele país, ou temos um
registro muito imperfeito de seus feitos na Ásia Menor, Grécia, Itália e Espanha,
depois de seu regresso).

Do Pireu nosso filósofo embarca para Quios (v, 21), depois para Rodes e então
para Alexandria (v, 24). Em Alexandria ele passa algum tempo, e tem vários
encontros com o futuro Imperador Vespasiano (v, 27-41), e então empreende
uma longa viagem Nilo acima até a Etiópia, além das cataratas, onde ele visita
uma interessante comunidade de ascetas chamados vagamente de
Gimnosofistas (vi, 1-27).

Em seu retorno a Alexandria (vi, 28), ele foi convidado por Tito, recém coroado
Imperador, para encontrá-lo em Tarso. Depois deste encontro ele parece ter
retornado ao Egito, pois Filóstrato fala vagamente de ele ter passado algum
tempo no Baixo Egito, e sobre visitas aos fenícios, cilícios, jônios, aqueus, e
também à Itália (vi, 35).

Mas Vespasiano foi imperador de 69 a 79, e Tito, de 79 a 81. Como a entrevista


com Vespasiano ocorreu logo antes do início do reinado daquele imperador, é
razoável concluir que um número de anos foi gasto por nosso filósofo nesta
viagem à Etiópia, e que portanto a narração de Damis é das mais imperfeitas.
Em 81 Domiciano tornou-se Imperador, e assim como Apolônio se opôs às
loucuras de Nero, igualmente criticou os atos de Domiciano. Com isso
naturalmente ele se tornou objeto de suspeita para o Imperador; mas em vez
de permanecer longe de Roma, ele determinou-se enfrentar o tirano face a
face. Cruzando do Egito para a Grécia e tomando um barco em Corinto,
navegou pelo caminho da Sicília até Puteoli, e então até a boca do Tibre, e daí
para Roma (vii, 10-16). Ali Apolônio foi preso e liberado (vii 17-viii, 10).
Embarcando de Puteoli, novamente Apolônio voltou à Grécia (viii, 15), onde
passou dois anos (viii, 24). Então uma vez mais passou para a Jônia na época
da morte de Domiciano (viii, 25), visitando Esmirna e Èfeso e outros de seus
lugares favoritos. Então sob algum pretexto ele envia Damis para Roma (viii,
28) e – desaparece; isto é, se podemos especular, ele empreendeu uma outra
viagem até o lugar amado acima de todos, a “terra dos sábios”.

Mas Domiciano foi morto em 96 d.C., e um dos últimos atos registrados de


Apolônio é sua visão deste evento no momento de sua ocorrência. Portanto o
julgamento de Apolônio em Roma teve lugar em torno de 93, e temos um
intervalo de 12 anos desde sua entrevista com Tito em 81, que Filóstrato só
pode preencher com umas poucas histórias vagas e generalidades.

Sobre sua idade na época de seu misterioso desaparecimento das páginas da


história, Fillóstrato diz que Damis não fala nada; mas alguns, acrescenta, dizem
que ele estava com 80, alguns com 90, e outros mesmo com 100 anos.
A estimativa de 80 anos parece concordar melhor com o resto das indicações
cronológicas, mas não há certeza no assunto com os materiais de que
dispomos hoje. Este é, pois, o perfil geográfico, por assim dizer, da vida de
Apolônio, e mesmo o mais displicente leitor deste esqueleto descarnado das
jornadas registradas por Filóstrato deve ficar impressionado com a indômita
energia do homem, e seu poder de perseverança.

Agora voltaremos nossa atenção a um ou dois pontos de interesse ligados aos


templos e comunidades que ele visitou.

IX. NOS SANTUÁRIOS DOS TEMPLOS E RETIROS RELIGIOSOS

Percebendo que a natureza dos negócios de Apolônio com os sacerdotes dos


templos e os devotos da vida mística era necessariamente do caráter mais
íntimo e secreto, pois naqueles dias era o costume invariável traçar uma nítida
linha de demarcação entre o interno e o externo, o iniciado e o profano, não
devemos esperar que possamos saber do relato de Damis e Filóstrato qualquer
coisa exceto meras exterioridades; não obstante, mesmo estas indicações
externas são interessantes.

O templo de Esculápio em Egue, onde Apolônio passou os anos mais


impressionáveis de sua vida, era um dos inúmeros hospitais da Grécia, onde a
arte curativa era praticada em linhas totalmente diferentes dos nossos métodos
de hoje. Somos logo apresentados a uma atmosfera carregada de influências
psíquicas, a um centro onde durante séculos os pacientes acorreram para
“consultar o Deus”. A fim de fazê-lo, era-lhes necessário passar por certas
purificações preliminares e seguir certas regras prescritas pelos sacerdotes;
então passavam a noite no santuário e em seu sono eram-lhes dadas
instruções para a sua cura. Este método, sem dúvida, só era empregado
quando a habilidade do sacerdote era insuficiente; de qualquer modo, os
sacerdotes deviam ser profundamente versados na interpretação daqueles
sonhos e em sua causa básica. Também é evidente que como Apolônio amava
passar seu tempo no templo, ele deve ter encontrado lá satisfação para suas
necessidades espirituais, e instrução na ciência interna; ainda que sem dúvida
seus próprios poderes inatos logo o levassem para além de seus instrutores e
o assinalassem como um “favorito do Deus”. Os muitos casos registrados em
nossos dias de pacientes em transe ou em outras condições psíquicas
receitando para si mesmos, ajudarão o estudante a entender as inumeráveis
possibilidades de cura que na Grécia coroavam-se na personificação de
Esculápio.

Mais tarde o chefe dos sábios indianos faz um discurso sobre Esculápio e sua
arte curativa (iii, 44), onde toda a medicina é dita depender do diagnóstico
psíquico e da presciência (μαντεια).

Finalmente pode ser percebido que era costume invariável dos pacientes
recordar o fato de sua recuperação com uma tabuleta de ex-voto no templo,
precisamente como ainda hoje é feito em países Católicos Romanos (para o
mais recente estudo sobre Esculápio em inglês vide The Cult of Asclepios, de
Alice Walton, Ph.D, em Cornell Studies in Classical Philology – Estudos da
Universidade de Cornell sobre Filologia Clássica, n° III, Ithaca, NY, 1894).

Em sua viagem à Índia Apolônio viu muitos Magos na Babilônia. Ele costumava
visitá-los ao meio-dia e à meia-noite, mas o que transpirava disto Damis não
sabia, pois Apolônio não teria permitido acompanhá-lo, e ao responder à sua
pergunta direta diria somente: “Eles são sábios, mas não em todas as coisas”
(i, 26).

A descrição de certo edifício, entretanto, a que Apolônio tinha acesso, parece


ser uma versão deturpada do interior do templo. O telhado era em forma de
cúpula, e o forro do teto era coberto de “safiras”; neste céu azul havia modelos
dos corpos celestes (“aqueles que eles consideram Deuses”), revestidos de
ouro, como se se movessem no éter. Além disso do teto estavam suspensos
quatro “lygges” de ouro, que os Magos chamavam de “Línguas dos Deuses”.
Eram anéis ou esferas aladas relacionadas à idéia de Adrasteia (ou Destino).
Seus protótipos são descritos imperfeitamente na Visão de Ezequiel, e as
assim chamadas strophali ou spherulae Hecatinas usadas em práticas mágicas
podem ter sido descendentes degeneradas destas “rodas vivas” ou esferas dos
elementos vitais. O assunto é do mais vivo interesse, mas desesperadamente
impossível de ser trabalhado em nossa presente era de ceticismo e profunda
ignorância do passado. Os “Deuses” que ensinaram nossa humanidade infante
[eram] mais elevados que os que hoje evoluem em nossa Terra. Eles deram o
impulso, e, quando os filhos da Terra se tornaram crescidos o suficiente para
andarem com seus próprios pés, eles se retiraram. Mas a memória de seus
feitos e uma forma corrompida e degenerada dos mistérios que estabeleceram
permaneceu sempre na lembrança do mito e da lenda. Os videntes captaram
obscuros vislumbres do que eles ensinaram e como o fizeram, e a tradição dos
Mistérios preservou alguma coisa disso em seus símbolos e instrumentos ou
maquinismos. As lygges dos Magos diz-se que eram uma relíquia desta
memória.

A respeito dos sábios indianos é impossível tecer qualquer história consistente


a partir da fantástica confusão do romance de Damis-Filóstrato. Damis parece
ter misturado memórias e fragmentos de rumores sem qualquer esforço para
distinguir uma comunidade ou seita de outra, produzindo assim uma pintura
borrada que Filóstrato nos passa como uma imagem do “monte” e uma
descrição dos “sábios”. As confusas memórias de Damis (ele evidentemente
compilou as notas das viagens indianas muito tempo depois de elas terem
acontecido), contudo, têm pouco a ver com o verdadeiro mosteiro de seus
ascéticos habitantes, que eram o objetivo da longa jornada de Apolônio. Do que
Apolônio ouviu e viu lá, seguindo seu invariável costume em tais
circunstâncias, não contou para ninguém, nem mesmo para Damis, exceto o
que poderia derivar da enigmática sentença: “Vi homens morando na Terra e
ainda assim sem estar nela, defesos de todos os lados, e mesmo assim sem
defesa alguma, e possuindo nada exceto o que todos possuem”. Estas
palavras ocorrem em duas passagens (iii, 15 e vi, II), e em ambas Filóstrato
acrescenta que Apolônio as escreveu (isto demonstra que Filóstrato deparou-
se com elas em algum escrito ou carta de Apolônio, e portanto são
independentes do relato de Damis neste particular) e pronunciou
enigmaticamente. O sentido desta frase não é difícil de adivinhar. Eles estavam
na Terra, mas não pertenciam a ela, pois suas mentes estavam estabelecidas
nas coisas do alto. Eram protegidos pelos seus poderes espirituais inatos, dos
quais temos tantos exemplos na literatura indiana; e ainda não possuíam nada
exceto o que todos os homens possuiriam, se apenas desenvolvessem o lado
espiritual de seus seres. Mas esta explicação não é suficientemente simples
para Filóstrato, e então ele recorre a todas as memórias de Damis, ou antes às
lendas de viajantes, sobre levitação, ilusões mágicas e etc.

O líder da comunidade é chamado de Iarchas, um nome totalmente não


indiano. A violência feita sobre todos os nomes estrangeiros pelos gregos é
notória, e aqui temos que levar em conta um exército de copistas ignorantes,
além de Filóstrato e Damis. Eu sugeriria que o nome talvez seja uma corruptela
de Arhat (I-Âryas, arχa(t)s, arhat).

A ênfase principal da narrativa de Damis recai no conhecimento psíquico e


espiritual dos sábios. Eles sabem o que se passa à distância, podem revelar o
passado e o futuro, e ler as vidas passadas dos homens.

O mensageiro enviado para encontrar Apolônio carregava o que Damis chama


de uma âncora dourada (iii, 17), e se isto é um fato autêntico, sugeriria um
predecessor do dorje tibetano, o símbolo presentemente degenerado do
“bastão de poder”, algo como os raios que Zeus segura. Isto também apontaria
para uma comunidade Budista, ainda que devamos confessar que outras
indicações apontam de modo igualmente forte para costumes Brâmanes, como
a marca de casta na testa do mensageiro (iii, 7, II), o uso de bastões (de
bambu) (danda), os cabelos longamente crescidos, e o uso de turbantes (iii,
13). Mas na verdade toda a narrativa é confusa demais para permitir alguma
esperança de extrairmos detalhes históricos.

Sobre a natureza da visita de Apolônio, contudo, podemos julgar a partir da


misteriosa carta a seus hospedeiros:

“Eu vim a vós por terra e vós me destes o mar; não, antes, dividindo comigo
vossa sabedoria vós me concedestes o poder de viajar pelos céus. Estas
coisas eu trarei de volta à mente dos gregos, e conversarei convosco como se
estivésseis presentes, se eu não tiver bebido da taça de Tântalo em vão”.

É evidente, por estas sentenças crípticas, que o “mar” e a “taça de Tântalo” são
idênticos à “sabedoria” que foi concedida a Apolônio – a sabedoria que ele uma
vez mais traria de volta à memória dos gregos. Ele assim assume claramente
que voltava da Índia com uma missão específica e com os meios de levá-la a
cabo, pois não apenas ele de seus lábios tinha bebido do oceano da sabedoria
no qual aprendeu a Brahma-vidyâ, mas também aprendeu como conversar
com eles estando seu corpo da Grécia e o deles na Índia.

Mas um significado assim tão óbvio – óbvio pelo menos para todo estudante da
natureza oculta – estava além do entendimento de Damis ou da compreensão
de Filóstrato. E também sem dúvida é a menção à “taça de Tãntalo” (Tântalo é
descrito na fábula como tendo roubado a taça do néctar dos deuses; era a
amrita dos indianos, o oceano da imortalidade e sabedoria) nesta carta o que
sugere o eternamente adorável episódio da taça em iii, 32, e sua conexão com
as fontes místicas de Baco. Damis usa isso para “explicar” a última frase de
Apolônio sobre os sábios, qual seja, aquela de eles “não possuírem nada
exceto o que todos possuem” – que, entretanto, aparece em outro ponto de
outra forma, como “não possuindo nada, eles têm as posses de todos os
homens” (iii, 15) (as palavras ουδεν κεκτημενος ν τα παντων, que Filóstrato cita
duas vezes assim, certamente não podem ser mudadas para μηδεν κεκτημενος
τα παντων εχειν, sem praticar uma violência contra seu significado).

Ao retornar à Grécia, um dos primeiros santuários que Apolônio visitou foi o de


Afrodite de Pafos, em Chipre (iii, 58). A maior peculiaridade exterior do culto
pafiano da Venus era a representação da deusa por um misterioso símbolo de
pedra. Parece ter tido o tamanho de uma pessoa, mas com a forma de uma
pinha, somente é claro com a superfície polida. Aparentemente Pafos era o
mais antigo santuário dedicado a Venus na Grécia. Seus mistérios eram muito
antigos, mas não autóctones; foram trazidos do continente, de onde depois
constituiu-se a Cilícia, em tempos de remota antigüidade. O culto ou consulta à
Deusa se fazia através de preces e da “pura labareda do fogo” e o templo era
um grande centro divinatório (vide Tácito, Historia, ii, 3).

Apolônio passou algum tempo ali e instruiu os sacerdotes integralmente a


respeito de seus ritos sagrados.

Na Ásia Menor ele apreciava especialmente o templo de Esculápio em


Pérgamo; curou muitos doentes lá, e deu instruções no método correto a
adotar a fim de procurar-se resultados confiáveis através dos sonhos
prescritivos.

Em Tróia, nos contam, Apolônio passou uma noite sozinho junto ao túmulo de
Aquiles, antigamente um dos locais popularmente mais sagrados da Grécia (iv,
II). Não transpira o motivo de ele ter feito isso, pois a fantástica conversa com a
sombra do herói contada por Filóstrato parece desprovida de todo elemento de
verossimilhança. Mas como, contudo, Apolônio logo depois visitou a Tessália
expressamente para incitar os tessálios a renovar os antigos ritos tradicionais
ao herói (iv, 13), podemos supor que isso formou parte de seu grande esforço
para restaurar e purificar a antiga instituição da Hélade, para que, sendo os
canais tradicionais liberados, a vida pudesse fluir mais saudavelmente no corpo
da nação.

Também há o rumor de que Aquiles teria dito a Apolônio onde encontrar a


estátua do herói Palámedes na costa da Eólia. Apolônio restaurou a estátua de
acordo, e Filóstrato nos diz que a viu com seus próprios olhos no local (iv, 13).

Mas isto seria um tópico de escasso interesse, se não houvesse mais menção
a Palámedes em outro lugar da narrativa de Filóstrato. O que tudo isso significa
é difícil de dizer com um Damis e um Filóstrato como intérpretes entre nós e o
silente e enigmático Apolônio. Palámedes foi um dos heróis perante Tróia, e
que a lenda diz ter sido o inventor das letras, ou quem completou o alfabeto de
Cadmo (Berwick, Life of Apollonius, p. 200 n.)
Agora, de duas sentenças obscuras (iv, 13, 33), percebemos que nosso filósofo
via Palámedes como o herói-filósofo do período Troiano, ainda que Homero
quase não o mencione.

Foi esta a razão, pois, para Apolônio ficar tão ansioso por restaurar sua
estátua? Nada disso; parece ter havido uma razão mais direta. Damis pensou
que Apolônio encontrara Palámedes na Índia; que ele estava no mosteiro; que
Iarchas havia um dia indicado um jovem asceta que podia “escrever sem nunca
ter aprendido as letras”; e que este jovem tinha sido ninguém senão Palámedes
em uma de suas vidas pregressas. Sem dúvida o cético dirá: “Claro! Pitágoras
era uma reencarnação do herói Eufórbio que lutou em Tróia, de acordo com a
superstição popular; portanto, naturalmente, o jovem indiano era a
reencarnação do herói Palámedes! Uma lenda simplesmente engendra a
outra”. Mas de acordo com este princípio, para sermos consistentes,
esperaríamos descobrir que foi o próprio Apolônio, e não um desconhecido
asceta hindu, quem uma vez foi Palámedes.

De qualquer modo, Apolônio restaurou os ritos a Aquiles, e ergueu uma capela


na qual colocou a estátua desprezada de Palámedes (ele também construiu um
recinto em torno do túmulo de Leônidas em Termópilas (iv, 23). Os heróis do
período Troiano, então, pareceria, ainda guardavam uma relação com a Grécia,
de acordo com a ciência do mundo invisível na qual Apolônio havia sido
iniciado. E se o cético Protestante não pode viver com isto, pelo menos o leitor
Católico Romano pode ser induzido a suspender seu julgamento trocando
“herói” por “santo”.

Pode ser possível que a atenção que Apolônio deu às tumbas e monumentos
funerários dos poderosos mortos da Grécia pode ter sido inspirada pelo círculo
de idéias que conduziram à ereção de inumeráveis dâgobas e stûpas nas
terras Budistas, originalmente sobre as relíquias do Buda, e à preservação
subseqüente de relíquias de arhats e grandes instrutores?

Em Lesbos Apolônio visitou o antigo templo dos mistérios Órficos, que em dias
antigos havia sido um grande centro de profecia e divinação. Aqui também lhe
foi concedido o privilégio de entrar no santuário interno ou adytum (iv, 14).

O Tianeu chegou em Atenas na temporada dos Mistérios Eleusinos, e a


despeito dos festivais e ritos não só o povo mas também os candidatos
acorreram para ele, negligenciando suas obrigações religiosas. Apolônio
censurou-os, e ele mesmo cumpriu os ritos preliminares necessários e
apresentou-se para a iniciação.

Talvez possa surpreender o leitor ouvir que Apolônio, que já havia sido iniciado
em privilégios maiores do que Elêusis poderia proporcionar, se apresentasse
ele mesmo à iniciação. Mas as razões não precisam ser procuradas longe; os
Eleusinia constituíam uma das organizações intermediárias entre os cultos
populares e os genuínos círculos internos de instrução. Eles preservavam uma
das tradições do caminho interior, mesmo se seus oficiais naquela época
houvessem esquecido o que seus predecessores conheciam. Para restaurar
estes antigos ritos à sua pureza, ou para usá-los para seus fins originais, era
necessário entrar nos recintos da instituição; nada poderia ser feito de fora. A
coisa em si era boa, e Apolônio desejava apoiar a instituição dando o exemplo
público de procurar a iniciação ali; não que ele tivesse algo a ganhar
pessoalmente.

Mas fosse o hierofante da época simplesmente ignorante, ou fosse ciumento


da grande influência de Apolônio, ele recusou admitir nosso filósofo, baseado
na alegação de que ele era um feiticeiro (γσης), e que ninguém que estivesse
poluído pelo intercurso com entidades malignas (δαιμσνια) poderia ser iniciado.
A esta acusação Apolônio respondeu com velada ironia: “Vós omitistes a mais
séria acusação que poderia ser lançada contra mim: isto é, que embora eu de
fato conheça mais dos ritos místicos do que seu hierofante, eu vim aqui
simulando desejar a iniciação de homens de maior sabedoria que eu”. Esta
acusação era verdadeira, ele havia sido dissimulado.

Estarrecido por estas palavras, atemorizado diante da indignação do povo


excitado pelo insulto feito ao seu ilustre convidado, e assombrado pela
presença de um conhecimento que ele já não podia negar, o hierofante
implorou para nosso filósofo aceitar a iniciação. Mas Apolônio recusou. “Eu
serei iniciado mais tarde”, replicou; “ele me iniciará”. Diz-se que se referia ao
próximo hierofante, que presidia quando Apolônio foi iniciado quatro anos mais
tarde (iv, 18; v, 19).

Enquanto em Atenas, Apolônio falou asperamente contra a afeminação das


Bacanálias e as barbaridades dos combates de gladiadores (iv, 21, 22).

Os templos, mencionados por Filóstrato, que Apolônio visitou na Grécia, têm


todos a peculiaridade de serem muito antigos; por exemplo, Dodona, Delfi, o
antigo santuário de Apolo de Abe, na Fócida, as “grutas” de Anfiarau (um
grande centro de divinação através de sonhos, vide ii, 37) e Trofônio, e o
templo das Musas no Helicão.

Quando entrava nos adyta destes templos com o intuito de “restaurar” os ritos,
era acompanhado somente pelos sacerdotes, e certos discípulos imediatos
(γνωριμοι). Isto sugere uma ampliação do significado do termo “restauração” ou
“reforma”, e quando lemos em outras partes sobre os muitos locais
consagrados por Apolônio, não podemos pensar senão que parte de sua obra
era a reconsagração, e com isso a purificação psíquica, de muitos destes
centros antigos. Seu principal trabalho externo, contudo, foi instruir, e, como
Filóstrato retoricamente parafraseia, “taças de suas palavras foram colocadas
em todas as partes para o sedento delas beber” (iv, 24).

Mas não somente nosso filósofo restaurou os ritos antigos da religião; também
prestou muita atenção às antigas constituições e instruções. Assim o
encontramos instando os espartanos a retornarem ao seu antigo modo de vida,
a seus exercícios atléticos, sua vida frugal, e à disciplina da antiga tradição
dórica (iv, 27, 31-34); acima de tudo, ele louvou especialmente a instituição dos
Jogos Olímpicos, cujo elevado padrão ainda era mantido (iv, 29), enquanto que
reconvocou o antigo Conselho Anfictiônico ao seu dever (iv, 23), e corrigiu os
abusos da assembléia Pan-jônica (iv, 5).
Na primavera de 66 d.C., ele deixou a Grécia indo a Creta, onde parece ter
passado a maior parte de seu tempo nos santuários do Monte Ida e no templo
de Esculápio em Lêbene (“pois como toda a Ásia visita Pérgamo, toda Creta
visita Lêbene”); mas mui curiosamente recusou-se a visitar o famoso Labirinto
em Cnossos, cujas ruínas haviam sido recém descobertas para uma geração
cética, mais provavelmente porque (é lícito especular) uma vez foi centro de
sacrifícios humanos, e assim pertencia a um dos antigos cultos da mão
esquerda.

Em Roma Apolônio continuou seu trabalho de reformar os templos, e com a


aprovação do Pontífice Máximo Telesino, um dos cônsules para o ano de 66
d.C., que também era um filósofo e um profundo estudioso da religião (iv, 40).
Mas sua permanência na cidade imperial foi bruscamente interrompida, pois
em outubro Nero coroou sua perseguição dos filósofos publicando contra eles
um decreto de banimento de Roma, e tanto Telesino (vii, II) quanto Apolônio
tiveram de deixar a Itália.

A seguir o encontramos na Espanha, fazendo seu quartel-general no templo de


Hércules em Cádiz.

Retornando à Grécia via África e Sicília (onde passou algum tempo e visitou
Etna), ele passou o inverno (de 67 d.C.?) em Elêusis, vivendo no templo, e na
primavera do ano seguinte embarcou para Alexandria, onde passou algum
tempo, a caminho de Rodes. A cidade da filosofia e do ecletismo por excelência
recebeu-o de braços abertos como a um velho amigo. Mas reformar os cultos
públicos do Egito foi um trabalho muito mais difícil do que qualquer outro que
ele tentou antes. Sua presença no templo (de Serápis?) inspirou respeito
universal, tudo sobre ele e cada palavra que pronunciava parecia emanar uma
atmosfera de sabedoria e de “algo divino”. O sumo-sacerdote do templo
considerou com orgulhoso desdém: “Quem é sábio o suficiente”, perguntou
irônico, “para reformar a religião dos egípcios?” – somente para deparar-se
com a resposta confiante de Apolônio: “Qualquer sábio que venha da parte dos
indianos”. Aqui, como em toda parte, Apolônio opôs-se ao sacrifício sangrento,
e tentou substituí-lo, como o fizera noutros lugares, pela oferenda de incenso
modelado na forma da vítima (v, 25). Tentou reformar muitos abusos nos
modos dos alexandritas, mas sobre nenhum deles foi mais severo do que
sobre sua selvática excitação com as corridas de cavalos, que freqüentemente
acabava com efusão de sangue (v, 26).

Apolônio parece ter passado a maior parte dos vinte anos restantes de sua vida
no Egito, mas por Filóstrato não podemos saber nada do que ele fez nos
secretos santuários daquela terra de mistério, exceto que na prolongada
jornada até a Etiópia Nilo acima nenhuma cidade ou templo ou comunidade
deixou de ser visitado, e em todo lugar havia um intercâmbio de conselhos e
instrução nas coisas sagradas (v, 43)

X. OS GIMNOSOFISTAS DO ALTO EGITO

Agora chegamos à visita de Apolônio aos “Gimnosofistas” na “Etiópia”, a qual,


mesmo com o sucesso artístico e literário consumado na descrição de
Filóstrato da viagem de Apolônio ao Egito, é somente um incidente na história
verdadeira da vida não registrada de nosso misterioso filósofo naquela antiga
região.

Tivesse Filóstrato dedicado um capítulo ou dois à natureza das práticas,


disciplina e doutrinas das inumeráveis comunidades ascéticas e místicas que
abundavam no Egito e adjacências naqueles dias, teria angariado a gratidão
ilimitada dos estudantes das suas origens. Mas disso ele não diz uma palavra;
mas mesmo assim ele quer-nos fazer crer que as reminiscências de Damis
eram uma série ordenada de notas do que realmente ocorreu. Mas em tudo é
muito aparente que Damis foi mais só um companheiro de viagem do que um
discípulo iniciado.

Quem eram, pois, estes misteriosos “Gimnosofistas”, como são usualmente


chamados, e de onde veio este nome? Damis os chama simplesmente de
“Nus” (γυμχοι), e é muito claro que o termo não deve ser entendido meramente
como desnudos fisicamente; de fato, nem aos indianos nem a estes ascetas do
Alto Egito podemos aplicar com propriedade este termo em seu significado
puramente físico, como transparece das descrições de Damis e Filóstrato. Uma
frase casual que sai dos lábios de um destes ascetas, ao narrar a história de
sua vida, dá-nos uma pista para o sentido verdadeiro do termo. “Com a idade
de 14 anos”, ele diz a Apolônio, “eu doei meu patrimônio àqueles que desejam
estas coisas, e nu eu procurei os Nus” (iv, 16) (A palavra γυμνος, nus, porém,
usualmente significa vestido levemente, como, por exemplo, quando um
homem é dito estar trabalhando “nu”, isto significa que está só com uma roupa,
e isto é evidente pela comparação feita entre o costume dos Gimnosofistas e o
do povo de Atenas na estação quente (vi, 6).

Este é o mesmo sentido que Filo emprega a respeito das comunidades


Terapêuticas, as quais ele declara serem muito numerosas em todas as
províncias do Egito e disseminadas por todas as regiões. Não vamos supor,
porém, que estas comunidades fossem todas da mesma natureza. É verdade
que Filo tenta fazer que a mais pia e mais importante de todas as comunidades
fosse a sua comunidade particular na margem sul do Lago Meris, que era
fortemente Semítica senão ortodoxamente Judia; e para Filo qualquer
comunidade com uma atmosfera Judia deveria naturalmente ser a melhor. A
peculiaridade e maior interesse de nossa comunidade, que estava na outra
extremidade da Terra acima das cataratas, era a de que ela tinha alguma
ligação remota com a Índia.

A comunidade é chamada φροντιστηριον, no sentido de um lugar para


meditação, um termo usado por escritores eclesiásticos para significar um
monastério, mas é melhor conhecido dos estudantes clássicos pelo uso
humorístico feito por Aristófanes, que em As Nuves chama a escola de
Sócrates de phrontistêrion, ou “mercado de pensamentos”. O conjunto de
monasteria (ιερα), presumivelmente cavernas, santuários ou celas (pois eles
não possuíam nem cabanas nem casas, mas viviam ao ar livre), estava situado
em uma colina ou ponto elevado não longe do Nilo. Todos eram separados uns
dos outros, espalhados pela colina, e dispostos engenhosamente. Havia pouco
mais que uma árvore no local, com a exceção de um único grupo de palmeiras,
sob cuja sombra eles faziam suas reuniões gerais (vi, 6).

É difícil tirar dos diálogos, postos nas bocas do líder da comunidade e de


Apolônio (vi, 10-13, 18-22), qualquer detalhe preciso sobre o modo de vida
destes ascetas, além de indicações gerais de uma existência de grande dureza
e penúria física, que eles consideravam o único meio de obter sabedoria. O
que era a natureza de seus cultos, se tinham algum, não nos é dito, exceto que
ao meio-dia os Nus se retiravam para seus monasteria (vi, 14).

Toda a inclinação dos argumentos de Apolônio, contudo, é lembrar a


comunidade de sua origem oriental e sua ligação primeira com a Índia, o que
parecia ter sido esquecido. As comunidades deste tipo particular no sul do
Egito e norte da Etiópia remontavam presumivelmente a alguns séculos, e
algumas delas podem ter sido antigamente Budistas, pois um dos membros
mais jovens da nossa comunidade que a abandonou para seguir Apolônio diz
que juntou-se a ela por causa da entusiástica narração sobre a sabedoria dos
indianos feita por seu pai, que tinha como certo a existência de um comércio
marítimo com o oriente. Foi seu pai quem lhe contou que estes “etíopes”
vieram da Índia, e assim ele juntou-se a eles em vez de fazer a longa e
perigosa jornada até o próprio Indo (vi, 16).

Se há alguma verdade nesta história segue-se que os fundadores deste modo


de vida foram ascetas indianos, e se é assim devem ter pertencido à única
forma de religião indiana que empregava a propaganda, a saber, o Budismo.

Após dado o impulso, as comunidades, que presumivelmente foram supridas


por gerações de egípcios, árabes e etíopes, provavelmente foram deixadas
inteiramente por sua própria conta, e assim no decurso do tempo esqueceram
sua origem, e talvez até mesmo sua regra original. Tais especulações são
permissíveis, devido à repetida afirmação de uma conexão original entre estes
Gimnosofistas e a Índia. Toda a ênfase da história é que eles eram indianos
que esqueceram sua origem e afastaram-se da sabedoria.

O último incidente que Filóstrato registra sobre Apolônio entre os santuários e


templos é uma visita ao famoso e antiqüíssimo oráculo de Trofônio, perto de
Lebadéia, na Beócia. Diz-se que Apolônio passou sete dias sozinho nesta
misteriosa “caverna”, e retornou com um livro cheio de perguntas e respostas
sobre o tema “filosofia” (viii, 19). Este livro, no tempo de Filóstrato, ainda estava
no palácio de Adriano em Âncio, juntamente com um grupo de cartas de
Apolônio, e muitas pessoas costumavam visitar Âncio com o propósito
específico de vê-lo (viii, 19, 29).

No palheiro de falatório lendário solenemente transcrito por Filóstrato a respeito


da gruta de Trofônio, uma agulha de verdade talvez possa ser descoberta. A
“gruta” parece ter sido um antigo templo ou santuário, cortado no coração de
uma colina, ao qual uma quantidade de passagens subterrâneas de
considerável extensão conduziam. Provavelmente em tempos antigos tinha
sido um dos mais sagrados centros do culto arcaico da Hélade, talvez mesmo
uma relíquia daquela Grécia de milhares de anos antes de Cristo, cuja única
reminiscência, como Platão nos fala, foi obtida por Sólon dos sacerdotes de
Saís. Ou pode ter sido um santuário subterrâneo da mesma natureza da
afamada gruta Dictéia de Creta, que só em torno de 1901 foi trazida à luz pelo
trabalho infatigável de Messrs, Evans e Hogarth.

No caso das viagens de Apolônio, como no caso das comunidades e templos


que ele visitou, Filóstrato é um cicerone dos mais frustrantes. Mas talvez ele
não deva ser censurado por isto, pois a parte mais importante e mais
interessante da obra de Apolônio era de natureza tão íntima, executada como
foi entre associações cujo caráter secreto era tão ciosamente guardado, que
ninguém fora de seus membros poderia saber nada dela, e aqueles que
vinham a saber pela iniciação não diriam nada.

Portanto, é só quando Apolônio se adianta para executar algum ato público que
podemos obter algum traço histórico preciso dele; em todos os outros casos ele
passa para dentro do santuário de um templo ou penetra na privacidade de
uma comunidade e é perdido de vista.

Pode talvez nos surpreender que Apolônio, depois de sacrificar sua fortuna
pessoal, pudesse empreender viagens tão longas e caras, mas parece que ele
ocasionalmente era provido dos fundos necessários pelos tesouros dos
templos (cf. viii, 17), e que em toda parte lhe era livremente oferecida a
hospitalidade do templo ou comunidade do local onde calhava de ele estar.

Concluindo a presente parte de nosso assunto, podemos mencionar o bom


serviço feito por Apolônio afastando certos charlatães caldeus e egípcios que
estavam capitalizando os temores das cidades da margem esquerda do
Helesponto. Estas cidades haviam sofrido severamente com terremotos, e em
seu pânico haviam depositado grandes somas de dinheiro nas mãos destes
aventureiros (que “negociavam sobre o infortúnio alheio”), a fim de que
executassem ritos propiciatórios (vi, 41). Receber dinheiro para dar instrução
na ciência sagrada ou para desempenhar ritos sagrados era o mais detestável
dos crimes para todos os verdadeiros filósofos.

XI. APOLÔNIO E OS GOVERNANTES DO IMPÉRIO

Mas não só Apolônio vivificou e reconsagrou os antigos centros religiosos por


algum motivo inescrutável, e fez o que pôde para ajudar a vida religiosa do seu
tempo em suas múltiplas formas, mas também tomou uma parte decisiva,
embora indireta, na influência dos destinos do Império através das pessoas de
seus governantes supremos.

Esta influência, contudo, era invariavelmente de natureza moral e não política.


Era levada a cabo através de conversas e instrução filosóficas, pela palavra
falada ou escrita. Do mesmo modo que Apolônio em suas viagens conversou
sobre filosofia, e discursou sobre a vida de um homem sábio e sobre os
deveres de um governante sábio com reis (ele passou, nos dizem, não menos
de um ano e oito meses com Vardan, Rei da Babilônia, e foi o honrado
hóspede do Rajá Indiano “Fraotes”), governantes e magistrados, também
tentou aconselhar para seu bem aqueles imperadores que se dispunham a
ouví-lo.

Vespasiano, Tito e Nerva eram todos, antes de sua elevação à púrpura, amigos
e admiradores de Apolônio, enquanto que Nero e Domiciano olhavam o filósofo
com temor.

Durante a breve estada de Apolônio em Roma, em 66 d.C., mesmo que nem


uma só palavra lhe houvesse escapado que pudesse ser transformada em um
pronunciamento traidor pelos numerosos informantes, não obstante ele foi
trazido perante Tigelino, o infame favorito de Nero, e submetido a um cerrado
interrogatório cruzado. Aparentemente até esta época Apolônio estava
trabalhando para o futuro, e tinha restringido sua atenção inteiramente à
reforma da religião e à restauração das antigas instituições das nações, mas a
tirânica conduta de Nero, que não deu paz nem mesmo ao mais inatacável dos
filósofos, abriu completamente seus olhos para um mal mais imediato, que
parecia ser nada menos que a ab-rogação da liberdade de consciência por
uma tirania irresponsável. Daí em diante, portanto, encontramo-lo vivamente
interessado nas pessoas dos imperadores seguintes.

Na verdade, Damis, ainda que confesse sua inteira ignorância do propósito da


viagem de Apolônio à Espanha depois de sua expulsão de Roma, presume que
tenha sido para apoiar a iminente revolta contra Nero. Ele conjetura isso a
partir de três dias de entrevistas secretas de Apolônio com o Governador da
Província da Bética, que veio a Cádiz especialmente para vê-lo, e declara que
as últimas palavras do visitante de Apolônio foram: “Adeus, e lembre-se de
Vindex” (v, 10).

É verdade que quase imediatamente depois irrompeu a revolta de Vindex, o


Governador da Gália, mas toda a vida e caráter de Apolônio são opostos a
qualquer idéia de intriga política; ao contrário, ele bravamente contestou a
tirania e a injustiça face a face. Ele se opunha à idéia de Eufrates, um filósofo
de perfil muito diverso, que teria posto um fim na monarquia e restaurado a
república (v, 33); ele acreditava que o governo por um monarca era o melhor
para o Império, mas desejava acima de tudo ver “o rebanho da humanidade”
conduzido por “um pastor sábio e fiel” (v, 35).

De modo que embora Apolônio tenha apoiado Vespasiano enquanto ele tentou
realizar dignamente seu ideal, imediatamente censurou-o pessoalmente
quando ele privou as cidades gregas de seus privilégios. “Vós escravizastes a
Grécia”, ele escreveu. “Vós reduzistes um povo livre à escravidão” (v, 41). De
qualquer maneira, a despeito de sua censura, Vespasiano, em sua última carta
a seu filho Tito, confessou que eles eram o que eram exclusivamente por
virtude do bom conselho de Apolônio (v, 30).

De igual modo ele viajou a Roma para encontrar Domiciano face a face, e
mesmo que tenha sido posto em julgamento e todos os esforços tenham sido
feitos para prová-lo culpado de complot traidor com Nerva, ele não pôde ser
indiciado por nada de natureza política. Nerva era um bom homem, disse ao
Imperador, e não um traidor. Não que Domiciano tivesse realmente alguma
suspeita de que Apolônio estivesse pessoalmente intrigando contra ele; ele o
colocou na prisão somente na esperança de que poderia induzir o filósofo a
revelar as confidências de Nerva e outros homens eminentes que lhe eram
objetos de suspeita, e que ele imaginava que tinham consultado Apolônio sobre
suas chances de sucesso.

Os negócios de Apolônio não eram com a política, mas com “os príncipes que
lhe pediam conselho sobre a virtude” (vi, 43).

XII. APOLÔNIO, O PROFETA E TAUMATURGO

Agora voltaremos nossa atenção por um breve momento àquele lado da vida
de Apolônio que o tornou objeto de invencível preconceito. Apolônio não foi
somente um filósofo, no sentido de ser um especulador teórico ou de ser o
seguidor de um modo de vida organizado escolado na disciplina da renúncia;
ele foi também um filósofo no sentido Pitagórico original do termo – um
conhecedor dos segredos da Natureza, que assim podia falar como alguém
que tinha autoridade.

Ele conhecia o lado oculto das coisas da Natureza por experiência e não por
ouvir dizer; para ele a senda da filosofia era uma vida por onde o próprio
homem se tornava um instrumento do conhecimento. A religião, para Apolônio,
não era somente uma fé, era uma ciência. Para ele o espetáculo das coisas
eram aparências sempre mutantes; cultos e ritos, religiões e crenças, para ele
eram todos um só, considerando o espírito correto que jazia por trás deles. O
Tianeu não via diferenças de raça ou credo; tais estreitas limitações não eram
para nosso filósofo.

Acima de todos os outros ele deve ter rido ante a palavra “milagre” aplicada
aos seu feitos. “Milagre”, em seu sentido teológico Cristão, era um termo
desconhecido da antigüidade, e é um vestígio de superstição hoje. Pois ainda
que muitos acreditem que seja possível para a alma efetuar uma multidão de
coisas além das possibilidades de uma ciência que está confinada inteiramente
à investigação das forças físicas, ninguém além daquele que não pensa
acredita que pode haver alguma interferência na operação das leis que a
Deidade imprimiu na Natureza. – o credo dos Miraculistas.

A maioria dos registros de taumaturgia de Apolônio são casos de profecias ou


previsão; de visão à distância e visão do passado; o de ver ou ouvir durante
uma visão; de curar os casos de obsessão ou possessão.

Ainda jovem, no templo de Egue, Apolônio deu sinais da posse dos rudimentos
desta percepção psíquica; não só sentiu corretamente a natureza do passado
sombrio de um rico mas indigno suplicante que desejava a restauração de sua
visão, mas previu, ainda que obscuramente, o mau fim de um que havia
atentado contra sua inocência (i, 12).

Ao encontrar Damis, seu futuro fiel criado ofereceu seus serviços para a longa
jornada à Índia considerando que conhecia as línguas dos diversos países por
onde teriam que passar. “Mas eu entendo-os todos, mesmo que jamais tenha-
lhes aprendido a língua”, respondeu Apolônio, em sua maneira enigmática
usual, e acrescentou: “Não vos admireis que eu saiba as línguas dos homens,
pois eu conheço até o que eles não nunca dizem” (i, 19). E com isso ele queria
dizer simplesmente que podia ler os pensamentos das pessoas, não que ele
pudesse falar todas as línguas. Mas Damis e Filóstrato não podiam entender
um fato tão simples da experiência psíquica; eles devem ter pensado que ele
sabia não apenas as línguas de todos os homens, mas também as dos
pássaros e feras (i,20).

Em sua conversa com o monarca babilônio Vardan, Apolônio claramente


reivindica presciência. Ele diz que é um médico da alma e pode livrar o rei das
doenças da mente, não só porque sabia o que tinha de ser feito, isto é, a
disciplina adequada ensinada nas escolas Pitagórica e similares, mas também
porque ele antevia a natureza do rei (i, 32). De fato nos dizem que o assunto da
presciência (προγνωσεως), de cuja ciência (σοφια) Apolônio era um profundo
estudioso, foi um dos principais tópicos discutidos por nosso filósofo e seus
hóspedes indianos. (iii, 42).

De fato, como Apolônio fala ao seu amigo filosófico e estudioso o Cônsul


romano Telesino, para ele a sabedoria era um tipo de divinização ou de tornar
divina toda a natureza, uma espécie de estado de perpétua inspiração
(φειασμσς) (i, 40). E assim sabemos que Apolônio era informado de todas as
coisas desta natureza pela energia de sua natureza daimônica (δαιμονιως) (vii,
10). Mas para os estudantes das escolas Pitagórica e Platônica o “daimon” de
um homem era aquilo que podia ser chamado o Eu Superior, o lado espiritual
da alma distinto do puramente humano. É a melhor parte do homem, e quando
sua consciência física é unificada com o “morador do céu”, ele tem (de acordo
com a filosofia mística mais elevada da antiga Grécia), enquanto ainda na
Terra, os poderes daqueles seres incorpóreos intermediários entre os Deuses e
os homens chamados “daimones”; um estado ainda mais elevado, e o homem
vivente se torna um Deus na Terra; e num estágio ainda mais excelso ele se
torna uno com o Bem e então se torna Deus.

Daí que encontramos Apolônio rejeitando indignadamente a acusação de


magia ignorantemente levantada contra ele, uma arte que atinge seus
resultados por meio do pacto com aquelas entidades inferiores que enxameiam
nos domínios exteriores da Natureza interna. Nosso filósofo repudiava
igualmente a idéia de ser um profeta ou adivinho. Com estas artes ele não
tinha nenhuma relação; se alguma vez ele disse algo que parecia presciência,
era não por adivinhação no sentido vulgar da palavra, mas devido “àquela
sabedoria que Deus revela ao sábio” (iv, 44).

As mais numerosas das maravilhas atribuídas a Apolônio são exemplos


precisamente de tal presciência ou profecia (vide i, 22 [cf. 40], 34; iv, 4, 6, 18
[cf. v, 19], 24, 43; v, 7, 11, 13, 30, 37; vi, 32; vii, 26). Devemos confessar que as
frases registradas são freqüentemente obscuras e enigmáticas, mas este é o
caso usual neste tipo de profecia; pois os eventos futuros são vistos mais
freqüentemente em representações simbólicas, cujo significado não fica claro
até ocorrer o evento, ou ouvidos em sentenças igualmente enigmáticas. Às
vezes, entretanto, temos exemplos de previsão muito acurados, como a recusa
de Apolônio de embarcar em um navio que veio a naufragar na viagem (v, 18).

Os exemplos de visão de eventos presentes à distância, contudo – como o


incêndio de um templo em Roma, que Apolônio viu quando estava em
Alexandria – são claros o bastante. De fato, se as pessoas não soubessem
mais nada do Tianeu, teriam pelo menos ouvido falar como ele viu em Éfeso o
assassinato de Domiciano em Roma no exato momento de sua ocorrência.

Era meio-dia, para citarmos o vívido relato de Filóstrato, e Apolônio estava num
dos pequenos parques ou jardins dos subúrbios, ocupado em dar uma preleção
sobre algum absorvente tópico filosófico. “Primeiro ele baixou sua voz como se
fosse tomado de alguma apreensão; contudo, continuou sua exposição, mas
vacilante, e com muito menos força do que antes, como um homem que tem
outra coisa em sua mente além daquela sobre que está falando; finalmente ele
cessou de todo de falar como se não pudesse encontrar as palavras. Então,
olhando fixamente para o chão, deu três ou quatro passos para diante,
gritando: ‘Matem o tirano, matem!’ E isto, não como um homem que vê uma
imagem num espelho, mas como um que tem a própria cena diante de seus
olhos, como se ele mesmo estivesse tomando parte nela”.

Voltando-se para sua atônita audiência, ele lhes disse o que vira. Mas ainda
que eles esperassem que fosse verdade, recusaram-se a acreditá-lo, como se
Apolônio estivesse fora de si. Mas o filósofo gentilmente respondeu: “Vós, de
vossa parte, estais certos em adiar vosso regozijo até que as notícias sejam
trazidas a vós do modo usual; mas quanto a mim, agradecerei aos Deuses pelo
que eu mesmo vi” (viii, 26).

Pouco admira, assim, se lemos não só sobre uma quantidade de sonhos


simbólicos, mas sua interpretação correta, ser um dos ramos mais importantes
da disciplina esotérica da escola (vide especialmente i, 23 e iv, 34). Também
não nos surpreendemos de ouvir que Apolônio, baseado somente em seu
conhecimento interior, foi útil obtendo a libertação de um homem inocente em
Alexandria, que estava a ponto de ser executado junto com um grupo de
criminosos (v, 24). De fato, ele parece ter conhecido o passado secreto de
muitos daqueles com quem entrava em contato (vi, 3, 5).

A posse de tais poderes pode perturbar só levemente a crença de uma geração


como a nossa, para quem tais fatos da ciência psíquica estão se tornando a
cada dia mais familiares. Nem devem nos espantar os casos de cura por
processos mesméricos, ou mesmo os assim chamados “exorcismos de maus
espíritos”, se dermos crédito à narrativa Evangélica e estivermos acostumados
com a história geral dos tempos em que tais curas de possessão e obsessão
eram um lugar comum. Isto, contudo, não nos obriga a endossar as descrições
fantásticas de tais sucessos às quais Filóstrato se permite. Se for crível que
Apolônio teve sucesso ao tratar de obscuros casos mentais – casos de
obsessão e possessão – de que nossos asilos e hospitais estão cheios hoje em
dia, e que em sua maior parte estão além do âmbito da ciência oficial por sua
ignorância dos verdadeiros fatores em operação, igualmente é evidente que
Damis e Filóstrato tinham pouco entendimento nesta matéria, e deram rédea
larga à imaginação em suas narrativas (vide ii, 4; iv, 20, 25; v, 42; vi, 27, 43).
Talvez, contudo, Filóstrato em alguns casos esteja só repetindo a lenda
popular, cujo melhor exemplo é a cura da praga em Éfeso que o Tianeu havia
previsto em tantas ocasiões. A lenda popular diz que a origem da praga estava
ligada a um velho mendigo, que fora soterrado sob uma pilha de pedras pela
multidão enfurecida. Quando Apolônio ordenou que as pedras fossem
removidas, viu-se que o que havia sido um homem tinha se tornado agora um
cão enlouquecido espumando pela boca (iv, 10)!

Por outro lado, o registro de Apolônio “restituindo à vida” uma jovem de berço
nobre em Roma, é contado com grande moderação. Nosso filósofo parece ter
encontrado o féretro por acaso; então ele subitamente aproximou-se do leito, e
depois de fazer alguns passes sobre a donzela, e dizer algumas palavras
inaudíveis, “despertou-a de sua morte aparente”. Mas, diz Damis, “se Apolônio
notou que a centelha da alma ainda vivia, o que seus amigos deixaram de
perceber – segundo consta estava chovendo levemente e se via um tênue
vapor em seu rosto – ou se ele fez a vida nela aquecer-se novamente e assim
restaurando-a”, nem ele nem ninguém presente poderia dizer (iv, 45).

De uma natureza nitidamente mais fenomênica são as histórias de Apolônio


causando o desaparecimento do que estava escrito nas tabuletas de um de
seus acusadores perante Tigelino (iv, 44); ou removendo as cadeias de sua
perna para mostrar a Damis que ele realmente não era um prisioneiro, mesmo
que estivesse acorrentado nas masmorras de Domiciano (vii, 38); e seu
“desaparecimento” (ηφανσςη) do tribunal (viii, 5). Esta expressão, porém, só
deve ser tomada retoricamente, pois em viii, 8, o incidente é contado nas
palavras simples “quando ele deixou (απηλθε) o tribunal”.

Não devemos, pois, supor que Apolônio desprezasse ou negligenciasse os


estudos dos fenômenos físicos em sua devoção à ciência interna das coisas.
Ao contrário, temos diversos exemplos de sua rejeição da mitologia em favor
de uma explicação física dos fenômenos naturais. Tais, por exemplo, são suas
explicações da atividade vulcânica do Etna (v, 14, 17), e de um maremoto em
Creta, acompanhado de indicações corretas sobre a causa imediata da
ocorrência. De fato uma ilha distante havia explodido por causa de uma
perturbação submarina, como mais tarde foi averiguado (iv, 34). A explicação
dos maremotos em Cádiz também pode ser incluída na mesma categoria (v, 2).

XIII. SEU MODO DE VIDA

Agora apresentaremos ao leitor algumas indicações gerais do modo de vida de


Apolônio, e da maneira de seu ensino, do qual algo já foi exposto em
“Primeiros Anos”.

Nosso filósofo era um seguidor entusiasta da disciplina Pitagórica; melhor,


Filóstrato quer-nos fazer acreditar que ele fez mais esforços sobre-humanos
para alcançar a sabedoria do que mesmo o grande Samiano (i, 2). As formas
externas desta disciplina como exemplificadas em Pitágoras são deste modo
resumidas pelo autor:
“Ele não usaria nada que proviesse de um animal morto, nem tocaria num
bocado de comida que anteriormente tivesse tido vida, nem a ofereceria em
sacrifício; nem mancharia de sangue os altares; mas só bolos de mel e
incenso, e o serviço de sua canção, subiriam deste homem para os Deuses,
pois ele bem sabia que eles aceitariam tais presentes muito mais que as
centenas de bois imolados com a faca. Pois ele, em verdade, mantinha
conversas com os Deuses e aprendia deles o que lhes agradava dos homens e
o que lhes desagradava, e por isso possuía sua natureza sábia. Para o
restante, dizia, consultava o divino, e mantinha opiniões sobre os Deuses que
provavam ser falsas todas as outras; mas junto a ele, declaradamente,
chegava-se a alma [self, no original – NT] de Apolo, sem disfarce (isto é, não
sob alguma “forma”, mas em sua própria natureza), assim como se
aproximavam, ainda que ocultamente, Atena e as Musas, e outros Deuses
cujas formas e nomes a humanidade ainda não conhecia.

Daí que seus discípulos considerassem Pitágoras como um professor


inspirado, e recebessem suas regras como leis. “Em particular eles mantinham
a regra do silêncio a respeito da ciência divina. Pois eles ouviam entre eles
muitas coisas divinas e inenarráveis sobre as quais teria sido difícil manter
silêncio, se não tivessem antes aprendido que era justamente este silêncio que
lhes falava” (i, I).

Esta era a declaração geral da natureza da disciplina Pitagórica pelos seus


discípulos. Mas, diz Apolônio em sua preleção aos Gimnosofistas, Pitágoras
não foi o inventor disso. Foi a sabedoria imemorial, e Pitágoras a havia
aprendido dos indianos (vide em conexão L.von Schroeder, Pythagoras und die
Inder, eine Untersuchung über Herkunft und Abstammung der pythagorischen
Lehren – Pitágoras e os Indianos, uma Dissertação sobre as Origens e
Descendência do Ensino Pitagórico; Leipzig, 1884). Esta sabedoria, continua,
lhe havia falado em sua juventude; ela disse:

“Pois sabei, jovem senhor, que não tenho encantos; minha taça está até a
borda cheia de fadigas. Abrace qualquer um meu modo de vida, e deve
resolver-se a banir de sua mesa todo alimento que uma vez teve vida, deve
perder a lembrança do vinho, e assim não mais poluir a taça da sabedoria – a
taça que realmente consiste de almas não manchadas pelo vinho. Nem a lã irá
aquecê-lo, nem nada feito de animais. Dou a meus servos sapatos de fibra, e
nela eles podem dormir. E se os encontro entretidos nos deleites amorosos,
logo lhes trago aquela justiça que segue os passos da sabedoria, para resgatá-
los e corrigí-los; em verdade, sou tão rigorosa com aqueles que escolhem meu
caminho, que mesmo em suas línguas ponho um ferrolho. Agora ouve de mim
quais coisas ganharás, se perseverares. Um senso inato de prontidão e de
correção, e jamais sentir que o quinhão de outrem é melhor que o próprio;
eliminar pelo medo os tiranos antes que ser um temeroso escravo da tirania; ter
tuas pobres ofertas mais abençoadas pelos Deuses do que aqueles que lhes
apresentam o sangue dos touros. Se és puro, conceder-te-ei como saber as
coisas que virão, e encherei tanto teus olhos de luz que poderás reconhecer os
Deuses, os heróis, e provar e dominar as formas sombrias que assumem a
forma de homens” (vi, II).
Toda a vida de Apolônio demonstra que ele tentou seguir consistentemente
esta regra de vida, e as repetidas declarações de que ele jamais se juntaria aos
sacrifícios sangrentos dos cultos populares (vide especialmente i, 24, 31; iv, 11;
v, 25), mas os condenava abertamente, mostram não só que a escola
Pitagórica tinha sempre dado o exemplo do modo mais elevado de sacrificar
puramente, mas que eles não só não foram condenados e perseguidos como
heréticos por causa disso, mas foram antes considerados como sendo de
especial santidade, e como seguindo uma vida superior do que os mortais
comuns.

A restrição contra a carne de animais, entretanto, não estava baseada


simplesmente em idéias de pureza, tinha uma sanção adicional no amor
positivo para com os reinos inferiores e o horror de infligir sofrimento a qualquer
criatura viva. Assim Apolônio asperamente recusou-se a tomar parte de uma
caçada, quando convidado a fazê-lo por seu real hospedeiro na Babilônia.
“Sire”, ele replicou, “esquecestes que mesmo quando sacrificardes não estarei
presente? Muito menos então farei estas feras morrerem, e todo o resto
quando seus espíritos forem quebrados e forem constrangidos contra sua
natureza” (i, 38) (Isto se refere à manutenção de parques de caça, ou
“paraísos”, pelos monarcas babilônicos).

Mas embora Apolônio fosse um irredutível mestre de si mesmo, ele não


desejava impor seu modo de vida sobre os outros, mesmo sobre seus amigos
e companheiros pessoais (se, é claro, não o fariam de livre vontade). Assim ele
diz a Damis que não deseja proibí-lo de comer carne e beber vinho, ele apenas
reserva-se o direito de abster-se e de defender sua conduta se chamado a
fazê-lo (ii, 70). Esta é uma indicação adicional de que Damis não era um
membro do círculo interno da disciplina, e este último fato explica o porquê de
um seguidor tão fiel da pessoa de Apolônio ainda estivesse não obstante tanto
na escuridão.

E não só isso, mas Apolônio mesmo dissuade o Rajá Fraotes, seu primeiro
hospedeiro na Índia, que desejava seguir sua observância estrita, de fazê-lo,
porque isso o afastaria muito de seus súditos (ii, 37).

Três vezes por dia Apolônio orava e meditava; no alvorecer (vi, 10, 18; vii, 31),
no meio-dia (vii, 10), e no ocaso (viii, 13). Isto parece ter sido seu costume
invariável; não importa onde ele estivesse, parece ter devotado pelo menos uns
poucos momentos para meditação silenciosa nestes momentos. O objeto de
seu culto é sempre dito ter sido o “Sol”, isto é, o Senhor de nosso mundo e
seus mundos irmãos, cujo símbolo encantador é o orbe do dia.

Vimos no breve esboço devotado aos seus “Primeiros Anos” como ele dividia o
dia e repartia seu tempo entre as diferentes classes de seus ouvintes e
inquiridores. Seu estilo de ensino e prédica era o oposto do orador retórico ou
profissional. Não havia arte alguma em suas sentenças, nenhuma busca de
efeito, nenhuma afetação. Mas ele falava “como se de uma trípode” [a trípode
era um banco de três pés onde sentavam-se as Pitonisas ao proferir seus
oráculos – NT], com palavras como “Eu sei”, “Parece-me”, “Por que vós”,
“Sabei”. Suas frases eram curtas e compactas, e suas palavras carregavam
convicção com elas e adequavam-se aos fatos. Sua obra, dizia, não era
procurar e questionar como havia feito em sua juventude, mas ensinar o que
sabia (i, 17). Ele não empregava a dialética da escola Socrática, mas fazia
seus ouvintes afastar-se de tudo o mais e dar ouvidos somente à voz interior
da filosofia (iv, 2). Ele tirava suas ilustrações de qualquer incidente casual ou
acontecimento doméstico (iv, 3; vi, 3, 38), e usava tudo para o melhoramento
de seus ouvintes.

Quando foi a julgamento, não fez preparação alguma para sua defesa. Ele
tinha vivido sua vida como ela se apresentava cotidianamente, preparado para
a morte, e assim continuaria (viii, 30). Acima de tudo agora era sua escolha
deliberada desafiar a morte pela causa das filosofia. E diante das repetidas
solicitações de seu velho amigo para que preparasse sua defesa, replicou:

“Damis, pareces ter perdido teu entendimento diante da morte, ainda que
tenhas estado tanto tempo comigo e eu tenha amado a filosofia desde mesmo
minha juventude (leia-se θιλοσοφω por θιλοσοφων), imaginei que estarias tu
mesmo preparado para a morte e igualmente conhecias bem meu generalato
nisto. Pois como os guerreiros no campo de batalha necessitam não só de boa
coragem mas também daquele generalato que os avisa quando lutar, assim
devem os que amam a sabedoria fazer um cuidadoso estudo das boas épocas
de morrer, para que possam escolher a melhor e não encontrar a morte todos
despreparados. Que eu escolhi e agarrei o momento que segundo a sabedoria
era o melhor para a contenda mortal – isto é, se há alguém que deseje matar-
me – eu provei a outros amigos quando estavas perto, tampouco cessei de
ensinar-te isto em privado” (vii, 31).

Isto foram algumas poucas indicações de como nosso filósofo vivia, nada
temendo exceto a deslealdade a seu alto ideal. Agora faremos menção a
alguns de seus traços mais pessoais, e a alguns dos nomes de seus
seguidores.

XIV. ELE E SEU CÍRCULO

Diz-se que Apolônio tinha formosissima aparência (i, 7, 12; iv, 1) (Rathgeberger
[G] em seu Grossgriechenland und Pythagoras – A Magna Grécia e Pitágoras;
Gotha, 1866; uma obra de maravilhosa indústria bibliográfica, refere-se a três
supostos retratos de Apolônio [p. 621]. Um no Campidoglio Museum of the
Vatican, Indicazione delle Sculture – Catálogo de Esculturas; Roma, 1840; p.
68, n° 75, 76 e 77; outro no Museu Real Boubon, descrito por Michel B.;
Nápoles, 1837; p. 79, n° 363; e outro a réplica de uma contorniate, de Visconti.
Não consegui encontrar sua primeira referência, mas em um Guia do Museu
Real Bourbon, traduzido por C.J.J.; Nápoles, 1831; eu encontrei na p. 152 que
o n° 363 é um busto de Apolônio, cerca de 90 cm de altura, cuidadosamente
executado, com uma cabeça semelhante a um Zeus, com barba e longa
cabeleira descendo sobre seus ombros, presos por uma larga faixa. O busto
parece ser antigo. Contudo, não pude obter uma reprodução dele. E.Q.
Visconti, no atlas de sua Iconographic Grecque; Paris, 1808; dá a reprodução
de uma contorniate, ou medalha com uma borda circular, cujo um dos lados
tem uma cabeça de Apolônio e a legenda APOLLONIVS TEANEVS. Esta
também representa nosso filósofo com barba e cabelos compridos; a cabeça é
coroada, e a parte superior do corpo coberta com uma túnica e o manto do
filósofo. A medalha, porém, é de artesania muito inferior, e o retrato não é
agradável de modo algum. Visconti em seu folheto devota um raivoso e
ofensivo parágrafo a Apolônio, “ce trop célèbre imposteur”, como o chama,
basado em De Tillemont) mas além disto não temos nenhuma indicação muito
precisa de sua pessoa. Seus modos eram sempre doces e gentis (i, 36; ii, 22) e
modestos (iv, 31; viii, 15), e nisto, diz Damis, ele parecia mais um indiano do
que um grego (iii, 36); mas ocasionalmente ele impreca indignado contra
alguma barbaridade especial (iv, 30). Seu temperamento era freqüentemente
pensativo (i, 34), e quando não estava falando mergulhava longamente em
profundos pensamentos, durante o que seus olhos ficavam fixos no chão (i, 10
et al.).

Ainda que, como vimos, fosse ferrenhamente inflexível consigo mesmo, estava
sempre pronto para desculpar os outros; se, de um lado, aplaudia a coragem
dos poucos que permaneceram com ele em Roma, de outro recusou acusar de
covardia os muitos que haviam fugido (iv, 38). Tampouco sua gentileza era
demonstrada simplesmente pela abstenção de acusar, ele era sempre ativo em
atos positivos de compaixão (cf. vi, 39).

Uma de suas poucas peculiaridades era gostar de ser chamado de “Tianeu”


(vii, 38), mas não é dito o porquê disto. Dificilmente pode ter sido porque
Apolônio fosse particularmente orgulhoso de seu local de nascimento, pois
mesmo que fosse um grande amante da Grécia, tanto que às vezes
poderíamos chamá-lo de patriota entusiástico, seu amor pelos outros países
era igualmente pronunciado. Apolônio era um cidadão do mundo, se jamais
houve algum, em cuja linguagem a terra natal não influenciava, e um sacerdote
da religião universal em cujo vocabulário a palavra seita não existia.

A despeito de sua vida extremamente ascética, ele era um homem de forte


compleição, tamanha que mesmo quando havia atingido a avançada idade de
80 anos, dizem, ele ainda era rijo e saudável em cada membro e órgão,
aprumado e perfeitamente formado. Havia ainda um certo charme indefinível
em torno dele que o fazia mais agradável de ver do que mesmo o frescor da
juventude, e mesmo que sua face estivesse coberta de rugas, como o
representavam as estátuas no templo de Tíana no tempo de Filóstrato. De fato,
diz seu retórico biógrafo, os relatos decantam mais o charme de Apolônio em
sua idade provecta do que a beleza de Alcebíades em sua juventude (viii, 29).

Em resumo, nosso filósofo parece ter tido a presença mais encantadora e a


disposição mais amável; tampouco sua absoluta devoção à filosofia teve a
natureza do ideal eremítico, pois ele passou sua vida entre os homens. Não
admira então que tenha atraído a si tantos seguidores e discípulos! Teria sido
interessante se Filóstrato nos tivesse dito mais sobre estes “Apolônicos”, como
eram chamados (viii, 21), e se constituíam uma escola distinta, ou se se
reuniam em comunidades segundo o modelo Pitagórico, ou se eram
simplesmente estudiosos independentes atraídos à personalidade dominante
da época no campo da filosofia. Porém, é certo que muitos deles usavam a
mesma roupagem que ele e seguiam o seu modo de vida (iv, 39). Também é
feita repetida menção aos acompanhantes de Apolônio em suas viagens (iv, 47;
v, 21; viii, 19, 21, 24), às vezes até dez de uma vez, mas a nenhum deles
permitia ensinarem até que houvessem cumprido o voto de silêncio (v, 43).

Os mais notáveis destes seguidores foram Musônio, que era considerado o


maior filósofo da época depois do Tianeu, e que foi a vítima especial da tirania
de Nero (iv, 44; v, 19; vii, 16), e Demétrio, “que amava Apolônio” (iv, 25, 42; v,
19; vi, 31; vii, 10; viii, 10). Estes nomes são bem conhecidos da história; outros
nomes já desconhecidos são os do egípcio Dioscórides, que devido à má
saúde foi deixado para trás na longa viagem à Etiópia (iv, 11, 38; v, 43),
Menipo, a quem livrara de uma obsessão (iv, 25, 38; v, 43), Fédimo (iv, 11) e
Nilo, que o seguiu deixando os Gimnosofistas (v, 10 sqq, 28), e, é claro, Damis,
que nos faz pensar que estava sempre com ele desde a época de seu encontro
em Ninus.

No geral imaginamos que Apolônio não estabeleceu nenhuma organização


nova; ele fez uso das já existentes, e seus discípulos foram aqueles que foram
atraídos para ele pessoalmente por uma invencível afeição que somente
poderia ser satisfeita estando continuamente perto dele. Parece certo que ele
não treinou ninguém para continuar sua missão; ele veio e se foi, ajudando e
iluminando, mas não deixou nenhuma tradição de linha definida, e não fundou
nenhuma escola para ser continuada por sucessores. Mesmo para seu sempre
fiel companheiro, ao dar-lhe adeus para o que ele sabia ser a última vez para
Damis na Terra, ele não teve nenhuma palavra a dizer sobre a obra a que
devotara sua vida, a qual Damis jamais entendeu. Suas últimas palavras foram
só para Damis, para o homem que o amara, mas jamais o conhecera. Foi uma
promessa de vir a ele se precisasse de ajuda. “Damis, sempre que pensares
em coisas elevadas em meditação solitária, me verás” (viii, 28).

Agora voltaremos nossa atenção a uma consideração de alguns dos ditos


atribuídos a Apolônio e das falas postas em sua boca por Filóstrato. Os ditos
breves com toda probabilidade são autenticamente tradicionais, mas as falas
em sua maioria são a elaboração artística das toscas notas de Damis. De fato,
são abertamente declaradas como tal; mas não obstante são interessantes por
si, por duas razões.

Em primeiro lugar, elas honestamente denunciam sua natureza, e não


reivindicam inspiração; são confessadamente documentos humanos que
tentam dar uma roupagem literária ao corpo tradicional de pensamento e
pesquisa que a vida de nosso filósofo construiu nas mentes dos seus ouvintes.
O método era comum na antigüidade, e os antigos compiladores de outras
séries de documentos famosos teriam se espantado se pudessem ver como a
posteridade divinizaria seus esforços e os consideraria como imediatamente
inspirados pela fonte de toda a sabedoria.

Em segundo lugar, mesmo que não devamos supor que estamos lendo as
palavras reais de Apolônio, de qualquer modo estamos cônscios de estar em
contato imediato com a atmosfera interna do melhor pensamento religioso da
mente grega, e temos diante de nossos olhos a imagem de uma fermentação
mística e espiritual que influenciou todos os níveis da sociedade no primeiro
século de nossa era.

XV. DE SEUS DITOS E SERMÕES

Apolônio acreditava na oração, mas quão diferentemente da vulgar! Para ele a


idéia de que os Deuses pudessem ser desviados da senda da estrita justiça
pelas súplicas dos homens era uma blasfêmia; que os Deuses pudessem se
tornar partidários de nossas esperanças e temores egoístas, para nosso
filósofo era algo impensável. Só sabia de uma coisa: que os Deuses eram os
ministros do direito e os rígidos administradores do justo merecimento. A
crença comum, que persiste até em nossos dias, de que Deus pode ser
desviado de Seu propósito, de que pactos poderiam ser feitos com Ele ou Seus
ministros, era inteiramente desprezível para Apolônio. Seres com quem pactos
podiam ser feitos, que podiam ser influenciados e obrigados, não seriam
Deuses, mas menos que homens. Assim encontramos Apolônio jovem
conversando com um dos sacerdotes de Esculápio nos seguintes termos:

“Já que os Deuses conhecem todas as coisas, imagino que alguém que entre
no templo com uma consciência correta em si rezaria assim: ‘Dai-me, oh
Deuses, o que me cabe!’ “ (i, II)

E assim também ele rezou, em sua longa jornada à Índia, na Babilônia: “Deus
do Sol, envia-me sobre a Terra até onde for bom para Ti e para mim; e que eu
possa conhecer o bem, e jamais conhecer o mal ou ser conhecido por ele” (i,
31).

Uma de suas preces mais comuns era, segundo Damis, assim: “Concedei, oh
Deuses, que eu tenha pouco e não precise de nada” (i, 34).

“Quando entrais nos templos, pelo que rezais?”, perguntou para nosso filósofo
o Pontífice Máximo Telesino. “Eu rezo”, disse Apolônio, “para que a retidão
possa imperar, para que as leis permaneçam intactas, para que o sábio seja
pobre e os outros, ricos, mas honestamente” (iv 40).

A fé de nosso filósofo no grande ideal de nada ter e ainda assim possuir todas
as coisas, é exemplificada em sua réplica ao oficial que demandava como ele
pretendia entrar nos domínios da Babilônia sem permissão. “Toda a Terra”,
disse Apolônio, “é minha, e me é dado que eu a percorra” (i, 21).

Há muitos exemplos de somas de dinheiro sendo oferecidas a Apolônio por


seus serviços, mas ele invariavelmente as recusava; e não só isso, mas seus
seguidores também recusavam todos os presentes. Quando o Rei Vardan, com
verdadeira generosidade oriental, ofereceu-lhe presentes, foram devolvidos; e
nisto disse Apolônio: “Vêde, minhas mãos, ainda que muitas, são todas
parecidas”. E quando o rei perguntou a Apolônio qual presente ele traria para
ele da Índia, nosso filósofo replicou: “Um presente que vos agradará, Sire. Pois
se minha estada lá me tornar mais sábio, voltarei a vós melhor do que sou
agora” (i, 41).
Quando estavam cruzando as grandes montanhas em direção à Índia, diz-se
que teve lugar uma conversa entre Apolônio e Damis, a qual nos fornece um
bom exemplo de como nosso filósofo sempre usava os incidentes do dia para
inculcar as mais elevadas lições de vida. A questão dizia respeito a “embaixo” e
“em cima”. “Ontem”, diz Damis, “estávamos embaixo no vale; hoje estamos em
cima, alto nas montanhas, não muito distantes do céu”. “Então isto é o que tu
queres dizer por ‘embaixo’ e ‘em cima’ “, disse Apolônio gentilmente. “Mas é
claro!”, replicou Damis impaciente, “se penso claramente; que necessidade
temos de tais questões inúteis?”. “E adquiriste um conhecimento maior da
natureza divina estando mais perto do céu sobre o topo das montanhas?”,
continuou seu mestre, “Pensas que os que observam o céu das alturas
montanhosas estão algo mais perto do entendimento das coisas?”. “Para falar
a verdade”, disse Damis, um tanto desconcertado, “eu pensei mesmo que
desceria mais sábio, pois estive numa montanha mais alto do que qualquer
outro homem, mas temo não saber mais do que antes de subir nela”.
“Tampouco os outros homens saberão”, replicou Apolônio; “tais observações os
fazem ver o céu mais azul, as estrelas maiores, e o sol a nascer da noite,
coisas sabidas por aqueles que conduzem as ovelhas e cabras; mas como
Deus realmente se interessa pelo gênero humano, e como Ele tem vero prazer
em seu serviço, o qual é a virtude, a retidão e o senso-comum, eis que nem [o
monte] Athos o revelará àqueles que escalam seu cume, nem o Olimpo, que
suscita a admiração do poeta, a não ser que a alma o perceba; pois quando a
alma, pura e sem mistura, ascender a estas altitudes, juro-te, ela voará muito,
muito mais alto do que este Cáucaso altaneiro” (ii, 6).

Novamente, quando em Termópilas, seus seguidores estavam disputando


sobre qual seria o local mais alto da Grécia, estando então o Monte Eta em
vista. Acontecia de eles estarem bem ao pé da colina onde os espartanos
foram derrotados crivados de flechas. Subindo ao cume, Apolônio exclamou: “E
eu acho que este é o ponto mais alto, pois aqueles que aqui tombaram por
amor à liberdade fizeram-no tão alto como o Eta, e o elevaram muito acima de
mil Olimpos” (iv, 23).

Um outro exemplo de como Apolônio transformava acontecimentos casuais em


boas ilustrações é o seguinte: Certa vez em Éfeso, em uma das estradas
pavimentadas perto da cidade, ele estava falando sobre dividirmos nossos
bens com os outros, e como deveríamos naturalmente ajudar uns aos outros.
Ocorria que um grupo de pardais estava pousado numa árvore próxima em
perfeito silêncio. Subitamente um outro pardal chegou voando e começou a
chilrear, como se quisesse dizer aos outros qualquer coisa. Imediatamente todo
o bando começou a pipilar também, e voaram todos atrás do recém-chegado. A
supersticiosa audiência de Apolônio ficou muito impressionada pelo
comportamento dos pardais, e viu nisso um augúrio de alguma coisa
importante. Mas o filósofo continuou seu sermão. O pardal, disse ele, convidou
seus amigos para um banquete. Um garoto escorregou em um campo próximo
e esparramou-se algum grão que ele carregava em uma bolsa; ele recolheu a
maior parte e foi-se embora. O pequeno pardal, calhando de encontrar os
grãos que sobraram, imediatamente voou para convidar seus amigos para o
festim.
Então a maior parte da audiência correu para ver se era verdade, e quando
voltaram todos gritando e gesticulando maravilhados, o filósofo continuou:
“Vêde que cuidado os pardais têm uns para com os outros, e quão felizes ficam
em compartilhar seus bens. Mas nós homens não o aprovamos; antes, se
vemos um homem dividindo seus bens com outros homens, chamamo-lo de
esbanjador, extravagante, e de outros nomes, e acusamos os homens que
recebem a partilha de serem aduladores e parasitas. O que nos resta então
senão encerrarmo-nos em casa como aves de engorda, e empanturrarmos
nossos estômagos na escuridão até que rebentemos de gordura?” (iv, 3).

Em outra ocasião, em Esmirna, Apolônio, vendo um navio ser carregado, usou


a ocasião para ensinar às pessoas a lição da cooperação. “Olhai a marujada!”,
ele disse. “Vêde como alguns aprontaram os botes, alguns subiram as âncoras
e as prenderam, alguns dispuseram as velas para aproveitar o vento, como
outros ainda verificaram a proa e a pôpa. Mas se um único homem falhar em
desempenhar uma só de suas tarefas, ou negligenciar suas atribuições, sua
navegação será ruim, e terão a tempestade no meio deles. Mas se rivalizarem
entre si, tentando equiparar-se cada um a seus companheiros, tal barco terá
céus favoráveis, e um bom tempo e boa viagem sucederão” (iv, 9).

Novamente, em outra ocasião, em Rodes, Damis perguntou-lhe se ele


conhecia algo maior que o famoso Colosso. “Sim”, replicou Apolônio; “o homem
que anda nos honestos sendeiros da sabedoria que nos dá a saúde” (v, 21).

Também há um número de exemplos de respostas satíricas ou sarcásticas


dadas por nosso filósofo, e de fato, a despeito de seu temperamento
usualmente grave, ele não infreqüentemente zombava de seus ouvintes, e às
vezes, se podemos dizer assim, ironizava sua estultice (vide especialmente iv,
30).

Mesmo em tempos de grande perigo esta característica se mostrava. Um bom


exemplo é a resposta à delicada pergunta de Tigelino: “O que pensais de
Nero?”. “Penso melhor dele do que vós”, redargüiu Apolônio, “pois vós
acreditais que ele deveria cantar, e eu penso que ele deveria manter-se em
silêncio” (iv, 44).

Também sua resposta a um jovem Creso [Creso, rei da Lídia, ficou famoso por
sua enorme riqueza – NT] da época é tão irônica quanto sábia; “Jovem
senhor”, disse ele, “penso que não sois vós que possuís vossa casa, mas que
vossa casa vos possui” (v, 22).

Do mesmo estilo também é a resposta a um glutão que jactava-se de sua


gulodice. Ele copiava Hércules, dizia, que era famoso tanto pela comida que
comia quanto por seus trabalhos.

“Sim”, disse Apolônio, “pois ele era Hércules. Mas vós, que virtude tendes, oh
montanha de gordura? A única coisa que chama a atenção em vós é a
possibilidade de explodirdes” (iv, 23).
Mas voltemos a momentos mais sérios. Em resposta à ardente súplica de
Vespasiano, “ensina-me o que deveria fazer um bom rei”, Apolônio diz-se que
respondeu algo nestes termos:

“Vós me pedis o que não pode ser ensinado. Pois a realeza é a maior coisa ao
alcance do mortal; e não é ensinada. Mas vos direi o que, se fizésseis, faríeis
bem. Não considereis a riqueza que é acumulada – em que ela é superior à
areia reunida casualmente? Nem aquela que provém de pesadas taxações que
oprimem os homens – pois o ouro que vem das lágrimas é vil e negro.
Empregareis melhor do que qualquer rei a riqueza, se atenderdes às
necessidades dos desfavorecidos e garantirdes a riqueza dos que possuem
muito. Temei o poder de fazer o que vos aprouver, assim o usareis com maior
prudência. Não apareis as espigas que sobressaem dentre as outras – pois
Aristóteles não é justo neste ponto (vide Chassang, op. cit., p. 458, para uma
crítica desta declaração) – mas antes separai sua animosidade como o joio
dentre o grão, e intimidai os agitadores em disputa não dizendo ‘Eu vos puno’,
mas ‘Irei fazê-lo’. Submetei-vos à lei, oh Príncipe, pois fareis leis mais sábias
se vós mesmos não desprezardes a lei. Sê mais reverente do que nunca aos
Deuses; grandes são as dádivas que recebestes deles, e orai por grandes
coisas (Isto foi antes de Vespasiano tornar-se Imperador). No que tange ao
estado, agi como rei; no que tange a vós mesmos, agi como um homem
comum” (v, 36).

E assim sempre do mesmo modo, dando bom conselho e demonstrando um


profundo conhecimento dos assuntos humanos. E se vamos supor que se trata
de mero exercício retórico de Filóstrato e não é baseado na substância do que
Apolônio disse, então devemos ter uma opinião melhor do retórico do que o
resto de seus escritos afiança.

Existe um diálogo Socrático extremamente interessante entre Tespésion, o


abade da comunidade Gimosofista, e Apolônio, sobre os méritos relativos dos
modos grego e egípcio de representar os Deuses. Segue-se algo como assim:

“Mas! Vamos imaginar”, disse Tespésion, “que os Fídias e os Praxíteles foram


ao céu e tiveram impressões das formas dos Deuses, e assim fizeram
simulacros deles, ou foi outra coisa que os fez esculpí-los?”

“Sim, foi outra coisa”, disse Apolônio, “algo prenhe de sabedoria”.

“O que foi? Certamente não podeis dizer que foi algo além de mera imitação!”

“A imaginação os conduziu – um trabalho mais sábio que a imitação; pois a


imitação somente apresenta o que foi visto, enquanto que a imaginação
apresenta o que jamais foi contemplado, concebendo-o em relação à coisa que
realmente existe”.

A imaginação, diz Apolônio, é uma das mais poderosas faculdades, pois nos
habilita a chegar mais perto das realidades. Geralmente se supõe que a
escultura grega era meramente uma glorificação da beleza física, e bastante
desespiritual em si mesma. Era uma idealização das formas e feições,
membros e músculos, uma glorificação vazia do físico com nada é claro
correspondendo a ela realmente na natureza das coisas. Mas Apolônio
declarou que ela traz-nos para mais perto do real, como Pitágoras e Platão
disseram antes dele, e como todos os sábios ensinaram. Ele queria dizer isto
literalmente, e não vaga e fantasticamente. Ele declarou que os protótipos e
idéias das coisas são as únicas realidades. Ele queria dizer que entre a
imperfeição terrena e o mais excelso arquétipo divino de todas as coisas
existiam graus de crescente perfeição. Queria dizer que dentro de cada homem
existe uma forma da perfeição, embora é claro que ainda não absolutamente
perfeita; que o anjo no homem, seu daimon, era de uma beleza divinal, o
resumo de todos os mais finos traços que apresentou em suas muitas vidas na
Terra. Os Deuses também pertencem ao mundo dos arquétipos, dos modelos,
das perfeições, o mundo celeste. Os escultores gregos conseguiram entrar em
contato com este mundo, e a faculdade que usaram foi a imaginação.

Esta idealização da forma era um modo digno de representar os Deuses;


“mas”, diz Apolônio, “se entronizardes um falcão ou uma coruja ou um cão em
vossos templos, para representar Apolo ou Atena ou Hermes, podeis dignificar
os animais, mas fareis os Deuses perder dignidade”.

A isto Tespésion replicou que os egípcios não pretendiam dar nenhuma forma
específica aos Deuses; eles lhes atribuíam meramente símbolos aos quais era
associado um significado oculto.

“Sim”, responde Apolônio, “mas o perigo é que as pessoas comuns adorem


estes símbolos e concebam idéias deformadas sobre os Deuses. O melhor
seria não ter representação alguma. Pois a mente do adorador pode formar e
adequar para si uma imagem do objeto de sua adoração melhor do que
qualquer arte”.

“Certamente”, contrafez Tespésion, e então acrescentou maliciosamente:


“Havia um velho ateniense por aí – não tolo – chamado Sócrates, que jurava
pelos cães e gansos como se fossem Deuses”.

“Sim”, replicou Apolônio, “ele não era tolo. Ele jurava por eles não como sendo
Deuses, mas para evitar de jurar pelos Deuses” (iv, 19).

Esta é uma encantadora passagem de sagacidade, do egípcio contra o grego,


mas todos estes diálogos podem ser considerados como sendo os exercícios
retóricos de Filóstrato antes do que de Apolônio, que ensinava “como tendo
autoridade”, como se “de uma trípode”. Apolônio, o sacerdote da religião
universal, poderia ter apontado o lado bom e o lado ruim tanto da arte religiosa
grega quanto da egípcia, e certamente ensinou o caminho mais elevado do
culto desprovido de símbolos, mas ele não defenderia um culto popular contra
um outro. No diálogo acima há um nítido preconceito contra o Egito e uma
glorificação da Grécia, e isto ocorre de modo marcante em diversos outros
diálogos. Filóstrato era um campeão da Grécia contra todas as outras terras;
mas Apolônio, cremos, era mais sábio que seu biógrafo.
A despeito da roupagem literária que é posta sobre os discursos mais longos
de Apolônio, eles contêm muitos nobres pensamentos, como podemos ver
pelas seguintes citações das conversas de nosso filósofo com seu amigo
Demétrio, que estava tentando dissuadí-lo de enfrentar Domiciano em Roma.

“A lei”, disse Apolônio, “nos obriga a morrer pela liberdade, e a natureza ordena
que morramos por nossos pais, nossos amigos, ou nossos filhos. Todos os
homens estão ligados por estes deveres. Mas um dever superior é imposto
sobre o sábio; ele deve morrer por seus princípios e a verdade que defende
mais cara que a vida. Não é a lei que lhe impõe a escolha, não é a natureza; é
a força e coragem de sua própria alma. Mesmo que o fogo e a espada lhe
aflijam, não sobrepujarão sua resolução ou o obrigarão à menor falsidade; mas
ele guardará os segredos das vidas alheias e tudo o que lhe for confiado à
honra tão religiosamente como os segredos da iniciação. E eu sei mais que os
outros homens, pois sei que de tudo o que sei, algumas coisas são para o bom,
outras para o sábio, outras para mim mesmo, outras para os Deuses, mas
nada para os tiranos.

“Além disso, penso que um homem sábio não faz nada sozinho ou por si
mesmo, e nenhum pensamento seu é secreto, pois ele mesmo é sua
testemunha. E se o ditado famoso ‘conhece-te a ti mesmo’ é de Apolo ou de
algum sábio que aprendeu a conhecer-se e proclamou-o como um bem para
todos, penso que o homem sábio que conhece a si mesmo e traz seu espírito
em constante camaradagem, para lutar à sua destra, não temerá o que o vulgo
teme, nem condescenderá em fazer o que a maioria dos homens faz sem a
menor vergonha” (vii, 15).

Nisto temos o verdadeiro desdém filosófico diante da morte, e também o calmo


conhecimento do iniciado, do confortador e do conselheiro de outros, a quem
os segredos de suas vidas foi confessado, e que nenhuma tortura poderia
jamais extrair de seus lábios. Aqui, também, temos a plena percepção do que é
consciência, da impossibilidade de ocultar o menor traço de mal no mundo
interior; e ainda o fulgurante brilho de uma ética superior que faz a conduta
habitual das massas parecer surpreendente – “o que eles fazem, e sem
vergonha alguma”.

XVI. DE SUAS CARTAS

Apolônio parece ter escrito muitas cartas a imperadores, reis, filósofos,


comunidades e estados, ainda que não tenha sido de modo algum um
“correspondente prolixo”; de fato, o estilo de suas notas curtas é
extraordinariamente conciso, e foram compostas, segundo Filóstrato, “ao modo
da scytale dos lacedemônios” (scytale era uma vara, ou bastão, usado como
cifra para despachos escritos. “Uma tira de couro era enrolada obliquamente
em torno, onde os despachos eram escritos ao comprido, de modo que quando
desenroladas eram ilegíveis; os comandantes no exterior tinham uma vara de
igual espessura, em torno da qual enrolavam seus documentos, e assim se
tornavam capazes de ler os despachos” - Liddeell e Scott, Lexicon, sub voc.
Daí que scytale veio a significar geralmente um despacho espartano, que era
caracteristicamente lacônico em sua brevidade).
È evidente que Filóstrato teve acesso a cartas atribuídas a Apolônio, pois ele
cita um número delas (vide i, 7, 15, 24, 32; iii, 51; iv, 5, 22, 26, 27, 46; v, 2, 10,
39, 40, 41; vi, 18, 27, 29, 31, 33; viii, 7, 20, 27, 28), e não há razão para
duvidarmos de sua autenticidade. De onde ele as obteve, não nos diz, a menos
que fossem a coleção feita por Adriano em Âncio (viii, 20).

Para que o leitor possa ser capaz de apreciar o estilo de Apolônio anexamos
um ou dois espécimens destas cartas, ou antes notas, pois são tão curtas que
não merecem o nome de epístolas. Eis uma aos magistrados de Esparta:

“Apolônio aos Éforos, saudações!

“É possível para os homens não cometer erros, mas requer-se homens nobres
para reconhecer que os cometeram”

Tudo o que Apolônio coloca é um punhado de palavras em grego. Aqui,


também, há um interessante intercâmbio de notas entre os dois maiores
filósofos da época, ambos tendo sofrido prisão e estando em constante risco de
morte.

“Apolônio a Musônio, o filósofo, saudação!

“Quero ir a vós, compartilhar conversa e teto convosco, e ser-vos de alguma


utilidade. Se ainda credes que Hércules uma vez resgatou Teseu do Hades,
escrevei o que precisais. Adeus!”

“Musônio a Apolônio, o filósofo, saudação!

“Boa recompensa se reserva para vós por vossos bons pensamentos; o que
está reservado para mim é um que espera seu julgamento e prova sua
inocência. Adeus.”

“Apolônio a Musônio, saudação!

“Sócrates recusou ser livre da prisão por seus amigos e compareceu perante
os juizes. Foi condenado à morte. Adeus”

“Musônio a Apolônio, o filósofo, saudação!

Sócrates foi condenado à morte porque não preparou sua defesa. Farei o
mesmo. Adeus!”

Contudo, Musônio, o Estóico, foi condenado à servidão penal por Nero.

Eis uma nota ao Cínico Demétrio, um dos mais devotados amigos de nosso
filósofo:

“Apolônio, o filósofo, a Demétrio, o Cão (isto é, o Cínico), saudação!


“Eu vos dei a Tito, o imperador, para ensiná-lo o caminho da realeza, e vós em
troca destes-me poder falar-lhe com verdade; e com ele sêde tudo, menos
irado. Adeus!”

Em acréscimo às notas citadas no texto de Filóstrato, há uma coleção de


noventa e cinco cartas, em sua maior parte notas breves, cujo texto é oferecido
na maioria das edições (Chassang, op. cit., pp. 395 sqq., dá uma tradução
Francesa delas). Quase todos os críticos são de opinião de que não são
genuínas, mas Jowett (artigo “Apollonius”, Dictionary of Classical Biographies,
de Smith) e outros pensam que algumas delas podem muito bem ser
autênticas.

Aqui damos uma amostra de uma ou duas destas cartas. Escrevendo para
Eufrates, seu grande inimigo, isto é, o campeão da pura ética racionalista
contra a ciência das coisas sagradas, ele diz:

17. “Os persas chamam de Magos aqueles que possuem faculdades divinas
(ou são divinos). Um Mago, então, é um que é um ministro dos Deuses, ou um
que tem por natureza a faculdade divina. Vós não sois nenhum Mago, mas
rejeitais os Deuses (isto é, é ateu)”.

Novamente, em uma carta endereçada a Críton, lemos:

23. “Pitágoras disse que a arte mais divina era a da cura. E se a arte da cura é
a mais divina, deve ocupar-se tanto da alma como do corpo; pois nenhuma
criatura pode estar bem enquanto a parte superior em si está doente”.

Escrevendo aos sacerdotes de Delfi contra a prática de sacrifícios sangrentos,


diz:

27. “Heráclito era um sábio, mas mesmo ele (isto é, um filósofo de 600 anos
antes) jamais aconselhou as pessoas de Éfeso a limparem a sujeira com
sujeira” (isto é, expiar a culpa de sangue com sacrifício sangrento).

Ainda, àqueles que diziam ser seus seguidores, os que “se consideravam
sábios”, escreve em reprovação:

43. “Se alguém disser que é meu discípulo, então que acrescente que se
mantém à parte das termas, que não mata nada vivo, não come carne, é livre
de inveja, malícia, ódio, calúnia e sentimentos hostis, mas tem seu nome
inscrito entre a raça dos que alcançaram sua liberdade”.

Entre estas cartas é encontrada uma de alguma extensão endereçada a


Valério, provavelmente P. Valério Asiático, cônsul em 70 d.C. É uma sábia carta
de consolação filosófica para possibilitar que Valério suporte a perda de seu
filho, e segue assim (A.E.Chaignet, em seu Pythagore et la Philosophie
pythagoricienne; Paris, 1873; 2ª ed., 1874; cita-a como sendo genuíno exemplo
da filosofia de Apolônio):
“Não existe a morte de ninguém, exceto na aparência, e não existe nenhum
nascimento, a não ser aparente. A mudança do ser para o tornar-se parece ser
o nascimento, e a mudança do tornar-se para o ser parece ser a morte, mas na
verdade ninguém jamais nasce, e jamais alguém perece. Simplesmente um ser
é visível, e então, invisível; o primeiro pela densidade da matéria, o último pela
sutileza do ser – um ser que é o mesmo sempre, sua única modificação sendo
o movimento e o repouso. Pois o ser tem esta peculiaridade necessária: sua
mudança não é produzida por nada externo a si; mas o todo se torna partes e
as partes se tornam o todo na unidade de tudo. E se for perguntado: O que é
isto que às vezes é visto e às vezes é invisível, ora no mesmo, ora no
diferente? – poderia ser respondido: é o modo de todas as coisas aqui no
mundo inferior, que quando estão cheias de matéria são visíveis; devido à
resistência de sua densidade, mas são invisíveis devido à sua sutileza, quando
se livram da matéria, mesmo que a matéria ainda as circunde e flua através
delas naquela imensidão de espaço que existe nelas mas que não conhece
nascimento ou morte.”

Mas por que esta falsa noção (de nascimento e morte) permaneceu tanto
tempo sem refutação? Alguns pensam que o que lhes sucede foi produzido por
eles mesmos. São ignorantes de que o indivíduo é trazido ao nascimento
através dos pais, e não pelos pais, assim como uma coisa produzida através
da Terra não é produzida dela. A mudança que sobrevém ao indivíduo não é
nada que seja causado pelo seu ambiente visível, mas é antes uma mudança
na única coisa que existe em cada um.

“E que outro nome pode ser dado a isso exceto o de ser primevo? A única
coisa que age e sofre se tornando tudo por tudo através de tudo, eterna
deidade, privada e afastada de seu próprio ser [self, no original – NT] por
nomes e formas. Mas isso é menos sério do que um homem lamentar-se
quando passa de homem a Deus pela mudança de estado e não pela
destruição de sua natureza. O fato é que longe de lamentar a morte deveríeis
honrá-la e reverenciá-la. O modo melhor e mais adequado para honrardes a
morte é agora liberar o que foi para Deus, e dispor-vos para encaminhar do
modo costumeiro os que ficaram sob vossa responsabilidade. Seria uma
desgraça para um homem como vós deixar que o tempo e não a razão se
encarregue da cura, pois o tempo faz com que até mesmo as pessoas comuns
deixem de lamentar. A maior coisa é uma regra firme, e o melhor governante é
aquele que primeiro governa a si mesmo. E como seria permissível alterar o
que sucedeu pela vontade de Deus? Se há uma lei nas coisas, e há uma lei, e
é Deus quem a dispôs, o homem justo não terá desejo de tentar mudar as
coisas boas, pois tal desejo é egoísta, e contra a lei, mas ele pensará que
todas as coisas que sucedem são boas. Eia! curai-vos, dai justiça aos
oprimidos e consolai-os; assim secareis vossas lágrimas. Não deveis colocar
vosso pesar pessoal acima de vossos deveres públicos, mas antes colocai
vossos deveres públicos antes de vosso pesar pessoal. E vêde também que
consolações ainda tendes! A nação se entristece convosco por vosso filho. Dai
algum retorno àqueles que o choram convosco; e isto fareis mais rápido se
cessardes de chorar do que se persistirdes. Não possuís amigos? Como! ainda
tendes outro filho! Não tendes mais o que partiu? Mas o tendes! – responderá
qualquer um que realmente pensa. Pois ‘aquele que é’ não cessa jamais –
melhor: é justamente pelo mesmo fato de que o será para sempre; ou então
‘não é’, mas como o poderia ser quando o que ‘é’ jamais cessa de ser?

“Mas será dito que falhais na piedade para com Deus e sois injusto. Verdade,
falhais em piedade para com Deus, falhais na justiça para com vosso menino;
pior, falhais em piedade também para comigo. Não sabeis o que é a morte?
Então matai-me e enviai-me para a companhia da morte, e se não alterais o
vestido que colocastes nisto (isto é, sua idéia da morte), tereis me tornado
nitidamente melhor do que vós mesmos” (o texto da última frase é muito
obscuro).

XVII. OS ESCRITOS DE APOLÔNIO

Mas além destas cartas Apolônio também escreveu alguns tratados, dos quais,
contudo, apenas um ou dois fragmentos foram preservados. Estes tratados
são:

a. Os Ritos Místicos ou Sobre os Sacrifícios (O título completo é dado por


Eudócia, Jônia; ed. Villoison; Veneza, 1781; p. 57). Este tratado é mencionado
por Filóstrato (iii, 41; iv, 19), que nos diz que dispunha sobre o método
apropriado de sacrificar a cada Deus, as horas propícias para rezar, e as
oferendas. Teve larga circulação, e Filóstrato encontrou cópias dele em muitos
templos e cidades, e nas bibliotecas dos filósofos. Diversos fragmentos foram
preservados (vide Zeller, Philosophie der Griechen – A Filosofia dos Gregos, v.
127), dos quais o mais importante é encontrado em Eusébio (Praeparat.
Evangel., iv, 12-13; ed. Dindorf; Leipzig, 1867; i, 176, 177) e tem este conteúdo:
“É melhor não fazer sacrifício algum a Deus, nem acender um fogo, nem
chamá-lo por nenhum nome que os homens dão às coisas sensíveis. Pois ele
não precisa de nada, nem mesmo dos Deuses, muito menos dos homens
pequeninos – nada que a Terra produza, nem vida alguma que ela sustente, ou
mesmo qualquer coisa que o ar límpido contenha. O único sacrifício adequado
a Deus é a melhor razão do homem, e não a palavra (Um jogo com os
significados de λσγος, que significa tanto razão como palavra) que sai de sua
boca.

“Nós homens deveríamos procurar o melhor dos seres através da melhor coisa
em nós, pois o que é bom – age através da mente, pois a mente não necessita
de coisas materiais para fazer sua oração. Assim, para Deus, o poderoso Um,
que está acima de tudo, nenhum sacrifício deveria jamais subir.”

Noack (Psyche, I, ii, 5) nos conta que os eruditos estão convencidos da


autenticidade deste fragmento. Este livro, como vimos, estava em larga
circulação e era tido na mais alta conta, e diz-se que suas regras foram
gravadas em pilares de bronze em Bizâncio (Noack, ibid.).

b. Os Oráculos, ou Sobre a Divinação, 4 livros. Filóstrato (iii, 41) parece pensar


que o título integral era Divinação dos Astros, e diz que era baseado no que
Apolônio havia aprendido na Índia; mas o tipo de divinação sobre que Apolônio
escreveu não era a astrologia comum, mas algo que Filóstrato considerava
superior à arte humana comum nesta área. Ele, porém, nunca soube de
alguém que possuísse uma cópia desta obra rara.

c. A Vida de Pitágoras. Porfírio se refere a este livro, 8 (vide Noack, Porph. Vit.
Pythag., p. 15) e Jâmblico cita uma longa passagem dele (Ed. Amstelod., 1707,
cc. 254-264)

d. O Testamento de Apolônio, a que já se fez referência, ao tratarmos das


fontes de Filóstrato (i, 3). Foi escrito no dialeto jônico, e contém um sumário de
sua doutrina.

Um Hino à Memória também é atribuído a ele, e Eudócia fala de muitos outros


(και αλλαπολλα) trabalhos.

Aqui indicamos para o leitor toda a informação que existe a respeito de nosso
filósofo. Apolônio, então, foi um pilantra, um embusteiro, um charlatão, um
fanático, um entusiasta mal-orientado, ou um filósofo, um reformador, um
trabalhador consciente, um verdadeiro iniciado, um dos maiores da Terra? Isto
cada um deve decidir por si mesmo, de acordo com seu conhecimento ou sua
ignorância.

De minha parte eu bendigo sua memória, e alegremente aprenderia com ele,


de onde quer que esteja.

Envie uma correspondência para: contato_em_portugues@theosophical.ws

Este livro é uma publicação da

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(uma associação regional da Sociedade Teosófica em Adyar, Índia)
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