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ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 142

TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook

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Connie Brewer prometeu a Billy jamais usar a Cruz da Rainha Mary a

Sanguinária. Cumpriu a promessa, mas como o Billy não a havia proibido

de emoldurá-la e colocá-la na parede, duas semanas depois de Sandy ter

comprado a cruz, Connie a levou a um renomado moldureiro da Madison

Avenue. Ele era idoso, de seus pelo menos oitenta anos, ainda elegante,

com cabelos grisalhos emplastrados de gomalina penteados para trás, e

uma gravata borboleta amarela. Ele examinou a cruz naquele seu

envoltório de camurça macio e olhou curiosamente para Connie.

— Onde conseguiu isso? – perguntou.

— Foi um presente – disse Connie. – Do meu marido.

— Onde foi que ele a conseguiu?

— Não faço idéia – disse ela, firmemente. Ficou pensando se teria

cometido um erro saindo com a cruz do apartamento, mas aí o moldureiro

parou de fazer perguntas, e Connie se esqueceu do assunto. Mas o homem

não se esqueceu. Contou a um marchand, e o marchand contou a um

cliente, e logo começou a circular no mundo da arte o boato de que os

Brewers agora possuíam a Cruz da Rainha Mary a Sangüinária.

Sendo generosa, Connie naturalmente quis mostrar seu tesouro às

amigas. Uma tarde, no fim de fevereiro, depois de um almoço no La

Goulue, convidou Annalisa para ir ao seu apartamento. Os Brewers

moravam na Park Avenue, em dois apartamentos de seis unidades clássicos

fundidos em um só, imenso, com cinco quartos, dois quartos para as

babás, e uma sala de estar monstruosa onde os Brewers davam uma festa

de Natal todos os anos, o Sandy vestido de Papai Noel e Connie como um

dos elfos, de macacão vermelho com borlas brancas de pêlo de marta.


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— Preciso mostrar-lhe uma coisa, mas não pode contar a ninguém –

disse Connie, levando a Annalisa pelo apartamento até sua sala de estar

pessoal, logo antes do quarto do casal. Em consideração pela

insistência do Billy Litchfield de que a cruz permanecesse em segredo,

ela tinha pendurado o artefato emoldurado nesta sala, acessível apenas

através do quarto dela, o que a tornava a sala mais privada do

apartamento. Ninguém podia entrar lá, só as criadas. A sala era uma

fantasia da Connie, toda decorada com seda rosa e azul-claro, com

espelhos dourados e uma espreguiçadeira veneziana, um banco ao longo da

janela com almofadas e papel de parede de borboletas pintadas à mão.

Annalisa já tinha vindo ali duas vezes, e nunca conseguia decidir se o

achava lindo ou detestável.

— Sandy comprou para mim – murmurou Connie, indicando a cruz.

Annalisa aproximou-se um passo, examinando a peça com toda a educação,

contra o veludo azul-escuro do fundo. Não tinha o interesse que a

Connie tinha por jóias, nem as considerava tão preciosas como ela, mas

disse, para ser gentil:

— É linda. O que é?

— Pertenceu à Rainha Mary. Um presente do papa por manter a

Inglaterra católica. Não tem preço.

— Se for verdadeira, provavelmente devia estar em um museu.

— Realmente – admitiu Connie. – Mas existem muitas antiguidades

espalhadas em coleções particulares, hoje em dia. E não acho que seja

errado os ricos guardarem os tesouros do passado, acho que é nosso

dever. É uma peça tão importante... Historicamente, esteticamente...

— Mais importante que sua bolsa Birkin de crocodilo? – provocou

Annalisa. Não pensou nem por um instante que aquela cruz fosse

verdadeira. Billy havia lhe dito que o Sandy tinha começado a comprar

tantas jóias para a Connie ultimamente que estava criando fama de alvo
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fácil. Conhecendo o Sandy, ele havia provavelmente comprado a peça de

algum contrabandista e deixado o cara feliz da vida.

— Bolsas não são mais importantes – admoestou-a a Connie. – A Vogue

é que afirma. Agora o importante é ter uma coisa que mais ninguém

possua. É ter algo que seja único. Exclusivo.

Annalisa deitou-se na espreguiçadeira e bocejou. Tinha tomado duas

taças de champanhe no almoço e estava se sentindo sonolenta.

— Pensei que a Rainha Mary fosse má. Ela não mandou matar a irmã

dela? Ou será que entendi a história errado? É melhor tomar cuidado,

Connie. Essa cruz pode te dar azar.

Enquanto isso, alguns quarteirões adiante, nos escritórios do

subsolo do Museu Metropolitano, David Porshie, o velho amigo de Billy

Litchfield, desligava o telefone. Tinham acabado de informá-lo do boato

da existência da cruz da Mary Sanguinária, que se dizia estar nas mãos

de um casal chamado Sandy e Connie Brewer. Ele se recostou em sua

cadeira giratória, apoiando o queixo nas mãos unidas. Seria verdade?

pensou.

David lembrava-se perfeitamente da notícia do misterioso

desaparecimento da cruz na década de 50. Todo ano ela aparecia em uma

lista de itens desaparecidos do museu. Todos sempre tinham pensado que

a Sra. Houghton é que tinha surripiado a cruz em pessoa, mas como ela

era uma pessoa acima de qualquer suspeita, e ainda mais importante,

doava dois milhões de dólares todo ano para o museu, eles jamais tinham

feito uma investigação a fundo.

Só que agora que a Sra. Houghton tinha morrido, talvez já fosse

hora de reabrir o caso, principalmente porque a cruz tinha aparecido

pouco depois da morte dela. Pesquisando Connie e Sandy Brewer na

Internet, David descobriu exatamente quem eles eram. Sandy era nada

mais nada menos do que um gerente de fundos de hedge, o típico


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arrivista que acabaria pondo as mãos em uma antigüidade assim rara e

preciosa, e apesar de ele e sua esposa, Connie, se consideraram

colecionadores importantes, David suspeitava que eram do tipo novo-

rico, que paga os olhos da cara pelo que David considerava lixo. Gente

como os Brewer em geral não interessava a pessoas como ele, um curador

do grandioso Museu Metropolitano, a não ser pela quantia que ia se

poder extrair deles no baile de gala.

Ele não ia poder simplesmente ligar para os Brewer e lhes perguntar

se eles estavam com a cruz. Quem tinha lhes vendido a cruz tinha sido

esperto o suficiente para alertá-los sobre sua origem. Contudo, o fato

de uma antiguidade ter passado obscuro não detinha os compradores.

Havia no comprador de um item desses uma certa psicologia semelhante à

do comprador de drogas ilegais. Era a emoção de desobedecer às leis e o

barato de conseguir sair dessa ileso. Ao contrário do comprador de

drogas, porém, o comprador de antigüidades ilegais tinha o prazer

contínuo de ser dono da peça, juntamente com uma sensação de

imortalidade. Era como se a mera proximidade de uma peça dessas também

conferisse vida eterna ao seu dono. E assim, David Porshie sabia que

estava procurando um tipo de personalidade específico ao procurar a

cruz. A questão era apenas como fazer essa descoberta.

David estava preparado para ser paciente na sua investigação, pois

afinal a cruz já tinha desaparecido há sessenta anos. E precisava de um

espião. Imediatamente, lembrou-se do Billy Litchfield. Eles tinham

freqüentado Harvard juntos. Billy Litchfield sabia muito a respeito de

arte e bem mais sobre as pessoas.

Encontrou o celular do Billy em uma lista de convidados do

departamento de eventos e ligou para ele na manhã seguinte. Billy

estava num táxi, por coincidência indo à casa da Connie Brewer, para

conversar sobre a feira de arte de Basiléia. Quando Billy ouviu a voz


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do David ao telefone, ficou vermelho da cabeça aos pés de puro medo,

mas conseguiu evitar que a voz tremesse.

— Como vai, David? – indagou.

— Estou bem – disse David. – Estava pensando no que você disse

sobre o balé. Sobre os novos clientes em potencial. Estamos procurando

gente nova pra doar dinheiro para uma nova ala. Os nomes Sandy e Connie

Brewer vieram à baila. Achei que talvez vocês os conhecesse.

— Conheço, sim – disse Billy, sem hesitar.

— Maravilha – disse David. – Será que poderia combinar um pequeno

jantar? Nada muito sofisticado, talvez no Twenty-One. E... Billy? –

acrescentou. – Se não se importar, podia por favor não revelar o

objetivo do jantar? Sabe como as pessoas se comportam quando a gente

vai lhes pedir dinheiro.

— Mas claro – respondeu Billy. – Fica entre nós. – E começou a

respirar apressadamente. – Pode parar o táxi, por favor? – pediu,

batendo na divisória.

Saiu à calçada, cambaleante, procurando o café mais próximo.

Encontrando um na esquina, sentou-se ao balcão, tentando recuperar o

fôlego enquanto pedia uma ginger ale. O que o David Porshie sabia, e

como tinha descoberto isso? Billy engoliu um Xanax e enquanto esperava

o comprimido fazer efeito, tentou raciocinar. Seria possível que David

só quisesse se encontrar com os Brewer pelo motivo que ele havia lhe

declarado? Billy achava que não. O Museu Metropolitano era o último

bastião das velhas fortunas, embora recentemente, eles tivessem

precisado redefinir “velho”, designando assim gente de vinte anos em

vez de cem.

— Connie, o que foi que você fez? – perguntou Billy quando chegou

ao apartamento dos Brewer. – Cadê a cruz?


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Seguindo-a até a câmara privativa, ele contemplou a cruz pendurada

na parede, horrorizado.

— Quantas pessoas viram isso? – indagou ele.

— Ai, Billy, não se preocupe, só o Sandy. E as criadas. E a

Annalisa Rice.

— E o moldureiro – disse Billy. – Aonde foi que a levou? – Connie

lhe disse o nome do homem. – Meu Deus! – exclamou Billy, sentando-se na

beirada da espreguiçadeira. – Ele vai contar a Deus e todo mundo.

— Mas como ele teria condições de saber o que é? – indagou Connie.

– Eu não lhe contei.

— Disse a ele como a comprou? – indagou Billy.

— Claro que não – disse Connie. – Não contei a ninguém.

— Escuta, Connie. Precisa guardar essa cruz. Tire-a da parede e

guarde-a num cofre. Já lhe disse que se alguém descobrir que está com

essa cruz, todos nós podemos ir parar na cadeia.

— Ninguém prende gente como nós – retrucou a Connie.

— Prende, sim. Acontece toda hora hoje em dia – disse Billy, com um

suspiro.

Connie tirou a cruz da parede.

— Olha – disse ela, levando-a para o armário embutido. – Vou

guardá-la.

— Prometa que vai guardá-la num cofre-forte. É valiosa demais para

se guardar em um armário.

— É valiosa demais para ser escondida – objetou Connie. – Se eu não

puder olhar para ela, por que vou ficar com ela?

— Conversamos sobre isso depois – disse Billy – depois que a

guardar. – Era possível, pensou Billy, vendo como que um raio de

esperança, que o David Porshie não soubesse da cruz, porque, se

soubesse, mandaria detetives, não marcaria um jantar. Contudo, Billy ia


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ter que providenciar para que o jantar acontecesse. Senão, o David iria

ficar ainda mais desconfiado. – Vamos jantar com o David Porshie do

Metropolitano – disse Billy – E não vai mencionar essa cruz, nem você

nem o Sandy. Mesmo que ele lhes pergunte à queima-roupa.

— Nunca ouvimos falar dela – disse Connie.

Billy passou a mão no alto da cabeça calva. Apesar de seus esforços

para ficar em Nova York, já estava antevendo o futuro. Assim que os

três milhões de dólares estivessem disponíveis, ia precisar sair do

país. Ia ser obrigado a ir morar em um lugar como Buenos Aires, onde

não havia leis de extradição. Billy estremeceu. Involuntariamente,

disse em voz alta:

— Detesto palmeiras...

— Quê? – disse Connie, pensando que tinha perdido uma parte da

conversa.

— Nada, minha querida – disse Billy depressa. – É que tem um monte

de coisas passando pela minha cabeça.

Ao sair do prédio da Connie na Rua 78, ele entrou em um táxi e

instruiu o motorista a pegar a Quinta avenida na direção da cidade. O

trânsito estava engarrafado na rua 66, mas Billy não se importou. O

táxi era um dos novos tipos de SUV e cheirava a plástico novo; da boca

do motorista, que estava conversando ao celular, vinha uma arenga

musical. Se ao menos, pensou Billy, pudesse ficar para sempre naquele

táxi, descendo a Quinta Avenida a passo de lesma e passando por todos

os pontos de referência familiares: o castelo do Central Park, a

Sherry-Netherland, onde ele tinha almoçado no Cipriani quase todo dia

durante quinze anos, a Plaza, a Bergforf Goodman, a Saks, a Biblioteca

Pública de Nova York. Sua nostalgia engolfou-o em uma bruma de prazer e

de amargura doce e sofrida. Como é que ele poderia algum dia sair da

sua amada Manhattan?


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Seu telefone tocou.

— Vai comparecer ao jantar esta noite, não vai, Billy, meu amigão?

– perguntou Schiffer Diamond.

— Claro. Mas claro que vou – disse Billy, embora, dadas as

circunstâncias, tivesse passado pela sua cabeça que ele devia cancelar

todos os eventos da semana seguinte e ficar só no sapatinho.

— Excelente, porque não suporto essas coisas – disse Schiffer. –

Vou ter que conversar com um bando de estranhos e ser simpática com

eles todos. Detesto ser exibida como um pônei de circo.

— Então não vá – disse Billy, com simplicidade.

— Billy Bob, o que há contigo? Eu preciso ir. Se eu cancelar, eles

vão meter o pau em mim, dizendo que sou anti-social. Talvez eu deva

agir como anti-social daqui por diante. A diva solitária. Ah, Billy –

disse ela, parecendo ligeiramente amarga, o que não era do seu feitio.

– Onde estão todos os homens desta cidade? – E desligou.

Duas horas depois, Schiffer Diamond estava sentada em um banco em

seu banheiro, enquanto alguém penteava seus cabelos ou lhe retocava a

maquiagem pela quarta ou quinta vez naquele dia, enquanto a sua agente,

Karen, sentada na sala de estar, lia revistas e conversava no celular,

aguardando Schiffer ficar pronta. A cabeleireira e a maquiadora

saracoteavam pelo banheiro, querendo puxar conversa, mas Schiffer não

estava disposta. Estava se sentindo mal. Entrando no Número Um, naquela

mesma tarde, tinha dado de cara nada mais nada menos do que com a Lola

Fabrikant, que vinha entrando no edifício apressada, como se fosse uma

criminosa.

Talvez “apressada” não fosse a palavra exata, pois Lola não tinha

entrado apressada mas puxando a mala Louis Vuitton de rodízios atrás de

si como se fosse dona do lugar. Schiffer ficou momentaneamente chocada.


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O Philip não tinha terminado o namoro com ela? Pelo jeito, não tinha

tido coragem. Que se danasse o Oakland, pensou. Por que ele era assim

tão fraco?

Lola entrou enquanto Schiffer estava esperando o elevador; e por

isso Schiffer foi obrigada a subir com ela. Lola ficou puxando o saco

de Schiffer como se fossem amigas do peito, perguntando como estava

indo a série, e que dizendo que gostava muito dos cabelos da Schiffer,

embora fossem os mesmos de sempre, e tomou o maior cuidado para não

tocar no nome do Philip. Portanto Schiffer resolveu tocar.

— Philip me disse que seus pais estão tendo alguns problemas –

disse ela.

Lola suspirou dramaticamente.

— Tem sido horrível – disse ela. – Se não fosse por Philip, não sei

o que faríamos.

— Philip é um amor de pessoa – comentou Schiffer, e Lola concordou.

Depois, esfregando sal na ferida, Lola acrescentou: — Tenho tanta sorte

de ser namorada dele...

Agora, pensando naquele encontro casual, Schiffer olhava furiosa

para o seu reflexo no espelho.

— Está pronta – disse a maquiadora, passando pó no nariz de

Schiffer.

— Obrigada – disse ela. Foi para o quarto, vestiu o vestido

emprestado, colocou as jóias emprestadas e chamou sua agente para

ajudá-la a fechar o zíper do vestido. Pôs as mãos na cintura e esvaziou

os pulmões.

— Estou pensando em me mudar deste edifício – disse. – Preciso de

um apartamento maior.

— Por que não compra um apartamento maior aqui? É um prédio

excelente – disse Karen.


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— Estou cansada de morar aqui. Tem muita gente nova. Não é mais

como antes.

— Alguém está chateada – disse Karen.

— É mesmo? Quem? – indagou Schiffer.

E aí Schiffer, a agente e a equipe de cabeleireiros e maquiadores

desceram e sentaram-se no banco de trás de uma limusine que os

aguardava. Karen abriu a bolsa, tirou várias folhas de papel e começou

a consultar suas anotações.

— Letterman está confirmado para terça, e Michael Kors está

mandando três vestidos para você experimentar. A equipe da Meryl Streep

está querendo saber se você pode ir ler uns poemas no dia 22 de abril.

Acho que é uma boa porque é a Meryl e é coisa de classe. Na quarta,

você vai trabalhar à uma da tarde, portanto marquei a sessão de fotos

da Marie Claire para seis da manhã, para nos livrarmos logo disso. A

repórter vem ao estúdio te entrevistar na quinta. Na noite de sexta, o

presidente da Boucheron vai estar na cidade e te convidou para um

jantar fechado para vinte pessoas. Acho que também devia ir, não faz

mal nenhum, e eles pode ser que te convidem para uma campanha

publicitária. E na tarde de sábado, a rede quer tirar fotos

promocionais. Estou tentando empurrar a filmagem para a tarde para você

poder descansar um pouco de manhã.

— Obrigada – disse Schiffer.

— O que acha da Meryl?

— Isso ainda está longe. Nem mesmo sei se vou estar viva no dia 22

de abril.

— Vou confirmar – disse a Karen.

A maquiadora ergueu um tubo de brilho labial, e Schiffer inclinou-

se para a frente para ela poder retocar-lhe os lábios. Ela virou a

cabeça, e o cabeleireiro lhe afofou os cabelos e passou spray.


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— Qual é mesmo o nome exato da organização? – indagou Schiffer.

— Conselho Internacional dos Designers de Sapatos – ICSD. O

dinheiro vai para um fundo de aposentadoria para os trabalhadores das

indústrias de confecção de sapatos. Vai dar o prêmio ao Christian

Louboutin e vai se sentar à mesa dele. O que vai dizer vai aparecer no

teleprompter. Quer dar uma lida antes?

— Não – disse Schiffer.

O carro dobrou na rua 42.

— Schiffer Diamond está chegando – disse Karen ao telefone. – Só

mais um minuto. – E guardou o celular, olhando a fila de Town Cars e os

fotógrafos, bem como a multidão de curiosos isolados da entrada por

cordões e barricadas policiais. – Todo mundo adora sapatos – disse ela,

sacudindo a cabeça.

— O Billy Litchfield está aqui? – indagou Schiffer.

— Vou descobrir – disse Karen. Falou ao celular como se fosse um

walkie-talkie. – O Billy Litchfield já chegou? Não dá para ir ver? –

Depois balançou a cabeça e fechou o telefone. – Ele está lá dentro.

Dois seguranças fizeram sinal para o carro avançar, e um deles

abriu a porta. Karen saiu primeiro e, depois de conferenciar

rapidamente com duas mulheres vestidas de preto de fones de ouvido, fez

sinal para a Schiffer sair do carro. Uma onda de empolgação percorreu a

multidão, e os flashes começaram a espocar.

Schiffer viu Billy Litchfield esperando logo na entrada, depois da

porta.

— Mais uma noite em Manhattan, né, Billy? — disse ela, pegando o

seu braço. Imediatamente, foi abordada por uma jovem do Women’s Wear

Daily que perguntou se poderia entrevistá-la, e aí um rapaz da revista

New York, e passou-se mais meia hora antes que ela e Billy pudessem

escapulir até sua mesa. Passando pela multidão, Schiffer disse:


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— O Philip ainda está com aquela tal da Lola Fabrikant.

— E isso importa? – disse Billy.

— Não devia.

— Não se incomode. Brumminger vai sentar-se à nossa mesa.

— Ele vive aparecendo em tudo que é lugar feito uma moedinha suja

de um centavo, não?

— Para mim, parece mais uma nota de um milhão – disse Billy. – Pode

ter qualquer homem que quiser. Sabe disso.

— Na verdade, não posso. Só há um certo tipo de homem que consegue

aturar tudo isso – disse Schiffer, indicando o evento. – E ele não é

necessariamente o tipo de homem que uma mulher quer ter. – À mesa,

cumprimentou Brumminger, que estava sentado em frente a ela do outro

lado do arranjo de centro de mesa. – Sentimos sua falta em Saint Barths

– disse ele, pegando-lhe as mãos.

— Eu devia ter ido – disse ela.

— O grupo do iate foi excelente. Estou decidido a convidá-la para

um passeio nele. Não desisto com facilidade.

— Por favor, não insista – disse ela, e foi para sua cadeira. Uma

travessa de salada com dois pedaços de lagosta já estava no seu lugar.

Ela abriu o guardanapo e pegou o garfo, percebendo que não tinha comido

nada o dia inteiro, mas o presidente do ICSD chegou perto dela e

insistiu em apresentá-la a um homem cujo nome ela não entendeu, e

depois veio uma mulher que alegava conhecê-la fazia vinte anos, e em

seguida duas jovens vieram correndo até ela e disseram que eram suas

fãs e lhe pediram para assinar seus programas. Depois Karen veio e

informou-a de que era hora de ir para os bastidores para se preparar

para seu discurso, e ela se levantou e foi para trás da plataforma para

esperar com os outros famosos, que estavam entrando em fila organizada

pelos funcionários, a maioria fingindo que não via os outros.


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— Precisa de alguma coisa? – perguntou Karen, toda alvoroçada. –

Água? Eu podia lhe trazer o vinho lá da mesa.

— Não, tudo bem – respondeu Schiffer. O evento começou e ela ficou

de pé, sozinha, esperando para entrar. Podia ver a multidão por uma

abertura entre as placas de gesso, seus rostos ansiosos e educadamente

entediados erguidos na semi-obscuridade. Sentiu uma solidão invasiva.

Anos e anos atrás, ela e Philip frequentavam esse tipo de eventos e

se divertiam, mas talvez fosse apenas por que eram jovens e tão

apaixonados um pelo outro que todo momento tinha a vibração de uma cena

de filme. Ela podia enxergar Philip de smoking, com uma echarpe de seda

branca que sempre usava pendurada nos ombros, e lembrar das mãos dele

ao redor da sua, musculosa e firme, levando-a para fora da multidão e

atravessando a calçada até o carro que os aguardava. Não sabia como,

eles teriam reunido um séquito de meia dúzia de pessoas, e se

amontoavam no carro, rindo e gritando, e iam para o próximo lugar, e

para o próximo lugar depois desse, e finalmente iam para casa à luz

cinzenta do amanhecer ouvindo o gorjeio dos pássaros. Ela se deitava no

assento com a cabeça no ombro do Philip, fechando os olhos, sonolenta.

— Gostaria de dar uns tiros nesse passarinhos – dizia ele.

— Cala a boca, Oakland. Eu os acho encantadores.

Espiando uma vez mais pela fresta entre as placas do palco, ela viu

Billy Litchfield na mesa da frente. Billy parecia esgotado, como se

tivesse assistido a eventos demais como esse com o passar dos anos.

Tinha recentemente comentado que o que antes era divertido tinha se

tornado institucionalizado, e estava certo, segundo ela percebeu. E aí,

ouvindo o mestre de cerimônias anunciar seu nome, ela saiu dos

bastidores, entrando no palco, sob as luzes dos refletores, e lembrou-

se de que não haveria ninguém nem ao menos para lhe oferecer a mão

cálida e conduzi-la de volta ao lar no fim da noite.


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Quando foi capaz de voltar até a mesa, o prato principal já tinha

sido servido e levado embora, mas Karen tinha mandado os garçons

guardarem uma travessa para ela. O filé mignon estava frio. Schiffer

comeu dois pedacinhos e tentou falar com o Billy antes de ser

interrompida de novo pela mulher do ICSD, que tinha mais gente que

Schiffer precisava conhecer. Isso levou mais trinta minutos, e depois

Brumminger apareceu ao seu lado.

— Você parece estar cansada – disse ele – Que tal eu te levar

embora daqui?

— Sim, por favor – disse ela, aliviada. – Podemos ir a algum lugar

divertido?

— Tem que estar no estúdio amanhã às sete – recordou-lhe a Karen.

Brumminger tinha um Escalade com motorista, duas telas de vídeo e

uma geladeira pequena.

— Alguém quer champanhe? – perguntou ele, extraindo uma meia

garrafa da geladeira.

Eles foram ao Box e sentaram-se no andar de cima em um reservado

com cortina. Schiffer deixou o Brumminger passar o braço em torno do

seus ombros e entrelaçar os dedos com os dela, e, no dia seguinte, a

Page Six anunciou que tinham visto os dois se afagando e que corriam

boatos que estavam namorando.

Ao voltar ao apartamento do Philip na terça, Lola foi procurar o

velho exemplar da Vogue com a foto de página central de Philip e

Schiffer (ele não tinha nem mesmo tentado escondê-la, o que era bom

sinal) e olhando para o jovem e bonitão Philip com a belíssima e jovem

Schiffer sentiu vontade de descer ao apartamento de Schiffer e rodar a

baiana com ela. Mas ela não tinha coragem. E se a Schiffer não

recuasse? E depois pensou que devia simplesmente jogar a revista fora,


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ocmo Philip tinha jogado as suas. Mas se fizesse isso não teria o

prazer de olhar as fotos de Schiffer e sentir ódio. Então decidiu

assistir a Manhã de Verão.

Ver o DVD foi uma espécie de tortura divina. Em Manhã de Verão, a

menina inexperiente salva o rapaz de si mesmo, e qunado o rapaz

finalmente entende que está apaixonado por ela, mata-a acidentalmente

em uma batida de carro. A história devia ser autobiográfica, e embora

Philip não estivesse no filme ele mesmo, todas as falas do ator que

desempenhava seu papael lhe recordavam algo que Philip diria. Assistir

à história de amor se desenrolando entre Schiffer Diamond e o

personagem que representava Philip fez Lola sentir-se como que

segurando vela num relacionamento onde ela não tinha lugar. Também a

fez se apaixonar mais ainda pelo Philip, e ficar ainda mais resolvida a

retê-lo.

No dia seguinte, começou a trabalhar e recrutou Thayer Core e seu

horrível colega de quarto, o Josh, para ajudá-la a mudar-se

oficialmente para o apartamento do Philip. A tarefa exigiu que Thayer e

Josh empacotassem as coisas da Lola em caixas e sacos plásticos, e,

como guias himalaios, carregassem tudo aquilo até o Número Um da Quinta

Avenida.

Josh resmungou a manhã inteira, reclamando de dor nos dedos, nas

costas (ele tinha problemas de coluna, alegou, exatamente como sua

mãe), e nos pés, que estavam protegidos por grossos tênis esportivos,

que lembravam duas talas de gesso. Thayer, por outro lado, foi

surpreendentemente eficiente. Naturalmente, havia um motivo ulterior

por trás dos esforços do Thayer: ele queria ver o interior do Número Um

e, particularmente, o apartamento do Philip. Portanto, não objetou

quando Lola exigiu que ele fizesse três viagens de ida e volta,

arrastando um saco de lixo cheio de sapatos da Lola pela Avenida


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Greenwich. Nos últimos dois dias, Lola tinha vendido tudo no seu

apartamento, colocando os detalhes da venda na Craigslist e no

Facebook, e presidindo as vendas como um negociante de antigüidades

finas. Só aceitou o maior preço possível pelos objetos decorativos que

os pais tinham comprado fazia menos de um ano, e consequentemente,

tinha arrecadado oito mil dólares em dinheiro vivo. Mas recusou-se a

pagar um táxi para transportar seus pertences. Se o último mês de

penúria tinha lhe ensinado alguma coisa, tinha sido o seguinte: uma

coisa era gastar a torto e a direito o dinheiro de outra pessoa, mas

jogar fora o da gente era muito outra.

Na quarta viagem, o trio deu de cara com James Gooch no vestíbulo

do Número Um. James estava empurrando duas caixas de exemplares de seu

livro pelo vestíbulo com o pé. Quando viu a Lola, enrubesceu. Suas

visitas e mensagens de texto tinham cessado abruptamente após o

encontro dele com Philip, deixando James confuso e magoado. Vendo Lola

ali no vestíbulo com o que parecia ser um jovenzinho babaca e um outro

rapazola com cara de desajustado, James perguntou-se se devia sequer

lhe dirigir a palavra.

Mas no minuto seguinte, ela havia não só começado a conversar com

ele, mas convencido James a levar suas coisas também. Então ele se viu

apertado contra ela no elevador com o jovem babaquinha, que o olhava

furioso, e o jovem desajustado, que não parava de se queixar dos pés.

Devia ser sua imaginação, mas segurar uma caixa cheia de xampu velho

nos braços, James jurava que sentiu ondas de eletricidade vindo de Lola

fundindo-se com ondas de eletricidade vindas de seu próprio corpo, e

imaginou que os elétrons deles estavam dançando sensualmente ali mesmo

no elevador, na frente de todo mundo.

Colocando no vestíbulo do apartamento de Philip a caixa com os

xampus, Lola apresentou James como “um escritor que mora neste prédio”,
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ao jovem babaca, que imediatamente começou a interrogar James sobre a

relevância de todo romancista vivo e bem-sucedido. Tendo Lola como

platéia, James viu-se respondendo facilmente ao desafio e colocando o

rapaz em seu devido lugar, citando De Lillo e McEwan, cujas obras o

jovem babaca não tinha se incomodado de ler. O conhecimento de James

enfureceu Thayer, mas ele se recordou de que esse tal James era

insignificante, nada além de um integrante da odiada tribo dos

“boomers”, os americanos nascidos durante o salto da natalidade

infantil após a II Guerra, que por acaso morava naquele prédio

exclusivo. Mas aí Lola começou a elogiar o novo livro do James e sua

resenha no The new York Times, e Thayer descobriu exatamente quem o

James era, assestando para ele a mira de sua ira.

Mais tarde, naquela noite, Thayer, depois de ter consumido duas

garrafas do melhor vinho tinto do Philip Oakland, de volta ao buraco

insalubre que era seu apartamento, pesquisou sobre o James Gooch no

Google, descobriu que era casado com a Mindy Gooch, procurou-o no site

da Amazon, viu que seu romance ainda não publicado já estava em 82 o

lugar, e começou a redigir um texto elaborado e violento para o blogue

sobre ele, no qual o chamava de “provável pedófilo e molestador da

palavra”.

Lola, nesse meio tempo, ainda acordada e entediada, enviou a James

uma mensagem de texto avisando-o para não contar a Philip que tinha

estado no apartamento, por que Philip era ciumento. A mensagem fez o

telefone de James soltar um bip à uma da madrugada, e esse ruído nada

característico acordou a Mindy. Por um momento, ela se perguntou se

James estaria tendo um caso, mas depois considerou impossível essa

hipótese, descartando-a.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Na maioria das manhãs dos dias da semana no Número Um, Paul Rice

era quem acordava antes de todos os outros moradores, às quatro da

manhã, para conferir os mercados europeus e para negociar com peixes.

Seu aquário estava completo e instalado, ocupando quase todo o

comprimento do salão de baile da Sra. Houghton, e seu interior era o

sonho dos construtores de modelos em escala, uma réplica da Atlântida,

semi-sepultada no mar, até com velhas estradas romanas saindo das

cavernas arenosas. A aquisição de seus peixes cobiçados era uma disputa

das mais acirradas, e exigia assistir a vídeos de alevinos e depois

começar a dar lances agressivamente, sendo que os melhores peixes saíam

por cem mil dólares ou mais. Mas cada homem de sucesso precisava de um

passatempo, especialmente quando empregava a maior parte do seu dia ou

ganhando ou perdendo dinheiro.

Em uma manhã excepcionalmente quente de terça-feira, no fim de

fevereiro, mas James Gooch também se levantou cedo. Às 4:30 da matina,

James saiu da cama com o estômago se revirando de nervosismo. Depois de

passar a noite rolando na cama de um lado para outro, de expectativa,

tinha finalmente adormecido, mas acordado uma hora depois, exausto e se

odiando por estar exausto no dia mais importante de sua vida.

A data de publicação do seu livro tinha finalmente chegado. Naquela

manhã, ia parecer no programa Today, e depois dar várias entrevistas no

rádio, e à noite iria até a Barnes & Noble da Union Square, para lançar

o livro e dar autógrafos. Enquanto isso, duzentos mil exemplares seriam

vendidos em livrarias de todo o país, e duzentos mil exemplares seriam

postos à venda nas iStores, e no domingo, seu livro apareceria na capa

do The New York Times Book Review. A publicação estava indo exatamente

de acordo com o planejado, e como nada na vida dele jamais tinha saído

conforme o planejado, James estava, irracionalmente, se sentindo um

tanto apavorado, achando que algo de horrível estava para acontecer.


ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 160
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Ele tomou banho, fez café, e depois, embora tivesse se prometido

que não iria fazer isso, foi verificar sua classificação na Amazon. O

número o espantou (vigésimo-segundo), quando ainda se passariam cinco

horas até o livro ser efetivamente lançado. Como é que o mundo já havia

tomado conhecimento do livro? perguntou-se ele, decidindo que era uma

espécie de milagre misterioso, prova de que o que acontecia na vida de

alguém estava absolutamente fora do seu controle.

Aí, só de brincadeira, pesquisou seu nome através do Google. No

rodapé da primeira página de resultados, leu: “Velhote pateta espera

provar que a literatura ainda existe e vai bem.” Clicando nesse link,

foi parar no site do Snarker. Curioso, começou a ler o artigo do Thayer

Core. À medida que ia lendo, seu queixo ia caindo, e o sangue ia

começando a pulsar com mais força na sua cabeça. Thayer tinha escrito

sobre o livro do James e seu casamento com a Mindy, referindo-se a ela

como “a professorinha de escola rural que só olha para o seu próprio

umbigo”, seguido de uma descrição física cruel do James, segundo a qual

ele lembrava uma espécie de pássaro já extinto.

Boquiaberto diante daquele artigo, James se encheu de fúria. Era

aquilo que as pessoas realmente achavam dele? “James Gooch

provavelmente é pedófilo e molestador da palavra”, releu ele. Será que

esse tipo de acusação não era ilegal? Será que ele não poderia

processar o indivíduo?

— Mindy! – gritou ele. Não se ouviu resposta, e ele foi até o

quarto, encontrando Mindy acordada mas fingindo estar adormecida com um

travesseiro debaixo da cabeça.

— Que horas são? – perguntou ela, sonolenta.

— Cinco.

— Me deixa dormir mais uma hora.

— Eu preciso de você – disse James. – Agora.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Mindy saiu da cama e, seguindo James, ficou olhando sonolenta o

blogue no computador dele.

— Típico – disse ela. – Simplesmente típico.

— Temos que reagir – disse James.

— Quê? – perguntou ela. – A vida hoje em dia é assim. Não dá para

fazer nada a respeito. É preciso conviver com as agressões. – E tornou

a ler a matéria. – Como foi que eles descobriram tudo isso a seu

respeito, hein? – indagou ela. – Como é que eles sabem que moramos no

Nümero Um da Quinta?

— Não faço idéia – disse James, nervoso, percebendo que a notícia

podia acabar revelando o que ele tinha feito. Se não tivesse esbarrado

na Lola naquele dia, quando ela estava se mudando, ele jamais teria

conhecido o Thayer Core.

— Esquece isso – disse Mindy. – Só dez mil pessoas lêem essa

porcaria, mesmo.

— Só dez mil? – disse James. E aí seu telefone soltou um bip.

— Que foi isso? – indagou Mindy, irritada. E olhou firme para ele,

com aquele seu rosto pálido, em grande parte sem rugas, o resultado de

anos evitando andar no sol. – Por que é que está recebendo mensagens de

texto no meio da noite?

— Como assim? – indagou James. – Provavelmente é o serviço de

transporte do Today. – Quando Mindy saiu da sala, James apanhou o

telefone e olhou a mensagem. Como ele esperava, era da Lola. “Boa sorte

hoje”, tinha escrito ela. “Eu vou estar assistindo!” e depois uma

carinha sorridente.

James saiu do apartamento às seis e quinze. Mindy, incapaz de se

conter, releu o artigo do blogue sobre ela e James, e seu humor passou

a piorar cada vez mais. Hoje em dia qualquer um que cometesse o crime

de tentar fazer alguma coisa da sua vida se tornava vítima de agressões


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
pela Internet, e não havia retribuição, não havia controle, nada que se

pudesse fazer. Assim chateada, sentou-se ao computador e começou a

escrever mais um texto para o seu blogue, fazendo uma lista de tudo na

sua vida sobre o que não tinha controle e que a deixara amargamente

decepcionada: sua incapacidade de engravidar, sua incapacidade de morar

em um apartamento adequado, sua incapacidade de levar uma vida na qual

ela não parecesse sempre estar correndo para alcançar uma linha de

chegada invisível que se afastava mais cada vez que ela se aproximava.

E agora havia o iminente sucesso do James, o que, em vez de aliviar

esse sentimentos, apenas os acentuava mais.

Quando ela ouviu a campainha do elevador às sete horas, indicando

que Paul Rice estava no vestíbulo, abriu a porta de propósito e soltou

o Skippy. Skippy, como sempre, grunhiu para o Paul. Mindy, ainda mal-

humorada, não pegou o Skippy na mesma hora, como normalmente fazia, e

Skippy atacou a perna da calça do Paul com uma violência de animal

raivoso que Minddy desejou que ela mesma pudesse expressar. Durante

essa contenda, Skippy conseguiu produzir um buraquinho minúsculo no

tecido das calças do Paul antes de ele conseguir se livrar do animal.

Paul abaixou-se e examinou o rasgo. Depois ergueu-se, encostando a

língua na bochecha por dentro da boca, e disse, em tom frio:

— Vou te processar por isso.

— Processa, vai – incentivou a Mindy. – Vou adorar. As coisas não

podem ficar piores do que já estão.

— Ah, mas podem sim – disse Paul, ameaçadoramente. – Você vai ver

só.

Paul saiu do prédio, e lá em cima a Lola Fabrikant saiu da cama e

ligou a televisão. James apareceu na tela, por fim. Talvez fosse a

maquiagem, mas James parecia estar um pouco rígido, de modo geral.

Seria interessante fazê-lo relaxar, pensou Lola. E ele estava


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
aparecendo na televisão! Qualquer um pode aparecer no YouTube. Mas na

tevê de verdade, e ainda por cima em cadeia nacional, era um lance

totalmente diferente. “Eu te vi!” escreveu ela na mensagem. “Você deu

show!” escreveu Lola. E debaixo disso incluiu sua nova citação, com a

qual assinava todos os seus correios eletrônicos e inclusões nos

blogues: “O corpo morre, mas o espírito vive para sempre”.

No número 30 da Rockfeller Plaza, nos estúdios da NBC, a agente,

uma jovem magricela com cabelos louros e compridos e razoavelmente

bonita, sorriu para James.

— Foi ótimo – disse ela.

— Foi? – disse o James. – Eu não tinha certeza. Nunca apareci na

televisão antes.

— Não. Falando sério, você foi bem. De verdade. – disse a agente,

sem grande convicção. – Precisamos correr para chegar a tempo para sua

entrevista na rádio CBS.

James entrou no Town Car. Perguntou-se brevemente se agora ia ser

famoso, reconhecido por estranhos depois de aparecer no Today. Não se

sentia diferente sob nenhum aspecto, e o motorista não tomou muito

conhecimento da sua presença, comportou-se exatamente como antes.

Depois ele verificou suas mensagens, e encontrou o texto da Lola. Pelo

menos uma pessoa o valorizava. Abriu a sua janela do carro, deixando

entrar uma corrente de ar úmido.

A noite de autógrafos do livro do pai do Sam estava estranhamente

quente, levando a um inevitável debate entre os colegas dele sobre o

aquecimento global. Eles concordavam que era terrível nascer em um

mundo onde os adultos haviam arruinado o planeta para os seus filhos,

de modo que os filhos eram forçados a viver sob a ameaça de um iminente

Armagedon no qual todas as coisas vivas desapareceriam. Sam sabia que


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
sua mãe se sentia culpada por isso, pois vivia lhe dizendo para

reciclar tudo e apagar a luz, mas nem todos os adultos se sentiam da

mesma forma. Quando tocou no assunto com Enid, ela só riu dele e disse

que sempre tinha sido assim: na década de trinta, as crianças tinham

convivido com o racionamento de comida e a ameaça de inanição (aliás,

durante a Grande Depressão, algumas pessoas tinham mesmo morrido de

inanição). Na década de quarenta, tinham sido os bombardeios aéreos; e

nos anos sessenta e setenta, a bomba atômica. E mesmo assim, observou,

as pessoas continuavam não só sobrevivendo como também prosperando,

dado o fato de que agora havia mais bilhões de pessoas agora do que

nunca antes. Sam não se sentiu aliviado com isso. Os bilhões de pessoas

é que eram o problema.

Marchando através do West Village com seus amigos, Sam conversava

com eles, dizendo que a terra já estava dois graus mais fria do que se

imaginava, devido à proliferação de aviões, que causavam nuvens e

redução da luminosidade da abóbada celeste, absorvendo 5% de toda a luz

solar. Era fato científico, disse ele, que durante os dois dias depois

de 11 de setembro, durante os quais não decolaram aviões e portanto não

houve tantas nuvens, a temperatura da terra tinha subido dois graus. A

descarga dos gases dos aviões causou uma menor concentração de

materiais particulados no ar e uma maior reflexão de luz para longe da

superfície terrestre, segundo ele.

Caminhando pela Sexta Avenida, o grupo passou por uma quadra de

basquete na qual havia alguns rapazes jogando. Sam se esqueceu da

mudança do clima e se afastou do grupo para bater bola. Já jogava

basquete naquela quadra específica, de asfalto rachado e suja de lixo

desde que tinha dois anos, quando seu pai o trazia ali nas manhã de

primavera e de verão para lhe ensinar a driblar e a lançar. “Não conta


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
à sua mãe, Samzinho”, dizia-lhe o pai. “Ela vai pensar que a gente está

vagabundando.”

Hoje aquele jogo de brincadeira estava particularmente agressivo,

talvez devido ao tempo quente, no qual todos tinham saído para gastar a

energia acumulada durante o inverno. Sam estava desatento, e depois de

levar uma cotovelada no pescoço e ser jogado contra a cerca de

alambrado, resolveu parar. Comprou um bagel com requeijão no caminho

para casa, depois trabalhou no seu website, que estava atualizando com

Virtual Flash. Foi aí que tocou a campainha e o porteiro disse que

tinha visita para ele.

O homem que estava no vestíbulo tinha uma aparência peculiar, que

Sam classificou como mal-ajambrada. Avaliando Sam da cabeça aos pés,

ele perguntou se seus pais estavam em casa, e quando Sam sacudiu a

cabeça, disse:

— Tudo bem então vai você mesmo. Sabe assinar o seu nome?

— Claro – disse Sam, pensando que devia era fechar a porta na cara

do homem e ligar para o porteiro e mandar botar o homem para fora. Mas

tudo aconteceu depressa demais. O homem lhe entregou um envelope e uma

prancheta.

— Assine aqui – disse.

Incapaz de contestar a autoridade de um adulto, Sam assinou. Em um

segundo, o homem já havia desaparecido, passando pelas portas

giratórias do vestíbulo, deixando o envelope nas mãos do Sam.

O endereço do remetente era de um escritório de advocacia da Park

Avenue. Sabendo que não devia fazer isso, Sam abriu o envelope, achando

que podia explicar mais tarde que tinha aberto por engano. Dentro dele

havia uma carta de duas páginas. O advogado estava representando o Sr.

Paul Rice, que vinha sendo agredido sistematica e propositalmente pela

mãe dele, sem motivo, e se essas ações não cessassem imediatamente e


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
ela providenciasse as devidas reparações, os advogados de Paul Rice, em

seu nome, entrariam com um pedido de ordem de restrição, e estariam

dispostos a processar a senhora Mindy Gooch até os limites permitidos

por lei.

No seu quarto, Sam releu a carta, sentindo um ódio adolescente

incandescente engolfá-lo. Sua mãe costumava ser irritante, mas como a

maior parte dos meninos, ele sentia necessidade violenta de protegê-la.

Ela era inteligente, bem-sucedida, e, segundo ele achava, bonita; ele a

colocava em um pedestal como modelo com o qual comparava outras

mulheres, embora até ali ele não tivesse encontrado nenhum outro ser do

sexo feminino que estivesse à altura dela. E agora sua mãe estava sendo

atacada uma vez mais pelo Paul Rice. Aquela idéia o enfurecia; olhando

em torno de si, à procura de algo para quebrar, e não achando nada,

trocou de sapatos e saiu do prédio. Correu pela Nona Avenida, passou

pelas lojas de pornografia e de animais, e pelas lojinhas luxuosas de

chá. Queria correr ao longo do Rio Hudson, mas a entrada dos píeres

estava bloqueada por várias barreiras vermelhas e brancas, e um

caminhão da Con Edison.

— Vazamento de gás – berrou um homenzarrão quando Sam se aproximou.

– Não pode passar por aqui. Dê a volta.

O veículo da empresa pública de gás e eletricidade deu a Sam uma

idéia, e ele voltou ao Número Um. De repente entendeu como podia se

vingar do Sam Rice e da sua cartinha ameaçadora. Ia ser inconveniente

para todos no edifício, mas seria uma coisa temporária, e o Paul Rice,

com todos os seus equipamentos de informática, ia sofrer mais do que

todos. Podia até ser que perdesse alguns dados. Sam sorriu, pensando em

como o Paul Rice ia ficar fulo. Talvez quisesse até sair do prédio.

Às seis e meia da tarde, Sam foi até a livraria Barnes & Noble da

Union Square com os pais. Ficava a dez quarteirões do Número Um, e a


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
agente quis mandar um carro, segundo Mindy, sem dúvida para garantir

que James iria chegar lá, mas Mindy disse que não era preciso. Eles

podiam ir andando, declarou ela. E recordando a todos seu recente

juramento de defender o meio-ambiente, disse que não havia motivo para

desperdiçar gasolina e encher o ar de monóxido de carbono quando Deus

havia lhes dado implementos perfeitamente bons para se deslocarem.

Chamavam-se pés. Sem querer ouvir a troca de provocações entre os pais,

Sam caminhava um pouco à frente deles, ainda meditabundo, pensando

sobre o que tinha acontecido durante o dia. Não tinha mostrado a carta

do advogado de Paul Rice à mãe. Não ia permitir que Paul Rice acabasse

com o dia de glória do seu pai. Podia ser até, refletia o Sam, que ele

tivesse feito aquilo de propósito.

Diante da livraria, a família Gooch parou para admirar um

cartazinho anunciando a leitura do James, com a foto do James tirada na

sessão do dia em que a Schiffer Diamond havia lhe dado uma carona.

James gostou do retrato, pois nele parecia intelectual e sorumbático,

como se apenas ele conhecesse algum grande segredo universal. Entrando

na loja, foi recebido pela agente blasé daquela manhã e dois

funcionários que o escoltaram até o quinto andar. Depois eles o

seqüestraram, conduzindo-o até um minúsculo escritório nos fundos da

loja, e lhe disseram que esperasse ali até trazerem um carrinho cheio

de livros para ele assinar. Segurando uma caneta hidrográfica, James

fez uma pausa, olhando a página de rosto e seu nome: James Gooch. Esse

era, pensou ele, um momento histórico em sua vida, e ele queria se

lembrar do que tinha sentido.

O que sentiu, porém, foi meio decepcionante. Um pouco de prazer, um

tiquinho de medo, e muito nada. Depois Mindy berrou:

— Que é que há contigo?

E, assustado, James rapidamente assinou o seu nome.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Às cinco para as sete, Redmon Richardly veio dar-lhe os parabéns e

levar James para o palco. James ficou pasmo com o número de pessoas

presentes. Todas as cadeiras dobráveis estavam ocupadas, e as pessoas

que estavam no espaço onde só se podia ficar de pé se aglomeravam em

torno das pilhas de livros. Até Redmon ficou espantado.

— Deve haver umas quinhentas pessoas aqui – disse ele, dando uma

palmada no ombro do James. – Muito bem.

James subiu até o púlpito, meio sem jeito. Sentia a multidão como

um animal gigantesco, na expectativa, ávida e curiosa. Uma vez mais ele

imaginou como isso tinha acontecido. Como é que aquelas pessoas tinham

ouvido falar nele? E o que possivelmente iriam querer... dele?

Abriu o livro na página que havia selecionado e viu que sua mão

tremia. Olhando as palavras que tinha escrito laboriosamente durante

tantos anos, obrigou-se a se concentrar. Abrindo a boca e rezando para

ser capaz de sobreviver àquela provação, começou a ler em voz alta.

Mais tarde, naquela mesma noite, Annalisa Rice cumprimentou o

marido à porta, de vestido curto e provocante, plissado como uma túnica

grega, os cabelos arrumados e a maquiagem magistralmente aplicada para

parecer que não tinha se esforçado nem um pouco. Era um visual

ligeiramente desmazelado e irresistivelmente sensual, contudo Paul mal

o notou.

— Desculpe – murmurou ele, subindo os dois lances de escadas até o

escritório, onde fez alguma coisa no computador um instante, depois

ficou admirando seus peixes. Annalisa deu um suspiro e entrou na

cozinha, contornando Maria, a criada, que estava reorganizando os

condimentos, e serviu-se de vodca pura. Levando o copo, deu uma espiada

no escritório do Paul.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Paul? – disse. – Você está se aprontando? Connie disse que o

jantar começa às oito. E agora são oito horas.

— É o meu jantar – disse Paul. – Chegamos lá à hora que pudermos. –

E desceu para trocar de terno, enquanto Annalisa ia para o seu gracioso

escritoriozinho. Ficou olhando pela janela, para o monumento do Parque

Washington Square. Uma cerca de alambrado cercava o parque, e ficaria

ali pelo menos até o ano seguinte. Os moradores do Village já andavam

reivindicando fazia anos que o chafariz fosse transferido para alinhar-

se perfeitamente com o monumento, e finalmente tinham vencido a

batalha. Bebendo o coquetel, Annalisa entendeu o desejo e o prazer na

atenção aos detalhes. Voltando a pensar na hora, foi até o quarto para

apressar o Paul.

— Por que é que está me rondando? – indagou ele. Ela sacudiu a

cabeça, e, uma vez mais considerando o diálogo difícil, resolveu

esperar no carro.

Na Union Square, James ainda estava assinando livros. Às oito,

trezentas pessoas estavam na fila, segurando avidamente seus

exemplares, e como James sentia-se na obrigação de falar com cada uma

delas, provavelmente ficaria ali pelo menos mais três horas. Mindy

mandou o Sam de volta para o Número Um da Quinta Avenida para fazer seu

dever de casa. Caminhando pela Quinta Avenida, Sam viu Annalisa

entrando no banco de trás de um Bentley verde que a aguardava junto ao

meio-fio. Pasando pelo carro a caminho do prédio, Sam sentiu-se

estranhamente magoado e decepcionado com ela. Depois de ajudá-la com

tanta freqüência no website, tinha desenvolvido uma paixonite pela

moça. Imaginava que Annalisa era uma princesa, uma donzela em apuros, e

vê-la no banco traseiro daquele carro elegante com motorista que estava

até de chapéu destruiu sua fantasia. Ela não era donzela em apuros
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
coisa nenhuma, pensou ele, só mais uma madame rica com privilégios

demais, casada com um babaca podre de rico. E entrou.

Sam abriu a geladeira. Estava faminto, como se sentia o tempo

inteiro agora. Seus pais não entendiam como um menino em crescimento

precisava comer, e ele só conseguiu encontrar na geladeira dois

copinhos de frutas cortadas em cubos, umas sobras de comida indiana e

um litro de leite de soja. Sam bebeu o leite direto da caixa, deixando

um pouquinho para o café da manhã da mãe, e decidiu que precisava de

mais carne vermelha. Iria ao restaurante Village da rua Nove, sentar-se

ao bar, comer um bife.

Indo até o vestíbulo, viu que estava logo atrás do Paul Rice, que

estava saindo para embarcar no Bentley. O coração de Sam começou a

bater a mil, e ele se lembrou do seu plano. Sam não tinha decidido

ainda quando o executaria, mas vendo Paul entrar no banco de trás do

carro, decidiu que iria fazer aquilo naquela noite mesmo, enquanto os

Rice estivessem fora. Ao passar pelo Bentley, acenou para Annalisa, que

sorriu para ele e retribuiu o aceno.

— Sam Gooch é uma gracinha de garoto – disse Annalisa ao Paul.

— A mãe dele é uma vaca – disse Paul.

— Gostaria que essa sua guerra com a Mindy Gooch acabasse.

— Ah, mas acabou – disse Paul.

— Ótimo.

— Mindy Gooch e aquele cachorro safado dela me perturbaram pela

última vez.

— Cachorro? – perguntou Annalisa.

— Eu mandei meu advogado enviar uma carta para ela esta tarde.

Quero que aquela mulher, o cachorro e a família inteira saiam do meu

prédio.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Isso era o fim da picada, até para alguém como Paul, e Annalisa

riu.

— Seu prédio, Paul?

— Isso – disse ele, de olhos pregados na nuca do motorista. –

Fechamos aquele contrato com a China hoje. Em questão de semanas vou

poder comprar todos os apartamentos do Número Um.

Annalisa ficou boquiaberta.

— Por que não me contou?

— Estou te contando agora.

— Quando aconteceu isso?

Paul consultou o relógio.

— Faz uns quarenta minutos.

Annalisa recostou-se no banco.

— Estou pasma, Paul. Mas o que isso significa?

— Foi idéia minha, mas o Sandy e eu fizemos tudo juntos. Vendemos

um dos meus algoritmos para o governo chinês em troca de uma

percentagem do mercado de ações deles.

— E é possível fazer isso?

— Claro que sim – disse Paul. – Eu simplesmente fui e fiz. – Sem

perder tempo, falou com o motorista. – Mudei de idéia – disse. – Vamos

para o heliporto do West Side em vez de ir ao jantar. – E virou-se para

a esposa, dando-lhe tapinhas carinhosos na perna. – Acho que a gente

podia ir jantar no Lodge para comemorar. Sei que você sempre quis vê-lo.

— Ai, Paul – disse ela. – O Lodge era uma estância exclusiva nas

montanhas Adirondack, que diziam ser de uma beleza deslumbrante.

Annalisa tinha lido a respeito dele anos antes, e mencionado ao Paul

que desejava que fossem lá no seu aniversário. Só que custava três mil

dólares por noite, e era caro demais na época para sequer pensarem em

ir. Mas Paul tinha se lembrado. Ela sorriu e sacudiu a cabeça,


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
percebendo que sua ligeira insatisfação com Paul nos últimos dois meses

era coisa da sua cabeça. Paul ainda era o velho Paul, maravilhoso, do

seu jeito exclusivo e insondável, e Connie Brewer tinha razão. Annalisa

amava mesmo o marido.

Paul remexeu no bolso das calças e tirou dele uma caixinha forrada

de veludo. Dentro dela estava um anel com brilhante amarelo cercado de

pedras cor de rosa. Era lindo e vistoso, exatamente o tipo de coisa que

a Connie Brewer ia adorar. Annalisa colocou-o no dedo médio da mão

direita.

— Gostou? – indagou ele. – Sandy disse que a Connie tinha um

igualzinho a esse. Achei que você também gostaria de ter um.

— Ai, Paul – disse ela, e, levando a mão até um dos lados da cabeça

dele lhe acariciou os cabelos. – Adorei. É magnífico.

No apartamento dos Gooches, Sam revirou a gaveta de roupas de baixo

da mãe e, encontrando um par de velhas luvas de couro, meteu-as no cós

do jeans. Da caixa de ferramentas do armário de casacos abarrotado,

tirou uma chave de fenda pequena, uma pinça e uma faca olfa, alicate

para cortar fios e um rolinho de fita isolante. Meteu essas coisas

também nos bolsos de trás da calça, procurando cobrir as saliências com

a camisa. Depois pegou o elevador até o andar da Enid e do Philip e,

esgueirando-se pelo corredor, subiu as escadas até o primeiro andar do

andar da cobertura.

As escadas levavam até um pequeno vestíbulo diante de uma entrada

de serviço, e ali, como Sam sabia, havia uma placa de metal. Ele calçou

as luvas da mãe, tirou a chave de fenda do bolso e desaparafusou a

placa, afastando-a da parede. Dentro dela havia um compartimento cheio

de cabos elétricos. Todos os andares tinham uma caixa de cabos, e os

cabos iam de um andar até o outro. A maioria das caixas continha um ou

dois cabos, mas no andar dos Rice, devido a todos os equipamentos que
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Paul tinha, havia seis. Sam puxou os cabos por um buraco no fundo da

caixa, e, usando a faca olfa, removeu a capa branca de plástico. Depois

cortou os cabos, e, misturando-os, emendou as extremidades dos fios

cortados, só que unindo-as com extremidades de fios diferentes dos

originais, usando o alicate. Depois enrolou fita isolante ao redor dos

cabos recém-configurados. Em seguida, meteu os cabos de volta na

parede. Não sabia o que ia acontecer, mas com certeza iria ser

espetacular.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
16

Sob circunstâncias normais, Paul Rice, o madrugador, teria sido o

primeiro a descobrir O Fiasco da Internet, que seria como os moradores

passariam a referir-se a isso no futuro. Mas na manhã seguinte, James

Gooch acordou antes, por acaso. Depois de sua triunfal leitura da noite

anterior (“quatrocentos e vinte livros vendidos, praticamente um

recorde”, tinha se gabado o Redmond), James estava para viajar para

Boston no primeiro vôo que saía do aeroporto de La Guardia, às seis da

manhã; de Boston ele prosseguiria para Filadélfia, Washington, St.

Louis, Chicago, Cleveland e depois Houston, Dallas, Seattle, São

Francisco e Los Angeles. Ficaria fora durante seis semanas. E por

conseguinte, precisou se levantar às três da manhã para fazer as malas.

James fazia malas ruidosamente, nervosamente, de modo que Mindy também

foi obrigada a se levantar. Mindy normalmente teria se enervado com

toda essa perturbação do seu sono, considerando-se que o sono era a

mais preciosa das comodidades modernas, mas naquele dia ela o perdoou.

Na noite anterior, James tinha-a deixado orgulhosa. Todos os dias dando

apoio a ele foram compensados quando poderiam facilmente não ter sido,

e Mindy viu-se imaginando as somas imensas de dinheiro que eles iriam

receber. Se o livro lhes desse um milhão, eles podiam mandar Sam para

qualquer universidade, talvez até Harvard ou quem sabe Cambridge na

Inglaterra, que era ainda mais bem vista, sem nem se incomodarem com

nada. Dois milhões significariam o mesmo que uma universidade para Sam,

e talvez o luxo de ter um carro e abrigá-lo em uma garagem e também

quitar a hipoteca. Três milhões de dólares proporcionaria a todos isso

e mais uma casinha de campo em Montauk ou Amagansett ou Litchfield

County, no Connecticut. A imaginação da Mindy só chegava até esse


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
ponto. Estava tão acostumada a levar uma vida de relativa privação que

não podia se imaginar precisando de mais ou querendo mais.

— Tem pasta de dente? – indagou ela, seguindo James até o banheiro

dele. – Não se esqueça do seu pente. E do fio dental.

— Tenho certeza de que há farmácias em Boston – disse James.

Mindy fechou a tampa do vaso sanitário e se sentou nela,

observando-o enquanto ele olhava no armário de remédios.

— Não quero que se preocupe com detalhes – disse ela. – Vai

precisar de toda a sua concentração para as leituras e entrevistas.

— Mindy – disse James, colocando um frasco de aspirina em um

saquinho de plástico com zíper. – Está me deixando nervoso. Não tem

nada para fazer?

— Às três da manhã?

— Pode me preparar uma xícara de café.

— Claro – disse Mindy. E entrou na cozinha. Estava se sentindo

sentimental para com James. Em quatorze anos de casamento, eles nunca

tinham passado mais de três noites separados, e agora James ia passar

duas semanas fora. Será que sentiria saudades dele? E se não

conseguisse se virar sem ele? Mas isso, recordou-se, era ridículo. Era

uma mulher adulta. Fazia praticamente tudo sozinha mesmo. Ora, talvez

não tudo. James passava muito tempo cuidando do Sam. Por mais que ela

gostasse de reclamar dele, James não era tão mau assim. Principalmente

agora, que finalmente estava conseguindo ganhar mais dinheiro.

— Vou pegar suas meias – disse Mindy, entregando a James sua xícara

de café. – Acha que vai sentir saudades de mim? – indagou ela,

colocando vários pares de meias usadas na mala do marido e imaginando

de quantos pares mais ele ia precisar durante duas semanas.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Deixa que eu faço isso – disse James, chateado com aquela atenção

toda dela. Mindy encontrou um buraco na ponta de uma das meias dele e

enfiou o dedo nele.

— Você tem muitas meias com buracos – comentou ela.

— Não tem problema. Ninguém vai ver as minhas meias – respondeu

James.

— E então, vai mesmo sentir minha falta? – insistiu Mindy.

— Não sei – disse James. – Talvez sim, talvez não. Quem sabe vou

estar ocupado demais para sentir.

Apavorado e já meio atrasado James saiu do apartamento às quatro e

quinze da manhã. Mindy pensou em voltar à cama, mas estava alerta

demais para isso. Resolveu verificar a classificação do James na Amazon

em vez disso. Ligou o computador, que funcionou normalmente, mas não se

conectou com a Internet. Estranho. Ela verificou se o cabo estava

conectado e ligou e desligou o roteador. Nada. Tentou o navegador da

BlackBerry. Também nada.

Paul Rice agora também já havia se levantado. Às cinco horas da

manhã em ponto, ele estava para lançar seu algoritmo no mercado de

ações chinês, com uma xícara de café com leite confortavelmente

colocado em um porta-copos próximo, pronto para começar. Por hábito,

ele tirou um lápis do porta-lápis de prata e examinou a ponta, para ver

se estava bem aguçada. Depois ligou o computador.

A tela acendeu-se, familiar e consoladora, na cor verde, a cor do

dinheiro, pensou Paul, satisfeito. Mas aí... nada. Paul ergueu a cabeça

de repente, surpreso. Ligando o computador, ele devia ter inicializado

o sistema de satélite e o sistema de segurança da Internet. Clicou no

ícone do navegador. A janela abriu-se, mas em branco. Encontrando uma

chave, ele destrancou as portas dos armários atrás de si e olhou para

os servidores metálicos. Havia energia elétrica, mas as luzes que


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
indicavam a troca de sinais estavam apagadas. Hesitou meio segundo,

depois desceu até o escritório da Annalisa. Tentou o computador dela,

que sempre tinha dito, na base da brincadeira, que era uma coisa da

Idade da Pedra, mas a Internet também não estava funcionando ali.

— Puta merda! — berrou.

No quarto do casal, ao lado, Annalisa remexeu-se na cama, dormindo.

No jantar de comemoração, na noite anterior, os Rices e Brewers tinham

consumido mais de cinco mil dólares de vinhos raros antes de voltarem

de helicóptero para a cidade, às duas da manhã. Mas aí ela ouviu de

novo:

— Puta merda!

Paul veio para o quarto e começou a vestir as calças da noite

anterior. Annalisa sentou-se.

— Paul?

— A Internet está fora do ar.

— Mas pensei... – Annalisa murmurou, gesticulando, sem saber o que

fazer.

— Cadê o carro? Preciso da porra do carro.

Ela debruçou-se sobre a cama, pegando o fone do telefone da casa.

— Está na garagem. Mas a garagem provavelmente está fechada.

Paul, desesperado, abotoou a camisa enquanto tentava calçar os

sapatos.

— Era exatamente por isso que eu queria a tal vaga do Mews – disse

ele, irritado. – Para esse tipo de emergência.

— Que emergência? – indagou Annalisa, saindo da cama.

— Quando a porra da Internet não funciona. E isso significa que eu

estou fodido. Isso fodeu o nosso contrato da China. – E saiu correndo

do quarto.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook

— Paul? – disse ela, seguindo-o e debruçando-se na balaustrada. –

Paul? O que posso fazer? – Mas ele já estava no corredor, apertando o

botão do elevador. Tinha descido para a portaria. Consultando o

relógio, Paul resolveu que não dava para esperar e começou a descer as

escadas. Surgindo na portaria como um furacão, acordou o porteiro da

noite, que estava cochilando numa cadeira.

— Preciso de um táxi – gritou Paul, arquejante. – Uma porra de um

táxi! – e correu para a rua vazia, agitando os braços.

Ao ver que não aparecia táxi nenhum, ele começou a correr pela

Quinta Avenida. Na rua Doze, finalmente viu um táxi e entrou nele,

jogando-se no banco traseiro.

— Park Avenue com 55 – gritou. E dando murros na divisória, gritou:

— Anda, anda! Anda!

— Não posso atravessar o sinal vermelho, moço – disse o motorista,

virando-se.

— Cala a boca e vai em frente – gritou Paul.

A viagem até o centro comercial foi uma agonia. Quem teria pensado

que antes das cinco da manhã o trânsito já era assim intenso? Paul

abriu o vidro da janela e meteu a cabeça para fora, acenando e gritando

com os outros motoristas. Quando o carro parou diante do prédio onde

Paul trabalhava, já eram 4:53.

O prédio estava trancado, portanto ele levou mais um minuto

chutando a porta e gritando para acordar o vigia da noite. Passou mais

dois minutos subindo as escadas e usando seu passe para destrancar as

portas de vidro da Títulos Brewer, e mais alguns segundos correndo pelo

corredor até sua sala. Quando chegou ao seu computador, já eram 5:01 e

três segundos. Seus dedos digitaram mais rápidos que o vento. Quando

ele terminou já eram 5:01 e 56 segundos. Ele se deixou cair na cadeira


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
e recostou-se para trás, levando as mãos ao rosto. Por causa daquela

demora de dois minutos, eles tinham perdido 26 milhões de dólares.

No Número Um da Quinta Avenida, Mindy Gooch enfiou a cabeça pela

porta.

— Roberto – disse ao porteiro. – A Internet não está funcionando.

Às seis e meia, ela acordou o Sam.

— A Internet está fora do ar.

Sam sorriu e bocejou.

— Provavelmente a culpa é do Paul Rice. Ele tem aqueles

equipamentos todos lá em cima. Provavelmente derrubaram o serviço no

prédio inteiro.

— Eu odeio aquele homem – disse ela.

— Eu também – concordou Sam.

Vários andares acima, Enid Merle também estava tentando acessar a

Internet. Precisava ler bem cedinho a coluna redigida pela sua equipe e

acrescentar seus detalhes de estilo costumeiros a ela. Mas havia algo

errado no seu computador, e, desesperada para aprovar a coluna antes

das oito, quando seria divulgada pela agência de notícias na Internet,

e depois apareceria na edição da tarde do jornal impresso, ela ligou

para o Sam. Dentro de alguns minutos, Sam e Mindy surgiram à sua porta.

Mindy tinha vestido jeans sobre o pijama de flanela.

— Nenhum computador está funcionando – disse ela a Enid. – Sam diz

que tem alguma coisa a ver com o Paul Rice.

— Por que ele teria algo a ver com isso? – indagou Enid.

— Pelo jeito – disse ela, olhando de relance para o Sam – ele tem

todo tipo de equipamentos potentes e provavemente ilegais lá em cima.

No salão de baile antigo da Sra. Houghton.

Quando Enid fez cara de incrédula, Mindy continuou:


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Sam viu tudo. Quando ele subiu para trabalhar no computador da

Annalisa Rice.

Annalisa estava andando de um lado para outro, nervosa, na sala de

estar com o celular na mão, quando Maria entrou.

— Tem umas pessoas aí – informou ela.

— A polícia?

— Não, umas pessoas lá de baixo.

Annalisa abriu a porta da frente, alguns centímetros.

— Sim? – indagou, impaciente.

Mindy Gooch, que ainda tinha manchas de rímel sob os olhos da noite

anterior, tentou forçar a entrada.

— A Internet não funciona. Achamos que o problema começou no seu

apartamento.

— Também não está funcionando aqui – disse Ananlisa, de má vontade.

— Podemos entrar? – perguntou a Enid.

— De jeito nenhum – disse a Annalisa. – A polícia está vindo aí.

Ninguém vai tocar em nada.

— Polícia? – gritou a Mindy.

— Isso mesmo – disse Annalisa. – Foi sabotagem. Voltem aos seus

apartamentos e aguardem lá.

Enid virou-se para o Sam.

— Sam? – perguntou ela. – E aí o Sam olhou para a mãe, que passou o

braço em torno da cabeça dele, protetoramente.

– Sam não sabe de nada – disse Mindy, com firmeza. – Todos sabem

que os Rice são uns paranóicos.

— O que está acontecendo neste edifício? – perguntou Enid.

E todos voltaram a seus respectivos apartamentos.

Voltando à sala de estar, Annalisa cruzou os braços, sacudindo a

cabeça, e continuou a andar de um lado para o outro. Se ninguém no


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
prédio podia acessar a Internet, então talvez o Paul estivesse errado.

Ele tinha ligado para ela às cinco e meia, gritando que tinha perdido

uma montanha de dinheiro e alegando que alguém tinha descoberto o

negócio da China e deliberadamente sabotado seus computadores. Insistiu

que ela chamasse a polícia, coisa que havia feito, mas eles só riram e

lhe disseram para ligar para a Time Warner. Depois de dez minutos de

súplicas, o representante da firma concordou em mandar um técnico à

tarde. Enquanto isso, Paul estava insistindo que ninguém teria

permissão de entrar no apartamento enquanto os técnicos da polícia não

tivessem passado pozinho em tudo para descobrir se havia impressões

digitais e feito outras investigações.

Lá embaixo, no apartamento dos Gooches, Mindy tirou uma caixa de

waffles congelados do freezer.

— Sam? – chamou. – Quer tomar café da manhã?

Sam surgiu à porta, com a mochila.

— Não estou com fome – disse.

Mindy pôs um waffle na torradeira.

— Interessante – disse ela.

— O quê? – perguntou Sam, nervoso.

— Esse negócio de os Rice chamarem a polícia. Por causa de uma mera

interrupção de serviço da Internet.

O waffle saltou da torradeira e ela o colocou em um pratinho,

passou manteiga nele e o entregou ao Sam.

— É assim que os forasteiros agem. Simplesmente não percebem que em

Nova York essas coisas simplesmente acontecem.

Sam concordou. Estava com a boca seca.

— Quando vai voltar da escola? – indagou Mindy.

— Na hora de sempre, acho eu – disse Sam, olhando para o waffle.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Mindy pegou a faca e o garfo do Sam e cortou um pedaço do waffle

dele, colocou-o na boca e mastigou. Enxugou a manteiga dos lábios com o

dorso da mão.

— Quando voltar, vou estar aqui – disse. – Vou tirar o dia de

folga. Como presidente da diretoria do condomínio, preciso investigar

esse caso.

A três quarteirões dela, Billy Litchfield não estava tendo problema

algum para acessar a Internet. Depois de uma noite de insônia de tanta

preocupação, estava acordado, verificando os blogues de arte, o The New

York Times e todos os outros jornais para ver se algum deles mencionava

a Cruz da Mary a Sangüinária. Não havia nenhuma menção a ela, mas Sandy

Brewer estava nas páginas financeiras, anunciando um negócio com o

governo chinês em troca de uma fatia do seu mercado de ações, e todos

já estavam começando a ficar indignados. Havia dois editoriais sobre as

implicações morais de um negócio desse tipo, e como poderia ser sinal

de que indivíduos abastados do mundo financeiro podiam se unir para

formar seu próprio tipo de super-governo, influenciando as políticas

dos outros governos. Devia ser ilegal, mas no momento não havia leis

que impedissem essa possibilidade.

Sandy Brewer não era a única pessoa sobre quem os blogues estavam

falando. James Gooch também figurava neles. Alguém tinha feito um vídeo

com celular do James durante sua leitura na Barnes & Noble, publicando-

o no Snarker e no YouTube. E agora as massas estavam atacando James,

criticando-lhe os cabelos, os óculos e o estilo de discurso. Estavam

dizendo que era um legume falante, um pepino quatro-olhos. Coitado do

James, pensou Billy. Era tão comportadinho, tão contido, que era

difícil entender por que podia estar sendo tão criticado assim. Mas

agora era um autor de sucesso, e o sucesso era em si uma espécie de

crime, supôs Billy.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Alguns minutos depois, no centro comercial, Sandy Brewer, inchado e

de mau humor por causa da quantidade de álcool que tinha consumido na

noite anterior, entrou a passos largos na Títulos Brewer, agarrou a

bola de basquete macia, tirando-a da cadeira do seu escritório, entrou

na sala do Paul e jogou a bola na cabeça dele. Paul abaixou-se.

— Que porra foi essa, Rice? Qual é? – berrou Sandy. – Vinte e seis

milhões? – Seu rosto ficou ruborizado quando ele se debruçou sobre

escrivaninha do Paul. – É melhor restituir esse dinheiro aos cofres da

empresa, senão te ponho no olho na rua.

Na ausência de Philip, que estava em Los Angeles, Thayer Core

estava se divertindo à vera no apartamento dele, bebendo o seu café e

seu vinho tinto e ocasionalmente trepando com sua namorada. Thayer era

egocêntrico demais para ser bom de cama, mas de vez em quando, quando

ela deixava, fazia tudo conforme o figurino com a Lola. Ela o mandava

usar camisinha, e às vezes colocar duas, porque não confiava nele, o

que fazia a coisa bem menos excitante, mas o que compensava era que ele

estava fazendo isso na cama do Philip.

— Sabe que você não ama o Philip, né – dizia Thayer depois.

— Mas naturalmente que amo – dizia Lola.

— Mentirosa – dizia Thayer. – Qual é a mulher que, estando

apaixonada por um homem, trepa com outro na cama dele?

— Não estamos trepando pra valer — disse ela. – É só mais um

passatempo para mim.

— Puxa, obrigado, né.

— Não espera que eu me apaixone por você, espera? – perguntava a

Lola, fazendo uma careta de nojo, como se tivesse acabado de comer

alguma coisa desagradável.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Quem é aquele rapaz que sempre vejo entrando no apartamento? –

indagou Enid a Lola uma tarde. Tinha vindo pedir emprestado um cartucho

para a impressora. Vivia “pedindo emprestado” os materiais de

escritório do Philip, e Lola não conseguia entender por que Enid não ia

ao Staples como todo mundo.

— A senhora podia mandar entregar os materiais em casa, pela

Internet – dizia Lola, cruzando os braços.

— Eu sei, querida. Mas assim é bem mais divertido – dizia Enida,

revirando as coisas do Philip. – E não respondeu à minha pergunta.

Sobre o tal rapaz.

— Podia ser qualquer um – disse Lola, sem se interessar muito. –

Como ele é?

— Alto? Muito atraente? De cabelos louro-avermelhados e cara de

desdenhoso?

— Ah – disse Lola. – É o Thayer Core. Ele é meu amigo.

— Presumi que fosse – disse Enid. – Senão, não iria poder imaginar

por que ele estaria passando tanto tempo no apartamento do Philip. Quem

é ele e o que faz?

— Ele é colunista social. Como a senhora – disse Lola.

— Trabalha onde?

— No Snarker – disse Lola, relutantemente. – Mas vai ser

romancista. Ou ser produtor de tevê um dia. Ele é muito inteligente.

Todos dizem que, não importa o que ele faça, vai vencer um dia.

— Ah, sim – disse Enid, encontrando o cartucho. – Eu sei exatamente

quem ele é. Francamente, Lola. – E fez uma pausa. – Estou meio

decepcionada com a sua capacidade de julgar as pessoas. Não devia

deixar esse tipo de pessoa entrar no apartamento do Philip. Nem mesmo

tenho certeza de que devia estar deixando ele entrar no prédio.

— Ele é meu amigo – disse Lola. – Posso ter amigos, não posso?
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Não quis meter a colher – disse Enid, secamente. – Eu só estava

tentando lhe dar um conselho de amiga.

— Obrigada – disse Lola, contrariada, seguindo Enid até a porta.

Quando ela saiu, Lola esgueirou-se, saindo ao corredor e examinou o

olho mágico da porta da Enid. Será que ela estava do outro lado,

prestando atenção a quem ia e vinha? O que daria para ela enxergar por

aquele olho mágico, afinal? Pelo jeito, enxergava até o que não devia.

Voltando ao apartamento do Philip, dela e do Philip, recordou-se Lola,

inventou uma historinha para explicar a presença do Thayer. Thayer

estava ajudando Lola a pesquisar para Philip. Enquanto isso, ela

ajudava Thayer a escrever seu romance. Tudo perfeitamente inocente.

Enid não podia ver o que se passava dentro do apartamento, portanto,

como ia poder saber o que estava acontecendo?

Lola não tinha se envolvido com Thayer Core de propósito. Sabia que

era perigoso, mas percebeu que gostava de se arriscar e ver que ninguém

ia poder impedir. E sem saber como sua relação com o Philip ia ficar,

justificava seu comportamento recordando-se de que precisava de alguém

para ficar no lugar do Philip se eles terminassem. Thayer Core não era

lá muito bom como prêmio de consolação, verdade seja dita, mas conhecia

milhões de pessoas e alegava ter todo tipo de contatos.

Só que o Philip ia voltar para casa dentro de alguns dias, e Lola

avisou a Thayer que precisavam deixar de se encontrar. Thayer ficou

chateado. Não porque não pudesse visitar a Lola, mas por que adorava

passar tempo no Número Um. Adorava tudo nisso, simplesmente entrar no

edifício já o fazia se sentir superior. Antes de entrar, costumava

olhar para a calçada para ver se alguém estava de olho, invejando-lhe a

posição. Depois passava pelos porteiros com um aceno.

— Vou até o apartamento do Philip Oakland – avisava, fazendo um

gesto abrupto com o polegar. Os porteiros olhavam-no desconfiados, e


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Thayer era capaz de jurar que não gostavam dele e não aprovavam a

visita, mas não o detinham.

Ao passar no apartamento do Philip naquela manhã, Thayer sugeriu

que ele e Lola dessem uma olhada em uns sites pornografáficos na

Internet. Lola estava comendo batatas fritas, mastigando-as de um jeito

odioso simplesmente para se divertir, pensou Thayer.

— Não dá – disse ela.

— Por quê? Você é puritana? – indagou Thayer.

— Não. Só que a Internet não está funcionando. E é culpa do Paul

Rice. É o que todos estão dizendo, ao que parece. A Enid disse que vão

tentar expulsá-lo daqui. Não sei se podem, mas agora todos no prédio o

detestam.

— Paul Rice? – indagou Thayer, sem dar a perceber que estava

interessado. – Está falando do Paul Rice, aquele Paul Rice? Que é

casado com a Annalisa? Aquela gostosona da sociedade?

Lola deu de ombros.

— Eles são podres de ricos. Ela anda por aí num Bentley e os

figurinistas vivem lhe mandando roupas. Eu a odeio.

— Eu odeio os dois – disse Thayer, sorrindo.

Mindy e Enid, para atender ao chamado à ação, convocaram uma

assembléia de condôminos. A caminho da casa da Mindy, Enid parou diante

da porta do Philip. Ouviu vozes lá dentro, da Lola e de um homem não

identificado que, segundo presumiu, era o Thayer. Será que a Lola tinha

fingido que não tinha entendido o que ela tinha dito? Ou era

simplesmente burra? Enid bateu à porta.

Imediatamente, fez-se silêncio. Enid tornou a bater.

— Lola? – chamou ela. – Sou eu. Preciso falar com você. – Ouviu

sussurros apressados, depois Lola abriu. – Oi, Enid – disse ela,

fingindo que estava contente por vê-la.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Enid empurrou a porta e entrou, vendo o Thayer Core sentado no sofá

do Philip com um roteiro na mão.

— Alô – disse Enid. – E quem é você, pode-se saber?

Thayer de repente virou o perfeito mauricinho comportado de escola

particular de cuja imagem vinha tentando se livrar durante os últimos

cinco anos. Ficou de pé e estendeu a mão.

— Thayer Core, minha senhora.

— Enid Merle. Sou tia do Philip – explicou, secamente.

— Puxa – disse Thayer. – A Lola não me disse que a senhora era tia

dele.

— Você é amigo do Philip?

— Sim, sou. E amigo da Lola também. Lola e eu estávamos debatendo o

meu roteiro. Eu esperava que o Philip talvez pudesse me orientar um

pouco. Mas estou vendo que vocês precisam conversar – e Thayer olhou

para Enid e Lola. – E eu preciso ir andando. – Deu um pulo e passou a

mão no casaco.

— Não esqueça o roteiro – avisou Enid.

— Ah, sim – disse ele. Ele e Lola entreolharam-se, e Lola deu um

sorriso amarelo. Thayer pegou o roteiro e Enid seguiu-o até a portaria.

Eles desceram até a portaria sem conversar, coisa com a qual Thayer

não se importou. Sua cabeça estava cheia de idéias, e ele não queria

conversar mesmo, para não esquecê-las. Nos últimos trinta minutos,

tinha deduzido várias coisas, que constituiriam material interessante

para redigir vários textos para o blogue. O Número Um era um canteiro

de intrigas; talvez ele criasse uma série inteira de textos dedicados

ao que acontecia no edifício. Chamaria a série de “A Cooperativa

Residencial”. Ou talvez “As Vidas dos Ricos e Privilegiados”.

— Adeus – disse Enid, firmemente quando as portas do elevador se

abriram na portaria. Thayer despediu-se dela com uma vênia e saiu


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
correndo do prédio. Só precisava, para continuar seu ataque contra os

residentes do Número Um, de um fornecimento constante de informações.

Virou o roteiro que tinha nas mãos, sorrindo. Era o primeiro esboço de

um roteiro para cinema de Philip Oakland com o título provisório de

“Mary a Sanguinária”. Philip Oakland ficaria furioso se descobrisse que

Lola tinha permitido que um roteiro inacabado seu fosse divulgado. E

não seria divulgado se a Lola se comportasse bem e dançasse conforme a

música. De agora em diante, segundo Thayer havia decidido, Lola poderia

vir ao seu apartamento. Ela o manteria atualizado sobre o que acontecia

no Número Um e, quando terminasse de contar tudo, podia lhe pagar um

boquete.

Enid tocou a campainha da Mindy. A porta se abriu, e surgiu o Sam,

que tinha mudado de idéia, desistindo de ir à escola, e alegou estar se

sentindo mal. Ele levou Enid para a minúscula sala de estar, onde os

três integrantes da diretoria estavam concentrados em uma discussão

acirrada sobre Paul Rice.

— Não podemos obrigá-lo a permitir que o técnico da Time Warner

entre no apartamento dele?

— Mas claro. É o mesmo caso dos técnicos de manutenção. E é uma

coisa que está afetando os outros moradores. Mas se ele se recusar

podemos conseguir uma carta do advogado do prédio.

— Alguém já tentou falar com ele?

— Todos já falamos – disse Enid. – Ele é impossível.

— E a esposa? Talvez alguém deva conversar com a esposa.

— Vou tentar de novo – disse Enid.

Do outro lado da parede, Sam Gooch estava deitado na cama, fingindo

ler o New Yorker da sua mãe. Tinha deixado a porta aberta para poder

entreouvir a conversa. Olhou para o teto, sentindo-se extremamente

satisfeito consigo mesmo. Suas ações, ele reconhecia, tinham causado


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
uma grande inconveniência para todos no prédio, e ele estava morrendo

de medo de que descobrissem que ele tinha sido o culpado, mas tinha

valido a pena, só para se vingar do Paul Rice. Sam achava que Paul,

dali por diante, não iria mais mandar cartas de advogado para ninguém,

principalmente para sua mãe. Ele jamais diria nada ao Paul, mas quando

eles passassem um pelo outro na portaria, ele lançaria um certo olhar

ao Paul, e Paul saberia que ele é que tinha sido o responsável. E

felizmente, jamais seria capaz de provar isso.

Alguns minutos depois, Enid bateu à porta dos Rice. Maria, a

caseira, abriu-a um pouquinho e disse pela fresta estreita:

— Não estamos recebendo visitas.

Enid meteu os dedos na fresta.

— Deixa de bobagem. Eu preciso falar com a Sra. Rice.

— Enid? – disse Annalisa. E veio para o vestíbulo, fechando a porta

atrás de si. – Não foi culpa nossa.

— Claro que não foi – disse Enid.

— Foi porque todos odeiam o Paul.

— Uma cooperativa residencial é como um clube privativo – disse

Enid. – Principalmente em um edifício como o Número Um da Quinta

Avenida. Pode ser que não goste de todos os seus vizinhos, mas vai ter

que aturá-los. Senão, vão ficar sabendo que as pessoas não se entendem

aqui no prédio, e o valor dos imóveis de todos começa a cair. E ninguém

gosta disso, querida.

Annalisa olhou para suas mãos.

— Existe um código de ética tácito. Por exemplo, os moradores

precisam evitar conversas desagradáveis a qualquer custo. Não podemos

admitir que os vizinhos se insultem mutuamente. Sim, o Número Um da

Quinta Avenida é um edifício de apartamentos de luxo. Mas esses

apartamentos também são lares das pessoas. São o seu santuário. E sem a
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
segurança desse santuário, as pessoas se irritam. Temo por você e o

Paul. Tenho medo do que vai acontecer se não permitirem que o técnico

da Time Warner entre no seu apartamento.

— Mas ele já chegou – disse Annalisa.

— Ah – respondeu Enid, surpresa.

— Ele está ao lado da porta de serviço. Talvez queira conversar com

ele.

— Sim, eu gostaria – disse Enid.

Seguiu Annalisa, até a porta que dava para as escadas do prédio. O

técnico estava segurando vários cabos nas mãos.

— Alguém os cortou – disse ele, de cara amarrada.

— Oi, Roberto – cumprimentou Philip Oakland, ao entrar no Número Um

com sua mala. – Como vai?

— Isso aqui está uma zona – disse Roberto, rindo – O senhor perdeu

muita coisa.

— É mesmo? – respondeu Philip. – Como o quê, por exemplo?

— Um escândalo tremendo. Envolvendo o bilionário. Paul Rice. Mas

sua tia resolveu tudo.

— Ah, sim – disse Philip, esperando o elevador. – Minha tia sempre

resolve.

— E aí descobriram que alguém cortou os cabos perto da porta de

serviço do apartamento do bilionário. Ninguém sabe quem foi. Aí o

bilionário ligou para a polícia. Houve uma cena daquelas entre a Mindy

Gooch e o Paul Rice. Aqueles dois se detestam. E acaba que o Paul Rice

está querendo que a cooperativa pague a instalação de câmeras de

vigilância nas escadas. E a Sra. Gooch não pôde fazer nada para evitar

isso. Cara, a madame ficou fula da vida. E a Sra. Rice não quer receber

ninguém. A empregada liga para cá quando ela está descendo, e


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
precisamos fazer sinal para o motorista trazer o carro para a frente da

portaria. Ninguém está com raiva deles, apesar disso, porque alguém

cortou os cabos deles, e o Paul Rice deu mil pratas para casa um dos

porteiros para eles protegerem a vida da Sra. Rice. Mas agora todos que

entram no prédio, até mesmo o tintureiro, tem que apresentar identidade

na mesa da portaria. E se não tiverem identidade, o morador é obrigado

a descer e vir buscar a pessoa. Isso aqui está que parece um presídio.

Para resumir a guerra, parece que estão pensando que foi o amigo da sua

namorada que fez isso.

— Quê? – perguntou Philip. E meteu o dedo com força no botão do

elevador.

— O elevador não desce mais rápido por causa disso, o senhor sabe,

né – disse o Roberto, rindo outra vez.

Philip entrou no elevador e apertou o botão para o 13 o. andar três

vezes. Que diabo estava acontecendo ali?

Em Los Angeles, ele tinha ido direto trabalhar nas revisões de

Damas de Honra Revisitadas. Durante os primeiros dois dias tinha

conseguido tirar a Lola da cabeça. Ela havia ligado para ele dez vezes,

mas ele não tinha ligado para ela. Na terceira noite em Los Angeles,

ele havia telefonado para retribuir as ligações, pensando que ela devia

estar na casa da mãe. Mas ela não estava. Estava em Nova York, no

apartamento dele.

— Lola, vamos ter que ter uma conversa séria sobre isso – disse

ele.

— Mas eu já me mudei pra cá... Pensei que fosse isso que tínhamos

planejado. Já desfiz as malas. Só ocupei um cantinho do armário do

quarto, e coloquei algumas coisas suas no seu depósito do subsolo,

espero que não se importe – disse ela, como se percebesse de repente

que ele podia se importar.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Lola, essa idéia sua simplesmente não foi nada boa.

— O quê? Você me pediu para que eu me mudasse para cá, para morar

contigo, Philip. Lá em Mustique. Se está dizendo que não me ama mais...

– E começou a chorar.

Philip amoleceu ao ouvi-la soluçar.

— Não quis dizer isso. Eu gosto de você, sim, Lola. É que...

— Como pode dizer que gosta de mim, se está tentando me dizer que

não me quer aqui? Quer saber, que se dane, vou-me embora. Vou morar na

rua.

— Lola, não precisa morar na rua.

— Tenho 22 anos! – disse ela, soluçando. – Você me seduziu e fez

com que eu me apaixonasse por você. E agora está acabando com a minha

vida.

— Pára com isso, Lola. Tudo vai acabar bem.

— Então você me ama?

— Vamos discutir isso quando eu voltar – disse ele, resignado.

— Sei que não está pronto para dizer sim ainda. Mas vai – disse

ela, com voz esganiçada. – É só uma fase de adaptação. Ai, eu quase me

esqueci, sua amiga Schiffer Diamond está namorando um sujeito chamado

Derek Brumminger. Saiu no Post. E aí eu vi os dois juntos, saindo do

prédio de manhã. Ele não é muito atraente. É velho e tem pele ruim. Uma

estrela de cinema podia escolher um cara melhorzinho, não acha, mas

talvez ela não possa. Também, ela não é mais tão jovem quanto antes, né?

Por um instante, Philip ficou calado.

— Alô? Alô? – disse Lola. – Tem alguém aí?

Então ela tinha voltado para o Brumminger, pensou ele. Depois de

mandá-lo se livrar da Lola. Por que ele tinha pensado que ela havia

mudado?
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Lola – disse então, entrando no apartamento. – Que negócio foi

esse do seu amigo?

E olhou em torno de si. Lola não estava em casa. Ele pôs a mala na

cama e bateu à porta da tia.

Lola estava com a Enid.

— Philip! Você voltou pra casa! – disse Lola, abraçando-o. Ele lhe

deu uns tapinhas nas costas e olhou para a tia, que sorriu e revirou os

olhos. Lola continuou:

— Enid estava me mostrando os livros de jardinagem dela. Vou cuidar

do seu terraço nesta primavera. Enid diz que posso fazer uns canteiros

de tulipas. E aí podemos cortar as flores e colocar em vasos.

— Alô, Philip, meu querido – disse Enid, erguendo-se devagar do

sofá. Philip percebeu, depois de passar duas semanas fora, que a tia

estava envelhecendo. Algum dia ia perdê-la, e aí ia ficar sozinho de

verdade. Essa idéia o fez mudar de humor: ficou feliz de ainda ter a

tia, e de Lola estar ainda morando no apartamento dele, e por Enid e

Lola estarem se dando bem juntas. Talvez tudo desse certo, afinal de

contas.

— Quero lhe mostrar o que fiz na cozinha – disse Lola, sôfrega.

— Você, na cozinha? – indagou ele, fingindo surpresa. E seguiu-a

para o seu apartamento, onde ela ficou exibindo sua obra. Tinha

reorganizado os armários da cozinha, e agora ele não sabia mais onde as

coisas estavam.

— Por que fez isso? – indagou ele, abrindo o armário que antes era

do café e do açúcar, mas agora continha uma pilha de pratos.

Ela fez cara de arrasada.

— Pensei que ia gostar.

— Gostei. Está melhor – mentiu ele, olhando cuidadosamente o

apartamento e se perguntando o que mais ela teria mudado. No quarto,


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
abriu cautelosamente a porta do armário. Metade das suas roupas, os

ternos e camisas que ele havia pendurado obedecendo a uma ordem

rigorosa durante tantos anos, tinha desaparecido. No lugar deles, as

roupas de Lola estavam penduradas sem ordem alguma, parecendo enfeites

de Natal nos cabides.

— Esqueceu que eu vinha para cá? – perguntou ela, aproximando-se do

Philip pelas costas e metendo as mãos nos bolsos da frente do jeans

dele. E aí recuou até a cama. Com uma ereção que o fez se lembrar de

que fazia duas semanas que não trepava, Philip pôs os tornozelos dela

sobre os ombros. Por um segundo, olhou a vulva depilada e nua da Lola,

lembrando-se de que não era aquilo que queria. Mas estava ali, bem na

sua frente, e ele mergulhou fundo.

Depois, procurando na cozinha suas taças de vinho perdidas, disse:

— Que história foi essa do seu amigo cortar os cabos da Internet do

apartamento dos Rices?

— Ah, sim. Isso. – E ela suspirou. – Foi aquela horrorosa da Mindy

Gooch. Ela tem inveja de mim porque o marido dela, o James, vive

tentando me azarar pelas costas dela. Disse que foi o Thayer Core.

Lembra, nós fomos à festa de Dia das Bruxas dele. Thayer só veio aqui

umas duas vezes, ele quer escrever roteiros de cinema, e eu estava

tentando ajudá-lo, e o Thayer vive publicando textos sobre a Mindy e o

marido dela no Snarker, de forma que a Mindy estava querendo se vingar

dele. E olha que o Thayer nem mesmo estava no prédio quando aconteceu

isso.

— Ele veio aqui quantas vezes? – indagou Philip, cada vez mais

invocado.

— Eu já te disse – disse ela. – Uma ou duas. Talvez três. Não me

lembro.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
No apartamento ao lado, Enid pegou os livros de jardinagem e

sacudiu a cabeça, frustrada. Tinha tentado tudo de que conseguiu se

lembrar para se livrar da Lola, obrigá-la a ir a três supermercados de

alta classe na Sexta Avenida procurar feijões vermelhos flageolet

enlatados, levá-la a uma retrospectiva de Damien Hirst, onde só havia

vacas mortas e tubarões, e até apresentá-la a Flossie, mas nada tinha

dado certo. Lola alegava que ela também adorava feijão vermelho, ficou

grata a Enid por lhe dar uma noção de arte, e nem mesmo a Flossie

conseguiu demovê-la. Suplicando a Flossie que lhe contasse como tinha

sido a época em que ela era vedete, Lola sentou-se aos pés da cama,

toda ouvidos. Enid percebeu que tinha subestimado a tenacidade da Lola.

Depois do Fiasco da Internet, quando Enid uma vez mais contestou a

relação da Lola com o Thayer Core, Lola só olhou para ela com a maior

inocência e disse:

— Enid, você tinha razão. Ele não presta mesmo. E nunca mais vou

falar com ele.

Ao contrário da Mindy Gooch, a Enid não acreditava que Thayer Core

tinha cortado os cabos do Paul Rice. Thayer Core gostava de agredir

mas, como todos os valentões, era um covarde. Covarde demais para

qualquer ação física, atacando o mundo, procurando em vez disso,

esconder-se atrás da segurança do seu computador. A acusão da Mindy era

uma tentativa de desviar a atenção do verdadeiro culpado, que Enid

desconfiava que era o Sam.

Sam, porém, teve sorte, pois a polícia investigou tudo apenas

superficialmente. O incidente tinha sido uma brincadeira de mau gosto,

disseram, devida à animosidade entre vizinhos. Essas brincadeiras de

mau gosto estavam ficando cada vez mais constantes até mesmo em

edifícios de alta classe. Eles recebiam todo tipo de queixas sobre

vizinhos agora, moradores batendo no teto com cabos de vassoura, ou


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
arrancando os enfeites de Natal uns dos outros, ou insistindo que a

fumaça de cigarro do vizinho de baixo subia e entrava no apartamento

deles, pondo em risco a vida de seus filhos, que passariam a ter uma

possibilidade de contrair câncer no futuro.

— Vivo dizendo, viva e deixe viver – comentou um dos policiais com

a Enid. – Mas sabe como são as pessoas hoje em dia. Têm dinheiro demais

e espaço de menos. E são mal-educadas. Isso faz todo mundo se odiar

mutuamente.

Sempre tinha havido rusgas entre os moradores no Número Um, mas até

ali tinham sido superadas pelo ar de orgulho fraternal que os moradores

assumiam por morarem no edifício. Talvez os Rice, por terem muito mais

dinheiro que todos eles, tivessem pesado mais num dos pratos dessa

balança, transtorando o equilíbrio reinante. Paul tinha ameaçado

processar alguém, e Enid teve que passar um sermão muito sério na

Mindy, recordando-a de que se Paul Rice realmente a processasse, o

prédio seria obrigado a pagar honorários de advogado, que seriam

repassados para o resto dos moradores sob forma de aumento no

condomínio. Depois que ela pensou no caso sob o ponto de vista

financeiro, percebendo que podia ser prejudicada, Mindy concordou em

recuar e até escreveu um bilhete pedindo desculpas a Paul e a Annalisa.

E assim estabeleceu-se uma trégua tensa, mas depois começaram a

aparecer artigos detalhados sobre essas disputas no Snarker. Enid tinha

certeza de que Lola é que estava passando essas informações, mas como

podia provar isso? Como se a própria Enid tivesse algo a ver com

aquilo, Mindy aproveitava todas as oportunidades que tinha para acossar

a Enid por causa dos artigos, interpelando-a na portaria para ver se

tinha lido os textos e enviando páginas do blogue para o endereço de

correio eletrônico dela.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Isso não pode continuar. Alguém tem que fazer alguma coisa –

exclamou Mindy, naquela manhã.

Enid suspirou.

— Se você se sente tão incomodada, contrata o cara.

— Quê? – disse Mindy, indignada.

— Contrata o rapaz – repetiu a Enid. – Ele deve ser alguém que

gosta de trabalhar com afinco, se está se esforçando tanto para

escrever sobre o Número Um. Tem pelo menos um pouco de inteligência,

presumo que saiba como compor uma frase, senão você não estaria tão

aborrecida. Paga um salário decente a ele e bota ele para trabalhar dia

e noite. Desse jeito não vai ter tempo para escrever nada extra. Mas

não paga tanto que ele possa economizar depressa e pedir demissão. Dá

seguro médico, incentivos. Transforma ele em empregado vendido ao

sistema, que você nunca mais vai ter que se preocupar com ele de novo.

Se ao menos, pensou Enid, todos os problemas pudessem ser

resolvidos com aquela facilidade... Ela voltou para a cozinha e fez uma

xícara de chá, sorvendo-a com cuidado para evitar queimar a boca.

Heistou, depois levou o chá para o quarto. Desligou os telefones,

ergueu as cobertas, e pela primeira vez em anos, deitou-se durante o

dia. Fechou os olhos. Finalmente estava ficando velha demais para todo

aquele drama.

Os recentes eventos no Número Um da Quinta Avenida tinham deixado o

Paul Rice ainda mais paranóico e misterioso do que o normal, de modo

que ele passou a se descontrolar continuamente por causa de coisas das

quais antes talvez nem tivesse tomado conhecimento. Berrava com a Maria

por ter dobrado seus jeans errado, depois um dos seus preciosos peixes

morreu e ele acusou Annalisa de matá-lo de propósito. Annalisa, de saco


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
cheio, foi passar seis dias em um spa em Massachusetts com Connie

Brewer, e Paul teve que encarar o fim de semana sozinho. Passava a

maior parte dos finais de semana tratando de seus próprios interesses,

mesmo, mas gostava do conforto que era ter a Annalisa por perto, e o

fato de ela o deixar sozinho, mesmo temporariamente, o fez temer que um

dia ela o abandonasse de vez.

Sandy Brewer, porém, visivelmente não tinha as mesmas preocupações

com sua esposa.

— Cara – disse ele, entrando no escritório do Paul – as mulheres

vão passar o fim de semana fora. Pensei em te convidar para jantar lá

em casa. Queria te apresentar a uma pessoa.

— Quem? – perguntou Paul. Desde que Sandy tinha lhe passado aquela

descompostura por causa de um atraso de dois minutos no lançamento do

algoritmo, Paul andava prestando uma atenção danada a ele, para ver se

havia indícios de que estava tentando substituí-lo. Em vez disso, Paul

tinha descoberto pagamentos para uma agência de escort, e deduziu que

Sandy andava pagando prostitutas para lhe prestar serviços durante

viagens a negócios. Já que a Annalisa estava viajando, Paul calculou

que Sandy iria tentar apresentá-lo a alguma garota de programa.

— Vai ver – disse Sandy, misteriosamente. Paul concordou em ir,

pensando que se Sandy tivesse convidado uma das suas piranhas, Paul

poderia guardar essa informação e usá-la num momento conveniente.

Sandy adorava exibir tudo que seu sucesso e trabalho árduo tinham

lhe rendido, organizando um jantar formal para três em sua sala de

estar revestida de painéis de madeira, onde havia dois enormes quadros

do David Salle. O terceiro conviva não era prostituta, como Paul

desconfiava, mas um homem chamado Craig Akio. Paul apertou a mão do

Craig, notando só que Craig era mais jovem que ele e seus olhos eram
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
negros e argutos. Eles se sentaram para tomar uma taça de um vinho

branco raro e comer uma tigela de caldo de frutos do mar.

— Sou grande admirador do seu trabalho, Paul – disse Craig Akio do

outro lado da mesa de mogno polido. – Seu trabalho sobre a escala de

Samsun é coisa de gênio.

— Obrigado – disse Paul, secamente. Estava acostumado a ser chamado

de gênio, e aceitou o cumprimento sem protestar.

— Estou ansioso para trabalhar com você.

Paul ficou com a colher parada a meio caminho da boca. Essa agora

ele não esperava.

— Vai se mudar para Nova York? – perguntou ele.

— Já achei apartamento. No novo edifício do Gwathmey. Uma obra de

arte de arquitetura moderna.

— Na auto-estrada do West Side – brincou Sandy.

— Estou acostumado com carros – disse Craig. – Me criei em Los

Angeles.

— Onde estudou? – perguntou Paul, evitando se entregar. Mas estava

meio ressabiado. Passou-lhe pela cabeça que Sandy normalmente teria lhe

contado que um novo colega viria trabalhar com ele, antes de contratar

o homem.

— Instituto de Tecnologia de Massachusetts – disse Craig. – E você?

— Georgetown – disse o Paul. E olhou para os quadros do David

Salle, atrás da cabeça do Craig, na parede. Normalmente não notava

essas coisas, mas eles retratavam dois bobos da corte com expressões

aterrorizantes, ao mesmo tempo jocosas e cruéis. Paul tomou um gole do

seu vinho, sentindo-se inexplicavelmente como se os bobos fossem

pessoas de verdade e estivessem zombando dele.

Durante o resto do jantar, a conversa girou em torno da eleição

iminente e seu impacto nos negócios; depois eles foram ao escritório do


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Sandy para tomar conhaque e fumar charutos. Ao passar os charutos,

Sandy começou a fazer comentários sobre arte, gabando-se do seu jantar

com um cara chamado David Porshie.

— Billy Litchfield é muito amigo da minha mulher. Quando você se

casar ele também vai ser grande amigo da sua – disse ele a Craig Akio.

– Ele tratou de tudo com o diretor do Museu Metropolitano para nós. Um

sujeito muito simpático. Conhece tudo sobre arte, mas isso não me

surpreende. Ele me fez pensar em melhorar minha coleção. Comprar

artefatos dos velhos mestres em vez de obras de artistas modernos. Que

acha, Paul? Qualquer um pode comprar essas obras novas, certo? É só uma

questão de dinheiro. Mas por mais que falem, ninguém sabe quando

valerão dentro de cinco ou até dois anos. Pode ser que não valham

absolutamente nada.

Paul simplesmente ficou de olhar parado, enquanto Craig concordava

entusiasticamente. Sandy, percebendo que a platéia não reagia

unanimemente com admiração e assombro, abriu o cofre.

Connie tinha feito o que Billy tinha pedido. Tinha guardado a cruz

num cofre, mas no escritório do Sandy, para poder visitá-la quando

quisesse. Mas tinha conseguido guardar segredo sobre ela. Sandy, porém,

eram outros quinhentos. Quando Billy veio falar com ele sobre a

oportunidade de comprar a cruz, Sandy não pensou muito no caso,

considerando aquilo mera jóia antiga que a mulher queria adquirir.

Connie lhe contou que a peça era importante, uma antiguidade legítima,

mas Sandy não prestou atenção, até aquela noite com David Porshie.

David abordava a arte de um ponto de vista totalmente diferente. Depois

de voltar para casa naquela noite, Sandy examinou de novo a cruz com

Connie e começou a entender o seu valor, mas orgulhou-se da sua

esperteza em comprá-la, antes de qualquer outra coisa. Era algo que

ninguém mais tinha, e incapaz de manter em segredo essa sua espetacular


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
aquisição, tinha levando um ou dois convivas selecionados a dedo ao seu

escritório após o jantar para exibir o artefato.

Naquele instante, desamarrando os cordões pretos que atavam o

invólucro de camurça que protegia a cruz, anunciou:

— Aqui está uma coisa que vocês não vêem todos os dias. Aliás é tão

rara, que nem mesmo vão encontrá-la em um museu. – E erguendo a cruz,

permitiu que Craig e Paul a examinassem.

— Onde é que se consegue uma peça assim? – indagou Craig Akio, com

os olhos faiscando.

— Não é possível – disse Sandy Brewer, envolvendo a cruz no paninho

de camurça e devolvendo-a ao cofre. Depois deu uma tragada no charuto.

– Peças assim vêm parar nas suas mãos por si sós. Mais ou menos como

você veio, Craig. – E Sandy virou-se para o Paul, soprando fumaça na

sua direção. – Paul, gostaria que ensinasse ao Craig tudo que sabe. Vão

trabalhar juntos, colados um no outro. Pelo menos a princípio.

Foi aquela última frase que fez Paul despertar, “pelo menos a

princípio”. E depois? Ele de repente viu que Sandy esperava que ele

treinasse o Craig, e depois disso o demitiria. Não ia precisar de dois

homens para fazer o que ele fazia. Aliás, era impossível, pois o

trabalho era secreto, instintivo e improvisado. De repente ele se

sentiu como se estivesse pegando fogo, e ficando de pé, pediu água.

— Água? – exclamou Sandy, em tom de desprezo. – Que é isso, não me

diga que já não agüenta mais tomar muito álcool!

— Vou para casa – declarou Paul.

Saiu do apartamento do Sandy, fulo da vida. Quanto tempo se

passaria antes que o Sandy o demitisse do emprego? Atravessando a

calçada, entrou no banco traseiro do Bentley com motorista e bateu a

porta. Será que também perderia o carro? Perderia tudo? No momento, não

iria conseguir manter o mesmo estilo de vida nem mesmo o apartamento


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
sem o seu emprego. Era bem verdade que tinha dinheiro suficiente, mas

ele flutuava diariamente, subindo e descendo e, como o pote de ouro no

final do arco-íris, era impossível de alcançar. Ele ia ter que esperar

exatamente o momento certo para sacar, ponto no qual podia acabar com

um bilhão no bolso.

Incapaz de parar de pensar em Sandy e como Sandy planejava arruiná-

lo, Paul passou as 36 horas seguintes no seu apartamento, apavorado.

Quando chegou a manhã de domingo, nem mesmo os seus peixes conseguiam

mais acalmá-lo, e Paul resolveu dar uma volta no bairro. Na mesa do

vestíbulo, encontrou o The New York Times. Sem pensar, abriu-o no

tapete da sala de estar e começou a folheá-lo. E aí encontrou a

resposta para o seu problema com o Sandy na capa da seção de arte.

Era uma matéria, ilustrada com fotos tiradas de um retrato da

Rainha Mary, sobre o mistério sem solução da Cruz de Mary a

Sangüinária. Depois de conhecer os Brewer e desconfiado de que Sandy

correspondia ao perfil de um ladrão de arte, David Porshie tinha

mandado publicar a matéria, achando que poderia atrair outros

informantes que talvez lhe revelassem o paradeiro da cruz.

Lendo a história, ali agachado no tapete, Paul Rice somou dois e

dois. Sentou-se nos calcanhares e, enquanto refletia sobre os

resultados potenciais de reunir essas informações, as possibilidades

aumentaram exponencialmente na sua cabeça. Se Sandy estivesse ocupado

com o processo que se abriria contra ele por estar de posse de um

objeto roubado, não iria se lembrar de demitir Paul. Aliás, Paul iria

ainda mais longe. Se ele se livrasse do Sandy, podia tomar-lhe o lugar,

assumindo seu cargo. Aí ele é que seria o gerente do fundo, e Sandy,

depois de ficar com a ficha suja na polícia, seria banido do mercado de

títulos. Tudo seria seu, pensou Paul. Aí, e somente aí, ele se sentiria

seguro.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Levando o jornal consigo, foi até o Internet café do Astor Place.

Fez algumas pesquisas, e encontrando as informações que desejava, criou

uma conta falsa de e-mail com o nome de Craig Akio. Depois compôs uma

mensagem declarando que ele, Craig Akio, tinha visto a cruz na casa do

Sandy Brewer. Paul colocou na mensagem o endereço de correio eletrônico

do repórter que tinha assinado a matéria sobre a cruz no Times. Por

hábito, releu a mensagem, e, considerando-a satisfatória, enviou-a.

Saindo na movimentada baixa Broadway, como costumava ser no fim de

semana, Paul sentiu-se calmo pela primeira vez em semanas. Ao entrar no

Número Um da Quinta Avenida, sorriu, pensando que na era da informação,

ninguém estava seguro. Mas ele, pelo menos por enquanto, estava.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
17

Para Billy Litchfield, o mês de abril não trouxe apenas as chuvas

de primavera, mas uma dor de dentes debilitante. O tempo horrível

exacerbou-se devido ao que lhe pareceu uma consulta interminável ao

dentista. Uma dor surda que se transformou em uma percussão agônica e

latejante finalmente o obrigou a marcar uma consulta, onde uma

radiografia revelou que estava com não apenas uma, mas duas raízes já

apodrecidas, que exigiam cirurgia imediata. A situação exigiu várias

consultas, envolvendo aplicação de injeções de novocaína, gás,

antibióticos, papas e líquidos e felizmente Vicodin para aliviar a dor.

— Não entendo – protestou Billy para o dentista. – Nunca tive nem

uma cárie sequer. – Era meio exagero seu, mas contudo os dentes do

Billy, naturalmente brancos e bem alinhados, haviam exigido apeans dois

anos de aparelho dental em criança, e sempre tinham sido uma fonte de

orgulho para ele.

O dentista encolheu os ombros.

— Vai se acostumando com isso – disse ele. – Faz parte do processo

de envelhecimento. A circulação vai para a cucuia, e os dentes são os

primeiros a sofrer as consequências.

Isso fez Billy ficar mais deprimido do que de costume, e ele

aumentou sua dosagem de Prozac. Nunca tinha estado à mercê do seu

corpo, e descobriu que essa experiência podia ser não só humilhante mas

capaz de anular todas as outras realizações importantes de sua vida. O

que os filósofos diziam era verdade: no final das contas, só havia

decadência e morte, e na morte todos se igualavam.

Uma certa tarde, enquanto estava se recobrando da mais recente

injustiça cometida contra o seu maxilar (a extração de um dente e a


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
colocação de um pino em seu lugar, sendo que o dente falso ainda estava

sendo feito no laboratório), ouviu alguém bater à porta.

O homem que estava no corredor era um estranho de terno Ralph Loren

azul-escuro. Antes que Billy pudesse responder, o homem lhe mostrou

rapidamente um distintivo.

— Detetive Frank Sabatini – disse ele. – Posso entrar?

— Mas claro – disse Billy, assustado demais para recusar-lhe

permissão. Quando o detetive o seguiu até a sala de estar minúscula,

Billy percebeu que ainda estava de roupão e teve uma visão de si mesmo,

algemado, indo para o xilindró com aquele roupãozinho de seda estampado.

O detetive abriu um bloco de anotações.

— Você é Billy Litchfield? – perguntou.

Por um segundo, Billy pensou em mentir, mas decidiu que isso só

pioraria as coisas.

— Sou – disse ele. – O que há de errado, seu guarda? Alguém morreu?

— Detetive – respondeu Frank Sabatini. – Guarda, não. Trabalhei

muito para conseguir esse título. Gosto que as pessoas me chamem assim.

— E deve mesmo gostar – disse Billy. Explicando o roupão,

acrescentou: — Estou me recuperando de uma extração dentária.

— É uma barra. Detesto ir ao dentista também – disse o Detetive

Sabatini, tentando ser simpático.

Não parecia que tinha vindo ali para prendê-lo, pensou Billy.

— Posso trocar de roupa? – perguntou Billy.

— Fique à vontade.

Billy foi ao quarto e fechou a porta. Suas mãos estavam tremendo

tão violentamente que ele teve dificuldade de tirar o roupão e vestir

calças de veludo cotelê e um suéter vermelho de caxemira. Depois ele

entrou no banheiro e tomou um Vicodin, seguido de dois Xanaxes cor de

laranja. Se fosse preso, queria estar tão sedado quanto possível.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Quando voltou à sala de estar, o detetive estava parado ao lado da

mesa de canto, examinando as fotos de Billy.

— Conhece muita gente importante, hein – comentou.

— Sim – disse Billy. – Já moro em Nova York há muitos anos. Quase

quarenta. E aos poucos fui acumulando amizades.

O detetive concordou e foi direto ao assunto.

— Você é assim uma espécie de marchand, não é?

— Para dizer a verdade, não – negou Billy. – Às vezes marco

entrevistas das pessoas com marchands. Mas não vendo obras de arte eu

mesmo.

— Conhece Sandy e Connie Brewer?

— Conheço – disse Billy, baixinho.

— Estava ajudando os Brewer a compor sua coleção de arte, não?

— Ajudei sim – admitiu Billy. – Mas eles já terminaram.

— Sabe de alguma compra recente que eles fizeram? Até mesmo através

de alguém que não seja marchand?

— Hummm – disse Billy, para ganhar tempo. – Como assim, recente?

— No ano passado, mais ou menos.

— Eles foram à feira de arte em Miami. Pode ser que tenham comprado

uma pintura lá. Como já disse, praticamente já completaram sua coleção.

Já estou até trabalhando com outra pessoa.

— E quem seria ela?

Billy engoliu em seco.

— Annalisa Rice.

O detetive anotou o nome e sublinhou-o.

— Muito obrigado, Sr. Litchfield – disse, entregando seu cartão ao

Billy. – Se ouvir falar de alguma novidade na coleção dos Brewer, pode

por favor me avisar?

— Mas claro – disse Billy. E depois perguntou: — Só isso?


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Como assim? – indagou o detetive, indo até a porta.

— Os Brewer estão encrencados? São pessoas muito simpáticas.

— Tenho certeza de que são – disse o detetive. – Fique com meu

cartão. Pode ser que entremos em contato consigo muito em breve. Boa

tarde, Sr. Litchfield.

— Boa tarde, Detetive – disse Billy. Fechou a porta e deixou-se

cair no sofá. Depois levantou-se depressa e, esgueirando-se até perto

da janela, junto à cortina, espiou discretamente a Quinta Avenida. Todo

tipo de cenário barato de filme policial de televisão lhe passou pela

cabeça. Será que o detetive já tinha ido embora? O que será que sabia?

Ou será que estava lá fora, em um carro sem marca, espionando-o? Será

que ia segui-lo?

Durante as duas horas seguintes, Billy ficou aterrorizado demais

para ligar ou verificar suas mensagens de correio eletrônico. Será que

havia se entregado para o detetive, ao lhe perguntar se era só aquilo?

E por que ele tinha dado ao detetive o nome da Annalisa Rice? Agora o

detetive ia se comunicar com ela. O que será que ela sabia? Sentindo-se

mal de tanto medo, foi ao banheiro e tomou mais dois comprimidos.

Depois se deitou na cama. Felizmente, adormeceu, um sono do qual ele

estava torcendo para não ter de acordar.

Mas acordou, três horas depois. Seu celular estava tocando. Era

Annalisa Rice.

— Pode vir até aqui? – indagou ela.

— Meu Deus. O policial te ligou também?

— Ele acabou de passar aqui. Eu não estava. Ele disse à Maria que

era alguma coisa sobre os Brewer, e perguntou se eu os conhecia.

— O que ela disse?

— Disse que não sabia.

— Fez bem, a Maria.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Billy, o que está havendo?

— Está sozinha? – indagou o Billy. – Pode vir até aqui? Eu gostaria

de ir até aí visitá-la, mas não quero que os porteiros me vejam

entrando e saindo do Número Um. E por favor, veja se não está sendo

seguida.

Meia hora depois, Annalisa, sentada diante do Billy, estendeu-lhe

as mãos.

— Billy, pode parar – disse ela. – Não me conte mais nada. Já me

contou demais. – Ela ficou de pé. – Não pode dizer mais nada a ninguém.

Nem uma palavra sobre isso. Qualquer coisa que diga de agora em diante

pode ser usada no julgamento.

— É mesmo tão ruim assim? – indagou Billy.

— Precisa contratar um advogado. David Porshie vai convencer a

polícia a pedir um mandado de busca, e pelo que sabemos o procurador

público já está envolvido. Vão revistar o apartamento dos Brewers e

encontrar a cruz.

— Pode ser que não encontrem nada – disse Billy. – A cruz nem está

no apartamento mais. Eu disse à Connie para depositá-la em um cofre-

forte.

— Eles vão acabar verificando isso também. É só uma questão de

tempo.

— Eu podia ligar para a Connie. E avisá-la. Dizer a ela para levar

a cruz para fora da cidade. Escondê-la nas Hamptons. Ou em Palm Beach.

Ela ficou na Quinta Avenida durante sessenta anos, e ninguém jamais

soube.

— Billy você está dizendo coisas sem sentido – disse Annalisa,

procurando acalmá-lo. – Não piore as coisas para você, porque elas já

estão pretas. Você está envolvido, e se ligar para os Brewer, vai ser

acusado de conspiração ainda por cima.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Quanto tempo eles vão levar para me encontrar? – indagou Billy.

— Como assim?

— Para me levar para a cadeia?

— Não vai ser necessariamente preso. Há uma infinidade de recursos.

Você pode apelar da sentença ou então fazer um trato. Se for à polícia

se entregar ao promotor público e lhe contar o que sabe, ele

provavelmente lhe concederá imunidade.

— E entregar os Brewers para salvar minha pele? – disse Billy.

— Foi isso mesmo que eu quis dizer.

— Nunca iria poder fazer isso – disse Billy. – Eles são meus

amigos.

— São meus amigos também – disse Annalisa. – Mas Connie não cometeu

um crime por aceitar um presente do marido. Não seja bobo – acrescentou

ela, alertando-o. – Sandy Brewer não pensaria duas vezes antes de fazer

o mesmo com você.

Billy apoiou a cabeça nas mãos.

— Esse tipo de coisa, simplesmente não se faz. Não entre nós.

— Isso não é brincadeirinha de criança – disse Annalisa,

rispidamente. – Billy, precisa entender. Nem todas as tradições

imaginadas deste mundo vão te ajudar. Precisa encarar os fatos de

frente e decidir o que fazer. Ou seja, o que for melhor para você.

— O que vai acontecer com os Brewer?

— Não se preocupe com os Brewer – disse Annalisa. – Sandy é pra lá

de rico. Ele vai conseguir sair dessa, comprando uns e outros, vai ver

só. Vai alegar que não sabia o que estava comprando. Vai alegar que

comprava objetos de arte de você o tempo inteiro. Você é que vai se dar

mal, não ele. Fui advogada durante oito anos. Confia em mim, são sempre

os pequenos que acabam na cova dos leões.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Os pequenos – disse Billy, sacudindo a cabeça. – Então, no final

das contas, é só isso. Eu sou só um dos pequenos.

— Billy, por favor, me deixa ajudar você – disse Annalisa.

— Só preciso de algum tempo. Para pensar – disse Billy, levando-a

até a porta.

Dois dias depois, o detetive Frank Sabatini, acompanhado por quatro

policiais, chegou aos escritórios da Corretora de Valores Brewer, às

três da tarde em ponto. O detetive Sabatini tinha descoberto que aquela

era a hora mais propícia para prender criminosos de colarinho branco.

Em geral, era quando eles tinham acabado de chegar do almoço e, de

barriga cheia, eram bem mais dóceis.

Frank Sabatini tinha plena certeza de que estava prendendo o homem

certo. No dia anterior, Craig Akio, depois de negar ter conhecimento da

mensagem de correio eletrônico ou que tivesse visto a tal cruz, tinha

viajado misteriosamente para o Japão, e mencionando o fato de que seu

suspeito podia ter o mau hábito de fugir, como o Sr. Akio, o detetive

Sabatini conseguiu um mandado de busca para revistar a residência dos

Brewer. Só que foi durante as férias escolares de verão, e Connie tinha

levado as crianças, acompanhadas das babás, para o México. Os únicos

que estavam na casa eram as empregadas, que nada fizeram diante da

presença dos policiais. Foi, pensou Sabatini, uma manhã bastante

empolgante, pois o cofre precisou ser aberto com explosivos. Contudo o

especialista em explosivos era muito bom, e nada no cofre sofreu dano,

nem sequer a cruz. David Porshie, que estava aguardando o telefonema do

detetive, confirmou que era aquele mesmo o artefato que tinha sido

roubado há tantos anos atrás.

Naquele momento, na Corretora de Valores Brewer, ouvindo uma

comoção no corredor, Paul Rice saiu do seu escritório espaçoso e


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
inteiramente branco para se reunir aos outros sócios e empregados e

assistir à prisão do Sandy Brewer, que saiu algemado do prédio.

— Jezzie – disse Sandy à sua assistente na saída – liga para o meu

advogado. Deve estar havendo algum equívoco. – Sem mudar de expressão,

Paul observou o espetáculo, e quando Sandy já estava seguro no

elevador, Paul voltou para sua mesa. Todas as pessoas começaram a fazer

comentários e trocar especulações. Todos presumiam que Sandy tinha

cometido algum tipo de fraude financeira, e correram para seus

computadores para tirar todo o dinheiro de suas contas. Paul decidiu

tirar a tarde de folga.

Encontrou Annalisa no seu escritório bonitinho, pesquisando algo na

Internet. Quando ele apareceu à porta, ela deu um pulo e rapidamente

apertou um botão do computador.

— O que está fazendo em casa? – indagou ela, alarmada. – Aconteceu

alguma coisa?

— Absolutamente nada.

— Está tudo bem?

— Claro – disse Paul. – Por que não estaria?

— Considerando-se as coisas que vêm acontecendo neste prédio nos

últimos dois menses – disse ela, sarcástica – eu não sei, não.

— Não há nada com que se preocupar – garantiu Paul, subindo para

visitar seus peixes. – Já cuidei de tudo. De agora em diante, tudo vai

correr às mil maravilhas.

Billy Litchfield passou os dois dias antes da prisão de Brewer

quase desmaiando de medo. Não ligou para ninguém, pois não confiava que

seria capaz de se comportar normalmente, com medo de contar toda a

história do seu envolvimento com a cruz sem querer se lhe perguntassem

alguma coisa. Quatro entre cinco vezes, pensou em sair do país, mas
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
para onde iria? Tinha um pouco de dinheiro, mas não o suficiente para

ficar fora para sempre. Talvez pudesse ir para a Suíça, onde seria

capaz de sacar parte do seu dinheiro. Mas o medo o paralisou. Embora

passasse horas na Internet procurando o nome do Sandy Brewer pelo

Google, para ver se alguma coisa tinha acontecido, não conseguiu

efetivamente reservar uma passagem e fazer as malas. Só de pensar nisso

já sentia vontade de se deitar, enroscado numa posição fetal, sob as

cobertas. Tinha pensamentos aleatórios, repetitivos e doentios, e

ficava o tempo todo recordando-se de uma frase de uma história de

horror que o havia apavorado quanto criança: “Eu quero o meu fígado”.

Também lhe ocorreu que talvez Sandy Brewer não fosse preso, e ambos

fossem absolvidos. Como podia saber que provas o detetive tinha

reunido? Talvez não fosse mesmo mais do que um rumor que podia

persistir durante algum tempo e depois se dissipar. A Sra. Houghton

tinha guardado a cruz na caixa sobre sua mesa do seu quarto do Número

Um da Quinta Avenida durante anos, sem que ninguém desconfiasse. Se não

o pegassem, Billy jurava que mudaria de vida, não sabia como. Tinha

dedicado sua vida inteira às obrigações sociais, ao desejo de estar com

as pessoas certas no lugar certo. Agora estava percebendo seu erro com

toda a clareza. Antes pensava que esse desejo de obter o que há de

melhor na vida ia acabar lhe rendendo algo substancial e concreto. Mas

não tinha rendido.

Na sua prisão domiciliar voluntária, lembrou-se das muitas vezes na

vida nas quais tinha dito a si mesmo, “Quem precisa de dinheiro, quando

se tem amigos ricos?” E perguntava-se se seus amigos ricos iriam ajudá-

lo agora.

De olhar parado, à janela da sala de estar, fitando a mesma vista

que já fitava fazia anos, a Igreja Episcopal, as pedras marrons de

sujeira acumulada, viu que estavam construindo andaimes em torno do seu


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
edifício. Naturalmente. Os donos iriam reformá-lo para se preparar para

a conversão em cooperativa residencial. Ele não tinha feito nada com

relação a sua situação do apartamento, sem saber se seria capaz de

ficar em Nova York. Seria tarde demais? Será que importava, ainda?

Voltando à cama, ligou a televisão.

No noticiário da noite, em todos os canais, só se falava na prisão

do Sandy Brewer. O filme do Sandy sendo levado de algemas e depois, com

a mão de um policial na cabeça, sendo empurrado para dentro de um

carro-patrulha, repetiu-se várias vezes. Os locutores disseram que

haviam encontrado uma preciosidade inestimável do patrimônio britânico

nas mãos de Sandy Brewer, que se acreditava ter vindo do espólio de uma

das mais importantes filantropas da cidade, a Sra. Louise Houghton.

Ninguém mencionou o nome de Billy.

Imediatamente, o telefone e o celular do Billy começaram a tocar

incessantemente. Amigos ou repórteres? perguntou-se ele. Não atendeu

nenhum dos dois. O interfone do seu apartamento tocou cinco ou seis

vezes, aparentemente alguém querendo subir ao seu andar, porque depois

começaram a bater à sua porta, parando após algum tempo. Billy

escondeu-se no banheiro. Era só questão de tempo a sua captura. Ele

também apareceria em todos os jornais e na Internet, e apareceriam

filmes mostrando-o cabisbaixo e acabado no telejornal e no YouTube. Seu

comportamento era justificável, talvez, porque ele precisava de

dinheiro, mas ninguém iria pensar assim. Por que é que não tinha

imediatamente entregado a cruz ao Metropolitano? Porque teria manchado

a reputação da Sra. Houghton. Mas ela tinha falecido, e agora seu nome

já estava manchado mesmo, e ele provavelmente iria para o xadrez.

Desesperado, até se questionoou por que tinha se mudado para Nova York,

afinal. Por que não podia ter ficado nos Berkshires e ser feliz com a

vidinha que tinha recebido para viver desde o início?


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Abriu o armário de remédios e tomou todas as suas pílulas. Tinha

vários tipos agora; dois de comprimidos para dormir, Xanax, Prozac e o

Vicodin para a dor de dente. Se tomasse todas elas e bebesse uma

garrafa de vodca, podia ser que conseguisse acabar com tudo de uma vez.

Mas, de olho pregado nas pílulas, percebeu que não tinha coragem nem

para se matar.

Podia pelo menos perder a consciência. Tomou dois Vicodins, dois

Xanaxes, e um comprimido de cada frasco de pílulas para dormir. Dentro

de minutos, já estava adormecido, tendo um vibrante sonho multicolorido

que parecia ser eterno.

Enid Merle foi uma das primeiras pessoas a ouvir falar na prisão do

Sandy Brewer. Um repórter do jornal, ligou para ela imediatamente

depois de ter estado presento no local. Até ali os fatos não tinham

sido esclarecidos ainda, e a conclusão foi de que Sandy tinha

conseguido comprar a cruz da Sra. Houghton, não se sabia como, e que

ela a havia roubado do Metropolitano. Essa alegação, segundo Enid

sabia, era falsa. Embora fosse verdade que Louise estava de posse da

cruz, Enid achava que ela não tinha tirado a cruz do Museu

Metropolitano, mas da Flossie Davis. Flossie sempre tinha sido a óbvia

culpada, mas o que nunca tinha feito sentido para a Enid era por que a

Louise não havia devolvido a cruz para o Metropolitano. Em vez disso,

tinha guardado a cruz e o segredo, protegendo a Flossie de ser punida

pelo seu crime. Louise era uma católica fervorosa; talvez um imperativo

moral a tivesse impedido de revelar o crime da Flossie.

Ou talvez, segundo Enid pensou, o motivo fosse outro. Talvez

Flossie soubesse de algum podre da Louise. Enid devia ter ido até o

fundo daquele mistério fazia já algum tempo, mas nunca o havia

considerado importante a esse ponto. No momento, não havia tempo. Ela


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
precisava redigir uma coluna, e como era sobre Louise Houghton, ia

precisar ser de seu próprio punho.

Enid examinou várias páginas impressas de pesquisa sobre Sandy e

Connie Brewer. A história não tinha importância suficiente do ponto de

vista internacional, certamente estava muito abaixo do impacto de uma

eleição presidencial, ou do massacre de inocentes civis em uma guerra,

ou todo e qualquer dos insultos e baixezas cometidos contra os homens

comuns. Era só sobre a “sociedade” novaiorquina. E mesmo assim,

recordou-se ela, o desejo de algum tipo de sociedade era uma

característica humana inata, pois sem isso não poderia haver esperança

para o homem civilizado. Assistindo a um filme de um artigo da Vanity

Fair sobre Connie Brewer e sua casa de campo fabulosa nas Hamptons,

Enid perguntou-se se era possível ter um desejo por sociedade demais.

Os Brewers tinham tudo na vida, quatro filhos, um jatinho particular,

nenhuma preocupação. Mas não era suficiente, e agora o pai dessas

crianças talvez fosse preso. Era uma ironia do destino o Sandy Brewer e

a Sra. Enid Houghton terminarem sendo citados na mesma frase. Se a Sra.

Houghton estivesse viva, nunca teria sequer tomado conhecimento de um

arrivista como o Sandy. Enid recostou-se na cadeira. Faltava um pedaço

enorme daquela história, mas ela ia precisar entregar a sua coluna em

duas horas. Posicionando as mãos no teclado, escreveu: “Louise Houghton

era uma grande amiga minha.”

Oito horas mais tarde, Billy Litchfield acordou na sua banheira de

época, cujos pés simulavam as patas de um animal. Verificando os braços

e as pernas, ficou surpreso de estar ainda totalmente vivo, e

inexplicavelmente exultante. A noite já ia adiantada; no entanto, ele

sentiu um desejo irresistível de ouvir David Bowie. Colocando um CD no

aparelho de som, pensou: Por que não? E decidiu tocar todas as quatro
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
horas de um álbum de dois CDs que incluía as obras de Bowie de 1967 a

1993. Enquanto escutava, Billy andava pelo apartamento, dançando de vez

em quando, descalço, nos pisos de madeira gastos, e agitando o roupão

de seda em torno do corpo, como se fosse uma capa. Depois começou a

olhar fotos. Tinha centenas de fotos emolduradas no seu apartamento,

penduradas nas paredes, alinhadas sobre o consolo da lareira,

empilhadas sobre livros e guardadas nas gavetas. Enquanto estava

olhando as fotografias, achou melhor tocar todos os seus CDs. Durante

as vinte horas seguintes, ouviu seu celular ou seu telefone de casa

tocarem de novo, mas não atendeu nenhum dos dois. Tomou mais

comprimidos e a certa altura descobriu que tinha consumido quase uma

garrafa inteira de vodca. Depois encontrou uma garrafa antiga de gim e,

cantando em voz alta junto com a música, bebeu tudo. Começou a se

sentir enjoado e, na intenção de conservar aquela sua sensação

vertiginosa de prazer na qual nada que tinha acontecido no passado

parecia importar, tomou dois Vicodins. Sentiu-se um pouco melhor, e,

com a música ainda tocando no último volume (agora era Janet Eno),

desmaiou na cama.

A uma certa altura, como um sonâmbulo, ele se levantou e foi ao

armário do quarto. Mas caiu de novo, e num dado momento, no meio da

noite, seus rins entraram em processo de falência, seguidos pelo

coração. Billy não sentiu nada.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Quarto Ato

18

Naquela noite, Schiffer Diamond encontrou-se por acaso com Paul e

Annalisa Rice na calçada diante do Número Um. Schiffer estava voltando

de um longo dia de filmagens, ao passo que Paul e Annalisa estavam

vestidos para o jantar. Schiffer cumprimentou-os com a cabeça a caminho

do edifício, depois parou:

— Com licença – disse a Annalisa. – Você não é amiga do Billy

Litchfield?

Paul e Annalisa entreolharam-se.

— Sim – disse Annalisa.

— Vocês tem visto o Billy? – indagou Schiffer. – Já faz dois dias

que estou tentando falar com ele e o telefone toca, toca, e ele não

atende.

— Parece que ele não está atendendo telefonemas. Passei pelo

apartamento dele, mas ele não estava.

— Talvez tenha viajado – disse Schiffer. – Tenho certeza de que não

deve ser nada.

— Se falar com ele, pode por favor me avisar? – indagou Annalisa. –

Estou preocupada.

Lá em cima, Schiffer revirou uma gaveta da cozinha, perguntando-se

se ainda teria as chaves do apartamento do Billy. Anos antes, anos e

anos atrás, quando ela e Billy haviam acabado de se conhecer, tinham

dado chaves dos apartamentos deles um ao outro, no caso de uma

emergência. Ela nunca havia esvaziado aquela gaveta, portanto as chaves

ainda deviam estar lá, embora houvesse também uma possibilidade remota

de o Billy ter trocado a fechadura. Por fim, encontrou as chaves, no


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
fundo da gaveta. Havia uma etiqueta azul de plástico presa ao anel no

qual Billy tinha escrito Residência de Litchfield, com um ponto de

exclamação a seguir, como que proclamando a amizade entre eles.

Schiffer andou os três quarteirões até o edifício do Billy, parando

sob os andaimes antes de experimentar a chave na porta do prédio. Ainda

funcionava, e ela entrou, passando por uma fileira de caixas postais

metálicas. A porta da caixa do Billy estava entreaberta, com a

correspondência de vários dias acumulada dentro dela, impedindo que a

portinhola se fechasse. Talvez o Billy estivesse mesmo viajando. Haviam

começado a reformar o prédio, as escadas até o quarto andar estavam

revestidas de papel pardo preso com fita azul. Ao ouvir música saindo

do apartamento do Billy, ela bateu à porta, com força. Do outro extremo

do corredor, uma porta se abriu e uma mulher de meia idade, bem

arrumada, meteu a cabeça pela fresta.

— Está procurando o Billy Litchfield? – indagou ela. – Ele saiu. E

deixou a música ligada. Tudo por causa da conversão. Billy e eu somos

os últimos bastiões. Eles estão tentando nos obrigar a nos mudar.

Qualquer hora dessas, provavelmente vão cortar o fornecimento de

energia elétrica.

A idéia de que Billy estivesse numa situação dessas era deprimente.

— Espero que não – disse Schiffer.

— Vai entrar? – indagou a mulher.

— Vou – disse Schiffer. – Billy me deu as chaves.

— Pode desligar o som? Estou quase ficando maluca.

Schiffer concordou, e entrou. A sala de estar do Billy sempre tinha

sido atravancada, mas ele procurava mantê-la arrumada. Agora estava uma

bagunça total. Suas fotos estavam espalhadas no chão, havia caixas

vazias de CD no chão por todos os lados, e vários livros de capa dura,

desses de mesinha de centro, estavam abertos, exibindo fotos de Jackie


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Onassis. Ela encontrou o aparelho de som em um armário antigo e

desligou a música. Aquilo não era coisa do Billy.

— Billy? – chamou ela.

Percorreu o corredor curto que levava ao quarto, passando por

ganchos vazios nas paredes, de onde as fotos haviam sido removidas. A

porta do quarto estava fechada. Schiffer bateu à porta e girou a

maçaneta.

Billy estava caído na cama, com a cabeça pendendo de uma das

beiradas. Estava de olhos fechados, mas os músculos sob seu rosto

pálido e sardento tinham se enrijecido, dando ao seu rosto uma

expressão estranha e austera. O corpo na cama não era mais Billy,

pensou Schiffer. O Billy Litchfield que ela conhecia já não existia

mais.

— Ai, Billy – lamentou-se ela. Pendurado no pescoço dele estava um

laço comprido feito de gravatas Hermès que ia até o chão, como se Billy

tivesse pensado em se enforcar, mas tivesse morrido antes de completar

o ato.

— Ai, Billy – repetiu Schiffer. Desamarrou o nó da gravata,

retirando-o do seu pescoço, e separando as gravatas uma da outra,

pendurou-as com cuidado no armário de Billy, que era o lugar delas.

Depois foi ao banheiro. Billy era muito detalhista e tinha arrumado

o espaço que tinha da melhor forma possível, colocando toalhas brancas

espessas cuidadosamente sobre uma prateleira acima do vaso sanitário.

Mas as prateleiras em si eram baratas e provavelmente tinham quarenta

anos de idade. Ela sempre havia presumido que Billy era rico, mas, pelo

jeito, ele não vinha vivendo exatamente como vivia quando tinha chegado

a Nova York. Pensando que Billy vivia assim nessa penúria e nunca tinha

deixado isso transparecer, Schiffer sentiu-se mal. Ele era um daqueles

novaiorquinos que todos conheciam mas sobre o qual não se sabia muita
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
coisa. Ela abriu o armário de remédios e ficou chocada diante da

fileira de frascos de medicamentos que só podiam ser comprados com

receita médica. Prozac, Xanax, Ambien, Vicodin... Ela não fazia idéia

de que o Billy fosse tão infeliz e estressado assim. Devia ter passado

mais tempo fazendo-lhe companhia, pensou amargurada, mas Billy era como

uma instituição em Nova York. Ela sempre pensava que ele nunca iria

deixar de existir.

Trabalhando rapidamente, despejou o conteúdo dos frascos no vaso

sanitário. Como na maioria dos edifícios construídos antes da guerra,

havia uma canaleta de incinerador na cozinha, onde Schiffer jogou os

frascos vazios. Billy não ia querer que as pessoas soubessem que ele

tinham tentado se matar, nem que era viciado em drogas. Voltando ao

quarto, Schiffer viu uma caixa de madeira tosca sobre sua escrivaninha.

Não era o tipo da coisa que Billy teria, e, curiosa, abriu-a e viu

filas muito bem organizadas de bijuterias enroladas em plástico de

bolhas. Será que o Billy tinha um lado travesti? Se fosse isso era mais

um aspecto da sua vida que ele não gostaria que os outros soubessem.

Procurando no seu armário, ela encontrou uma caixa de sapatos, e uma

sacola de compras da Valentino. Colocou a caixa dentro da caixa de

sapato, e meteu-a na sacola. Depois ligou para o número de emergência,

o 911.

Dois policiais chegaram dentro de alguns minutos, seguidos de

enfermeiros do serviço de emergência, que abriram o roupão do Billy e

tentaram lhe dar choques para ressuscitá-lo. O corpo de Billy pulou

vários centímetros acima da cama, e Schiffer, que não estava suportando

assistir àquilo, foi para a sala de estar. Finalmente, um detetive de

terno azul marinho chegou.

— Detetive Sabatini – disse ele, estendendo a mão para ela.

— Schiffer Diamond – disse ela.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— A atriz – disse ele, ficando todo animado.

— Isso mesmo.

— Encontrou o corpo. Por quê?

— Billy era muito amigo meu. Fazia uns dois dias que não tinha

notícias dele, portanto passei aqui para ver se estava tudo bem.

Obviamente não estava.

— Sabia que ele estava sendo submetido a investigação?

— Billy? – indagou ela, incrédula. – Por quê?

— Roubo de obras de arte – disse o detetive.

— Impossível – disse Schiffer, cruzando os braços.

— Não só é possível, como também é verdade. Ele tinha algum

inimigo?

— Todos o adoravam?

— Precisava de dinheiro?

— Não sei nada sobre sua vida financeira. Billy não falava sobre

isso. Era muito... discreto.

— Então sabia de segredos das pessoas?

— Conhecia muita gente.

— Alguém poderia querer eliminá-lo? Como o Sandy Brewer?

— Não sei quem é.

— Pensei que vocês fossem amigos.

— Éramos – disse Schiffer. – Mas fazia anos que eu não via o Billy.

Só voltei a falar com ele depois que me mudei para o meu apartamento,

faz nove meses.

— Vou precisar que vá à delegacia para um interrogatório.

— Preciso ligar para a minha agente primeiro – disse ela, com

firmeza. A realidade da morte de Billy ainda não tinha entrado na sua

cabeça, mas ia ser um verdadeiro escândalo. Certamente ela e Billy iam

sair na primeira página do The New York Post no dia seguinte.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Bem cedo, naquela manhã, Paul Rice estava navegando na Internet,

quando encontrou a notícia sobre a morte do Billy. Não tinha como ligar

Billy ao escândalo do Brewer, portanto essa notícia não lhe causou

nenhum impacto. Mas depois viu vários artigos curtos no The New York

Times até o Boston Globe, declarando que Billy Litchfield, de 54 anos,

ex-jornalista, marchand e acompanhante de senhoras da alta sociedade,

tinha sido descoberto morto no seu apartamento na noite anterior. A

cobertura no Daily News e no Post tinha sido bem mais completa. Nas

primeiras páginas de ambos os jornais estavam fotos de estúdio de

Schiffer Diamond, que tinha encontrado o corpo, e uma foto de Billy de

smoking. Havia também outras fotos, a maioria delas mostrando Billy com

várias socialites, e uma dele de braço dado com a Sra. Louise Houghton.

A polícia estava fazendo investigações, pois desconfiava de que a morte

não tinha sido natural.

Paul desligou o computador. Pensou em acordar sua mulher e lhe dar

a notícia, mas percebeu que ela podia começar a chorar. E aí ele ia ter

que aturar um drama do qual ele não era o causador e que, portanto,

podia durar um tempo indefinido. Por isso, decidiu lhe contar mais

tarde.

Correndo até o vestíbulo, viu vários fotógrafos diante da portaria,

na calçada.

— O que está havendo? – indagou ele a Roberto.

— Alguém morreu e foi a Schiffer Diamond quem encontrou o corpo.

Billy Litchfield, pensou Paul.

— Mas por que eles vieram até aqui? Dar plantão na portaria do

Número Um?

Roberto deu de ombros.

— Deixa pra lá – disse Paul, mal-humorado, e bateu à porta da

Mindy.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Ela abriu a porta ligeiramente, tentando evitar que o Skippy, que

estava latindo e pulando na sua perna, dentro do apartamento, saísse e

atacasse o Paul. Por enquanto Paul tinha conseguido ficar por cima no

edifício; Mindy tinha precisado concordar em evitar que o Skippy saísse

à portaria de manhã e à noite, na hora em que Paul estivesse passando.

— O que é agora? – perguntou ela, fuzilando-o com o olhar.

— Aquilo ali - disse Paul, indicando os paparazzi diante do prédio.

Mindy saiu sem o cachorro, fechando a porta atrás de si. Estava

ainda de pijama de algodão, mas tinha vestido um roupão de chenile por

cima e estava de chinelos.

— Roberto – disse ela. – O que é isso?

— Sabe que não posso evitar que eles se aglomerem na calçada. Ela é

propriedade pública, e eles têm direito de ficar aí.

— Chame a polícia – disse Paul. – Mande prendê-los.

— Alguém morreu e a Schiffer Diamond encontrou o corpo – repetiu

Roberto.

— Billy Litchfield – disse Paul.

Mindy arquejou, surpresa.

— O Billy!

— Eu só queria que alguém tomasse alguma providência quanto a esses

fotógrafos – continuou rezingando Paul. – Eles estão bloqueando meu

ponto de egresso, e assim não posso ir ao escritório. Não me importa o

quanto alguém seja famoso, eles não têm direito de perturbar a rotina

do edifício. Quero que a Schiffer Diamond saia daqui. E já que estamos

falando no assunto, creio que devemos expulsar a Enid Merle também. E o

Philip Oakland. E seu marido. E você, também – disse ele a Mindy.

Mindy ficou vermelha. Sentiu a cabeça ir ficando parecida com um

tomate podre a ponto de explodir.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Por que é que você não se muda? – gritou. – Desde que entrou

neste prédio, só tivemos problemas. Já estou cheia de você. Se receber

mais uma reclamação sua ou da sua esposas sobre este prédio, não me

importa quanto custe, não me importa que nosso condomínio suba cinco

mil dólares por mês, vamos te processar e vamos ganhar a causa. Ninguém

te quer aqui. Eu devia ter dado ouvidos à Enid e dividido o

apartamento. Não teria feito diferença nenhuma, porque você estragou

mesmo o apartamento, com aqueles seus peixes ridículos e seus

equipamentos de informática absurdos, e o único motivo pelo qual

conseguiu se sair bem dessa foi porque não tem nenhuma cláusula nos

estatutos proibindo esses seus malditos peixes.

Paul virou-se para o Roberto.

— Ouviu isso? – disse ele. – Ela está me ameaçando. – E estalou os

dedos. – Quero que anote o que se passou aqui. Quero que ela receba uma

ordem de despejo.

— Não me meto nisso – disse Roberto, recuando, embora notando, todo

satisfeito, que antes mesmo das sete da manhã já tinha várias fofocas

para ampliar seu repertório. Ia ser um dia muito interessante.

— Vai se foder – gritou a Mindy, espichando o pescoço para a

frente, de tanta raiva. Em vez de reagir àquele insulto, Paul Rice

ficou meramente parado ali, sacudindo a cabeça para ela, como se ela

estivesse dando um show à toa. Isso a deixou muito mais furiosa. — Saia

você daqui! – gritou. – Você e a sua mulher. Façam as malas e saiam

deste edifício! – E recuperando o fôlego, acrescentou: — Imediatamente!

— Sra. Gooch – disse Roberto, tentando acalmá-la – Talvez devesse

voltar para o seu apartamento.

— Vou voltar, sim – disse ela, apontando o dedo em riste para o

Paul. – E vou solicitar ao juiz uma ordem de restrição contra você. Não
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
vai ter permissão nem para chegar a quinze metros de mim. Quero ver

como vai entrar e sair do prédio sem passar pela portaria.

— Vai, faz isso – disse Paul, com um sorriso desafiador. – Eu

simplesmente iria adorar. Aí posso te processar pessoalmente. Aliás,

honorário de advogado é uma coisa que aumenta bem depressa, então é

melhor começar a pensar em vender seu apartamento para pagar as custas.

– Ele teria continuado, mas Mindy entrou e bateu a porta, com estrondo.

— Ótimo – disse Roberto.

Paul não sabia se o porteiro estava brincando, ou estava mesmo do

seu lado. Fosse lá o que fosse, não tinha importância. Se fosse

preciso, podia demitir o Roberto. Aliás, podia demitir todos os

porteiros, e também o síndico. Levando as mãos ao rosto, saiu correndo

para furar o bloqueio dos paparazzi e entrou no carro.

Sentado em segurança no banco traseiro da sua Bentley, Paul

respirou fundo e começou a digitar instruções para a sua secretária.

Aquele confronto com a Mindy Gooch não o perturbou; depois de ter

conseguido orquestrar magistralmente a prisão do Sandy sem que ninguém

suspeitasse dele, Paul estava se sentindo autoconfiante e dono da

situação. Sandy já havia voltado para o escritório, depois de pagar a

fiança, mas não estava conseguindo se concentrar. Paul sabia que no fim

ele iria a julgamento, e podia ser preso. Quando fosse, Paul é que

assumiria seu cargo na empresa, e aquilo era apenas o começo. O

contrato da China estava indo às mil maravilhas, e no fim outros países

podiam ser forçados a comprar o algoritmo também. Ele queria chegar a

um trilhão de dólares. Não era tanto assim hoje em dia. A maioria dos

países tinha déficits desse nível.

Quando o carro começou a rumar para seu escritório do centro

comercial pela Park Avenue, Paul verificou as várias bolsas em torno do

mundo e recebeu um alerta pelo Google. Tanto ele quanto a esposa haviam
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
sido mencionados em um artigo sobre Billy Litchfield em um website

sobre a alta sociedade. Paul voltou a se perguntar se devia ter

acordado a mulher para lhe contar, pois pelo fuzuê em torno da morte do

Billy, percebia que devia ter subestimado a importância do assunto. Mas

já era tarde demais para voltar ao prédio e ainda era cedo demais para

telefonar. Decidiu lhe enviar uma mensagem de texto.

Escreveu: “Leia os jornais. Seu amigo Billy Litchfield faleceu.”

Por hábito, releu a mensagem rapidamente, e decidindo depois que ela

poderia dizer que era fria demais, acrescentou: “Um beijo, Paul.”

Furiosa, Mindy foi até o computador e escreveu: “ODEIO ESSE HOMEM.

ODEIO ESSE HOMEM. VOU MATÁ-LO.” Depois se lembro do Billy Litchfield e,

procurando seu nome pelo Google, viu que a notícia de sua morte tinha

sido publicada em todos os jornais. Billy tinha apenas 54 anos. Ela

ficou tão chocada que se sentiu até emocionada, depois pesarosa, e

apesar de se recordar de que, durante anos, não tinha gostado tanto

assim do Billy, considerando-o um esnobe, começou a soluçar. Mindy era

uma dessas mulheres que se orgulhavam de quase nunca chorar,

parcialmente porque, quando choravam, não ficavam nada bonitas. Seu

nariz e olhos inchavam e aí sua boca se abria e ficava toda torta,

enquanto coriza escorria de suas narinas.

Aquele lamento horrendo e estridente da Mindy acordou o Sam. Ele

sentiu um aperto no peito, de medo, presumindo que a mãe tinha

descoberto, de algum jeito, que ele tinha cortado os cabos da caixa do

apartamento dos Rice e estava para ser preso. Ele não tinha ainda

obtido a reação que esperava pelo seu ato, embora Paul Rice tivesse

certamente ficado furioso. Durante as últimas duas semanas, Sam tinha

ficado com medo de alguém descobrisse que tinha sido ele, mas a polícia

não tinha mesmo se importado de investigar, só interrogando o porteiro


ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 227
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
e Enid e alguns outros moradores na manhã seguinte. Só que agora já não

faziam mais interrogatórios, tinham se desinteressado. Sua mãe ainda

insistia que Thayer Core, redator de blogue, é que tinha sido o

culpado. Vivia escrevendo histórias horríveis sobre o Número Um. Sam,

porém, achava que Enid desconfiava dele.

— Vingança é uma coisa que pode acabar se voltando contra a gente,

Sam – disse ela uma tarde, quando ele a encontrou por acaso na calçada

perto do parque. – O insulto não vale o risco de punição. E no fim

alguém acaba aprendendo que o carma tem uma forma surpreendente de

resolver essas situações. É só sentar e esperar.

Preparando-se para o inevitável, Sam entrou no escritório da mãe.

— Que foi que houve?

Ela sacudiu a cabeça e abriu os braços, puxando-o meio sem jeito

para o seu colo.

— Morreu um amigo nosso.

— Ih – disse Sam, aliviado. – Quem foi?

— Billy Litchfield. Ele conhecia a Sra. Houghton.

— Aquele careca – disse Sam – que vivia acompanhando a Annalisa

Rice.

— Isso – disse Mindy. Recordando-se da cena que tinha acabado de

acontecer com o Paul Rice na portaria, voltou a ficar furiosa. Vou

contar à Annalisa o que houve com o Billy, eu mesma, pensou Mindy.

Beijando Sam e dispensando-o, ela foi à portaria imbuída de uma

determinação cruel.

Enquanto subia no elevador, percebeu que, como Paul sabia da morte

do Billy, Annalisa também provavelmente já sabia. Mas mesmo assim Mindy

queria ver como ela tinha recebido a notícia, torcendo para a Annalisa

estar super deprimida; estava achando que agora, que o Billy tinha

morrido, talvez os Rice saíssem de Nova York e voltassem para


ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 228
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Washington, que era o lugar deles. Ou talvez se mudassem para algum

lugar mais distante, outro país. Se fossem embora, ela não cometeria o

mesmo erro duas vezes com relação ao apartamento. Dessa vez, ela, Enid

e Phylip o dividiriam, e com todo o dinheiro que o James ia ganhar, por

fim, podia ser até que pudessem pagar.

Maria abriu a porta. Mindy olhou-a com raiva. Esses ricos, pensou

Mindy, sacudindo a cabeça. Nem mesmo querem se incomodar de abrir suas

próprias portas.

— A Sra. Rice está? – perguntou ela.

Maria levou o dedo à boca.

— Está dormindo.

— Vá acordá-la. Tenho uma coisa importante a lhe dizer.

— Não gosto de fazer isso, madame.

— Vai logo! – gritou a Mindy. – Eu sou a presidente do condomínio.

Maria recuou, assustada, e enquanto subia as escadas, correndo,

Mindy entrou no apartamento. Tinha mudado drasticamente desde que ela

tinha entrado ali para bisbilhotar no Natal, e não se parecia mais com

um hotel. Embora Mindy nada soubesse a respeito de decoração, sendo uma

dessas que deixam de reparar no ambiente cinco minutos depois, até

mesmo ela era capaz de avaliar a beleza da obra de Annalisa. O segundo

andar do triplex agora era lápis lazúli, e no centro havia uma mesa

redonda com incrustações de mármore na qual se via um enorme arranjo de

flores de macieira. Por um momento, Mindy esperou no segundo patamar,

mas quando viu que não vinha nenhum barulho das escadas, subiu até a

sala de estar. Ali havia uma série de sofás e divãs convidativos de

veludo azul e amarelo pastel, e um imenso tapete de seda com um desenho

de volutas de vários tons maravilhosos de laranja, rosa, creme e azul.

Annalisa Rice estava demorando a se levantar demais, pensou Mindy,

irritada, e sentou-se em um sofá forrado de pelúcia. Era estofado de


ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 229
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
penugem, tão macio que Mindy afundou nas almofadas. Cortinas de seda

listrada pendiam das janelas francesas e se amontoavam elegantemente no

chão, e espalhados pela sala viam-se mesinhas e mais arranjos florais.

Mindy suspirou. Se ao menos ela soubesse que o livro do James ia fazer

tanto sucesso, refletiu, arrependida. Aí aquela sala poderia ter sido

toda sua.

No último andar do triplex, Maria estava batendo à porta do quarto

da Annalisa. Annalisa esfregou a testa, desejando que a Maria fosse

embora, mas ela passou a bater de forma cada vez mais insistente.

Resignada, levantou-se da cama de dossel. Estava torcendo para poder

descansar mais, pois desde a prisão do Sandy Brewer, não tinha quase

dormido. Billy também estava certo de que ia ser preso, mas depois da

sua conversa com ele, não tinha atendido mais o telefone. Annalisa

tinha passado pelo menos cinco vezes no apartamento dele, mas ele não

atendia o porteiro eletrônico. Nem mesmo a Connie estava falando com

ela, nem com ninguém, aliás.

— Não sei mais quem são meus amigos – disse Connie. – Alguém nos

dedurou. Pelo que sei, pode ter sido você. Ou o Paul.

— Deixa de besteira, Connie. Nem eu nem o Paul teríamos qualquer

interesse em prejudicar você nem o Sandy. Naturalmente, está com medo.

Mas não sou sua inimiga. – Porém, essas suas argumentações não tinham

surtido efeito, e Connie havia desligado, dizendo-lhe para não ligar de

novo, pois seu advogado os havia proibido de falar com todo mundo. Paul

era o único que misteriosamente parecia não estar se sentindo abalado,

ou, ao contrário, corrigiu Annalisa, parecia que tinha até se animado.

Tinha se tornado menos ensimesmado e misterioso, e finalmente

concordado em permitir que fotografassem o apartamento para a capa da

revista Architectural Digest. O único obstáculo é que ela ainda


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
precisava obter permissão do prédio para que os equipamentos

fotográficos fossem trazidos até ali pelo elevador de serviço.

Calçando um par de chinelos de veludo e um roupão pesado de seda,

ela abriu a porta do quarto.

— Tem uma senhora lá embaixo – disse Maria, olhando sobre o ombro,

nervosa.

— Quem? – disse Annalisa.

— Aquela senhora. Do edifício.

— Enid Merle?

— A outra. A malvada.

— Ah, a Mindy Gooch. – O que a Mindy queria agora? Provavelmente

tinha alguma reclamação recente a fazer contra o Paul. O que era

atrevimento dela, considerando-se que Paul desconfiava que Sam havia

cortado os cabos. Annalisa ficou cética. “Você, desconfiado de um

menino de treze anos?”, tinha zombado ela. “Isso não tem cabimento.”

E naquele momento disse à Maria:

— Faz café, por favor, Maria. E prepara uns croissants daqueles

gostosos.

— Sim, patroa – disse Maria.

Annalisa escovou os dentes com toda a calma e lavou cuidadosamente

o rosto. Vestiu uma blusa branca folgada e calças azul-marinho e

colocou o anel de brilhante que Paul tinha lhe dado no dedo anular da

mão direita. Desceu, e ficou irritada ao ver Mindy sentada

confortavelmente na sala de estar, examinando uma caixa de cartões

vitoriana de prata.

— Alô – disse Annalisa, formalmente. – Maria vai nos servir café na

sala de desjejum. Venha comigo, por favor.

Mindy levantou-se, recolocando o objeto na mesa de canto. Muito

bem, pensou ela, segundo Annalisa pelo apartamento. Annalisa tinha


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
mesmo se comportando como uma grã-fina, mas isso era típico de gente

endinheirada; no final, sempre achavam que eram melhores que todos os

outros. Fazendo um gesto para Mindy se sentar, Annalisa serviu café em

duas xícaras de porcelana com beiradas esmaltadas.

— Açúcar? – indagou. – Ou gosta de adoçante?

— Açúcar – murmurou Mindy, franzindo o cenho. Pegou a colherzinha

minúscula de prata e encheu várias colheres, despejando-as na xícara. –

Decorou o apartamento muito bem. Está lindo – elogiou, relutante.

— Obrigada – disse Annalisa. – Vai ser fotografado para a capa da

Architectural Digest. Eles vão precisar usar o elevador de serviço. Vou

informar ao síndico a data, com antecedência. – E olhou Mindy direto

nos olhos. – Presumo que não vá se opor a isso.

— Acho que não tem problema – disse Mindy, incapaz de encontrar uma

objeção razoável.

Annalisa concordou, e tomou um gole de café.

— E agora, o que posso fazer por você?

— Então não sabe ainda? – disse Mindy. E semicerrou os olhos, na

expectativa de saborear o efeito do golpe que estava para desfechar. –

Billy Litchfield morreu.

A mão de Annalisa paralisou-se, mas depois ela calmamente tomou

novo gole de café. Enxugou os lábios delicadamente com um guardanapinho

de linho.

— Mas que pena – disse ela. – O que houve?

— Ninguém abe. Schiffer Diamond encontrou-o morto em seu

apartamento ontem à noite. Mindy olhou de relance para Annalisa,

surpresa por ela não estar demonstrando a menor reação à notícia. Havia

olheiras azuladas sob seus olhos, mas suas íris cor de cinza-ardósia

fitavam-na friamente, quase desafiadoras, pensou Mindy. – Os fotógrafos

se aglomeraram em frente à portaria – disse ela. – Todos sabem que você


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
e Billy eram bons amigos. E você sai sempre nas colunas sociais. Então

pode ser que queira ficar fora de circulação uns dias.

— Obrigada – disse Annalisa. E recolocou a xícara no pires. – Mais

alguma coisa? – indagou.

— Acho que não – disse Mindy, perdendo de repente a coragem de

falar que Paul a havia agredido naquela manhã, ou de comentar o fato de

que Mindy queria que saíssem do prédio.

— Então, passar bem – disse Annalisa. A entrevista havia claramente

terminado, e Mindy também foi obrigada a se levantar. À porta, ela se

virou, uma vez mais querendo falar do Paul e do seu comportamento, mas

o rosto de Annalisa estava impassível.

— Sobre o Paul – começou Mindy.

— Hoje não – disse Annalisa. – E nem em nenhum outro dia. Obrigada

pela visita. – E fechou firmemente a porta. Lá fora, no pequeno

corredor. Mindy ouviu-a trancar a porta.

Depois que Mindy já tinha ido embora, Annalisa subiu correndo as

escadas e agarrou a BlackBerry. Estava para ligar para o Paul, quando

viu a mensagem de texto dele. Então ele também já sabia. Ao descer, foi

para a sala de estar e afundou em uma poltrona. Sentiu um desejo

urgente de ligar para alguém, qualquer um, para lamentar a morte do

Billy, mas percebeu que não tinha com quem falar. Todos que ela

conhecia nesse mundo eram amigos do Billy e da Connie, e relativamente

estranhos. Billy tinha sido mais do que um melhor amigo, porém. Tinha

sido seu guia e conselheiro, tinha tornado aquele mundo divertido e

interessante. Sem ele, ela não sabia o que iria fazer. E agora, para

quê tudo aquilo? Inclinou-se para a frente, apoiando a cabeça nas mãos.

Maria entrou na sala.

— Sra. Rice? – chamou.


ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 233
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Annalisa imediatamente endireitou a coluna e alisou a pele sob os

olhos.

— Estou bem – disse ela. – Só preciso ficar sozinha um momento.

Um andar abaixo, Enid Merle empurrou o portãozinho que separava seu

terraço do de Philip, e bateu na porta envidraçada dele. Philip abriu-a

parecendo, como parecia desde que tinha voltado de Los Angeles,

extremamente infeliz. Enid não sabia se era aquele seu relacionamento

com a Lola o que o estava deixando deprimido, ou se era o fato de que

estavam vendo a Schiffer Diamond em toda parte da cidade com o Derek

Brumminger.

— Já ouviu a notícia? – indagou ela.

— E agora, o que foi?

— Billy Litchfield morreu.

Philip levou as mãos aos cabelos.

Lola saiu do quarto de camiseta e cuecas samba-canção do Philip.

— Quem morreu? – indagou ela, interessada.

— Billy Litchfield – murmurou Philip.

— Eu conheço? – perguntou Lola.

— Não – respondeu Philip, rispidamente.

— Tá bem – disse Lola. – Não precisa gritar.

— Schiffer encontrou o corpo – disse Enid, falando com Philip. –

Imagina só. Precisar telefonar para ela.

— Schiffer Diamond encontrou o corpo? – exclamou Lola,

entusiasmada. E passou correndo por Enid e Philip, indo até o terraço e

olhando por cima da beirada. Havia uma multidão de fotógrafos e

repórteres em frente à portaria, e ela reconheceu o alto da cabeça do

Thayer Core. Porcaria, pensou ela. Thayer provavelmente ia ligar para

ela a qualquer momento pedindo informações, e ela ia precisar passar o


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
que sabia para ele. Se não passasse, ele ameaçaria outra vez publicar o

roteiro inacabado do Philip, e o Philip ficaria furioso.

Ela voltou para dentro.

— Vai ligar para a Schiffer? – perguntou a Philip.

— Vou – disse Philip. E entrou no escritório, fechando a porta.

Enid olhou para Lola e sacudiu a cabeça.

— E agora, o que é? – perguntou Lola, invocada. Enid só voltou a

sacudir a cabeça e voltou para o seu apartamento. Lola sentou-se no

sofá, amuada. Philip tinha acabado de superar o baque de ver suas

coisas todas fora do lugar, e não batia mais as portas dos armários

toda vez que estava na cozinha. Mas agora aquele tal do Billy

Litchfield tinha morrido, e Philip ia ficar mal-humorado de novo. Tudo

acabava sendo culpa da Schiffer Diamond. Philip ia ter que prestar

atenção nela, e Lola ia precisar imaginar alguma coisa para se livrar

dela de novo. Lola deitou-se no sofá, esfregando distraidamente a

barriga. Ahá, pensou. Já sabia o que fazer: ia engravidar.

Philip saiu do escritório, entrou no quarto e começou a se vestir.

Lola seguiu-o.

— Falou com ela? – indagou.

— Sim – disse Philip, tirando uma camisa do armário.

— E aí? Como ela está?

— Como você acha? – indagou Philip.

— Aonde está indo agora? – perguntou Lola.

— Visitá-la.

— Posso ir? – perguntou Lola.

— Não – disse Philip.

— Por que não?

— Ela está trabalhando. Numa locação. Não é apropriado.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Mas e eu? – indagou Lola. – Também estou transtornada, olha. – E

estendeu as mãos. – Estou tremendo.

— Agora não, Lola, por favor – disse ele, empurrando-a e saindo do

apartamento.

Dito e feito, o telefone dela começou a soltar bips momentos

depois, anunciando uma mensagem de texto do Thayer Core. “Acabei de ver

o Philip saindo do edifício. Q é q há?”

Lola pensou um momento, e, percebendo que tinha uma oportunidade de

tornar a vida da Schiffer mais difícil, escreveu: “Foi falar com a

Schiffer Diamond. Ela está trabalhando em uma locação em algum ponto da

cidade.”

No apartamento ao lado, Enid também estava se preparando para sair.

Suas fontes haviam-na informado de que Billy era suspeito de

envolvimento na venda da cruz ao Sandy Brewer, embora o envolvimento do

Billy Litchfield não fosse a única coisa que a tivesse deixado perplexa.

Desceu até a portaria, passando pelo apartamento dos Gooch. Lá

dentro, a Mindy estava ao telefone, falando com o escritório.

— Não vou trabalhar hoje – informou ela. – Um grande amigo meu

faleceu inesperadamente, e estou transtornada demais para sair de casa.

– Desligou e abriu um arquivo novo para o blogue, já decidida a usar a

morte do Billy como tema. “Hoje, oficialmente entrei na meia-idade”

escreveu. “Não vou esconder a verdade. Em vez disso vou anunciar de

cima dos telhados: sou uma mulher de meia-idade. A morte recente e

precoce de um de meus mais queridos amigos me mostrou o inevitável.

Finalmente atingi a idade em que os amigos começam a morrer. Não os

pais, todos esperamos isso. Mas os amigos. Nossos iguais. Minha

geração. E isso me fez questionar quanto tempo mais eu terei de vida, e

o que vou fazer com esse tempo.”


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Atravessando a rua, Enid bateu à porta da Flossie Davis, e depois

entrou com sua própria chave. Ficou surpresa de encontrar a Flossie

fora da cama, sentada na sala de estar, olhando pela janela a comoção

em frente ao Número Um da Quinta Avenida.

— Estava pensando quanto tempo você levaria para vir até aqui –

disse Flossie. – Está vendo? Eu tinha razão o tempo todo. A cruz estava

no apartamento da Louise Houghton. E ninguém acreditou em mim. Não sabe

o que tem sido saber a verdade esses anos todos sem que ninguém

acreditasse. Você não sabe...

— Chega – disse Enid, interrompendo-a. – Nós duas sabemos que você

é que roubou a cruz. E a Louise descobriu, fazendo você entregar a cruz

a ela. Por que ela não te denunciou? O que sabe sobre ela?

— E você se considera uma colunista social – disse Flossie,

estalando a língua. – Para ser quem é, levou um tempão para descobrir

isso.

— Por que a roubou?

Flossie prendeu o riso.

— Por que eu a queria. Era tão bonita! E estava ao meu alcance. E

só ia ficar trancafiada naquele museu idiota com todas as outras coisas

mortas. E a Louise me viu pegando-a. Eu não sabia que ela havia me

visto até ir ao desfile da Pauline Trigère. Louise sentou-se ao meu

lado, coisa que nunca tinha feito antes. “Sei o que tem na bolsa”,

murmurou. Louise já era assustadora naquela época. Tinha aqueles olhos

azuis estranhos, quase cinzentos. “Não sei do que está falando”,

respondi. Na manhã seguinte, Louise desceu ao meu apartamento. Eu

estava morando no apartamento do Philip naquele tempo. Ele não tinha

nascido ainda. E você trabalhava na redação do jornal e não prestava

atenção a ninguém que não fosse você mesma.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Enid concordou, lembrando-se. Como a vida era diferente naquele

tempo! Família inteiras moravam em um apartamento de dois quartos,

dividindo um banheiro, mas a família deles tinha tido sorte. Seu pai

tinha comprado os dois apartamentos um ao lado do outro, e estava para

transformá-los em um só apartamento grande quando subitamente morreu de

enfarte, deixando um apartamento para Enid e o outro para Flossie e sua

filhinha. “Louise acusou-me de levar a cruz”, disse Flossie,

continuando a história. “Ameaçou me entregar à polícia. Disse que eu ia

ser presa. Sabia que eu era viúva, e que estava tentando criar a minha

filha. Disse que ia se apiedar de mim se eu lhe entregasse a cruz.

Depois ia recolocá-la no museu, e ninguém ia ficar sabendo.

— Mas ela não a devolveu – disse Enid.

— Isso – disse Enid. – Porque queria a cruz para si. Queria a cruz

desde o começo. Era uma gananciosa. Além disso, se tivesse devolvido a

cruz ao museu, não teria sido possível usá-la para me calar.

— Você conhecia algum segredo dela – disse Enid. – Mas o que era?

Flossie olhou em torno de si, para ver se alguém poderia escutá-la.

Deu de ombros, depois inclinou-se para diante na cadeira de rodas.

— Agora que ela morreu, não pode mais me causar mal. Portanto, por

que não contar? Por que não contar ao mundo inteiro? Louise era uma

assassina.

— Ai, Flossie – disse Enid, sacudindo a cabeça, pesarosa.

— Não acredita? – disse Flossie. – Mas acontece que é verdade. Ela

matou o marido dela.

— Todos sabem que ele morreu de infecção causada por estafilococos.

— E foi isso que a Louise fez as pessoas acreditarem. E ninguém

nunca a questionou porque ela era Louise Houghton. – Flossie começou a

chiar de empolgação. – E todos se esqueceram, mas lembra aquele tempão

que ela passou na China antes de vir para Nova York? Será que alguém
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
algum dia quis descobrir o que ela plantava no terraço? O que havia na

estufa dela? Eu quis. E um dia descobri. “Beladona”, disse eu. “Se você

me entregar, eu te entrego também.” E ela não ousou mais devolver a

cruz. Sem ela, teria ficado sem ter o que usar contra mim, para calar

minha boca.

— Não faz sentido – disse Enid.

— Quem disse que precisava fazer sentido? – disse Flossie. – Sabe

perfeitamente por que foi. Louise não queria sair daquele apartamento.

Era seu orgulho e sua alegria. E depois de ter gasto um milhão de

dólares para reformá-lo e deixá-lo como ela queria, e todos passarem a

chamá-la de rainha da sociedade, vem o marido e diz que quer vendê-lo.

E ela não tinha como evitar. Ele é que era o dono do dinheiro, e o

apartamento estava no nome dele. Sempre tinha sido precavido.

Provavelmente já tinha descoberto quem era a verdadeira Louise. E

batata, ela o mandou fazer aquela viagem, e duas semanas depois, ele já

estava morto.

— Sabe que não está segura ainda – disse Enid. – Agora que a cruz

foi descoberta, vão reabrir o caso. Alguma outra pessoa pode ter visto

você levar a cruz. Talvez algum guarda, que ainda esteja vivo. Você

ainda pode ser presa.

— Você nunca disse coisa com coisa! – replicou Flossie, indignada.

– A Louise subornou os guardas. Quem é que vai contar à polícia, você?

Você entregaria sua própria madrasta? Se fizer isso, vai precisar

contar a história toda. Que Louise era uma assassina. Nunca vai fazer

isso. Não ousaria. Vai fazer tudo que puder para preservar a reputação

daquele edifício. Eu não me surpreenderia se você mesma cometesse

suicídio. – Flossie respirou fundo, preparando-se para novo ataque de

chiadeira. – Nunca entendi gente como você. É só uma porcaria de um

edifício. Tem milhões deles em Nova York. Agora vai embora. – E Flossie
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
começou a chiar. Depois de Enid ter ido buscar um copo d’água e se

certificar de que o ataque tinha passado, saiu.

Fora do prédio, Enid ficou parada na calçada em frente ao Número

Um, contemplando o edifício. Tentou vê-lo da mesma forma que Flossie o

via, como apenas mais um edifício, mas não foi possível. O Número Um

era como uma obra de arte viva, exclusiva e maravilhosamente

trabalhada, posicionada perfeitamente no fim da Quinta Avenida, nas

proximidades, porém não perto demais, do Parque Washington Square. E

também havia o endereço: “Número Um da Quinta Avenida.” Impecável e

imponente, e implicando uma infinidade de coisas: alta classe, dinheiro

e prestígio e até, pensou Enid, um pouco de magia, aquela magia da vida

real que tornava a vida tão infinitamente interessante. Flossie estava

errada, decidiu Enid. Todos queriam morar no Número Um da Quinta

Avenida, e se não quisessem, era só porque não tinham imaginação. Fez

sinal para um táxi que passava, e sentando-se no banco de trás, deu ao

motorista o endereço da Biblioteca Pública de Nova York.

Alan, o assessor de imprensa, bateu à porta do trailer da Schiffer

Diamond na locação. A agente, Karen, entreabriu-a.

— Philip Oakland está aqui – disse Alan, afastando-se para um lado

para deixar Philip passar. Atrás dele estava um grupo de paparazzi e

duas equipes de telejornal, que haviam descoberto onde era a locação

onde a série ia ser filmada naquele dia, no Instituto Ucraniano da

Quinta Avenida, e depois o trailer da Schiffer em uma transversal.

Billy Litchfield não era de grande interesse para eles, mas Schiffer

Diamond era. Ela havia encontrado o corpo. Era possível que tivesse

algo a ver com aquela morte, ou soubesse algo a respeito dela, ou que

tivesse dado drogas ao Billy, ou tomado drogas ela mesma. No trailer

havia um sofá de couro, uma mesinha, um toucador para maquiagem, um


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
banheiro com ducha e um minúsculo quarto de dormir com uma cama de

solteiro e uma cadeira. O advogado, Johnnie Toochin, que tinha sido

chamado para controlar os danos, estava sentado no sofá de couro,

falando ao telefone.

— Oi, Philip – disse Johnnie, erguendo a mão para cumprimentá-lo. –

Que zona, hein?

— Onde está ela? – perguntou Philip à Karen, que indicou o quarto.

Philip abriu a portinha estreita. Schiffer estava sentada na cama de

roupão de tecido atoalhado, as pernas cruzadas. Estava com um roteiro

nas mãos, de olhar parado, mas ergueu os olhos quando Philip entrou.

— Não sei se vou conseguir fazer isso hoje – disse ela.

— Claro que vai. Você é uma grande atriz – disse Philip. E sentou-

se na cadeira em frente a ela.

— Essa foi uma das últimas coisas que o Billy me disse – disse ela,

e puxou o roupão, apertando-o em torno do corpo, como se estivesse com

frio. – Sabe, se não fosse o Billy, nós talvez nunca tivéssemos nos

conhecido.

— Teríamos nos conhecido sim. Não sei como, mas teríamos.

— Não – disse ela, sacudindo a cabeça. – Eu não teria me tornado

atriz, e não teria participado de Manhã de Verão. Vivo pensando em como

a oportunidade de conhecer uma pessoa pode mudar a vida de alguém. Será

destino ou coincidência?

— Mas você teve essa oportunidade. E a aproveitou.

— Isso, Philip – disse ela. E olhou para ele, com uma expressão

vulnerável. Não tinha aplicado maquiagem ainda. Seu rosto estava lavado

e havia algumas ruguinhas ao redor dos seus olhos. — Vivo imaginando

por que não conseguimos aproveitar a nossa oportunidade de ficar

juntos. E fazer nossa relação dar certo também.

— Eu pisei na bola outra vez, não pisei? – disse Philip.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Pisou – concordou ela. – E acho que eu também. Todos esses anos,

fiquei pensando, e se...? E se não tivesse ido para a Europa, ou e se

tivesse ido te visitar durante o tempo que você passou em Los Angeles?

— Ou se eu tivesse conseguido acabar meu namoro com a Lola? –

indagou Philip. – Você ainda estaria com o Brumminger?

— E precisa perguntar? – disse Schiffer.

— Preciso – disse Philip. – Acho que nunca consegui fazer a

pergunta certa.

— Será que um dia vai conseguir, Philip? Se não, é melhor acabarmos

com isso agora, neste momento. Eu preciso saber. Quero seguir em

frente, de um modo ou de outro. Quero que as coisas se definam sem

sombra de dúvida.

Philip recostou-se na cadeira, e levou as mãos aos cabelos. Depois

começou a rir.

— No que é que está achando tanta graça? – indagou ela.

— Nisto tudo – disse ele. – Nesta situação. Olha só – disse ele,

sentando-se ao lado dela na cama e pegando-lhe a mão. – Essa

provavelmente é a pior hora para lhe fazer essa pergunta... mas você

quer mesmo se casar comigo?

Ela olhou para a mão dele, e sacudiu a cabeça.

— O que é que você acha, estudante?


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
19

Umas duas horas depois, Schiffer Diamond, maquiada e usando um

vestido longo para a cena no Instituto Ucraniano, saiu do trailer.

Philip ainda estava segurando sua mão, como se não ousasse soltá-la, e

depois que a ajudou a descer os degraus, os fotógrafos aproximaram-se

com as câmeras nas mãos. Philip e Schiffer entreolharam-se e começaram

a correr pela calçada até um furgão que os aguardava. Os paparazzi

foram pegos de surpresa, a multidão acotovelou-se e dois fotógrafos

caíram. Contudo, Thayer Core conseguiu sacar o seu iPhone e tirar uma

foto do feliz casal, que imediatamente enviou a Lola. “Acho que teu

namorado está te traindo”, escreveu.

Lola recebeu a mensagem na mesma hora e tentou ligar para o Philip.

Tinha desconfiado que uma coisa assim podia acontecer, mas agora que

tinha acontecido, não conseguia acreditar nela. Philip não atendeu o

telefone, é claro, portanto ela enviou nova mensagem ao Thayer Core

perguntando onde ele estava. Aí abriu a porta do armário para se

vestir, as mãos tremendo tão violentamente de frustração e raiva que

ela derrubou várias blusas dos cabides. Isso lhe deu uma idéia

perversa, e ela foi até a cozinha, encontrou a tesoura e, tirando

várias calças jeans da prateleira do lado do armário que pertencia a

Philip, cortou-lhes as pernas fora. Tornou a dobrar os jeans cortados,

recolocando-os na prateleira. Depois chutou as pernas deles para baixo

da cama, aplicou maquiagem no rosto e saiu.

Encontrou Thayer atrás de uma barricada policial na rua 79. Por ali

por perto o clima era carnavelesco, com a presença dos paparazzi

chamando a atenção dos passantes, que ficavam parando a toda hora para

descobrir o que estava acontecendo.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Vou entrar – anunciou Lola, sinistramente, contornando a

barricada. Quatro motoristas de caminhão de elenco bastante avantajados

estavam bloqueando a entrada. — Sou namorada do Philip Oakland –

anunciou ela, tentando explicar por que deviam deixá-la passar.

— Desculpe – disse um dos motoristas, impassível.

— Sei que ele está aí dentro. E preciso falar com ele – lamuriou-se

Lola.

Uma jovem passou entre os curiosos para se aproximar dela.

— Disse que é a namorada do Philip Oakland?

— Isso – confirmou Lola.

— Ele acabou de entrar com a Schiffer Diamond. Pensamos que eles é

que estavam juntos.

— Eu é que sou namorada dele – disse Lola. – Eu moro com ele.

— Está brincando – disse a moça, pondo o celular diante do rosto da

Lola para gravar suas declarações. – Qual é o seu nome?

— Lola Fabrikant. Philip e eu já estamos juntos faz meses.

— E a Schiffer Diamond o roubou de você?

— Sim – disse Lola, percebendo que tinha uma oportunidade de

desempenhar um papel significativo naquele drama. Procurou simular seu

tom de voz mais confuso, para poder ficar à altura da tensão emocional

do momento, e afirmou:

— Hoje de manhã eu acordei e tudo estava bem. Duas horas depois,

alguém me enviou uma mensagem com uma foto dos dois de mãos dadas.

A garota soltou um gritinho de horror.

— Você acabou de descobrir?

— Exatamente. E pode ser até que eu esteja esperando um filho dele.

— Mas ele é um canalha! – declarou a moça, manifestando

solidariedade feminina.
ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 244
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Ao ouvir esse pronunciamento sobre o caráter do Philip, Lola ficou

momentaneamente preocupada, achando que tinha ido longe demais. Não

tinha pretendido dizer que estava grávida, mas ali na hora isso saiu, e

agora ela não podia mais voltar atrás. Além disso Philip tinha mesmo se

comportado como um canalha com ela. E certamente era possível que ela

estivesse grávida.

— Brandon! – gritou a moça, acenando para um dos fotógrafos e

apontando para a Lola. – Ela está dizendo que é namorada do Philip

Oakland. E vai ter um filho dele. Precisamos tirar uma foto. – O

fotógrafo debruçou-se por cima da barricada e tirou uma foto da Lola.

Dentro de segundos, o restante da manada o imitou, assestando as

câmeras nela e tirando fotos. Lola pôs as mãos nos quadris e posou,

bastante desenvolta e feliz por ter tido a idéia brilhante de calçar

sapatos de salto alto e vestir uma capa impermeável. Por fim, sorriu,

sabendo que era crucial que saísse deslumbrante nas fotos que sem

dúvida iriam aparecer em um mundo de sites da Internet em uma questão

de horas.

A morte do Billy não foi considerada suicídio, mas overdose

acidental. Ele não tinha tomado tantas pílulas quanto se suspeitava;

tinha sido a combinação de quatro tipos diferentes de medicamentos que

tinha acabado com a sua vida. Duas semanas depois da sua morte,

mandaram rezar uma missa fúnebre na igreja de Santo Ambrósio, onde

Billy tinha chorado a morte da Sra. Louise Houghton apenas nove meses

antes.

Depois se descobriu que Billy tinha recentemente redigido um

testamento, deixando todos os seus bens terrenos para sua sobrinha, e

solicitando que uma missa fosse rezada na igreja frequentada pela sua

ídola, a Sra. Louise Houghton. Muitas das centenas de pessoas que


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
conheciam Billy compareceram, e embora os Brewer tivessem alegado que

Billy tinha lhes vendido a Cruz da Mary a Sanguinária, não havia,

segundo as pessoas concordavam, nenhuma prova disso, principalmente

quanto Johnnie Toochin revelou que a Sra. Houghton tinha deixado para

Billy uma caixa de madeira cheia apenas de bijuterias. Porém, a caixa

jamais foi descoberta, e portanto a proveniência da cruz permaneceu um

mistério, e a reputação de Billy continuou intacta.

Durante a missa fúnebre, várias pessoas prestaram tributo à sua

memória, dizendo que ele tinha representado uma certa era em Nova York,

e com seu passamento essa era havia se encerrado.

— Nova York não é mais Nova York sem o Billy Litchfield – declarou

um banqueiro de fortuna antiga, que era marido de uma famosa socialite.

Talvez não fosse, pensou Mindy, mas continuava ali, a mesma de

sempre. Como que confirmando esse fato, Lola Fabrikant entrou

precipitadamente lá pelo meio da cerimônia, causando grande alvoroço no

fundo da igreja. Estava de vestido preto de decote cavado, e,

inexplicavelmente um chapeuzinho preto com véu cobrindo-lhe apenas os

olhos. Lola tinha achado que o chapéu a tornaria mais misteriosa e

fascinante e combinava com seu novo papel de jovem desprezada. No dia

após Schiffer e Philip terem sido fotografados juntos, a foto de Lola

já havia saído em três jornais, e houve debates sobre ela em seis

blogues, nos quais o consenso geral foi que ela era uma gracinha e

podia arranjar coisa melhor que o Philip. Mas depois disso, o interesse

por ela rapidamente desapareceu. Agora, embora ela fosse provavelmente

encontrar Philip, Schiffer e Enid, ela e Thayer tinham decidido que ela

devia comparecer à missa do Billy, mesmo que fosse apenas para recordar

as pessoas de sua existência.

Lola tinha concordado relutantemente. Ela poderia enfrentar Philip

e Schiffer se fosse preciso, mas estava morrendo de medo da Enid. No


ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 246
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
dia em que tinha ido confrontar-se com Philip na locação do Instituto

Ucraniano, tinha voltado ao Número Um da Quinta Avenida depois de ter

sido “acossada” – palavras suas – pelos paparazzi, percebendo que se

ficasse por ali mais um pouco o clima de mistério em torno dela se

desvaneceria. Uma vez segura dentro do apartamento de Philip, esperou

por ele a tarde inteira, analisando e reanalisando a situação, e

desejando que pudesse desfazer todo o malfeito. Recordou-se de que não

sabia se realmente o Philip e a Schiffer estavam juntos; ele podia

apenas estar consolando a amiga, afinal de contas. Porém, mais ou menos

às cinco horas, Enid apareceu no apartamento, aproximando-se de Lola

sorrateiramente, pelas costas, enquanto ela estava na cozinha servindo-

se de mais uma dose de vodca. Lola levou um susto tão grande que quase

deixou a garrafa cair.

— Ah, querida, que bom que você está aí – disse Enid.

— Onde mais eu poderia estar? – indagou Lola, nervosa, tomando um

gole da bebida.

— A questão é onde devia estar? – disse Enid, dando um largo

sorriso e sentando-se no sofá, indicando o lugar ao seu lado com

tapinhas na almofada. – Venha cá, querida – disse a Lola, dando-lhe um

sorriso assustador. – Quero falar com você.

— Cadê o Philip? – replicou Lola.

— Imagino que esteja ainda com Schiffer.

— Por quê?

— Não sabia, querida? Ele é apaixonado por ela. Sempre foi, e,

infelizmente para você, sempre será.

— O Philip lhe pediu para me dizer isso ou foi sua iniciativa?

— Desde esta manhã que não falo com o Philip. Mas falei com várias

outras pessoas que me informaram que você vai aparecer nos jornais

amanhã. Não fique tão surpresa, minha querida – disse Enid. – Trabalho
ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 247
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
em um jornal. Tenho muitos, mas muitos contatos mesmo, viu? Essa é uma

das vantagens de envelhecer. A gente faz muitos amigos. Tem certeza de

que não quer se sentar?

Lola tentou pedir clemência.

— Ai, Enid – gritou, ajoelhando-ose, e afundando a cabeça no sofá,

envergonhada. – Não foi culpa minha. Uma moça chegou para mim e eu não

sabia o que dizer. E ela então me obrigou a dizer isso, não sei como.

— Calma, calma – disse Enid, acariciando a cabeça da Lola. –

Acontece com todo mundo, pelo menos uma vez na vida. Você era como uma

cobra, que estava para ser atacada por mangusto.

— Isso mesmo – disse Lola, embora não fizesse a menor idéia do que

era um mangusto.

— Eu posso resolver tudo. Só preciso saber se está mesmo grávida,

querida.

Lola sentou-se e tateou ao seu redor, procurando o copo.

— Pode ser que eu esteja – disse, agora desafiadora.

Enid cruzou as pernas.

— Se está mesmo esperando um filho do Philip, sugiro que despeje

essa vodca na pia. Imediatamente.

— Eu já lhe disse – disse Lola. – Não sei se estou grávida ou não.

— Por que não nos certificamos, então? – disse Enid. E pegou uma

caixa de teste de gravidez dentro de um saco de papel.

— Não pode me obrigar a fazer isso – gritou Lola, dando um pulo

para trás, apavorada.

Enid lhe estendeu a caixa. Quando Lola sacudiu a cabeça, Enid a

colocou na mesinha de centro, entre elas.

— Onde está o Philip? – indagou Lola. – Se o Philip soubesse o que

está fazendo...
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Philip é homem, querida. E infelizmente, ligeiramente fraco.

Principalmente diante de histeria feminina. Os homens simplesmente não

suportam histeria, entende? Eles se desligam. – Enid cruzou os braços

e, olhando Lola da cabeça até os pés, disse, procurando tranquilizá-la.

– Eu só estou pensando no seu bem. Se estiver grávida, vai precisar de

alguém que cuide de você. Naturalmente, vai ter o bebê. Seria

maravilhoso se o Philip tivesse um filho. E vamos cuidar do seu

sustento pelo resto da vida. Eu tenho um quarto extra, e você pode

morar comigo. – E fez uma pausa. – Por outro lado, se não estiver

grávida, vou procurar abafar essa história e evitar que seja divulgada.

Com pouquíssimo prejuízo para você. – Enid deu mais um sorriso

aterrorizante para a Lola. – Mas, como disse, não posso obrigá-la a

fazer o teste. Se não o fizer, porém, vou presumir que não está

grávida. E se não estiver e continuar mentindo que está, vou

transformar sua vida num verdadeiro inferno.

— Não me venha com ameaças, Enid – avisou a Lola. – Quem me ameaça

se arrepende depois.

Enid riu.

— Deixa de bobagem, querida. Ameaças só são eficazes se quem ameaça

tem poder para executá-las. E você, meu amor, não tem. – Ela se

levantou. – Já estou tolerando suas irresponsabilidades há bastante

tempo. Mas hoje você me deixou muito, mas muito zangada mesmo. – Ela

fez um sinal com a cabeça para a mesinha de centro. – Faz o teste.

Lola pegou a caixa. Enid era idosa, mas era ainda a mais malvada

das meninas malvadas que Lola já havia conhecido, e Lola tinha medo

dela. Tanto que realmente fez xixi no indicador plástico e entregou-o à

Enid, que o examinou com uma satisfação austera.

— Sorte sua, minha querida – disse Enid. – Pelo jeito você não

estava grávida, afinal. Se estivesse, podia ser que tudo ficasse mais
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
complicado. Não saberíamos quem era o pai, se era o Philip ou o Thayer

Core. E isso não é jeito de trazer uma criança ao mundo, é?

Lola pensou em reagir de cem modos diferentes, depois do fato. No

momento, encarando a Enid, não conseguia nem pensar no que dizer.

— Considere essa uma oportunidade, querida – disse Enid. – Você tem

só 22 anos. Tem chance de recomeçar. Conversei durante muito tempo com

sua mãe esta tarde, e ela está vindo para cá buscar você e levá-la de

volta para Atlanta. É uma mulher adorável, a sua mãe. Ela deve chegar

dentro de uma hora. Já reservei um quarto para vocês no Four Seasons

para você poder aproveitar sua última noite em Nova York.

— Ah, não – disse Lola, por fim recuperando a fala. Olhou em torno

de si, apavorada, viu sua bolsa ao lado da porta, e apanhou-a. – Não

vou sair de Nova York.

— Seja sensata, querida – disse Enid.

— Não pode me obrigar – berrou Lola. E abriu a porta, sabendo

apenas que precisava fugir dali. Apertou desesperada o botão do

elevador, enquanto Enid se aproximava dela, no corredor.

— Para onde vai? Não tem para onde ir, Lola.

Lola lhe deu as costas, e apertou de novo o botão. Para onde tinha

ido o elevador?

— Não tem dinheiro – disse Enid. – Não tem apartamento, nem

emprego. Não tem escolha.

Lola virou-se para ela outra vez.

— Não me importa.

O elevador chegou, por fim, e ela entrou.

— Vai se arrepender – disse Enid. Quando as portas já estavam se

fechando, Enid tentou mais uma vez dissuadi-la. – Vai ver só – gritou,

acrescentando irritada – Seu lugar não é em Nova York.


ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 250
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Naquele momento, na igreja, Lola se lembrou, feliz, como o plano da

Enid tinha saído pela culatra. Aquela sua afirmativa de que o lugar de

Lola não era em Nova York só a havia deixado ainda mais determinada.

Nas últimas duas semanas, tinha passado por muitas provações, ao voltar

para casa da mãe, que tinha suplicado para Lola ficar em Windsor Pines

e até tentou arrumar para ela um marido, o filho de uma de suas amigas,

que ia se formar em Administração. Mas Lola não quis saber de nada.

Vendeu vários pares de sapatos e duas bolsas pelo eBay, reunindo

dinheiro suficiente para voltar a Nova York. Obrigou Thayer a aceitá-la

no seu apartamento, e por enquanto estava morando com Thayer e Josh

naquele seu buraquinho e dividindo a caminha minúscula do Thayer com

ele. No terceiro dia lá, ela tinha tido um ataque de fúria e chegou a

limpar o banheiro e a pia da cozinha. E depois o Josh, aquele nojento,

pensando que ela era fácil, tinha tentado beijá-la, e ela foi obrigada

a lhe dar uns socos para se livrar dele. Não ia poder ficar com Thayer

muito tempo. Tinha que encontrar um lugar para morar que fosse só dela,

mas como?

Tentou espichar o pescoço, procurando Philip e Enid além das muitas

cabeças que lhe bloqueavam a visão. Viu o penteado da Enid primeiro. O

que ela faria se soubesse que Lola havia voltado para Nova York?

Sentado ao seu lado estava o Philip. Vendo a nuca dele, com aqueles

cabelos compridos e castanho-escuros, tão familiares, ela se recordou

de todas as mágoas e indignidades que tinha sofrido nas suas mãos

também.

Depois de sair correndo do apartamento dele no que seria sua última

noite no Número Um, ela tinha perambulado pelo West Village, analisando

suas opções. Mas depois de duas horas, seus pés começaram a latejar, e

ela percebeu que Enid tinha razão, ela não tinha dinheiro nem lugar

para onde ir. Voltou ao Número Um e viu sua mãe, Philip e Enid
ONE FIFTH AVENUE – CANDACE BUSHNELL 251
TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
esperando por ela. Estavam calmos e a trataram com luvas de pelica,

como se ela fosse uma paciente de sanatório mental que tinha tido uma

crise, e Lola percebeu que não teria escolha senão obedecer e aceitar o

plano deles. Depois precisou aturar a humilhação de ver a mãe ajudando

a fazer suas malas. Philip passou o tempo todo perturbadoramente

distante, como se tivesse se tornado uma pessoa completamente

diferente. Comportou-se como se mal a conhecesse, como se não tivessem

trepado uma centena de vezes, e isso, para Lola, era o maior mistério

de todos. Como é que um homem que tinha posto a cabeça entre as pernas

dela e o pênis dentro da sua vagina e boca, que a havia beijado,

abraçado e feito cócegas na sua barriga, de repente se comportava como

se nada daquilo tivesse acontecido? Indo para o norte da cidade com a

mãe em um táxi, ela irrompeu em lágrimas e chorou sem parar.

— Esse Philip Oakland é um tolo – declarou Beetelle, indignada. – E

a tia é ainda pior. Eu nunca conheci uma mulher tão horrorosa. – E

envolveu a cabeça da Lola com os braços, acariciando-lhe os cabelos. –

Foi bom você ter decidido ir embora e se afastar dessa gente horrível –

disse ela, mas isso fez Lola chorar ainda mais.

O coração de Beetelle estava dilacerado por causa da filha,

recordando-a de seu próprio incidente em Nova York com o médico, quando

ela tinha passado por aquela desilusão. Puxando a filha mais para perto

de si, Beetelle sentiu-se perdida diante daquela angústia da Lola. Era

a primeira vez, percebeu ela, que Lola constatava uma terrível verdade

da vida: não era o que parecia, e os contos de fadas não se tornavam

necessariamente realidade. E não se podia confiar que os homens amassem

a gente.

Na manhã seguinte, Philip veio até o hotel para visitar Lola. Por

um momento, ela ainda sentiu esperança de que ele lhe dissesse que tudo

tinha sido um engano, e que ele, na verdade, a amava. Mas quando ela
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
abriu a porta, a expressão dele lhe revelou que ele não havia mudado de

idéia. Aliás, como que para mostrar que estava decidido, trazia debaixo

do braço o Post e o Daily News. Eles desceram até o restaurante, e

Philip colocou os jornais na mesa.

— Quer ler? – indagou ele. Ela queria, é claro, mas não queria lhe

dar mais munição.

— Não – respondeu ela, insolente, como se estivesse acima daquelas

coisas.

— Escuta, Lola – começou ele.

— Por que veio até aqui? – perguntou ela.

— Eu te devo desculpas.

— Pois eu não quero suas desculpas.

— Cometi um engano com você. E gostaria que me perdoasse. Você é

jovem, eu devia ter me tocado. Nunca devia ter permitido que nosso

relacionamento continuasse. Devia ter terminado tudo antes do Natal.

Lola sentiu um vazio no estômago. O garçom trouxe o desjejum deles,

ovos Benedict, e Lola olhou o prato, perguntando-se se um dia ia poder

voltar a comer. Então todo o seu relacionamento com o Philip era

mentira? Aí entendeu:

— Você me usou – acusou-o.

— Ah, Lola – suspirou Philip. – Nós nos usamos mutuamente.

— Eu te amava – disse Lola, furiosa.

— Não, não amava – disse Philip. – Você amava um Philip idealizado.

Tem uma grande diferença.

Lola jogou o guardanapo sobre o seu prato de ovos.

— Deixa eu te dizer uma coisa, Philip Oakland. Eu te odeio. E vou

sempre te odiar. Pelo resto da vida. Nunca mais chegue perto de mim.

E com a cabeça bem erguida, levantou-se e saiu do restaurante,

deixando Philip ali sozinho, envergonhado.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Um pouco depois, saiu do hotel com a mãe, imaginando se algum dia

iria se recuperar. Quando chegaram ao aeroporto, porém, ela comprou os

jornais; e vendo sua foto na terceira página do Post, com uma breve

matéria sobre Philip dizendo que ele tinha terminado o namoro com ela e

preferido a Schiffer Diamond, começou a sentir-se melhor. Não era uma

qualquer. Era Lola Fabrikant, e um dia iria mostrar ao Philip e à Enid

que tinham cometido um grande erro subestimando-a.

Enquanto observava o banco onde Enid e Philip estavam sentados, viu

Schiffer Diamond ao lado do Philip, e ao lado dela Annalisa Rice, de

cabelos castanho-avermelhados. Alguns bancos atrás deles estavam aquela

abominável Mindy Gooch com seus cabelos louros cortados bem curtos e

duros de laquê, e o marido James Gooch, com aquela calva bonitinha dele

no alto da cabeça. Ah, James Gooch, pensou Lola. Tinha se esquecido do

James Gooch, que pelo jeito tinha voltado da sua excursão para promover

o livro. Agora estava ali, sentado diante dela, como que enviado pela

Providência Divina. Ela pegou o iPhone. “Estou atrás de você aqui na

igreja”, foi a mensagem de texto que enviou.

O texto levou um minuto para chegar até o aparelho dele. Ouvindo o

bip, ele virou ligeiramente a cabeça e apalpou o bolso, procurando o

telefone. Mindy olhou-o furiosa. James deu de ombros, escabriado, e

subrrepticiamente leu a mensagem. A pele da sua nuca ficou vermelha, e

ele desligou o aparelho.

“Sinto saudades suas” foi a mensagem que Lola lhe enviou a seguir.

“Vamos nos encontrar no Mews às três.”

Uma hora depois James Gooch estava a um canto da sala de estar

lotada dos Rices, e, olhando em torno de si para ter certeza de que a

Mindy não estava em algum lugar ali observando-o, releu a mensagem da

Lola, com o estômago latejando de nervosismo e curiosidade. Ao sair da


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
igreja, tinha procurado por ela, mas ela já estava do lado de fora,

posando para os fotógrafos. Pensou em falar com ela, mas Mindy

rapidamente o puxou para longe. Neste momento, conferindo o relógio,

viu que já eram quase três horas. Passando entre os convidados,

procurou Mindy. Um garçom passou por ele com uma bandeja de caviar

amontoado sobre minúsculos blintzes, e James meteu dois na boca. Um

outro garçom lhe tornou a encher a taça de champanhe com uma garrafa de

Dom Perignon. Annalisa Rice tinha resolvido homenagear o Billy em

grande estilo, convidando pelo menos duzentas pessoas para irem ao seu

apartamento para lamentarem um pouco mais sua morte. A súbita morte do

Billy tinha deixado James chocado, e ao voltar de avião de Houston, ele

havia até lido o blogue da Mindy sobre o assunto; para variar, precisou

dar a mão à palmatória e concordar com ela. A morte de um amigo

realmente fazia a gente perceber que a vida era finita, e não havia

mais muito tempo para ser jovem, ou mesmo juvenil.

Mas a morte do Billy tinha sido apenas um em uma série de

acontecimentos bizarros que tinham se desencadeado sobre o Número Um

durante a sua ausência. Houve o Fiasco da Internet, e a descoberta da

Cruz da Mary a Sangüinária, que todos postulavam que antes estava

escondida no apartamento da Sra. Houghton. Aí a overdose do Billy. E a

afirmativa da Lola de que estava esperando o filho do Philip Oakland,

que tinha resolvido romper o namoro para ficar com a Schiffer Diamond.

Segundo a Mindy, Philip Oakland e Schiffer Diamond estavam para

anunciar, em breve, que iriam se casar, depois de um período apropriado

de luto. Tudo aquilo era ligeiramente absurdo, pensou James, e a

coitada da Lola Fabrikant, como ficava? Será que alguém se importava

com o que ia acontecer com ela? Ele ficou imaginando isso, mas não

ousava perguntar.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Agora ia descobrir. Vendo a Mindy na sala de jantar falando com

Enid (pois tinham voltado a ser amigas, pelo visto, concentradas numa

discussão profunda sobre seu tópico predileto, o Nümero Um da Quinta

Avenida), ele fez um sinal com a cabeça para ela, tentando lhe chamar a

atenção.

— Sim? – respondeu ela, secamente.

— Vou dar uma volta com o Skippy – disse ele, bem alto para poder

ser ouvido.

— Por quê? – indagou ela.

— Por que ele precisa sair.

— Você é quem sabe – disse ela, revirando os olhos e voltando a

conversar.

James tentou sair sem ser percebido, mas foi abordado pelo Redmon

Richardly, que estava falando com a Diane Sawyer. Redmon agarrou-o pelo

ombro.

— Conhece o James Gooch? – disse ele. – O livro dele já está na

lista de mais vendidos do New York Times faz cinco semanas. – James

cumprimentou Diane, e já estava para sair, quando foi interceptado pelo

editor-chefe da Vanity Fair, que queria conversar com ele sobre um

artigo que queria que ele escrevesse sobre a morte do Billy. Quando

James finalmente conseguiu sair do seu apartamento, já eram três e dez.

Ele agarrou o Skippy e correu para a esquina, para chegar ao Mews.

Andando devagar na minúscula rua pavimentada com paralelepípedos, a

princípio não a viu. Depois ouviu-a chamando seu nome, e ela saiu das

sombras de uma portaria sob ramos de trepadeira. Por um segundo, James

se assustou ao vê-la aparecer. Depois da missa fúnebre, ela devia ter

ido até em casa e trocado de roupa, porque agora estava com jeans sujos

e um parka de esquiador vermelho velho. Mas estava com aquela mesma

expressão suave e lisonjeadora que sempre o fazia sentir-se admirado e


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
lhe dava vontade de protegê-la. Skippy pulou na perna dela e ela riu,

abaixando-se para fazer festa no cachorrinho.

— Estava imaginando o que teria sido de você – disse James. – Está

se sentindo bem?

— Ai, James – disse ela. – Estou tão feliz de te ver! Tinha medo

que não viesse. Todos ficaram do lado do Philip, e perdi todos os meus

amigos. Nem mesmo tenho onde morar.

— Não está dormindo na rua, está? – perguntou James, horrorizado,

uma vez mais olhando para suas roupas.

— Andei dormindo no sofá de um amigo – disse ela. – Mas sabe como

é, não posso ficar lá para sempre. E não posso ir para Atlanta, voltar

a morar com a minha família. Não tenho mais para onde ir, mesmo que

quisesse voltar para lá. Meus pais empobreceram.

— Meu Deus – disse James. – como é que o Oakland teve coragem de

fazer isso contigo?

— Ele não gosta de mim. Nunca gostou. Me usava só quando queria

trepar, e quando se cansou de mim, voltou para a Schiffer Diamond.

Estou mesmo sozinha, James – disse ela, agarrando-lhe a manga do terno

como se tivesse medo que ele tentasse se afastar. – Estou apavorada.

Não sei o que fazer.

— A primeira coisa que precisa fazer é encontrar um apartamento. Ou

um emprego. Ou os dois – disse James, firmemente, como se essas coisas

fossem fáceis. Sacudiu a cabeça, incrédulo. – Ainda não consigo

acreditar que o Philip Oakland te rejeitou sem nem mesmo te dar um

pouco de dinheiro.

— Ele não me deu nada – disse Lola. Estava mentindo, pois Philip

havia enviado um cheque de dez mil dólares para o apartamento dos pais

dela, e Beetelle tinha enviado o cheque pelo FedEx para ela, usando o
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
endereço do Thayer. Mas James não precisava ficar sabendo. – Philip

Oakland não é o que as pessoas pensam que é – afirmou ela.

— Ele é exatamente o que sempre pensei que ele era – respondeu

James.

Lola olhou para ele, e deu um passo adiante, depois desviou o

olhar, como se estivesse envergonhada.

— Sei que mal nos conhecemnos – disse baixinho – mas estava

pensando em pedir sua ajuda. Não posso apelar para mais ninguém.

— Coitadinha – disse James, acrescentando, ousadamente: — Diga-me o

que posso fazer, que eu faço.

— Pode me emprestar vinte mil dólares?

James empalideceu ao ouvir isso.

— É muito dinheiro – disse, cautelosamente.

— Desculpe – disse ela, recuando. – Não devia tê-lo incomodado. Vou

pensar em outra coisa. Foi legal ter te conhecido, James. Você foi a

única pessoa que me tratou bem no Número Um da Quinta Avenida. Parabéns

pelo seu sucesso. Eu sempre soube que você era um gênio. – E começou a

afastar-se.

— Lola, espere – disse James.

Ela se virou e, dando-lhe um sorriso corajoso, sacudiu a cabeça.

— Vou me virar. Pode deixar, eu dou um jeito de ir sobrevivendo.

Ele a alcançou.

— Quero te ajudar, mesmo – disse ele. – Vou ver se penso em alguma

coisa. – E eles combinaram de se encontrarem sob o Arco do Parque

Washington na tarde seguinte.

James então voltou para a festa, onde imediatamente esbarrou no

diabo em pessoa: James Oakland.

— Desculpe – disse James.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Ouvi dizer que seu livro está em primeiro lugar na lista – disse

Philip. – Parabéns.

— Obrigado – disse James, secamente. Para variar, segundo notou,

Philip Oakland não parecia estar com pressa de se afastar. James

decidiu encostar o Philip na parede. O mínimo que ele podia fazer era

ajudar a Lola na situação em que ela se encontrava. – Acabei de falar

com a sua namorada – disse ele, acusadoramente.

— É mesmo? – disse ele, confuso. – Quem?

— Lola Fabrikant.

E agora Philip estava com cara de envergonhado.

— Não somos mais namorados – disse ele. E tomou um gole de

champanhe. – Desculpe, será que ouvi bem? Disse que tinha acabado de

falar com ela?

— Isso. No Mews – disse James. – Ela não tem onde morar.

— Ela devia ter ido para Atlanta. Morar com os pais.

— Mas não foi – disse James. – Está em Nova York. – Teria falado

mais, mas Schiffer Diamond aproximou-se e pegou a mão do Philip.

— Alô, James – disse, inclinando-se para beijá-lo no rosto, como se

fossem velhos amigos. A morte, supôs James, realmente irmanava todos. –

Também conhecia o Billy? – indagou. E ele de repente se lembrou de que

ela é que tinha encontrado o corpo, sentindo-se imediatamente um

idiota.

— Meus sentimentos – disse.

— Obrigada – disse Schiffer.

Philip lhe sacudiu a mão.

— James disse que acabou de falar com a Lola Fabrikant. No Mews.

— Ela estava na missa – disse James, tentando explicar.

— Uma pena não termos falado com ela – e Schiffer e James

entreolharam-se. – Com licença – disse Schiffer, afastando-se.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Foi bom falar com você – disse Philip, seguindo-a.

James tomou mais uma taça de champanhe de uma bandeja e entrou no

meio da multidão. Schiffer e Philip estavam a alguns metros, isolados,

de mãos dadas, balançando as cabeças enquanto conversavam com outro

casal. Pelo jeito, Philip Oakland nem mesmo se sentia culpado pelo que

tinha feito com a Lola Fabrikant, pensou James, enojado. Entrou na sala

de estar, e sentou-se em uma namoradeira forrada de pelúcia, observando

a sala. Estava cheia de nomes importantes, gente do mundo da arte,

representantes da mídia e socialites e fashionistas que constituíam as

classes tagarelas, que haviam definido o mundo dele e da Mindy na

Cidade de Nova York durante os últimos vinte anos. Agora, tendo se

afastado durante um mês, ele tinha uma perspectiva diferente. Todos lhe

pareceram ridículos. Metade das pessoas daquela sala tinham “dado uma

esticada”, inclusive os homens. A morte do Billy era só mais uma

desculpa para dar uma festa, onde eles podiam comer caviar e beber

champanhe e falar dos seus mais recentes planos. Enquanto isso, na rua,

sem teto e provavelmente faminta, estava uma jovem inocente, a Lola

Fabrikant, que tinha sido incluída entre essas pessoas e sumariamente

cuspida quando não correspondeu aos requisitos delas.

Um homem e uma mulher passaram atrás dele, murmurando:

— Ouvi dizer que os Rice têm um Renoir.

— Está na sala de jantar. E é minúsculo. – Fez-se uma pausa seguida

de uma risada estridente. – E custou dez milhões de dólares. Mas é um

Renoir, né? Quem vai se importar?

Talvez ele devesse pedir os vinte mil dólares da Lola Fabrikant à

Annalisa Rice, pensou James. Ela aparentemente tinha tanto dinheiro que

nem sabia o que fazer com ele.

Mas, espera aí um instante, pensou James. Ele agora também tinha

dinheiro, e mais do que esperava. Duas semanas antes, seu agente havia
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
lhe informado que se seu livro continuasse vendendo como estava (e não

havia motivo para achar que não iria continuar), ele ganharia pelo

menos dois milhões em royalties. Apesar dessa notícia fantástica,

quando James voltou a Nova York e sua rotina diária, viu que suas

circunstâncias não haviam mudado nada. Quando acordava, todos os dias,

ele ainda era o James Gooch, casado com Mindy Gooch, vivendo aquela

mesma vidinha naquele apartamentinho esquisito. A única diferença era

que agora, durante as duas semanas da viagem de promoção do livro, não

tinha nada para fazer.

James se levantou e atravessou a sala de estar, saindo no terraço

mais baixo dos três terraços dos Rice. Debruçou-se sobre a grade,

olhando para um lado e para outro da Quinta Avenida. Ela também não

havia mudado nada. Terminou sua taça de champanhe e, olhando para o

fundo da taça, sentiu-se vazio. Para variar, não havia nenhuma espada

de Dâmocles pendendo-lhe sobre a cabeça; não tinha nada de que reclamar

e nada que o fizesse sentir-se humilhado. E mesmo assim não se sentia

satisfeito. Entrando na sala, pelas portas envidraçadas, olhou para a

multidão e desejou ainda estar no Mews com a Lola.

Na tarde seguinte, James encontrou a Lola sob o Arco do Parque

Washigton. Determinado a comportar-se como herói, James passou a manhã

tentando encontrar um apartamento para Lola. Mindy teria ficado chocada

com toda aquela industriosidade, pensou ele, ironicamente, mas Mindy

nunca tinha precisado de sua ajuda, e Lola precisava. Depois de dar

vários telefonemas, a assistente do Redmon Richardly lhe disse que

havia um apartamento que podia ser que estivesse disponível no seu

prédio na rua 18 com 10. O aluguel era de 1.400 dólares por mês por um

quitinete, e depois de procurar a dona, que não só tinha ouvido falar

no seu livro, como tinha lido e adorado o dito cujo, concordou em


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
deixar James ver o apartamento às três. Depois ele foi ao banco, e,

sentindo-se como se fosse um criminoso, sacou cinco mil dólares em

dinheiro. Passeando até o parque, encontrou Lola já esperando por ele.

Ela estava com rímel escorrido sob os olhos, como se tivesse chorado, e

não tivesse nem se importado em lavar o rosto.

— Você está bem? – perguntou ele.

— O que acha? – respondeu ela, amargurada. – Sinto-me como uma

desabrigada. Tudo que possuo está guardado em um depósito, que me custa

150 dólares por mês. Não tenho onde dormir. E o banheiro daquele lugar

onde estou dormindo é um nojo. Sinto medo até de tomar banho lá. Você

conseguiu... ter alguma idéia?

— Eu lhe trouxe um pouco de dinheiro – disse James. – E mais alguma

coisa, uma coisa que vai te deixar mesmo muito feliz. – Fez suspense e

depois disse, orgulhoso: — Acho que encontrei um apartamento para você.

— Oh, James! – exclamou ela.

— Custa só mil e quatrocentos por mês. Se gostar dele, podemos usar

o dinheiro para pagar o aluguel do primeiro mês e para fazer um

depósito.

— Onde é? – perguntou ela, cautelosamente. Quando ele lhe disse,

ela fez cara de decepcionada. – Fica tão longe, a oeste – disse ela. –

Praticamente à margem do rio.

— Você pode vir andando até a Quinta Avenida – garantiu-lhe James.

– Então podemos nos visitar sempre.

Mas Lola insistiu em pegar um táxi. O táxi parou perto de um

prediozinho de tijolos que James desconfiava, devido a sua localização,

que antes tinha sido uma casa de cômodos. Ao nível da rua havia um bar

irlandês. Ele e Lola subiram uma escadaria estreita até um corredor

curto com chão de linóleo. O apartamento era o 3C, e depois de

experimentar a maçaneta, James viu que a porta estava aberta, e entrou


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com Lola. Era minúsculo, devia ter no máximo 27 metros quadrados, como

um quarto de qualquer casa normal, com um armariozinho apertado, um

banheirinho microscópico com ducha, mas era limpo, claro e localizado

numa esquina, portanto tinha duas janelas.

— Nada mau – disse James.

Lola ficou de coração apertado. Será que tinha caído tão baixo em

apenas nove meses em Nova York?

A senhoria era uma pessoa simples e honesta, de cabelos oxigenados

presos no alto da cabeça, e sotaque novaiorquino. O prédio já estava na

família havia cem anos, e ela só pedia, além do pagamento, que a pessoa

fosse “decente”. Será que James era filha do James? Não, explicou

James, ela era uma amiga que tinha sido rejeitada pelo namorado. A

perfídia dos homnes era um dos tópicos prediletos da senhoria; ela

sempre ficava feliz de poder ajudar uma companheira sofredora. James

então fechou o contrato. O apartamento, declarou ele, o fazia lembrar-

se do seu primeiro apartamento em Manhattan e da sensação de felicidade

que teve quando passou a possuir seu próprio espaço e começou a

progredir em Nova York. Os “bons tempos”, disse ele à senhoria,

entregando-lhe três mil dólares em notas de cem. Os duzentos extras

eram para pagar as contas da Lola.

— Agora você só precisa de uma cama – disse James, quando o

contrato já estava fechado. – Vamos comprar um sofá-cama para você, que

tal? Tem uma Door Store na Sexta Avenida. – E andando para leste, James

notou que ela estava meio carrancuda. – Qual é o problema? – indagou. –

Você não me parece estar contente. Não está aliviada por ter seu

próprio apartamento>?

Lola estava apavorada. Não tinha planejado arranjar apartamento

nenhum, principalmente um lugarzinho deprimente e ordinário como

aquele. Tinha planejado conseguir dinheiro com o James e o Philip, um


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total de trinta mil dólares, e instalar-se no Soho House, onde ela

poderia tornar a tentar ingressar na sociedade de Nova York em grande

estilo. Como é que seu plano tinha se evaporado assim tão depressa? E

três mil dólares já tinham se escoado pelo ralo.

— Eu não esperava que isso acontecesse assim tão de repente – disse

ela.

— Ah – disse James, erguendo um dedo. – Os imóveis de Nova York são

assim. Se não tivéssemos logo fechado o contrato do apartamento, dentro

de uma hora, já teria sido alugado. É preciso agir depressa. – Na Door

Store, James comprou um sofá-cama tamanho queen de tecido azul marinho,

para não manchar nem sujar com facilidade, e Lola sentiu arrepios só de

tocá-lo. Era o que estava como mostruário, exclamou o James, dizendo

que era um excelente preço. E lá se foram mais 1.500 dólares.

James finalmente acompanhou Lola até o apartamento vazio, onde ela

devia esperar os entregadores trazerem a cama.

— Não sei como você conseguiu fazer tudo isso – disse Lola,

debilmente. – Muito obrigada. – E beijou-o no rosto.

— Volto amanhã para ver como você está – disse ele.

— Mal posso esperar – disse Lola. Ainda havia possibilidade de o

lhe dar os 15.000 dólares restantes, mas ela não ousou pedir o dinheiro

naquela hora. Ia ter que esperar para falar com ele no dia seguinte.

Quando ele saiu, ela imediatamente foi ao apartamento do Thayer

Core.

— Já tenho apartamento – informou.

— Como foi que conseguiu? – indagou Thayer, tirando os olhos do

computador, onde estava trabalhando.

— James Gooch encontrou um – disse Lola, tirando o casaco. – E

também pagou o depósito.

— Ele é um idiota.
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— Está apaixonado por mim – disse Lola, subitamente encantada por

estar saindo do apartamento do Thayer e do Josh. Thayer estava

começando a ficar impossível, pedindo-lhe para lhe pagar boquetes e

fazendo bico quando ela não o atendia, dizendo que um podre dela e

usaria essa informação se fosse preciso.

— O que é? – indagava ela, zombeteira.

— Você vai ver – respondia ele, vagamente.

— Cala a boca, Thayer. Você é um calhorda.

— Pensei que estivesse querendo voltar para o Número Um. Preciso de

informações.

— Consigo informações através do James.

— E se ele quiser trepar contigo em troca delas?

— Eu trepo contigo, qual é a diferença? – respondeu Lola. – Pelo

menos ele não tem doenças sexualmente transmissíveis.

— Como sabe?

— Eu sei – disse ela. – Faz vinte anos que ele só trepa com uma

mulher. A esposa.

— Talvez ele leve umas putas pra cama de vez em quando.

Lola revirou os olhos.

— Nem todo homem é igual a você, Thayer. Ainda existem homens

decentes.

— Hum-hum – disse Thayer, concordando. – Feito o James Gooch. Um

homem que está a ponto de trair a mulher. Apesar de quê, se eu fosse

casado com a Mindy Gooch, também a trairia.

No dia seguinte, batendo à porta do novo apartamento dela, James

encontrou Lola sentada no sofá-cama sem lençol, chorando.

— O que há de errado agora? – indagou James, chegando perto dela,

cautelosamente.

— Olha só – disse Lola. – Nem mesmo tenho travesseiro.


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— Vou trazer um de casa para você. Minha mulher não vai notar.

— Não quero um travesseiro usado, dos que você tem em casa – disse

Lola, perguntando-se como tinha conseguido o homem mais mão de vaca de

Manhattan como seu protetor. – Seria possível me dar algum dinheiro?

Talvez aqueles quinze mil?

— Não posso dar todo esse dinheiro a você assim de uma vez – disse

James. Minha mulher vai ficar desconfiada. – Depois de pensar muito no

assunto, James tinha resolvido pagar o aluguel da Lola durante seis

meses e lhe dar dois mil por mês para pagar as despesas. – E quando

encontrar um emprego – disse ele – você vai poder se sustentar. Vai ter

muito mais dinheiro do que eu tinha na sua idade.

Dali por diante, James ia ao apartamento toda tarde, levando Lola

para almoçar frequentemente no bar irlandês do térreo, para ter certeza

de que ela ia pelo menos comer bem uma vez por dia, dizia. Depois

ficava no apartamento dela durante algum tempo. Gostava de todo aquele

espaço vazio e do sol que penetrava pelas janelas à tarde, notando que

o apartamento da Lola pegava mais sol do que o seu.

— James – disse ela. – Preciso de uma televisão.

— Você tem o computador – disse James. – Não pode assistir aos

programas nele? Não é o que todo mundo faz hoje em dia?

— Todos têm um computador. E uma tevê.

— Você podia ler um livro – disse James. – Já leu Ana Karênina? ou

Madame Bovary?

— Li, e são muito chatos. Além disso não tenho espaço para livros –

reclamou ela, gesticulando para mostrar que o espaço era pouco.

James lhe comprou uma televisão Panasonic de 16 polegadas, que

colocaram no peitoril da janela.

No dia anterior àquele em que James ia fazer nova viagem de

promoção do livro, ele apareceu no apartamento dela antes da hora do


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costume. Eram onze horas, mas ela ainda estava dormindo, com a cabeça

no travesseiro de penugem de pato que James desconfiava que tinha

custado mais de mil dólares. Quando perguntou quanto tinha custado,

porém, ela disse que tinha comprado o travesseiro numa liquidação, por

cem dólares. Ele não esperava que ela dormisse sem cobertas, esperava?

Não, não esperava, concordou ele, e deixou passar.

— É quase meio-dia – disse. Achou o fato de ela ainda estar na cama

meio irritante, e perguntou-se o que teria feito na noite anterior,

para estar dormindo até meio-dia assim. Ou talvez estivesse deprimida.

– Vou viajar amanhã bem cedinho – informou. – E queria me despedir e

ter certeza de que está bem.

— Quando vem me visitar de novo? – disse ela, espreguiçando-se, com

os braços estendidos na direção do teto. Estava de blusa sem mangas cor

de laranja sem nada por baixo.

— Só daqui a um mês.

— Aonde vai? – perguntou, alarmada.

— Inglaterra, Escócia, Irlanda, Paris, Alemanha, Austrália e Nova

Zelândia.

— Mas que horror!

— Horror para nós, mas bom para o livro – disse ele.

Ela atirou o acolchoado para um lado e bateu com a palma da mão no

colchão.

— Deita aqui, me dá um abraço – disse ela. – Vou sentir saudades

suas.

— Acho que não... – disse James, cautelosamente, apesar de seu

coração estar batendo descompassado.

— É só um abraço, James – disse ela. – Ninguém pode objetar contra

isso.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Ele se deitou na cama ao lado dela, colocando seu corpo comprido de

modo a ficar a vários centímetros de distância dela. Ela virou-se para

encará-lo, dobrando os joelhos de forma a tocar-lhe o saco. O hálito

dela era pungente, com cheiro de vodca e cigarros, e ele se perguntou

uma vez mais onde teria estado na noite anterior. Será que tinha

trepado com alguém?

— Você é engraçado – disse ela.

— Sou?

— Olha só como está – disse ela, rindo. – Tão tenso!

— Não sei se devíamos estar fazendo isso – disse ele.

— Não estamos fazendo nada – replicou ela. – Mas você quer, não

quer?

— Sou casado – sussurrou ele.

— Sua esposa não precisa ficar sabendo.

E foi passando a mão pelo seu peito, até embaixo, tocando-lhe o

pênis.

— Você está de pau duro – disse.

E começou a beijá-lo na boca, metendo sua língua grossa entre os

dentes dele. James ficou assustado demais para resistir. Aqueles beijos

eram tão diferentes dos da Mindy, que eram como bicadas secas e curtas.

Ele não conseguia se lembrar quando tinha sido a última vez em que eles

tinham feito algo assim, maravilhando-se diante do fato de que as

pessoas ainda fizessem isso, que ele ainda pudesse fazer isso, beijar

alguém assim. E a pele de Lola era tão macia, como a de um bebê, pensou

ele, tocando-lhe os braços. O pescoço ela era liso e sem rugas. Ele

experimentou tocar-lhe os seios por cima do tecido da blusa e sentiu

que seus mamilos estavam duros. Rolou, ficando por cima dela, apoiando-

se nos braços para contemplar-lhe o rosto. Será que devia ir em frente?


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Fazia tanto tempo que não trepava que não tinha certeza de que ainda se

lembrava de como proceder.

— Quero você dentro de mim – disse ela, tocando-lhe o pênis por

cima da calça. – Quero seu pênis grosso na minha vagina molhada.

A mera sugestão desse ato sexual foi demais, e enquanto ele tentava

abrir o zíper, o inevitável aconteceu.

— Droga – disse ele.

— Que foi? – disse ela, sentando-se.

— Eu acabei de... sabe como é – disse ele. E meteu a mão no jeans,

sentindo a umidade delatora. – Merda!

Ela ajoelhou-se atrás dele e esfregou-lhe os ombros.

— Não tem problema. Foi só a primeira vez.

Ele pegou sua mão e levou-a aos lábios.

— Você é um sonho – disse ele. – É a mais encantadora moça que

jamais conheci.

— Sou? – disse ela, pulando da cama. E vestiu calças de caxemira. –

James? – pediu, numa voz melosa. – Como está indo embora e vou ficar um

mês sem te ver...

— Precisa de dinheiro? – disse ele. – E meteu a mão no bolso da

calça. – Tenho só 60 dólares.

— Tem um banco 24 horas ali na delicatessen da esquina. Pode ser?

Devo duzentos dólares à senhoria. Pelas contas. E não quer que eu morra

de fome enquanto você está fora, quer?

— Certamente que não – disse James. – Mas devia tentar arranjar um

emprego.

— Vou tentar – tranquilizou-o ela. – Mas está difícil.

— Não posso te sustentar para sempre – disse ele, pensando na sua

tentativa fracassada de trepar.


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— Não estou pedindo para você fazer isso – disse ela. – Na calçada,

ela pegou sua mão. – Não sei o que faria sem você.

Ele sacou quinhentos dólares do banco 24 horas e entregou o

dinheiro a ela.

— Vou sentir sua falta – disse ela, jogando os braços ao redor do

pescoço dele. – Liga pra mim no minuto em que voltar. E da próxima vez

vai dar certo – gritou, quando já estava se afastando.

James ficou olhando para ela, depois saiu andando pela Nona

Avenida. Será que a Lola tinha acabado de lhe dar uma rasteira? Não,

tranquilizou-se. Lola não era assim. E tinha dito que queria repetir a

dose. Ele saiu passeando pela Quinta Avenida cheio de confiança. Quando

chegou ao Número Um, já estava convencido de que tinha sido bom ter

ejaculado prematuramente. Não tinha havido troca de fluidos, portanto

não se poderia chamar aquilo de traição.

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