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DEMO
Recepção
do
espectáculo
do
Teatro
Praga,
segundo
o
esquema
antropológico
da
“ampulheta”
proposto
por
Patrice
Pávis
Filipa
Albuquerque
ÂMBITO
Trabalho
realizado no âmbito do seminário Teorias da Encenação do Mestrado em
Teatro ‐ especialização em Teatro e Comunidade, ministrado pela professora Eugenia
Vasques
Outubro
de
2009
[DEMO]
2
Algumas
considerações
iniciais
Parece‐me
importante
referir,
em
primeiro
lugar,
os
condicionalismos
à
volta
do
surgimento
deste
espectáculo.
O
Teatro
S.
Luís,
à
semelhança
do
que
já
tinha
feito
o
ano
passado
no
Ciclo Outras Lisboas,
desafiou
o
Teatro
Praga
para
apresentar
o
seu
olhar
sobre
a
Índia.
É,
assim,
que
nos
surge
esta
proposta
de
abordagem
da
Índia
por
um
dos
mais
novos
Grupos
de
Teatro
Português
que
se
reclama
do
desenvolvimento
de
estéticas
de
vanguarda.
Por
condicionalismos
académicos,
abordarei
este
espectáculo
não
de
uma
forma
global
em
jeito
de
recepção/critica
jornalística,
mas
antes
usando
como
instrumentos
de
observação/análise
o
esquema
em
forma
de
ampulheta
de
Patrice
Pavis,
importante
semiólogo
e
socioetnógrafo
contemporâneo.
Desta
forma
ensaiarei
algumas
considerações
sobre
o
espectáculo
numa
perspectiva
antropo‐sociologica,
que
me
será
emprestada
pela
forma
como
conduzirei
esta
breve
análise.
Recepção
através
do
Esquema
de
Patrice
Pávis
3
‐
Objectivo
dos
adaptadores
Demo
nasce,
como
acima
referimos,
de
um
pedido,
uma
encomenda
e
não
de
uma
vontade
espontânea
do
autor
(ou
do
grupo)
em
abordar
esta
temática.
Contudo,
a
aceitação
de
um
desafio
é
ela,
também,
manifestação
de
uma
vontade
de
abordagem
de
determinado
tema.
Cabe,
no
entanto,
levantar
aqui
uma
distinção
entre
espectáculos
a
pedido
e
espectáculos
criados
de
uma
forma
mais
espontânea.
Havendo
um
pedido,
à
partida,
a
maturação
dessa
ideia
inicia‐se
a
partir
do
momento
desse
pedido.
Quando
a
vontade
nasce
espontaneamente
do
próprio
autor,
há
mais
possibilidades
dessa
ideia
estar
mais
madura,
de
ter
vindo
a
amadurecer
ao
longo
do
tempo
até
que
o
autor
se
decide
a
apresentar
a
sua
proposta.
Nesse
sentido,
a
palavra
espontâneo
não
significa
uma
produção
ex nihil,
mas
tão‐só
para
indicar
que
a
ideia
/
proposta
não
nasce
do
experior
do
autor
ou
do
grupo.
Filipa
de
Albuquerque
filipa.de.albuquerque@gmail.com
[DEMO]
3
O
objectivo
do
espectáculo
poderia
estar,
então,
definido
a priori
–
apresentar
uma
visão
própria
e
original
da
Índia.
No
entanto,
não
encontrámos
no
espectáculo
a
presença
desse
objectivo.
Primeiro,
porque
não
conseguimos
sequer
encontrar
a
própria
ideia
de
apresentação
de
uma
concepção
ou
visão
a
alguém.
Pareceu‐nos
que
o
objectivo
de
legibilidade
por
parte
dos
outros
não
esteve
presente
no
espectáculo
e
a
própria
ideia
de
Índia
só
de
quando
em
vez
se
poderia
considerar
presente
no
espírito
do
autor.
Eventualmente,
a
preocupação
de
eliminar
um
olhar
imperial
ou
colonial
ou
ainda
eurocêntrico
sobre
um
país
e
uma
cultura
geralmente
apresentados
como
exóticos
(ou
mesmo
bizarros),
acabou
por
apagar
os
elementos
identitários.
O
que
transpareceu
foi
a
construção
de
um
espectáculo
pouco
homogéneo,
a
partir
de
sugestões
várias,
sem
sequencialidade,
como
se
tratasse
de
um
espectáculo
inacabado,
em
fase
de
processo
inicial
de
construção,
com
indicações
tão
diversas
como
a
literatura
e
a
publicidade
e
que
muitas
vezes
nos
apareceram
difusas,
para
não
dizer,
confusas.
A
vinculação
pós‐moderna
ao
processo
em
detrimento
do
resultado
ou,
então,
o
horror
às
grandes
narrativas
(legitimadoras)
poderá
conduzir
a
estas
situações
de
desarticulação
e
atomização
dos
produtos,
das
várias
sequências
e
apontamentos,
que
aparecem,
deste
modo,
fraccionados
num
circuito
pretensamente
labiríntico.
4
‐
Trabalho
de
adaptação
Aqui
não
nos
parece
ter
havido
qualquer
tipo
de
trabalho
de
adaptação.
Eventualmente
poderemos,
talvez,
falar
da
adaptação
de
uma
amálgama
de
conteúdos/materiais
desgarrados
que
foram
sendo
cozidos,
como
numa
manta
de
retalhos,
de
acordo
com
a
sub‐cultura
cosmopolita
e
mais
que
pós‐moderna
dos
encenadores
e
actores.
5
‐
Trabalho
preparatório
dos
autores
Também,
na
análise
deste
passo,
no
que
concerne
à
encenação
e
representação,
não
nos
parece
ter
havido
uma
grande
preocupação
com
a
preparação
do
espectáculo.
É
certo
que
se
verificam
algumas
ideias
gerais
sobre
o
que
cada
actor
vai
fazer,
existe
uma
sequencialidade,
quase
infantil,
que
por
vezes
aparece
na
repetição
da
mesma
cena,
fazendo‐se
circular
os
actores,
de
forma
linear
e
pouco
interessante
nas
mesmas
cenas.
Algumas
coreografias
foram
mais
preparadas,
notando‐se
aí
algum
trabalho
mais
coordenado.
Filipa
de
Albuquerque
filipa.de.albuquerque@gmail.com
[DEMO]
4
A
representação
é
muitas
vezes
descuidada,
não
se
percebendo
o
texto
que
dizem
ou
cantam,
não
se
vendo
o
corpo
dos
actores
que
se
atropelam
nas
cenas
tornando
a
representação,
de
uma
forma
geral,
demasiadamente
“suja”.
No
que
toca
à
integração
dos
músicos
na
cena,
também
não
se
vê
um
trabalho
preparatório
consistente.
Nota‐se,
contudo,
uma
maior
preocupação
preparatória
no
trabalho
de
composição
e
instrumentalização
das
músicas
que
integram
este
musical.
6
‐
Escolha
de
uma
forma
teatral
Não
conseguimos
identificar,
neste
espectáculo,
a
escolha
de
uma
forma
teatral.
Principalmente
porque
nos
é
difícil
identificar
o
que
vimos
como
teatro.
Encontramos,
contudo,
algumas
influências,
nem
todas
oriundas
da
área
teatral
e
que
se
podem
de
alguma
forma
associar
ao
espectáculo,
embora
não
o
possamos
fazer
num
todo.
Uma
vez
que
nos
pareceu
que
toda
a
apresentação
se
processou
como
uma
manta
de
retalhos
que
se
repete
como
uma
roda
que
rola,
mas
não
sai
do
mesmo
lugar,
apenas
podemos
indicar
algumas
influências
que
não
se
aplicam
a
toda
a
performance,
mas
apenas
a
curtos
elementos
isolados.
Assim,
podemos
categorizar
o
espectáculo
como
um
musical,
embora
a
música
e
o
texto
nos
surjam,
muitas
vezes,
separados
e
quase
alheados
um
do
outro,
como
processos
que
se
desenrolam
por
si,
não
se
articulando,
mas
antes
duplicando
(ou
replicando)
propostas
de
leitura,
que
se
acumulam
por
sobreposição.
É
um
espectáculo
com
uma
forte
presença
das
novas
tecnologias
interactivas
da
imagem
o
que
nos
remete
para
a
influência
dos
mega
concertos
rock,
embora
a
grandiosidade
desses
concertos
não
seja
conseguida
neste
espectáculo,
antes
se
vislumbre
a
sua
sugestão.
7
‐
Representação
teatral
da
Cultura
A
Índia
não
conseguiu
transparecer
na
confusão
de
luzes,
som
e
imagem.
As
indicações
dadas
apareceram
sempre
como
a
visão
ocidental
do
oriente
e
através
de
sugestões
variadas.
Não
é
clara
uma
cultura
de
partida,
existindo
antes
uma
sub‐cultura
urbana
dominante
que
se
desdobra
em
culturas
ocidentais
diversas.
São
usadas
diversas
línguas
ocidentais
com
predominância
do
alemão
(será
que
está
relacionado
com
o
facto
do
Goethe Institute
apoiar
o
espectáculo?),
embora
não
seja
clara
a
intenção
ou
função
desta
opção.
A
língua
inglesa,
pelas
suas
ressonâncias
históricas
(que
na
Índia
foi
a
língua
Filipa
de
Albuquerque
filipa.de.albuquerque@gmail.com
[DEMO]
5
do
império)
e
pela
sua
presença
fundamental
enquanto
língua
oficial
da
globalização
e
do
admirável
mundo
novo
(em
rede),
seria
mais
pertinente.
Não
se
aborda
o
tema
numa
perspectiva
intracultural,
nem
tão
pouco
intercultural.
O
que
transparece
é,
mais
uma
vez,
um
caldo
de
referências
soltas
sobre
outras
culturas,
sem
nexo
nem
intencionalidade
que
chegue
ao
público
de
forma
clara.
8
‐
Adaptadores
de
recepção
/
11
‐
Sequencias
dadas
ou
antecipadas
Apesar
de
termos
de
criar
alguns
mecanismos
de
recepção,
por
via
de
estarmos
a
ver
este
espectáculo
como
parte
de
um
exercício
académico,
a
verdade
é
que
se
tornou
completamente
impossível
criar
pontes
ou
paralelismos
indentificadores
ou
constitutivos
de
uma
realidade
próxima.
Faltou
a
narrativa
para
que
a
capacidade
de
decifração
por
parte
do
público
se
pudesse
exercer
de
forma
plena.
O
espectáculo
não
tem
nada
de
poético,
as
imagens
e
som
são
agressivos
e
incómodos
e
pouco
fica
para
pensar,
relacionar
ou
reflectir.
O
distanciamento
crítico
que
seria
bem‐vindo
é
aqui
substituído
por
uma
certa
atitude
de
excessiva
estranheza,
raiando
a
repulsa.
Espaçadamente,
existem
alguns
momentos
onde
essa
identificação
começa
a
ser
possível,
mas
depressa
ela
é
cortada,
de
forma
abrupta,
com
mais
um
clichê,
uma
cena
com
extrema
falta
de
gosto
e
já
demasiadamente
vista,
o
excesso
de
linguagem
obscena,
apenas
pela
obscenidade,
a
confusão,
os
gritos...
Enfim,
apenas
umas
horas
de
som
extremo,
excesso
de
luz
(demasiadamente
agressiva
e
que
fez
doer
os
olhos
(pelo
menos
na
plateia)),
frases
e
imagens
despegadas,
com
referências
pseudo‐intelectuais
introduzidas
à
pressão
(ou
sob
pressão
da
encomenda?).
9
–
Legibilidade
O
espectáculo
apareceu‐nos
sem
grande
legibilidade
ou
vontade
de
ser
legível.
Pareceu‐
nos
um
momento
de
apresentação
fechado
sobre
si
próprio
e
com
pretensões
a
ser
“diferente”
e
arrojado
sem
de
facto
o
conseguir.
O
que
se
consegue,
então
ler?
Alguma
da
música
(afastada
da
confusão
e
distracções
constantes
que
a
pontuam),
o
texto
inicial,
sem
grande
interesse,
mas
legível.
Pontualmente,
alguns
textos,
palavras
e
frases
ditas
(sobretudo
as
que
passavam
na
legenda)
porque
as
outras
nem
sempre
eram
perceptíveis
devido
à
péssima
dicção
dos
actores,
bem
como
as
coreografias
que
eram
mais
que
legíveis
até
porque
bastante
elementares.
Filipa
de
Albuquerque
filipa.de.albuquerque@gmail.com
[DEMO]
6
Breve
Conclusão
Entendemos
que
o
desafio
inicial
do
Teatro
S.
Luís
dirigido
ao
Teatro
Praga
não
foi
atingido,
tendo
sido
criada
uma
performance
que
não
conseguiu
mostrar
uma
visão
da
Índia.
Tratou‐se
de
um
espectáculo
com
uma
enorme
pobreza
de
conteúdos,
apostando,
sobretudo,
no
excesso
de
intensidade
do
som,
de
luz
e
de
imagens
para
colmatar
a
constante
do
espectáculo
que
é
a
ausência:
ausência
de
conteúdo
ou
conteúdos
articulados,
ausência
de
forma
definida
ou
definindo‐se,
ausência
de
uma
direcção
visível
ou
implícita,
no
sentido
de
uma
visão
de
encenador,
ausência
de
ordem
que
não
a
do
caos,
ausência
de
elementos
artísticos
significativos,
ausência
de
poesia
na
cena,
ausência
pela
presença
excessiva
de
a
todo
o
momento
querer
dizer
tudo
que
é
a
melhor
maneira
de
não
dizer
nada.
Foi
pessoalmente
penoso
aguentar
o
espectáculo
até
ao
fim.
Situação
que
apenas
foi
possível
por
se
tratar,
da
nossa
parte,
de
um
exercício
com
objectivos
académicos
e
não
assistido
enquanto
público.
Mesmo
assim
um
roubo
para
quem,
como
nós,
teve
que
pagar!
Se
o
teatro
pode
construir
o
seu
público,
estas
tentativas
à
la derrida
de
desconstrução
acabam
também
por
afectar
e
desconstruir
potenciais
públicos.
Filipa
de
Albuquerque
filipa.de.albuquerque@gmail.com
[DEMO]
7
Ficha
Tecnica
Uma criação TEATRO PRAGA
com música original de Kevin Blechdom, Christopher Fleeger e
Andres Lõo
Com André e. Teodósio, André Godinho, Andres Lõo, Carlos António,
Christopher Fleeger, Cláudia Jardim, Joana Barrios, Joana Manuel, José
Maria Vieira Mendes, Kevin Blechdom, Luís Madureira, Miguel
Bonneville, Patrícia da Silva, Pedro Penim e Rita Só
Participação Especial Rão Kyao
Crocodilos André Campino, Diogo Bento e mulher bala
Colaboração Vasco Araújo
Iluminação e Direcção Técnica Daniel Worm d’Assumpção
Apoio vocal Luís Madureira
Apoio coreográfico João Galante
Produção Cristina Correia, Joana Gusmão e Pedro Pires
Co-produção SLTM / Teatro Praga
Filipa
de
Albuquerque
filipa.de.albuquerque@gmail.com