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___TATURAS Cultura da Psicanslise — Sérvulo A. Figueira (org. ‘A Funeo do Orgasm — Wilhelm Reich Freud, Pensador da Cultura — Renato Mezan Jung — A gante se v8 em Olinda — Pedro Ratis (© Minimo Eu — Christopher Lasch Nascido para Vencer — D. Jongeward / Muriel James Para conhecer Wallon — Uma psicologia dialética — Pedro {0a Siva Dantas Psicologia Social 9 homem em movimento — Diversos Autores Recordar Foucault ~ Renato Janine Ribeiro (org.) Coleco Primeiros Passos # O que é Loucura ~ Jogo Frayze Pereira #0 que & Participagao — Juan ED. Bordenave + O que & Psicandlise — Fabio Hermann # O que é Psicandlisa — 2* Visio — Oscar Cesarotto / Mércio PS. Leite * O que € Psicologia Social — Siva 7. Maurer Lane # O que 6 Psiquiatria Alternativa — Alan Indio Serrano Colecdo Primeiros Vos + Antropologia e Psicandlise — Uma introduc & praducso simbdlica, so imaginario, a subjetividade — Rosaria Micela Colecao Encanto Radical * Jacques Lacan — Através do espelho — Oscar Cesarotto / Marcio P. S. Leite + Sigmund Freud — A conquista do probido — Renato Mezan Eduardo Mour4o Vasconcelos mn. ng BBP 4 a3 (Que pssst comenitiria? O QUEE PSICOLOGIA COMUNITARIA 18 edigfio 1985 3 edigao editora brasiliense ‘rvDWoO OPAFCES MULTPUCANDD LTR 1987 AS ORIGENS HISTORICAS DA PSICOLOGIA COMUNITARIA Além das _novas demandas sociais, da crise especifica da Psicologia e de crise atual dos servicos de satide mental discutides até agora, que outras experiéncias e processos histéricos contribufram para o sparecimento da Psicologia Comunit N&o 6 muito facil rastrear, no plano internacio- nel, as primeiras experiéncias em Psicologia que j se aproximavam dos ideais da Psicologia Comuni- ‘aria. Mesmo assim, podemos dizer que uma das primeires tentativas conhecidas foi realizada por Moreno, em Viena, no comeso do século. Ele comegou, em 1908, a fazer improvisagdes drama- tices com crianeas, instigando-as a rebelarem-se contra 0 mundo dos adultos ¢ a criarem normas € regras para uma sociedade infantil respeitada pelos maiores. As experiéncias prosseguem em 1921, a Ain yr Apes Em 1902, em Viena, as primeiras experiéncias com dramatisagdes (0 “Teatro dla Expontaneidade”, e mais tarde, 0 “Teatro Terapéutico”’) criaram as bases para a estruturagio do que hoje conltecemos como ‘técnicas psicodramaticas. Bee eee eee erecta mene aemihes a ahnetehlaainl com dramatizagées que acabam na criagdo do Teatro da Espontaneidade e, dois anos mais tarde, no Teatro Terapéutico. Eram experiéncias abertas € muitas vezes realizadas na rua. Eles criaram a base para a estruturacdo do que hoje conhecemos como as téenicas psicodramatica A experiéncia e a obra de Wilhelm Reich, apesar de polémicas, so cruciais na formagao histérica da_proposta da Psicologia Comunitéria. Reich Participou como assistente de Freud de uma clinica gratuita em Viena, em 1922, apés a criagio, em 1920, de uma clinica semelhante em Berli Logo chegou concluséo de que seria ilusério querer transformar a miséria sexual e mental com multiplicaggo de clinicas e anélises. Funda entéo, em Viena, uma sociedade socialista de Aconselhamento Sexual e de Sexologia, abrindo em 1929 sels centros de higiene sexual, animados por quatro psicanalistas e trés obstetras, que lutam pela legalizagio do aborto. Foi em Berlim, fo entanto, que encontrou melhores condi¢des tempordrias de trabalho. Apés conferéncias com médicos e estudantes socialistas, e convencido da necessidade de politizar a questéo sexual, liga-se 20 Partido Comunista Alero e funda a Associacdo Alem& para uma Politica Sexual Proletéri (SEXPOL), que teve seu primeiro congresso em Diisseldorf, em 1931, Mas a aco de Reich durou pouco. Além do insucesso das clinicas higiénicas, 0 PC alemzo em pouco tempo proibiu a difuséo de suas brochuras, € desligou-o do partido em 1932. Logo apés, a Sociedade Psicanalftica Alem& também o excluiu de seu quadro. Finalmente, em 1933, ele abandona ‘Alemanha. * Ume oultra experiéncia bem diversa da de Rech, mas bastante significativa, ¢ a dos Alcoélicos Anénimos (A.A.), iniciada em 1935, nos Estados Unidos, e hoje amplamente difundida em quase todo 0 mundo. Os grupos de alcodlicos funciona autonomamente, e suas reuniées manipulam técnicas simples de depoimentos de vida ¢ refor- ‘gamento pelos perfodos de tempo crescentes que um integrante fica sem beber. Além disso, elas criam lacos de solidariedade ¢ amizade entre eles como suporte para a superacdo de seus problemas. Podemos identificar algumas limitagdes no trabalho dos A.A.: é uma abordagem centrada na doenga, um tratamento moral para 0 alcoolismo, e nfo leva em conta os seus condicionamentos sociais e politicos, como a politica de incentivo ao ‘consumo des bebidas. No entanto, os A.A. consti tuem sem davida uma experiéncia sugestiva © eficaz dentro do enfoque da Psicologia Comuni- téria, e influenciaram enormemente a criagéo de experiéncias semelhantes mais recentes, do tipo Neuréticos Anénimos, grupos de auto-ajuda de ex-psiquiatrizados, etc. : A partir dos meados do atual século, assistimos a experiéncias e movimentos mais globais e de Te ee a ee Se ee cunho mais institucionalizado, que influenciaram diretamente 0 nascimento da Psicologia Comu- nitéria Em primeiro lugar, tamos o processo de refor- mulagéo dos conceitos e da prética da Psiquiatria. Por um lado, surgem as iniciativas modernizadores de critica @ estrutura dos manicémios, que se inicia_na Inglaterra, no perfodo de guerra. Os hospitais e seu conseqiiente “desperdicio de homens”, que noutras condigdes poderiam estar nas frentes de batalha ou na produggo, comecam a ser questionados, Vamos assistir, entio, a inicia- tivas de tentar modificar a dinamica de tratamento Nos hospitais psiquidtricos militares, cheios de neuréticos de guerra. Na Inglaterra, alguns psiquia- tras langaram a idéia de grupos de discussio e de atividades com os pacientes, além de realizarem uma reunido didria geral com os médicos, como forma de integrar 0 conjunto dos grupos € ativi- dades. Essa experiéncia foi um sucesso e permitiu © Nascimento de comunidades terapéuticas, alguns anos depois, e das psicoterapias de grupo. A teformulaco no ficou apenas dentro dos hospitais. Ne Franca, surge a “psiquiatria de setor”, ou seja, a divisio do pais em setores regides, dispondo, cada uma, de equipes trabalhando em contato direto com a comunidade. No houve interferéncia, entretanto, na vida manicomial. A Psiquiatria Comunitéria surgiu nos Estados Unidos. Foi langada a proposta de niveis de inter- venedes da assisténcia, seguindo 0 momento evolutivo da “doenca mental”: 1) prevencdo priméria: intervencdo nas condicdes possiveis de formacgo da doenca mental, que podem ser individuals ou de meio; 2) prevengao secundéria: intervenggo que busca o diagnéstico e 0 tratamento precoce da doenca mental; 3) prevengao terciéria: busca de readaptagao. do Peciente a vida social, apés sua melhora. Apesar da ambigilidade e imprecisdéo de muitos dos conceitos propostos por esses autores, a grande novidade foi o laneamento da proposta de pre- venedo priméria, visto que os dois outros niveis 8 faziam parte do sistema psiquiétrico-curativo. Em outra vertente, tivemos o desenvolvimento da antipsiquiatria. Ela desenvolve uma critica feroz ao proprio conceito de doenca mental, mostrando como a sociedede se sente ameacada pelo comportamento desviante,e como a psiquiatria acaba operando como agéncia de controle e norma- tizagao social. Entretanto, o movimento de maior profundidade de mudancas e de repercussao internacional foi, sem divida, 0 da Psiquiatria Democratica, vanguardeada por Basaglia, na Itélia. A experiéncia comecou no Hospital Psiquitrico de Gorizia, no Nordeste do pais, sob a direcdo do proprio Basaglia. As modi annie, aie que € Psicologia Comunitaria ficagdes incluiram a adocao de um modelo radical de comunidade terapéutica e a abertura do hospital para que os pacientes pudessem viver fora dele, Foram montados centros de higiene mental, para reinsereéo dos ex-internos na vida social. “Além disso, foi feito um trabalho de mobilizagio e esclarecimento da populaggo e dos movimentos sociais, inclusive com integra¢lo de leigos no trabalho. A experiéncia foi expandida em outras cidades, e em algumas delas 0 hospicio foi fechado. Em 1978, através da mobilizaco e da pressio Popular, conseguiram sedimentar estas novas raticas em uma nove lei psiquidtrica para todo © pats. Essa nova lei, entretanto, encontrou muitas dificuldades na sua implantagdo. Dependia da existéncia, em cada cidade, de equipes de profis- sionais identificados com o seu espirito, e que se mobilizassem para efetivé-la. Houve muita resis- téncia por parte da populacéo, acostumada a associar 0 louco com a violencia e o despreparo Para a vida social. Os polfticos conservadores capitalizaram esse clima, tentando mudar a lei. Assim, ela foi implantada de forma mais integral @m algumas cidades, ¢ em outras nao houve modifi- cages substantivas. Atualmente, em 1985, encon- tram-se cinco projetos de reformulacéo ‘do seu texto no parlamento italiano, Na América Latina, algumas experiéncias alterna- tivas mais locais foram realizadas. Podemos lembrar © nome de Alfredo Moffatt, autor de livro bastante conhecido, Psicoterapia do Oprimido, relatando sua experiéncia na Colonia Pefia Carlos Gardel, em Buenos Aires, Argentina. ‘A Medicina Comunitéria também teve um forte papel no aparecimento da Psicologia Comunitéria. Na drea de saiide, as experiéncias comunitarias tém pelo menos duas origens diferentes. Por um lado, a experiéncia de alguns paises denominados socia- listas. A China revolucionéria foi talvez a precur- sora, com a busca de servicos de sade inovadores Para as populagdes camponesas e de periferia urbana, na época sem qualquer acesso a eles. Foram realizados servicos de saneamento e cuidados elementares de satde através da _mobilizacdo popular, do treinamento dos chamados “médicos de pés descalcos’, integrados com a medicina chinesa milenar. No lado capitalista, a Medicina Comunitéria nesceu principalmente da preocupacéo de se oferecer alguma forma de assisténcia aos pobres que néo podiam ter acesso 8 medicina sofisticada € cara. Foram montados sistemas de saiide comu- nitari em pafses da Africa colonial, como Quénia, Zambia, Uganda, E nos EUA na década de 60, apare- cem os programas de satide dentro de uma estra- régia de assisténcia mais ampla aos bolsbes de pobreza. Foram os chamados “Programas de Com- bate 8 Pobreza’, lancados por Kennedy e Johnson. Ne América’ Latina, as primeiras iniciativas Eee) ee ee re oe eee ee eee comunitérias normalmente no tiveram origem estatal, dades as _caracterfsticas franeamente antipopulares da maioria dos governos locais apés @ década de 60. Foram os proprios movimentos sociais, af compreendidos os movimentos sindic: urbano € camponés, os movimentos de bairros, as Comunidades eclesiais de base, os movimentos femininos, movimentos negros, que se lancaram a tarefa de construgdo de lacos e aces comunitarias. Nessas expe icagbes politicas e materiais, da pratica da educacdo popular, as atividades incluem varias questées ligadas especificamente satide mental. Podemos lembrar as creches comunitérias, os clubes de mes, as aces solidérias coletivas nos momentos de aperto das familias, atividades de lazer, esporte, cultura, etc. Essas iniciativas tem como caracte- ristica basica @ autonomia, e isso fez que os gover- nos mais tarde pretendessem integré-las, desenvol- vendo programas comunitarios via Estado. Outro processo fundamental que contribuiu para o aparecimento da Psicologia Comunitdria foi © progressivo assalariamento, 0 achatamento da renda e a conseqiiente criagéo de condices para uma politizago crescente dos profissionais de salide e saiide mental. Por um lado, comegaram a aparecer as aces e movimentos representativos, das categorias profissionais, e, entre suas reivin cages e discussdes, aparecem os temas ligados a servicos de satide mais racionalizados e adequados as condigdes de vida da populagio. E, por outro lado, a aco desses profissionais nas universidades € nos servicos de saiide abriu espaco para algumas experiéncias inovadoras de grande importancia, Finalmente, ndo poderfamos nos esquecer de todo um movimento de questionamento critico dentro da Psicologia como um todo, e da Psicologia Social em particular. Na América Latina, iniciou-se gradativamente a problematizacdo dos esquemas te6ricos procedentes dos Estados Unidos e Europa, na busea de uma adequacdo @ nossa realidade social. A Psicologia na Argentina, até o golpe militar na década passada, talvez seja o melhor exemplo desse movimento de rectiagéo tedrica pratica. Esse novo espaco dentro da Psicologia, se efetivamente ampliado, possibilitaré 0 desen- volvimento de novas experiéncias, encontros e a sistematizacZo da Psicologia Comunitéria em ‘nosso continente. Entretanto, as_primeiras iniciatives oficieis, conoretas, especificas em satide mental comuni- téria podem ser identificadas nos Estados Unidos. Em 1963, foi lancado o projeto dos Centros Comu- nitérios de Satide Mental. Vérios programas foram previstos, com modalidades parciais de hospitali- zagHo, servicos de consulta externa ede emergéncia, prevencdo de suicfdio, alcoolismo, atendimentos infantil e adolescente, etc. A avaliacdo critica desses centros é bastante negativa. Varios dos programas previstos néo foram nearer. Fenconortos ee Oo ee ae implementados, so pouco acessiveis geogréfica e economicamente, ¢ na realidade néo houve inte- resse de se atingir a participacao popular na tomada de devises e na sua gesto. S80 pouco eficazes para se contrapor aos interesses da rede de hospitals Psiquldtricos estaduais, que funcionam centrados na intemnacdo tradicional. Enfim, promovem a “psiquiatrizago” da sociedade, estimulando o uso de drogas e servicos, impondo maneiras psiquia- trizantes de interpretar a vida e os conflitos sociais. A partir das décadas de 60 ¢ 70, alguns pafses do Terceiro Mundo vém desenvolvendo a criagdo de centros comunitérios de satide mental ou integrando atividades em satide mental a rede bisica de postos e ambulatorios médicos. Entre eles se destacam o Chile, Jamaica, México e Hon- duras. De inéci iciativas isoladas, ligadas as universidades ou piojetos pilotos estatais. Entretanto, nos meados da década passada, 2 Organizagdo Mundial de Satide passe a propor a implementacdo de sistemas me salide € salide mental. O modelo visa a descentra- lizaglio dos servigos, tendo como porta de entrada do sistema 0 posto de satide junto aos bairros, populares e distritos rurais. A énfase é dada aquelas atividades mais simplificadas de atencdo priméria & saiide, por pessoas da comunidade com treina- mento bésico, com presenca ou superviséo perma- nente de profissionais graduados. So propostas iniciativas comunitérias e preventivas em sade. Esse modelo tem sido implementado experimen talmente em regides especificas de varios paises capitalistas do Terceiro Mundo. Em paises como Cuba, todo o sistema de satide e sade mental 6 montado de forma semelhante, Tentarei mais adiante descrever o seu funcionamento e esbocar uma avaliacao com maiores detalhes, Se fizermos uma avaliaggo da implantac3o de Psicologia Comunitéria no Brasil, acredito que pode- remos identificar pelo menos trés direcbes. A pri- meira se dé pela via académica, universitaria. Ou seja, as faculdades de Psicologia, copiando os curriculos estrangeiros, incluem a disciplina lecionando-a de forma teérica, assistemética, e sem muitas possi dades de uma pratica concreta. Nesse sentido, pode- mos dizer que, de modo geral, o ensino da Psicologia Comunitéria no Brasil sofre deste mal crdnico que é aauséncia de referéncias praticas que orientem sua teorizacdo e sua adequacao a realidade brasileira. © segundo caminho tem sido, até recentemente, © do movimento popular, em experiéncias con- cretas em associacdes de’ bairro, em educacdo popular em geral, em creches comunitarias, comu- nidedes eclesiais de base, clubes de mies, etc. Normalmente, so experiéncias autonomas que so também acompanhadas por estudantes ou. mesmo profissionais de Psicologia, através de compromisso politico pessoal, sem ligacdo real ou formal com a Psicologia académica. Os depoimentos que venho ouvindo acentuam muito isto: “Junto ao povo Es Sree eee ‘Semos de reaprender tudo, como se nif tivéssemos Pessedo por um curso. Ou mesmo, temos de Gesaprender muita coisa do curso, em termos da realidade social que encontramos pela frente, E, geralmente, a gente no se sente psicélogo quando realiza essas formas de trabalho como. nitério”. Em sfntese, as experiéncias ocorrem de forma normalmente espontanea, sem avaliacdo rigorosa de seus resultados e sem um conteto Permanente com uma busca de sistematizacdo te6rica. Em ‘terceiro lugar, estamos assistindo, nos Ultimos anos, a implantacéio muito gradativa de Programas que incorporam a Psicologia Comunt. ‘aria, por parte de instituicdes sociais principal. mente ligadas a0 Estado. Normalmente so Projetospiloto em pequenas unidades de satide, escolas, comunidades. Recentemente, a Previdénci chegou @ anunciar ume reorientagdo da assisténcia Psiquiétrica no pais, e propondo um modelo ingpirado em parte na proposta feita pela OMS, Na maioria dos casos, néo existe uma integragio dessas diferentes iniciativas em Psicologia Comu. nitéria. Mas acredito que a tendéncia a que vimos assistindo € a superacdo gradativa deste isolamento de experiéncias. Isso pode se dar, por exemplo, através da integracdo das universidades as inicia, tivas institucionalizadas de prestacdo de servicos, ou da colaborecdo com os projetos populares auténomos. Sea © QUE E, AFINAL, A PSICOLOGIA COMUNITARIA? Neste ponto, vocé, leitor, depois de ter uma visdo das origens da Psicologia Comunitéria, deve estar se perguntando: 0 que é entio a Psicologia Comunitéria? Alguns autores, quando analisam a historia da atuapdo de_um como cientifico e profissional, notam que em determinadas circunstancias histd. ricas 08 profissionais tm uma forma propria de atuar, diferente dos que atuam em outras époces € contextos socials. A essa forma chamam para. digmsa da prética profissional. Na érea médica, por exemplo, sabemos que o modelo de atuagio que conhecemos, chamado Medicina Cientifica, nao foi @ néo é 0 dinico existente. Se percorrermos a historia da Medicina, veremos que a Alemanha dos séculos XVIII e XIX e a Inglaterra e Franca do PEE EBSCO RUE LCM CGT século pasado nos apresentam trés paradigmas distintos da prética médica. A Medicina Comu- nitéria recente constitui um outro paradigma, em ‘oposigio ao da Medicina Cientifica atual. Na Psicologia, vimos que as experiéneias que podemos reunir sob 0 nome da Psicologia Comu- nitérie tiveram origens e objetivos bastante dife- rentes. Tivemos desde propostas bastante radicals, como a SEXPOL, até os programas conservadores norte-americanos. Apesar dessa diversidade, creio poder afirmar que a Psicologia Comunitaria pode set considerada um campo com uma unidade minima, e pode significar a formalizaco de um novo paradigma de prética profissional do psicé- logo, em relaczo & prética predominantemente desenvolvida até entdo. Assim, apesar dos riscos de simplificagio exces- siva, acredito que a sistematizacéo comparativa que tentarei esbocar aqui poderd ser interessante para se entender como vejo @ proposta de uma Psicologia. Comunitéria comprometida com os interesses populares: PSICOLOGIA PSICOLAGIA TRADICIONAL COMUNITARIA 1) As abordagans enfatizam 1) As divisdes do saber sS0 (© enfoque do psicélogo —fruto da historia das ins ‘como esfera predominan- _tituiedes académicas & ‘temente independente do _profissionais. A reslidade PSICOLOGIA TRADICIONAL social. As anélises so essencialmente _unidisci+ plinares, ¢ 0 trabalho res- lizado € predominante- mente uniprotissional, 2) Enfatize-se abordagem individual do psiquico. 3) A abordagem & desa cculada de uma visio mais ampla do social, @ muitas vvezes pretende-se neutra ‘com relacio 20s proble- mas sociais. 4) A pritica desenvolvida é dirigida_prioritariamente ara os grupos socieis mais privilegiados, tanto do ponto de vista econ’ mice quanto eultural. 5) Nas faculdades, 9 forme: eo 6 predominantemen- te te6rica, intramuros, PSICOLOGIA COMUNITARIA se apresents como uma Jntegrago dos aspectos forginicos, psiquicos e socials. A abordagem é interdiseiplinar, © 0 tra- balho é feito em equipes multiprofissionais. 2) A énfase esté nas pessoas enguanto sores sociais, onde © conteddo psicol6- gico tem conotacdes tam- bém institucioneis, so- ciais, culturais © politi- cas, e vicewersa, 3) € uma abordagem arti lada a uma visio total zante do social e busca a explicitaedo de um com- promisso politico e so- cial. 4) A prioridade basica sio asclasses populares, ainda sem acesso a servicas bé- sicos de sade mental. 5) A formacdo s6 & coerente se baseada na prética conereta no campo social, smocinnt count Pe rene perqias concomitant ee ag 6) As técnicas sio predomi- 6) Integracdo de recursos cotidiana e na cultura do. 10) Hé um reconhecimento nhece 0 conhecimento —e busca de constante co- ifuso @ 2s préticas infor- _aprendizagern com © sa- mais populares em sade ber e as praticas autono- mental mes da populacéo que implicagées ou que so diretamente ligadas & sade mental dade vivida por ela es iy 8) Formamrse _profissionals 11) As praticas tém alto 11) Propdese pesquisa mais generalistas, envolvi nivel de especializacdo e _sintese. de préticas mais seca & meme gountonminene I Pg aenasar ee bmektnnenec ca), A clientela se adapta adequaveis variedade de As SEO ue bays Turals opeaa est iouca a0 esquema tedrico e situacées sociais. Hé uma iadokaps, senvieos©):dal objetivos ibésiooks ABs ei roan etek BES Be sus eliza. sansa. seein Raramente se buscar quisa e sistematizagao de manutensio.daqualicens comer eee — Tleemieaeriie omit do profissional, e € man- sessor, transmissor de ha- Participacdo da clientela. de atuagio, planejamen- do saber profissional. O agentes de satide mental das atividades. Ou seja, cconstantemente centrado _polizagdo. gradativa efetiva PSICOLOGIA TRADICIONAL, 13) A agdo do psicélogo é rostrita aoe consultérios, sages de contato ou tra balho na escola ou em. press PSICOLOGIA COMUNITARIA 13) A aco do psicdlogo tenvolve também o conhe- cimento da satide piblica, 8 administracio, gestio ¢ superviso dos. servicos. Assim, as técnicas em Pai cologia Comunitéria $80 de tis tipos: a) técnicas ligadas direta mente & intervengSo em saiide mental com a cliontela; b) técnicas voltadas a0 trei- namento de pessoal para atuar em satide mental; ©) téenicas administr de gestio dos servigos em satide mental OS LOCAIS DE ATUACAO DA PSICOLOGIA COMUNITARIA A primeira coisa que podemos constatar é que 08 psicélogos comunitérios néo sio donos de ‘campos de trabalho onde sé eles atuam. Eles vao bater em muitas dreas onde psicélogos em geral jé desenvolvem suas atividades, bem como outros profissionais da rea humana e de satide, Como vimos, 0 que dé identidade ao psicélogo comuni- tério em relacéo a seus colegas tradicionais uma forma prépria de atuar, voltada para objetivos préprios segundo uma visao critica definida. ‘Assim, 0 primeiro campo de atuacéo da Psico- logia Comunitéria é 0 das préprias instituigdes ‘onde © psicélogo jé 6 comumente chamado a trabalhar: nas escolas e demais instituigdes de educagao, nos hospitais psiquidtricos, nas empresas, etc, Nelas, 0 psicélogo comunitario poderé até mesmo desempenhar algumas das aces tradicio- nalmente jé realizadas pelos demais psicdlogos. Entretanto, ele ndo deve parar af. A Psicologia Comunitétia nos pede uma viséo mais eritica uma ampliacdo do campo de atuagdo. Ela nos cobra uma abordagem mais preventiva, manipu- Jando variéveis mais amplas, sociais @ institu- cionais. Ela reivindica a aco participativa dos usudrios e funciondrios das institui¢Bes na reso- lugdo dos problemas e na atuacdo sobre a satide mental. Ora, ndo ¢ diffcil perceber como as instituigoes, em geral, principalmente nas sociedades capita- listas autoritérias, so instrumentos chamados a cumprir a manutencgo da ordem, das idéias e das relaces socials que reproduzem a dominacdo e a alienacdo das pessoas. Uma escola piiblica priméria, por exemplo, esta sempre chamada a manipular a cultura dominante, as idéias e visdes de mundo implicitas nos pro- gramas de ensino oficiais. Af, a cultura do povo Praticamente ngo tem lugar. Ela também tende a desenvolver nos alunos o espirito de competicao e individualismo. Estes normalmente participam muito pouco do processo de educagio, Séo massi- ficados e relegados @ passividade e a escuta. A escola também reproduz a desigualdade social. Os alunos oriundos das classes mais pobres normal- mente abandonam os bancos escolares nos primeiros anos, enquanto uma elite consegue galgar piré- eee Sone dos usuérios e funciondrios das instiuicbes na resolucdo dos problemas e na atuago sobre a satide mental. 4 46 Eduardo Mourdo Vasconcel: mide escolar até o ensino superior. ‘Como na escola, 0 psicélogo & chamado a essas instituigSes para atuar unilateralmente sobre questdes ligadas 8 sade mental, normalmente para selecionar, diagnosticar e avaliar individuos isoladamente ou para “cuider” cli considerados “‘casos-problemas” pela instituicéo. E a maioria dos psicélogos responde a estes pedidos e demandas de forma acritica e automética. Ou porque ndo percebem a problematica de fundo ‘0U porque foram formados pelas escolas de Psico- logia exatamente para fazer aquilo que as direcbes das. instituiges pedem; e outras vezes, porque sentem 0 risco de perder o emprego se questio- rnarem algo. Assim, contribuem para que os confli- tos e a “doenga’, que esto impregnados na instituicdo, sejam identificados apenas em algumas pessoas, consideradas as desequilibradas e pro bleméticas. APsicologia Comunitéria, nesta rea institucional, busca conhecer criticamente as instituigdes, permi tindo identificar suas contradicdes, sua estrutura concreta e simbélica, no sentido de visualizer propostas de trabalho alternativas e realistas. Em segundo lugar, busca tragar formas de inter vencdo na vida das instituicées, ampliando a par- ticipago de todos os interessados nos problemas levantados, E, fundamentalmente, procura desen- volver técaicas de abordagem da satide mental integradas.a essas novas formas participativas. icamente dos ‘ Como se da isso concretamente? As respostas no so simples, mas podemos resumir alguns pontos bésicos. Normalmente, todo profissional dentro de uma institui¢go é chamado pela direcao a realizar algumes at'vidades tradicionais. A estes pedidos chamamos “demandas oficiais". Este conceito de demcnda tem origem na Psicandlise, @ 6 trabalhado pela abordagem de origem francesa chamada Anélise Institucional. Vamos ver como funciona. Todo mundo sabe intuitivamente que uma crianga pode pedir alimento mesmo sem ter fome. Sabemos que por trés desse pedido, dessa demande, ela pode estar querendo outras coisas, como atencéo, carinho, etc. A esses pedidos que se “escondem por trés” da demanda primeira che- mamos “‘demandas implicitas". ‘Assim, nestes casos, dar simplesmente alimento para a crianca pode impossibilité-la de expressar suas demandas implicitas, mais significativas € importantes para ela. Da mesma forma, quando a direcdo da instituigso formula suas demandas oficiais 20 profissional, ela quer resolver as questées da vida institucional escondendo uma série de outros problemas, pontos de vistas e pedidos dos funcionérios e da clientela. Cabe a0 psicélogo comunitério sugerir formas situacées participativas onde a prépria dire¢éo, 108 funcionérios ¢ os usuérios da instituicao possam discutir a “demanda oficial” e eles mesmos formu: Pin seeder ante | dard tabanatties ale time migembae dt larem as demandas implicitas. Como se dé isso 1a pratica? Vamos exemplificar com 0 trabalho do psicélogo em uma escola. Ele foi chamado para fazer diagnés- tico e acompanhamento clinico de alunos conside- rados indisciplinados ou de baixo rendimento escolar. Esta 62 demanda oficial, eo psicdlogo deve respondé-la inicialmente da maneira como. foi formulade, para se manter na instituiggio. Mas deverd favoracer a cria¢do de situagdes nas quais a direcéo, os professores, funcionarios, os alunos @ seus pais possam discutir a questo da indisci- plina @ do baixo rendimento, Inevitalmente apare- cem outros pontos de vista, outros pedidos, ou seja, as demendas implicitas, Os professores, por exemplo, podem falar da dificuldade de montar aulas chamativas e dinmicas, e pedir uma orien- tagdo didético-pedagdgica. Mais tarde podem ir pereebendo nestas discussées as dificuldades de um ensino apropriado em salas de aula com 60 ou 70 alunos, nas quais 0s estudantes so messificados @ colocados na situagao passiva. E por af vai... Com um pouco de jeito a propria diregdo da escola pode ir percebendo que a questo da indisci- plina e do baixo rendimento no é tao simples assim. E possivel que ela mesma acabe formu- Jando suas demandas implicites, caminhando para soluges mais abrangentes dos problemas da escola. 0 objetivo basico do proceso é sempre incentivar @ participaggo gradativa dos diversos grupos de pessoas ligedas @ instituigso e que normalmente indo sto chamadas nem mesmo a opinar. Na escola, por exemplo, podemos chegar a integrar, nas atividades educativas e de satide mental, os proprios pais e familiares do aluno, e até mesmo toda a comunidade. E na medida que participam, podem garantir que a instituic&o sirva a seus interesses. Com jsso acredito que surgiréo alternativas mais democréticas e participativas de vida institucional e social. Também as técnicas especificas de abordagem da satide mental podem se tornar mais adequadas a essa nova realidade participativa. 0 psicélogo, agora, em vez de ficar apenas restrito a sua sala atendendo casos individuais, podera, por exemplo, formar grupos de professores para a elaboracao da problematica deles, grupos de pais para discutir as questbes ligadas 2 educagdo e estimulagdio dos fithos. Poderd até mesmo assessorar a direco da escola em atividades e programas mais abrangentes compativeis com a realidade da instituicao. Nao podemos nos esquecer de que esse proceso & sempre lento e dificil. E bom lembrar que toda acdo desse tipo toca nas relagdes de poder dentro da institui¢ao. O psicélogo néo pode se colocar como “dono da verdade”, ou como quem provoca ‘a mudanca, pois sua posicao pessoal é muito fragil. Seu papel € fundamentalmente de facilitador, sugerindo situages onde os demais participantes possam falar de suas demandas e dar palpites sobre Penh leet ee ME aay etl esc i Soo como solucioné-las. Além disso, todo processo de mudanga em cada instituic&o depende do contexto Politico mais global da sociedade, Dessas observacties podemos concluir 2 necessi dade de estar constantemente analisando as correla- (GBes de forca e de poder dentro e fora da institui- 40, para se avaliar 0 espaco de mudanga possivel. Nao adianta nada ter boas intengBes sem ter os pés na realidade. E importante também ter “paciéncia hist6rica”, no sentido de evitar confrontos imaturos ‘ou desnecessérios com as direcdes das instituigdes. As vezes pode valer aquele conhecido ditado: “Seguro morreu de velho”. Outras situagdes pedem para se arriscar mais. E sempre bom lembrar ‘que as agdes mais inovadoras precisam de apoio & legitimacao mais amplas no corpo de funcionérios ena clientela em geral da instituicao, As instituiges e programas governamentais da rea social constituem um segundo campo de atuagio do psicélogo comunitério, Principalmente nos Gltimos quarenta anos, a demanda feita ao Estado para responder as necessidades globais da Populagdo vem crescendo, principalmente com relago a maioria mais pobre © oprimida, E os Préprios governs estéo percebendo a pouca eficdcia concreta ¢ legitimadora de seus programas e ages sociais quando sio autoritarios e assisten- cialistas, Assim, cada vez mais se faz apelo a rogramas “participativos”, visando 20 desenvol- vimento da comunidade, So programas vinculados & rea da satide, programas suplementares de educagio, menores abandonados, centros sociais urbanos, programas sociais com trabalhadores rurais, com velhos, entre outros. Algumas empresas e autarquias, principalmente ligadas a clientelas amples e definidas, também tem formado equipes interprofissionais para 0 contato com o public e manutenco de iniciativas comunitérias. desenvolvimento de comunidade a partir do Estado ou de instituigdes paraestatais exige cuide- dos muito especiais — devido aos mecanismos de integracao ¢ limitagdo do caminho dos movimentos sociais — no sentido de menter sua autonomia, Um terceiro campo de atuacio do psicélogo comunitério so 0s prOprios movimentos sociais. Aqui so desenvoividas as préticas mais coerentes com os interesses populares, na medida que hé maior participaggo e controle da comunidade sobre todas as iniciativas. Por outro lado, dado que os recursos econémicos nas nossas sociedades esto concentrados nes empresas e no Estado, a maioria desses projetos conta apenas com a colabo- ago voluntéria ou com o trabalho insatisfatoria- mente remunerado de psicblogos e de outros profissionais. Mesmo assim, a meu ver, as possibi- lidades de trabalho esto crescendo enormemente hoje, no Brasil. Nessa dree, a gama de atividades possiveis 6 enorme, Podemos comecar pelos sindicatos de trabalhadores. Como, no Brasil, estes s8o obrigados ished thes alliance tae pela legislacdo em vigor a manter servicos assisten- ciais, incluindo servicos de satide, hé possibilidades coneretas de montagem de servicos de satide mental mais apropriados aos interesses dos traba- Inadores. Hé, inclusive, a alternativa de projetos intersindicais, quando vérios sindicatos mantém servicos comuns. Este tipo de trabalho permite no 6 acesso de servicos de satide mental aos trabalhadores individualmente, com sua familia ou em pequenos grupos, como também permite a0 psic6logo conhecer, através do estudo de casos, ‘as condigées de trabalho dentro das empresas é sua interferéncia sobre a sade mental. Assim, a Psicologia, da mesma forma que faz a Medicina do Trabalho quando assumida por profissionais comprometidos com os trabalhadores, estard possibilitada a assessorar 0 sindicato no entendimento das estratégias das empresas na rea de processo de trabalho e desenvolvimento de recursos humanos. Isto possibilita colocar a satide mental como questo a ser incluida nas pautas de reivindicagdes, nas negociacdes entre trabalhadores @ patrées, Além disso, a criacdo desses servicos Permitenos ir gradativamente conhecendo a realidade psicossocial espectfica dos trabalhadores, © que é de grande importancia para a Psicologia, como também para as entidades populares em geral Outra possibilidade concreta de trabalho para 0 psicélogo comunitario esté nas comunidades eclesiais de base e nas atividedes pastorais em eral, principalmente nas Igrejas identificadas com 0s pobres e oprimidos. Normalmente incluem grupos de jovens, cfrculos biblicos e grupos de reflexéo @ cursos para cassis, pastorais especificas para doentes, velhos e criancas, pastoral operdria, etc. Teis atividades j6 assumem por si mesmas grande importéncia para a satide mental dos setores populares, porque incluem vérios temas fundamentais ligados 8 sua vida social e emocional. Na verdade, a participagdo junto as bases eclesiais populares engajadas e aos movimentos sociais populares constitui uma verdadeira escola para s2 conhecer e se comprometer com a realidade social e existencial do povo. O psicélogo que atua organicamente junto a estes movimentos nio s6 aprende, como também coloca 3 disposico das classes populares os conhecimentos e técnicas j& sintetizados pela Psicologia oficial. Acredito que essa_co-aprendizagem pode ser bastante rica e frutifera, Junto as associagdes de bairro e movimentos comunitérios de base residencial, existe também um campo enorme de trabalho. Por um lado, a vida associative, as formas de solidariedade, as atividades comuns de lazer, esporte e cultura ja constituem, por si mesmas, estratégias de promo- ‘edo da satide mental. E tarefa nossa incenitivé-las @ conhecé-las. Em segundo lugar, os movimentos de bairros vao se apropriando de iniciativas auto- romas em satide, ou buscando gerir ou controlar 08 postos e servicos de satide estatais ali local zados. Cabe & Psicologia Comunitéria acompanhar esse processo, assessorando as iniciativas ou servi- Gos em satide mental. Isso vem acontecendo Principalmente nos acompanhamentos da escola publica nos baitros, na gestiio de creches piblicas ‘0U comunitérias, ou nas atividades de sade mental desenvolvidas a partir dos postos médicos. Os movimentos femininos e feministas, com seus grupos do tipo clube de maes, associagdes de donas-de-casa e outros, também tém reivindicado explicita ou implicitamente a presenga do trabalho da Psicologia Comunitéria. Iniciativas tais como creches comunitérias, grupos de reflexéo, monta- gem de servicos materno-infantis, de servicos de atendimento de urgéncia especificos para mulheres so um enorme campo de co-aprendizagem e atuagio para os psicdlogos. Aqui talvez soja a rea que demande mais claramente uma presenca especifica da Psicologia na assessoria das atividades € na coprodugo de material de reflextio e dis- cussio sobre satide mental de mulher, sexualidade, vida conjugal, educagio de filhos, etc. Também os partidos politicos e a atuagdo politico-parlamentar constituem um campo aberto & atuacéo dos psicélogos comunitérios. Cabe também a nés, por exemplo, colaborar no levan: tamento de dados, na anélise de temas @ na elabo: ragdo de programas e projetos de lei que tenham alguma ligago com a satide mental. Também pen é knlcoigie. Commene han arn ae eerste Binge oO Bintionga, **FRAr podemos colaborar no estudo psicossocial do comportamento da populagéo nos _processos eleitorais e de mobilizagao social. A discussdo de problemas e a elaboiacdo de projetos urbanisticos e ambientais deve contar também com a nossa presenca. Um desafio para a Psicologia Comunitéria séo 0s movimentos e grupos negros. Os grupos de militancia, as escolas de samba, os grupos de capoeira, de danca afro e os grupos religiosos desenvolvem atividades n&o sé voltadas & luta contra 2 discriminaggo presente na sociedade atual, mas também no sentido de reforcar a identi- dade étnica, cultural e religiosa do negro, Isso tem muito a ver com a promogio da satide mental. Os rituais mégico-religiosos como a umbanda, 0 candomblé e outros, constituem _verdadeiras estratégias terapSuticas autOnomes. Creio que apesar de contraditorios, em muitos casos, séo mais eficazes que as técnicas sofisticadas e cares da Psicologia académica, que manipula um cédigo cultural muito estranho @ realidade popular. Aqui, acredito que a atitude da Psicologia Comu- nitéria deve ser muito mais de escuta, acompanha- mento e pesquisa, respeitando profundamente a autonomia negra. Em todos esses movimentos sociais, a Psicologia Comunitéria pode contribuir dentro da especifici- dade de cada um. Entretanto, existe um campo em que ela pode oferecer uma colaboragéo. muito este contato com eles. Essa ¢ uma questéo que merece um debate cuidadoso por parte de todos ‘0s agentes de intervencdo nas comunidades, As possibilidades desta relacdo com a comuni- dade dependem também da forma institucional concreta de contato e convivéncia do profissional com 0 grupo popular. Af podemos ver algumas alternativas. Uma delas € a ago no mediada institucionalmente, quandoo psicdlogo e o movi- mento social estabelecem um contato direto entre si. A definigso das possibilidades, dos obj tivos e dos limites da aco do profissional deve ser claramente explicitada junto ao grupo cliente, para évitar expectativas que mais tarde seriam frustradas. Outras vezes esse relacionamento 6 estabelecido através de entidades de assessoria as atividades Populares, como as instituices de educacio, os centros de pesquisa e documentacéo, instituigdes de saiide, ou mesmo partidos politicos de cunho Popular. No poucas vezes ocorre que estas insti tuigées acabam tentando fazer dos movimentos Populares uma “‘correia de transmisséo" de sues idéias e propostas. Definem os objetivos das atividades, e véem 0 trabalho comunitério como uma forma de “ganhar’” adeptos no meio popular. Tanto © psicblogo como os grupos comunitérios devern se precaver para evitar esse tipo de relagio, fo sentido de que 0s préprios movimentos sejam donos de si mesmos, garantindo assim a autonomia Populer. E se as atividades incluirem um papel elinico ou uma etuagio mais analitica e interpre- tativa por parte do psicélogo, € preciso discutir bem os limites de sua aco como militante ou rador direto da mobilizagZo comunitéria. cdo: se essa relacdo for mediada por es puiblicas ou ligadas a empresas, todo Cuidado € pouco. A ado desses Orgdos tem objeti- vos muitas vezes contrdtios aos interesses populares, @ a atuaco junto aos movimentos sociais pode ser integrativa ou desmobilizadora, apesar das boas intengdes do profissional. Para concluir, existe ainda, dentro do quadro de possibilidades de acdo da Psicologia Comunitéria, ‘um campo que se descortina no Brasil e em varios parses do Terceiro Mundo. S40 os projetos de servigos de satide mental integrados ao sistema de satide, com énfase nos chamados cuidados primé- rios. E disso que pretendo falar melhor no préximo capitulo. O PSICOLOGO COMUNITARIO COMO PROFISSIONAL DE SAUDE E SAUDE MENTAL Entre os especialistas em satide publica 6 pratica- mente consenso a existéncia de uma verdadeira crise da Medicina e dos servicos de satide. Sio servicos sofisticados de alto custo, nao acess{veis, 4 maior parte da populagio e incapazes de atender aos problemas mais comuns de saéde do povo. Enquanto isso, as universidades continuam for. mando um enorme contingente de profissionais de satide que ficardo desempregados. Em termos muito gerais esse 6 © quadro dos servigos de saide em boa parte dos paises do Terceiro Mundo. Para se contrapor a isso, alguns paises, seguidos pela OrganizacSo Mundial de Satide (OMS) e pela Organizacao Panamericana de Satide (OPAS), vém sugerindo a montagem de sistemas de satide hierarquizados e regionalizados. Segundo este modelo, cada bairro urbano ou distrito rural deve ter um pequeno posto de satide como porta de entrada do sistema. Ai devem se realizar os chamados cuidados primérios em sade, ou seja, acdes mais preventivas e educativas com 0 apoio da comunidade, bern como os primeiros cuidados médicos curativos, mais simplificados ¢ ligados aos problemas mais comuns do povo. Em. alguns dos casos, principalmente nas areas rurais, tais cuidados primérios so realizados por auxiliares de sade, normalmente pessoas da prépria comunidade treinadas e supervisionadas ara isso. Nas reas urbanes a equipe priméria é composta também de um médico generalista, enfermeira e eventualmente dentista. Os casos mais complexos, que nao possam ser resolvidos no nivel primério, devem ser remetidos para o atendimento secundério em ambulatérios ou centros de satide regionais, capazes de fornecer servicos que demandem recursos médicos e equipa- mentos um pouco mais sofisticados. O sistema se fecha entao no nivel terciério, com os hospitais € centros de reabilitacdo, aptos a desenvolver os servigos mais complexos. Esse sistema pode ser melhor visualizado no diagrama apresentado na Figura 1. Esse. modelo tem algumas carécter sticas bésicas. Em primeiro lugar, visa @ aumentar 0 acesso aos servicos.de satide até a completa universalizacao do Figura 1 —0 sistema hisrarquizado de saude tercié. | ria hospitais Rede secundiri ambulatérios de sai de: especialidades mé. divas principais, psicdlo- ‘90s, enfermeira, dantis assistente social, etc. Rede priméria: postos de saide em bairros urbanos e distritos rurais: ‘auxiliares de saiide, médico generalista, enfermeira, etc, a RY atendimento. Todo habitante deve ter 0 seu posto de satide como referéncia, com servigos gratuitos. O sistema deve ser prioritariamente estatal, mas instituigdes privadas podem ser inclu(das, desde que integradas organicamente aos diferentes niveis de atendimento. Evita-se assim a duplicacéio de esforgos, quando instituigées diferentes concorrem entre si numa mesma érea, oferecendo os mesmos servicos, As escolas de profissionais da satide também devem ser integradas a0 sistema. Estudantes ¢ professores, a0 mesmo tempo que aprendem e lecionam a teoria, realizam a pratica, prestando servigo & comunidade, Esse modelo busca se adaptar a realidade espect- fica de satide dapopulaclo cliente. Nesta estratégia, fala-se da simplificacio da tecnologia médica, cujo proceso no visa a0 seu barateamento, com a conseqiiente diminuicio da qualidade técnica dos servicos. A simplificacdo, a meu ver, tem alguns objetivos muito definidos: 1a adequaco a0 conjunto de dosncas mais prevalentes no meio popular, dada a situago de fome e quadros infecciosos e epidemias tipicas das situagdes de pobreza e de falta de saneamento bésico; 2) uma estratégia preventiva em satide; 3)a compreensibilidade das ages em saiide pela populace, permitindo a participacdo ativa do ovo nestas aces; 4)uma luta contra‘o consumismo imposto pelas empresas farmacéuticas e de equipamentos médicos. Esta simplificaczo, se realizada dentro: desses objetivos e adaptada as condicdes regionals, torna possfvel uma extensao dos servigos a todo o pats. ‘Além disso, busce-se a cobertura de todas as esferas da sade e todas as faixas etérias. Ou seja, 08 servigos devem visar as condi¢®es de vida do ovo, seus problemas somiticos, bem como os de ‘ordem psicol6gica, de forme integrada, e atingindo dos recém-nascides aos velhinhos. Um outro aspecto interessante € 0 propésito de se reconhecer a existéncia das estratégias populares e buscar pesquisé-las e integré-las a0 conjunto de acdes de satide a serem realizadas no nivel primério. Além de ser um modelo mais racionalizado, 0 objetivo 6 desenvolver servigos de satide predomi- Rantemente preventivos. E nesse momento entéo fala‘se muito em participagéo comunitéria da populaggo na promocio da satide, como condi¢ao indispensavel de funcionamento de todo o sistema. Por isso ele € conhecido na literatura especializada como 0 modelo de satide comunitaria. Hé cerca de dez anos, a OMS vem propondo a integraco dos cuidados especificos em satide mental ao sistema de satide em geral. Ou seja, a saida para a rise da assisténcia psiquidtrica cen- trada na hospitalizagéo est na descentralizacdo dos servicos, que seriam prestados entéo em todos os niveis de atenc&o, a comegar pelos pequenos ostos, em bases também comunitarias. A avaliago mais geral da proposta desse modelo entre os analistas é polémica. Torna-se claro que, do ponto de vista oficial, ele é coerente com uma estratégia de expansdo dos servicos de satide a setores da populacdo considerados marginais 20 processo produtivo mais avancado, e, portanto, tem uma significago sobretudo politica, Uma das facetas desta estratégia, entre outras, € 0 que alguns autores chamam de medicalizar. Quando a Medicina trata a verminose nas periferias de nossas cidades apenas com remédios, ela esté medicalizando, pois a cura definitiva para a ver- minose esté principalmente em ter ruas calcadas, gua tratada e encanada, e boa rede de esgotos, Medicalizar, entéo, € abordar problemas sociais apenas com soluc&es médicas paliatives. Outro aspecto do modelo é a tentativa de normatizar as pessoas. Através das regras médicas e higiénicas, busca-se que cada um assimile as normes de comportamento pessoal e social mais adequadas 4 dominaco do corpo, dos individuos e dos grupos sociais. No entanto, néo podemos reduzir a significag8o do modelo as estratégias dominantes do sistema econémico e politico. Ele abre espaco e é pass{vel de uma reapropriacao, ou seja, se garantida uma série de condieées econdmicas, politicas e insti- tucionais, 0 modelo pode avangar bastante uma aproximacdo dos servigos de satide mental aos interesses e condicdes de vida de nossa populagao. Alguns aspectos do modelo devem ser particula- rizados quando tratamos da area de satide'mental Vérias vezes, em debates com estudantes € profis- sionais da Psicologia, ouco perguntas sobre se a nossa populagdo precisa efetivamente de nossos cuidados, Na cabega deles fica a imagem de que (© povo se preocupa mesmo é com a sobrevivéncia imediate, com as condicles de vida mais elemen- tares. E associam isso com a constatacéo de que os trabalhadores nao batem a porta de nossos consultérios, ou mesmo se sentem amedrontados quando diante de psicdlogos. Dessas constatactes tiram a concluséo de que nosso povo ainda néo demandou os servicos da Psicologia e de que néo temos nada a fazer junto deles. Costumo comparar essa visdo com a de um mecanico que s6 conhece e s6 dispde de uma chave para parafusos e porcas de 10 mil{metros, € € colocado diante de um motor cujos parafusos tém 16 milfmetros. Acaba abandonando o servico dizendo que ali ele nao tem nada a fazer Se o leitor levar a questéo a um médico que tenha boa sensibilidade para aspectos psicolégicos de seus pacientes e que trabalhe em ambulatério de periferia urbana ou éree rural, possivelmente ele desmentiré tai visio. Deverd contar os casos de pacientes que reclamavam de varios sintomas organicos imprecisos e incoerentes entre si, E que, na medida que se incentive que falem sobre sua vida de forma mais livre, acabam explicitando as verdadeiras razdes que os trazem ali: a vida infeliz, cansativa, vida conjugal extremamente pobre ¢ opressiva, principalmente as mulheres . . . O que quero dizer é que a demanda por cuidados especificos de satide mental emergem implicita- mente, sendo uma de suas formas de expresso 0 pedido de cuidados médicos. E néo ¢ dificil enten- der as raz8es para que isto ocorra: a demanda nunea & formulada unilateralmente, ou seja, 0 povo sabe que o tinico profissional acessivel é (© médico, e este apenas 18 a linguagem do corpo, do orgénico, e tenderé a resolver 0 problema com uma receita. Isso se encaixa bem com o desejo mais ‘comum de resolver magicamente as ansiedades e dificuldades emocionais, sem confronté-las aber- tamente. A propria formacdo cultural popular tende a associar os fendmenos psicolégicos aos “problemas de nervo", em uma abordagem biol6- gica mitica, ou a fendmenos mégico-religiosos. Assim, 0 ritual de atendimento médico massifi- cado, com um minimo de 16 consultas por um perfodo sempre menor do que quatro horas, de trabalho (padrao-base proposto pela propria OMS) acaba medicalizando e entorpecendo os problemas sociais @ psicolégicos de nossa populacio. A integraego de servicos adequados de satide mental a0s cuidados médicos bésicos pode significar uma quebra desse ciclo, e permitir a explicitacdo da demanda por cuidados em Psicologia antes da manifestacéo aguda dos quadros que justificariam a internacao psiquiétrica. Idealmente, esse atendimento em sade mental, na medida que feito mais préximo ao local de moradia da populacéo, permite uma abordagem mais abrangente, tendo como base toda a familia € mesmo a realidade social e comunitéria do bairro. Ademais, por ter uma clientela fixa, permite um atendimento mais personalizado. Além de possibilitar 0 diagnéstico e o trata- mento mais precoce da “doenga”, 0 modelo abre espaco para praticas educativas, preventivas e comunitérias de grande importéncia. E possivel listar algumas delas. Os cuidados materno-infantis incluem: a educe- 0 sexual; preparacdo para 0 casamento e mater- nidade; © acompanhamento da gravidez (pré-natal): a atencao anterior, durante e apés o parto; e 4 uericultura, servigo de acompanhamento do desenvolvimento da crianga, Esses cuidados podem ser realizados de forma integrada 20 atendimento Médico e aos grupos comunitérios femininos, © atendimento a crianca pode continuar através da integracdo das atividades do posto de saiide as instituigdes pré-escolares e escolares de 19 grau, Af os programas podem incluir desde o treinamento dos professores, servicos psico-pedagégicos, acom- Panhamento do rendimento escolar, etc. Aqui ‘também a participagso comunitéria pode se dar ela presenca organizada dos professores e pais através de associates de pais e mestres, ou da Presenga periddica em atividades culturais, cursos ou pelo proprio acompanhamento do rendimento escolar dos filhos. Os programas especfficos para adolescentes podem ser integrados no 6 ao sistema escolar, ‘como também aos grupos de jovens, as atividades pastorais de juventude, as iniciativas culturais e esportivas, etc. Os adultos e velhos podem ser atingidos através das iniciativas comunitarias de bairro pelos grupos e comunidades eclesiais de base, pelos grupos femininos, pelas organizacdes do tipo Alcodlicos Anénimos e até mesmo através de grupos tradicionais como os ligados & Sociedade So Vicente de Paulo. Além das atividades por faixa etéria, ha a possibilidade de programas dirigidos 2 probleméticas especificas: alcoolismo, prevencdo de suicidio, apoio bésico em periodos de crise, excepcionalidade, etc. Em todas essas atividades, 0 psicélogo comuni- tério atua muito como transmissor de habilidades, treinando e supervisionando permanentemente as auxiliares de satide, médicos, professores e mem- bros da comunidade para atuarem como agentes de satide mental. & claro que isso significa uma mudanga profunda na formagdo atual dos psicé- logos, preparando-os para essa atuacdo comunitéria. Em primeiro lugar, essa formactio deverd ser eminentemente prética, em situagdes de campo e no apenas simuladas. Depois deverd estar voltada para 2 sintese de técnicas de trabalho no s6 mais apropriadas para a realidade psicossocial e para os quadros “doentios” mais comun: ovo, como também mais simplificadas. disso, tais métodos e técnicas devem estar di principalmente para as atividades educativas e preventivas € no apenas clinicas e psicoterapéu- tices, como se dé hoje. Isso significa saber desen- volver programas muito cuidadosos de treinamento educacdo popular, incluindo a utilizacgo crite- riosa de meios de comunicagao de massa (cartilhas, jornais, radio, televiséo, etc.). Outro elemento que no pode faltar A formacdo desse profissional seré também o estudo de estratégias em satide publica e politicas de satide, bem como elementos de administracdo desses servicos. Imagino que a esta altura do texto, voeé, leitor, deve estar se perguntando pela viabilidade concreta da implantacdo dessa proposta, dentro de condi- ‘ges que garantam a coeréncia com os interesses populares. Ou seja:_vamos sair da teoria e vamos 4 prética. Como vém sendo montadas as expe- rincias até agora? Esse modelo de sistema de satide foi implemen- tado em alguns paises de corte socialista, como, por exemplo, em Cuba. Lé no existem profissio- nais nem prética liberal em satide, como os médicos € psicélogos particulares que conhecemos em nosso pafs. Cada habitante esté integrado ao sistema piiblico de satide, que ¢ totalmente regionalizado € hierarquizado. Ao nivel dos bairros e comuni- dades rurais, as ages sdo feitas a partir da rede de policlinicas, cada uma atendendo a uma populagio basica de 25000 habitantes, vinculadas aos peque- nos Comités de Defesa da Revolueio, organizados por quarteirdes, e a outras formas de organizacio popular, como as unidades de base da Federacao de Mulheres Cubanes. Em satide mental, inicia-se em 1969 a incluséo de_psicblogos nas equipes dos policlfnicos e, em 1972, a formagao de técnicos de nivel médio em Psicologia. A aco dos técnicos e dos psicdlogos a0 nivel primério é muito mais voltada para o treinamento das equipes de satde, para a mobi zago © comunicacéo com a comunidade, incent vando a participagio social, e a transmisséo de conhecimentos e cursos em educacdo para satide mental. Esta atuagio visa a atingir a satide materno- infantil, a escolarizacdo e a formagdo psicolégica especifica em adolescentes e adultos. Ao nivel tercidrio, além dos hospitais psiquidtricos, bastante humanizados, hé servigos de Psicologia nos hospi- tais gerais, visando a uma atencdo integral da doenga somética em criancas e adultos, para que o controle dos aspectos psicolégicos adversos favoreca a recuperacdo e a reabilitacdo. Existem também departamentos de Psicologia nos institutos de pesquisa, buscando pesquisar temas tais como os aspectos psicossociais no rocesso satide-doenca, na gestéo dos servicos de sade e na utilizagdo deles por parte da populacio. © psicblogo também esté integrado as equipes multidisciplinares de Medicina do Trabalho e Higiene Escolar dos Centros Provinciais de Higiene @ Epidemiologia, no sentido de buscar a melhoria de condigées nos Centros de Trabalho e nas escolas da provincia. E claro que a implantacdo desse sistema de satide socializado em um pafs como Cuba tem uma série de dificuldades. E que, apesar de tantos avancos sécio-politicos, 0 pais conta com poucos recursos naturais e econdmicos, uma diversidade de restri ges materiais, 0 que implica todo tipo de limi: tages tecnoldgicas a projetos como esse. Por outro lado, a auséncia de uma bibliografia mais aprofundada e atual sobre os servicos de satide e satide mental, bem como acerca da participaggo comunitéria neste pais, nos limita a possibilidade de uma andlise critica mais profunda. E nos patses capitalistas do Terceiro Mundo e da América Latina, como ver sendo a estruturago e implantagdo desse modelo? Em primeiro lugar, se optarmos pela ética dos interesses populares, deveremos estar atentos as limitagbes tebricas dos conceitos, diegnésticos e Planos orientadores desses projetos, por parte da OMS © OPAS. As formulagdes dos planos na maioria das vezes, so funcionalistas, genéricas e muito restritas a recomendagSes operacionais, sem levar em conta 0 jogo de interesses politico- institucionais para sua implementagao em cada pats. E é esse jogo que, na montagem dos projetos, determina se sua implantagdo significa algum avango na estruturagao dos servigos de saiide. Nos paises capitalistas onde foi implantado, esse sistema hiererquizado e regionalizado vé-se compelido a conviver com todo o sistema piiblico e privado tradicional de satide e satide mental, voltado para o lucro, constituindo-se entéo em apenas um sistema complementar, de baixa quali- dade, dirigido aos pobres. Nos pafses do Terceiro Mundo, os interesses lucrativos da indistria multi- nacional farmacéutica e de equipamentos médicos, bem como dos donos de hospitais e clfnicas parti- culates, constituem quase sempre grupos pratica- mente intocéveis. Assim 0 sistema alternativo fica completamente marginal, e a soma de recursos piblicos continua sendo dirigida principalmente para manter os servicos privados conveniados com aqueles grupos. No Brasil, por exemplo, esse mesmo discurso racionalizador do sistema de satide permeou o plano chamado PREV-SAUDE, a partir de 1979, e que nao saiu das gavetas do Ministério da Satide. Mais recentemente também inspirou 0 plano de reestruturacao proposto pelo CONASP — Conselho Consultivo da Administragao de Satde Previden- cidria, ligado ao Ministério da Previdéncia. de, no momento em que escrevo, reconhecer que: & cedo para se fazer uma avaliacdo définitiva, as medidas tomadas dentro desse pland; tanto na 4rea médica em geral quanto na assisténcia psiquiatrica, vem mostrando até agora um sentido predominante de redugo de custos, tendo em vista a crise da Previdéncia brasileira. Ou seja, o discurso progres- sista é usado para desmobilizar os servicos hospi. talares mais caros e especializados, buscar apoio politico dos profissionais de saude mais criticos, sem entretanto uma realocago dos recursos para a rede priméria de sade e sade mental. Assim, a rede ambulatorial do sistema de sade piblica, que seria 0 suporte para 0s cuidados mais integrais e preventivos, vern se encontrando em condigées tanto materiais como administrativas € de recursos humanos precarissimas para seguir aqueles objetivos. De:modo geral, esses ambulatorios tém funcio- nado quase que exclusivamente para consultas médices tradicionais e répidas e para a vacinagao comum. Mesmo em algumas regides rurais (Norte de Minas, Nordeste, etc.), onde a reestruturacio des institui¢des de sadide para se adequar a regiona- lizagao e hierarquizacgo € mais antiga, feita jé ha cerca de dez anos, hé enormes dificuldades. Os Programas, do ponto de vista governamontal, visam principalmente @ mostrar uma_presenca minima do Estado junto a uma populagdo oriunda de relagdes tradicionais de trabalho, que forma agora, um novo contingente de assalariados rurais. Quanto aos servicos de satide, a infra-estrutura em instala- es, medicamentos e instrumental normalmente é Péssima. O critério de selectio dos auxiliares de saide ainda € basicamente feito através do jogo Glientelistico dos politicos locais. O treinemento € esporddico, com supervisdes restritas, os saldrios so baixos, e se acaba desenvolvendo um trabalho de baixa qualidade. As barreiras econdmicas burocréticas dificultam 0 acesso da populagao aos niveis mais complexos de atencdo @ salide. No se realizou uma democratizacdo efetiva na equipe de satide: 0 médico ainda é o que detém o poder. Nao tem havido uma preocupacio efetiva em desenvolver pesquisas de tecnologias alternativas e em recriar as praticas populares em satide. Quando existem iniciativas nesse sentido, normalmente no se respeita a autonomia do saber popular, ‘Mas € em relacdo a participacdo comunitéria que esses programas estatais tém demonstrado suas maiores contradicdes. As raras iniciativas oficiais tém visado, principalmente, & maior eficiéncia dos programas, & reducdo de custos — porque contam com recursos da comunidade — e a incul- ‘cago de valores de harmonia social na populacdo. Na drea de satide mental a realidade no é muito diferente. E diffcil estabelecer uma avaliacao unitéria das varias experiéneias que comecam a pipocar a pertir dos anos 70 em paises do Terceiro Mundo e na América Latina, pela heterogeneidade dos contextos sécio-econémicos em que se deram, bem como pela sua diversidade e pela dificuldade de acesso & bibliografia a seu respeito. Mesmo assim, podemos enumerar alguns pontos que vém sendo mais comuns nos relatos conhecidos dessas, experiéncias. ‘ De modo geral, as propostas de servicos comu- nitérias em satide mental encontram as mesmas barreiras dos interesses. politicos ¢ econdmicos j6 assinalados na avalia¢éo do setor satide. Mas aqui existe uma peculiaridade a ser comentada: a resisténcia social, cultural e moral presente na sociedade em relag¢do ao doente mental, que.vem sendo denunciada pela antipsiquiatria. Na implantacSo desses sistemas, varias dificul- dades vém aparecendo. Em_primeiro lugar, a auséncia de profissionais capacitados a atuar nesse tipo de projeto. A formacao de psicdlogos, psiquia- tras, assistentes sociais e enfermeiras é dirigida a0 sistema dominante de prestacéo de servicos, Além disso, sio profissionais no habituados a0 trabalho multiprofissional, Hé uma caréncia genera- lizada de quadros conceituais, tedricos @ técni 0S para uma atuacéo em satide mental comunitaria que seja compativel com a realidade cultural, social e existencial de cada pafs e regio. Essa caréncia, entdo, é gritante na drea de ‘cuidados primdrios, ou seja, naquelas atividades mais simpli- ficadas realizadas através dos Postos de satide nos bairros e distritos, e que constituem o nivel mais inovador da proposta. Varias experiéncias chegam @ Criar servicos razodveis ao nivel secundério, nos ambulatérios mais especializados, e 20 nivel terciério, nos hospitais. Mas ao nivel do atendi- mento primério os projetos tém apresentado uma série de limitagdes, Por outro lado, esses projetos esbarram com uma escassez muito grande de dados e pesquisas 0s programas dos servicos comunitérios estatais de Saiide ‘mental ainda utilizam de forma bastante generalizada os psicofrmacos, favorecencio uma “prética sedativa”™ dos problemas sociais. sobre as condi¢&es especiicas de vida da populagdo, sua realidade na area de satide mental @ as formas préprias e auténomas da populago de enfrenté-las. Isso, somado & diversidade cultural e social de rnossas populages, faz com que as experiéncias sejam bastante emp{ricas e inconsistentes. ‘A linguagem dominante nesses programas ainda € a médica, apesar da abertura para uma visio ecolégica e social da satide, Alguns ainda utilizam de forma bastante generalizada os psicoférmacos, generalizando uma prética sedativa dos problemas sociais, antes mais restritas aos hospitais e mani- cOmios, Assim, muitas vezes, os projetos colaboram com uma psiquiatrizacéo crescente da sociedade. Muitas vezes, a equipe das unidades de satide mental, perante a inesgotével demanda de casos agudos e crénicos individuais, nao cria espaco para um trabalho comunitério preventivo mais amplo. Qutras vezes, a unilaterialidade da formacaio profissional n@o permite ouvir demandas mais amplas de organizacdo da comunidade em outros aspectos. Por exemplo: uma comunidade, antes de formar grupos de mes, pode achar importante s© organizar para construir um salo comunitério.. E isso no seria desenvolver também uma atividade em satide mental? : Por outro lado, a tendéncia verificada em varios pafses é de que os primeiros projetos sejam bastante verticais, prontos e centralizados, deixando pouco espaco 2 elaboraco e participacic local e regional. E de novo a questéo da partici aco comunitéria tem sido 0 “tendo de Aquiles” desses programas, A mera simplificago de contetdos técnicos ¢ sua traducéo em linguagem popular néo significa um processo educativo e uma abertura ao universo. popular, como vimos. A parti ipacao efetiva exige uma série de condigdes politico-institucioné e administrativas. As vezes até certos detalhes tornam-se importantes. Por exemplo, um regime de trabalho rigido, apenas durante o dia, impossibilita 0s agentes de participar de reunides das comu- nidades periféricas 4 noite e durante os fins de semana. O trabalho comunitério exige um horério compativel com a presenca dos homens, que normalmente trabalham durante o dia, No Brasil, as primeiras iniciativas de integraggo de servicos de satide mental a rede bésica de satide foram feitas em meados da década passada, parti- ‘cularmente em Porto Alegre e So Paulo. Nos trés Gltimos anos, principalmente com 0 CONASP-PAIS (Programas de Acdes Integradas de Saude), vimos assistindo 4 implantagéo gradativa de algumas Novas unidades integradas em vérios estados, Aaui, ‘© quadro da medicina se reproduz na drea de sade mental. As restrig&es & hospitalizagdo geralmente no tém provocado o deslocamento das verbas para 2 expansdo da rede primaria e mesmo secundaria, De novo, os projetos modernizadores tém sido stilizados para a reducéo de verbas para a drea de satide, e revestidos de uma linguagem progres- sista para assimilar a critica dos profissionais “psi” mais engajados. Depois dessa avaliaco com tantos aspectos negativos, acredito que vocé, leitor, deve estar pensando que a perspectiva na América Latina e no Brasil seja exclusivamente pessimista em relagdo possibilidade de trabalhos em sadde mental ‘comunitéria. A avaliacdo que tentei esbogar & do tipo abrangente, e dé énfase & forma como as instituigdes oficiais vem montando os programas. ‘Assim, apesar das péssimas condigées de implan- tagdo, algumas equipes de profissionais mais enga- Jados que trabalham nesses projetos estatais vem realizando avangos sensiveis em nivel local e as vezes até regionalmente. A partir de uma andlise critica da situacéo e com uma atitude de buscar que quaisquer atividades devam ser decididas ¢ assumidas pelo movimento comunitério, algumas das barreiras vém sendo ultrapassadas. Outras vezes, @ entidade promotora néo_é governamental e © espago para uma atuacdo qualitativamente superior € maior. Sao igrejas locais, sindicatos, grupos auténomos de profis- sionais ou o préprio movimento popular tomando a iniciativa em programas de sade mental. E apesar das dificuldades financeiras, estas sdo as experiéncias mais ricas e inovadoras, e que mais servirdo de base para uma avaliagdo dos rumos futuros desses projetos de satide mental. Disso tudo, se vocé me pedir para tentar tragar alguma perspectiva de futuro préximo para esses projetos em satide mental comunitéria, creio que podemos adiantar algumas consideracdes. Em primeiro lugar, podemos afirmar, com certa segu- range, que a tendéncia a racionaliza¢do e a reforma dos servigos de satide mental 6 progressiva, dada a crise atual na drea. A tendéncia caminha no sentido da implantagio gradativa de programas extra- hospitalares e cada vez mais dirigidos a um discurso ‘que integra a aco comunitéria, E claro queessa tendéncia depende das condicées politicas e sociais do pais. No caso de retrocessos politicos na direcdo do autoritarismo, a abertura de perspectivas em satide mental também fica comprometida. Mas esse ndo parece ser 0 caminho brasileiro. O aprofundamento do proceso de democratizagdo deve conduzir inevitavelmente para uma abertura maior a servigos de satide e satide mental cada vez mais consonantes com os inte- esses populares. Essa abertura também ndo ocorre gratuitamente. Dependeré fundamentalmente do crescimento da organizago dos movimentos soc igados a drea, e principalmente dos trabalhadores em satide e salide mental, que gradativamente véo crescendo no pais. Além disso, depende também da sensibili- zagao da opinigo publica em geral. O caso italiano ilustra bem isso. O movimento da Psiquiatria Democratica s6 foi capaz de avangos significativos, inclusive @ ponto de fazer aprovar as atividades nos sindicatos, nos _movimentos comunitérios de beirros periféricos urbanos e no campo, nas comunidades eclesiais de base, nos diversos movimentos negros e femininos ¢ nos partidos politicos, que perceberemos concreta- mente a dinamica do movimento comunitério. Isso porque nossa populagdo, a despeito do autoritarismo e da antiparticipago induzida principalmente pelas dltimas paginas de nossa historia, j vem sedimentando uma tradi¢o de como se organizar @ fazer crescer sua consciént Esse jeito, esse como fazer, dentro das condigdes concretas e realistas da vida do povo, se aprende junto dele e de suas liderancas. Uma das razBes da necessidede deste contato esté na discrepancia cultural. Para nés, profissio- nais_e estudantes universitérios de | formacdo urbana, classe média, as manifestac&es da cultura e do folclore popular muitas vezes nos parecero incompreens{veis. Outras vezes nos despertaro resisténcia ou nos temeterdo a valores que para 6s esto associados unilateralmente a repressio, alienagdo social, etc. E muito comum acontecer casos em que mi tantes ou agentes comunitérios de origem social das classes médias tenham dificuldades em manter um distanciamento pessoal, para conviver, por exemplo, com determinadas manifestages da religiosidade popular. Para eles, as procissées, as rezas, as coroagdes e celebragbes © os rituals mégico-teligiosos s6 so aceitos se em sua lingua- gem for incrustrado um discurso “mais conscien- tizador". Muitas vezes ocorre que o agente externo acaba assumindo posico muito diretiva nese contato. Néo 36 perde a possibilidade de “penetrar” © escutar essa outra realidade que desconhece, como também pode provocar, por sua interferén- cia, 0 esvaziamento do sentido original daquelas manifestagdes, Para o profissional de saiide mental essa atitude de escutar @ buscar compreender essa outra reali dade cultural ¢ da mais alta importéncia. Principal- mente tendo em vista a realidade brasileira, que redne elementos étnicos e culturais dos mais diversos e complexos. Nessa drea 6 preciso lembrar as contribuigées de um campo de Pesquisa recente, a etnopsiquiatria, que busca estudar as relagdes entre cultura e doenga mental. Para ela, a loucura 6 um fenémeno integrante do sistema cultural de cada povo, grupo social ou etnia, e sua compreens3o_ 86 pode ser feita entendendo-se 0 funcionamento desse sistema. Assim, cada formaco cultural pie a disposicao de seus membros certos mecanismos preferenciais de defesa. Desperta, mobiliza e organiza conste- lagdes psicoafetivas; ensina_ a reprimir certos desejos, pulsdes e fantasmas. E também, pelo contrario, permite a expresso aberta de outros: desejos e tensdes, por meio de mecanismos de compensagao representados nos rituais educativos, a legislacdo mais coerente que conhecemos, quando conseguiu colocar a satide mental como questo. politica a ser assumida por todas as forcas sociais Progressistas. A atual tendéncia de reversio tam. bém tem a ver, além das tetificacdes intrinsecas, com a propria desmobilizacdo desses movi lentos sociais que deram sustentacdo 4 aprovaciio e a vigilancia para sua implantacéio. Em sintese: sade mental é& também assunto dos partidos Politicos, dos sindicatos, dos movimentos sociais em geral dos parlamentares. _Esperemos que bons ventos também soprem na direcdo do nosso pais e de nossos Pafses irmaos do Terceiro Mundo. ALGUMAS QUESTOES DE FUNDO: SAUDE MENTAL, CULTURA, EDUCACGAO E TECNICAS PSICOLOGICAS No final deste trabalho, pretendo primeiramente alinhavar algumas reflexes basicas sobre vivéncias dos profissionais que vém tentando abrir caminho através da Psicologia Comunitéria e relacioné-las com a problematica da cultura popular. A primeira diz respeito a forma de aprendizagem da pratica comunitéria. A metodologia do trabalho social e comunitério néo 6 algo que se possa aprender livrescamente, apenas. A sistematizacgo tedrica € importante, mas sozinha, no nosso caso, se torna vazia e exclusiva. Aprendemos a viver a prética de comunidade na convivéncia com” os proprios movimentos sociais vivos, com seus desafios e dificuldades cotidianas. E essa expe- riéncia 6 insubstituivel. E se comprometendo com

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