Durante o Verão, as condições climáticas do Mediterrâneo reinam em quase toda a Península
Ibérica: temperatura elevada, luminosidade forte, grande insolação, carência de chuvas. Apenas uma faixa setentrional, dos Pirenéus à Galiza, se conserva sempre húmida. Se a Península suporta pressões altas, relativamente à grande depressão sahariana, os ventos descem dos planaltos interiores, como um sopro ardente e doentio (soão). Se, pelo contrário - caso mais geral -, os calores do centro da Península cavam aí uma depressão, em toda a orla ocidental sopram brisas frescas do mar, que amenizam a temperatura sem todavia originarem chuvas, porque o ponto de condensação é muito elevado durante os calores estivais. O traçado das linhas isotérmicas, reduzidas ao nível do mar, corre então paralelo ao litoral português, e a temperatura aumenta à proporção que se encaminha para a raia. A humidade relativa é elevada junto do oceano, a temperatura é aí mais moderada, as brumas litorais frequentes, excepto no Algarve. Porém, em toda a extensão do território, Julho e Agosto são meses sem chuva, ou de chuviscos escassos. O começo do Outono é marcado por uma série de perturbações, acompanhadas de trovoadas e de aguaceiros, curtos mas violentos. Nas regiões montanhosas do Norte começa então o primeiro período de chuvas, que pode durar algumas semanas. No Sul, nuvens caliginosas passam alto, sobre as planuras ainda quentes, ou dissipam-se em chuvadas fugazes. Em todo o caso são elas que, depois do Verão, regulam o início dos trabalhos agrícolas das sementeiras. Passada esta primeira perturbação, o tempo quente e luminoso ainda às vezes se prolonga muito. As noites começam a arrefecer, mas os dias são límpidos e soalheiros; o ar carrega-se de humidade, que dá à luz os doces tons outonais. O Verão de São Martinho pode entrar por Novembro adiante. O Inverno é, para nós, o tempo do frio e da chuva. Duas situações meteorológicas opostas alternam na Península. Pelas noites, cada vez mais longas, a temperatura média diária vai diminuindo. Nos planaltos elevados das Castelas, o ar arrefecido começa a gerar um centro de pressões altas, enquanto, no mar, mais tépido, se mantêm áreas de depressão. Os ventos divergem, frios e cortantes, do interior da Península. Nesta época do ano, a Península ora se comporta como um continente em miniatura, regulando, com os seus próprios recursos, os movimentos da atmosfera, ora o seu centro se liga ao anticiclone dos Açores ou ao da Europa Central: uma estreita ponte chega por vezes a uni-los. Temos, neste tempo, que chega a durar semanas, dias luminosos, secos, de atmosfera límpida e temperatura elevada nos lugares abrigados. Mas, onde sopra o vento, sente-se frio; e, durante as noites de incomparável luar ou céu estrelado, arrefece tanto que os campos despertam debaixo de um lençol de geada. Este período, de tempo estável, é precedido e seguido de situações naturalmente transitórias. São os rosários de depressões que se deslocam, nesta latitude, de oeste para leste, e percorrem a bacia do Mediterrâneo ou a Europa média. Estas depressões têm um sector alimentado pelo ar húmido e tépido do Atlântico tropical. Aos dias frios e límpidos sucede um adoçamento de temperatura, anunciado por nuvens no poente e pelas primeiras Organização da Produção Agro-Pecuária 2011 Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico condensações nas vertentes montanhosas. É a passagem da frente quente. O céu cobre-se por completo; sopra do mar uma aragem húmida e morna, que se revolve em chuvas intermitentes ou prolongadas. É ainda por tempo chuvoso que um arrefecimento marca a passagem da frente fria e, com ela, o termo da célula ciclónica. Portugal recebe, em primeira mão, de encontro às suas montanhas do Norte, as chuvas fecundantes. Quando estas massas de ar, vindas do Atlântico carregadas de humidade, ultrapassam as montanhas, perderam por condensação boa parte do vapor de água que transportavam. Daí o contraste, muito forte, como se verá, entre a zona oceânica e as terras interiores, trasmontanas, subtraídas à directa influência do mar. O Outono, o Inverno e a Primavera conhecem este tempo perturbado, chuvoso e variável. O mês de mais chuva é geralmente Dezembro, mas em muitas estações Março apresenta um máximo secundário. Tais são as condições gerais que regem o clima de todo o território português. Mas, tal como para o relevo, do norte ao sul desenha-se a oposição clara entre uma área húmida, chuvosa, de estiagem moderada, e outra mais seca, de chuvas escassas e de Verão ardente e muito longo. Não é por acaso que aquela coincide com as terras altas do Norte e esta com as planuras meridionais. As chuvas, tão importantes na vertente atlântica, são, em grande parte, devidas à barreira montanhosa e às condensações que ela determina: chuvas de relevo, tanto mais abundantes e prolongadas quanto mais se sobe. Mas, este factor de contraste, nascido da altitude, não vem senão reforçar as condições da própria circulação atmosférica. É no litoral português que se extremam duas regiões climáticas diferentes: a mediterrânea e a oceânica. A primeira com as afinidades tropicais do seu Verão quente e seco, seus Invernos doces, atravessados por fugazes perturbações vindas do Ocidente. A segunda sujeita já ao influxo permanente dos ventos de oeste, ventos húmidos do Atlântico, onde nascem os ciclones que rumam em sentido contrário. A aragem marítima tempera o clima e faz descer a amplitude anual. Mas o Inverno já se sente, com temperaturas baixas, noites frias, muitos dias consecutivos de chuva, neve nas montanhas, geada nos campos. No Verão, o clima mediterrâneo reina por toda a parte, no litoral e no interior, na terra chã e nas serranias. Mas a duração dele é menor na costa ocidental, nas serras e no Norte, máxima no Sul. O tempo frio, perturbado e chuvoso, dura consoante se mantêm as influências setentrionais. Durante o Inverno, em avançadas breves, pode sentir-se já a acção da frente polar, com massas de ar frio que reforçam as do centro da Península. O elemento característico do clima oceânico e da sua extrema variação é, porém, a passagem de perturbações vindas do Ocidente e o avanço de massas de ar que, ao percorrerem os oceanos, se carregaram de humidade. Esta influência atlântica, trazida pelos ventos dos quadrantes de oeste, domina o clima português: apenas uma época do ano a atenua - o Verão - e uma faixa de território lhe escapa por mais tempo - o Sul.
In: Orlando Ribeiro (1998) Capítulo 2 - Portugal Mediterrâneo. Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Livraria Sá da Costa Editora, p. 41-43.