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O Labirinto das Ilusões: Consolidação e Crise da Social-Democracia Tardia Brasileira
O Labirinto das Ilusões: Consolidação e Crise da Social-Democracia Tardia Brasileira
O Labirinto das Ilusões: Consolidação e Crise da Social-Democracia Tardia Brasileira
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O Labirinto das Ilusões: Consolidação e Crise da Social-Democracia Tardia Brasileira

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"A partir das diferenças entre os projetos propostos pelos governos do PSDB e do PT — a social-democracia-tardia, em que se destacam com relevância as políticas públicas de certa positividade —, Deo traça os elementos que irão se constituir nos entraves mais complexos para o avanço social, exatamente ao dimensionar a forma histórica de objetivação do capitalismo brasileiro. O aspecto mais relevante do livro de Anderson Deo é o desvelamento da trajetória que se desenrola a partir de dois conceitos marxianos de grande profundidade: o primeiro é aquele que revela o elemento morfológico localizado em seu núcleo constitutivo de particularidade histórica; o segundo, como consequência dessa base conformativa, a forma desigual e combinada, por meio da qual o Brasil insere-se na economia imperialista."
Antonio Carlos Mazzeo
"A tendência bonapartista é condição necessária de dominação por parte de uma burguesia segmentada e subordinada ao capital financeiro imperialista. No esforço para ampliar a sua força hegemônica, a burguesia brasileira lançou mão daquilo que Anderson Deo identifica como social-democracia tardia. Não se trata mais da social-democracia clássica que se empenhou para conseguir direitos sociais para os trabalhadores e assim também preservar o Estado burguês. Trata-se agora, em uma zona periférica do capitalismo, de uma social-democracia que governa diretamente para o capital financeiro, e em vez de direitos universais, age por meio de políticas paliativas denominadas de 'ações afirmativas', entre as quais se destacam bolsas e quotas, que podem ser alteradas ou retiradas a qualquer momento."
Marcos Del Roio
LanguagePortuguês
Release dateMar 30, 2022
ISBN9786525017860
O Labirinto das Ilusões: Consolidação e Crise da Social-Democracia Tardia Brasileira

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    Book preview

    O Labirinto das Ilusões - Anderson Deo

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Para Neuza, Romil e Robson, pelo amor e o exemplo de toda uma vida!

    Para Jussara, pela construção de uma vida plena de sentido!

    Aos que lutaram e aos que lutam pela plena emancipação humana!

    AGRADECIMENTOS

    São muitas as pessoas envolvidas no processo de trabalho acadêmico, teórico-prático, cuja síntese apresento neste livro. As poucas palavras a seguir pretendem, de alguma forma, demonstrar o meu respeito e o meu reconhecimento aos que participaram da construção e da caminhada que levaram a esse momento. O convívio e os debates, as críticas e sugestões, os sorrisos e as lágrimas ajudaram a amenizar a solitária rotina da labuta intelectual.

    O auxílio financeiro disponibilizado na forma de bolsa de estudo pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) foi fundamental à criação de condições materiais mínimas para realização de minha pesquisa de doutorado. Da mesma forma, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unesp Campus de Marília na figura de seu coordenador, o amigo e professor Agnaldo dos Santos, pela viabilização de recursos destinados à publicação deste livro. Infelizmente, vivemos tempos sombrios em que a autocracia burguesa brasileira aprofunda a destruição do modelo de pesquisa científica desenvolvido nas universidades públicas, a partir dos constantes cortes de verbas, principalmente das bolsas de estudos. Mais do que nunca, é fundamental reafirmar a necessidade de investimentos significativos e perenes em educação e pesquisa de qualidade, de caráter público e laico, referenciado na necessidade e demandas sociais do proletariado brasileiro, em suas mais diversas frações e expressões. Seguiremos em luta!

    Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unesp de Marília, em especial a Sirlei Maria Fávero Duarte, Paulo Sérgio Teles, Helder Cavalcanti do Carmo e Aline da Silva Ribeiro, pela atenção a mim dispensada e, acima de tudo, pela paciência na dura batalha para vencer a burocracia acadêmica. A Vania Maria Silveira Reis Fantin, Maria Elisa V. Pickler Nicolino e Maria Célia Pereira, em nome de quem agradeço aos funcionários da Biblioteca da Unesp de Marília, pela prestatividade e pelas inúmeras orientações.

    Aos amigos de doutorado na pós-graduação e do Núcleo de Estudos de Ontologia Marxiana (Neom), Erika Batista, Marcelo Lira Silva e Paula Hypólito de Araujo. Os longos debates, as participações em congressos e as observações apontadas contribuíram de forma decisiva para a realização de meu trabalho. Aos estudantes que contribuíram para a construção das disciplinas sob minha responsabilidade na graduação em Ciências Sociais e da disciplina O sentido da modernização brasileira: a institucionalização da autocracia burguesa no Brasil, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais — FFC/Unesp Campus de Marília. A convivência diária, os questionamentos e debates proporcionam um enriquecimento intelectual mútuo constante.

    Passo a nominar algumas amigas e amigos que, de alguma forma, contribuíram para o amadurecimento deste livro. Seja por meio do debate constante, que se estende desde o período da pesquisa até os dias atuais, ou mesmo a partir do incentivo à publicação do texto, exerceram papel decisivo para que pudesse chegar nesse momento. Assim, agradeço a Angélica Lovatto, Antonio Macário de Moura, Carlos Henrique Lopes Rodriques, Fernando Leitão Rocha Júnior, Francisco Corsi, Gilberto Cesar Lopes Rodrigues, Giovanni Alves, Henrique Tahan Novaes, Ivo Tonet, Jair Pinheiro, Joagda Rezende Abib, Leandro Galastri, Marcelo Totti, Paulo Alves de Lima Filho, Paulo Ribeiro R. da Cunha, Rodrigo Passos e Rúbia Martins.

    Maria Izabel Lagoa é uma amiga que sempre esteve por perto. Suas elogiosas palavras de incentivo, regadas com generosas doses de exagero, sempre fizeram com que os momentos de desalento fossem rapidamente superados.

    Tive o privilégio de conviver num ambiente acadêmico que favoreceu amplamente o desenvolvimento do presente trabalho. Os constantes debates com os professores da pós-graduação e do curso de Ciências Sociais da Unesp de Marília foram extremamente férteis. Indicações bibliográficas, críticas, sugestões, enfim, tudo aquilo que é próprio de um processo de amadurecimento e acúmulo intelectual foi a mim oferecido de forma generosa. Meus agradecimentos especiais a Virgínia Fontes, Marcos Del Roio, Paulo Barsotti e Jason Borba, que compuseram a banca de arguição da tese de doutorado que originou o livro que apresento ao público neste momento. Suas observações críticas foram fundamentais à elaboração do trabalho.

    Ao camarada e amigo Antonio Carlos Mazzeo, meu agradecimento mais que especial. Sua generosidade, criatividade e a sofisticação intelectual de suas análises contribuíram de forma decisiva para minha formação. Sempre atento às minhas argumentações, apontou equívocos, ratificou acertos e estimulou a reflexão sobre os problemas brasileiros que busquei discutir no trabalho. Além de orientar a pesquisa durante o doutorado, foi o grande e decisivo incentivador desta publicação. A franqueza e a honestidade sempre foram marcas de sua conduta em nossa relação!

    À Jussara do Amaral Leopaci, que é a única capaz de organizar a coisa mais desorganizada do mundo, peço que nunca se esqueça!.

    Longa é a arte, breve a vida, difícil o juízo, fugaz a ocasião. Agir é fácil, difícil é pensar; incômodo é agir de acordo com o pensamento.

    (Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, J. W. Goethe)

    PREFÁCIO

    Chega em boa hora o livro do professor Anderson Deo, que em um amplo, acurado e rigoroso painel, analisa os projetos desenvolvimentistas que foram alavancados tanto nos governos de Fernando Henrique Cardoso como nos governos da social-democracia-tardia (PT) de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

    A partir das diferenças entre os projetos propostos pelos governos do PSDB e do PT — a social-democracia-tardia, em que se destacam com relevância as políticas públicas de certa positividade —, Deo traça os elementos que irão se constituir nos entraves mais complexos para o avanço social, exatamente ao dimensionar a forma histórica de objetivação do capitalismo brasileiro. O aspecto mais relevante do livro de Anderson Deo é o desvelamento da trajetória que se desenrola a partir de dois conceitos marxianos de grande profundidade: o primeiro é aquele que revela o elemento morfológico localizado em seu núcleo constitutivo de particularidade histórica; o segundo, como consequência dessa base conformativa, a forma desigual e combinada, por meio da qual o Brasil insere-se na economia imperialista.

    No que se refere ao primeiro aspecto, a particularidade, releva o âmbito histórico de conformação do Estado nacional brasileiro a partir de uma economia fundada na forma-trabalho-forçado/escravo e na atividade primária, baseada na exportação de produtos agrícolas, marcadamente o açúcar, mas também no extrativismo do ouro e, também, em outras produções regionais, inclusive a pecuária, o extrativismo e as atividades pesqueiras. Essa forma produtiva fortemente agrário-exportadora e com reduzida atividade manufatureira desenha o espectro de uma economia complementar e subalterna no concerto das atividades econômicas mundiais.

    Quanto ao segundo elemento, Deo ressalta o caráter do desenvolvimento econômico do Brasil colonial — e, posteriormente, de sua condição de Reino-Unido junto a Portugal e Algarves, a partir de 1808 —, que se processa desde o século XVI sem rupturas com a subsunção formal do trabalho ao capital, constitutivo do largo processo de acumulação originária do capital¹ em que justamente essa inserção histórica, na conformação das atividades econômicas gerais, incidirá, a partir do próprio processo de desenvolvimento desigual e combinado, no caráter do capitalismo que irá se estruturar no Brasil. Com esse instrumental conceptual, nosso autor aprofunda o enfoque sobre a entificação da forma sociometabólica na particularidade brasileira, que se materializa, de um lado, em uma economia em que prevalece a modernização-conservadora realizada pelo alto, isto é, sem o povo e contra ele e, por outro lado, a constituição de um Estado controlado por uma burguesia autocrática, de origem colonial-escravista e de vezo antidemocrático.

    É nessa perspectiva que Deo utiliza em seu trabalho a expressão italiana aggiornamento, que possui um sentido exato — ammodernamento —, quer dizer, se atualiza sem deixar de se reportar ao elo estrutural do passado — um adattamento; se adapta, mas não muda em sua essencialidade. Isso significa dizer que o processo de objetivação do capitalismo brasileiro desde sua origem vem sendo atualizado e adaptado para continuar sendo integrado no âmbito do concerto das economias centrais na forma denominada pelo autor de modernismo-conservador, mas que poderia ser definida também como Modernismo-Reacionário-subalterno. Esse universo conceptual utilizado pelo autor nos amplia os espectros da dinâmica de um capitalismo dependente, que em seu âmago é subdesenvolvido, mas que também traz elementos de desenvolvimento, próximos e até mesmo iguais àqueles existentes nas economias centrais, e que, na dialética do desenvolvimento desigual e combinado, pode ser compreendido na perspectiva caiopradeana do sentido da colonização, em seu elemento ontológico, no qual [...] a história brasileira apresenta, no curso de seu desenvolvimento, desde os primórdios até os nossos dias, acentuada continuidade², em que o novo permanece subsumido ao velho, elemento que delimita os contornos do processo de objetivação da forma sociometabólica histórico-particular do capitalismo brasileiro.

    Exatamente a característica particular do capitalismo brasileiro constituirá um complexo entrave histórico. No contexto de uma economia subalterna, a burguesia que emerge dessa socialidade não somente caracteriza o elemento tardio do capitalismo industrial, que teve seu processo de acumulação de capital assentado na cruel forma-trabalho-escravo/forçado que determinou a realização de uma forma-revolução-burguesa efetivada tardiamente e pelo alto (Lênin) por uma burguesia transformista (Gramsci) e contrarrevolucionária. Essa processualidade, como dissemos, acarreta o caráter autocrático do Estado nacional e, consequentemente, a formação de uma sociedade civil incompleta e gelatinosa. Inicialmente, excluindo a maioria escravizada dos trabalhadores, constituída por negros, pardos e índios, e posteriormente, após a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea — que em seu fundamento político objetivo decreta a exclusão e a marginalização das populações negras e pardas da vida social brasileira, sendo por esse motivo que o processo da abolição e da inclusão sociopolítica dos negros, pardos e índios é uma luta política ainda em curso na sociedade brasileira —, o Estado nacional impõe ao conjunto dos trabalhadores, do campo e da cidade, brasileiros e imigrantes, uma legislação autocrática, por meio da qual mantém excluído o povo dos processos decisórios da vida política e econômica nacionais.

    De modo que a permanência do velho que subsume o novo na sociedade brasileira caracteriza a via brasileira de objetivação do capitalismo, na perspectiva da via prussiano-colonial³ e que oscila entre o bonapartismo, de vezo colonial — o colonial-bonapartismo — e a legalidade burguesa, que resulta da articulação construída pela habilidade histórica dos políticos burgueses. Objetivamente a legalidade burguesa nada mais é do que o próprio liberalismo à brasileira, construído pela classe dominante, com origem na sociedade colonial; lógica e historicamente reelaborada, mas sem perder seu elemento genético autocrático, típico de uma burguesia débil que nasceu, cresceu e se multiplicou na esteira da contrarrevolução permanente.

    Como bem ressaltou Deo, a conformação societal brasileira gera uma burguesia interna sem projeto de nação, que articula e conecta os programas econômico-sociais às vantagens empresariais que subordinam as políticas nacionais a seus interesses de classe. Esses componentes estruturais constitutivos da autocracia burguesa são os obstáculos impeditivos para a ampliação da democracia da sociedade civil brasileira. Não por outro motivo, toda a luta de classes travada no Brasil, principalmente pelo proletariado das cidades e do campo, teve e tem sido, como ponto decisivo, o embate pela democratização da sociabilidade brasileira, vista aqui sob a óptica lukacsiana, desenvolvida em seu texto O Processo de Democratização⁴. Não por acaso, ao longo de sua história, o movimento operário, seja aquele anarcossindicalista dos finais do século XIX e inícios do século XX, seja o hodierno, que travou lutas decisivas contra o militar-bonapartismo, instalado em 1º de abri de 1964, teve na questão democrática o elemento que demarcou os campos das lutas políticas. O próprio PCB, o primeiro partido de trabalhadores brasileiros, desde sua organização, em março de 1922, como produto de lutas e greves operárias realizadas nas duas primeiras décadas do século XX, centrou sua luta na ampliação da democracia no Brasil. Em um primeiro momento, a partir da proposta de uma revolução democrático-pequeno-burguesa, que englobasse a pequena-burguesia em revolta, por meio do Tenentismo, até 1929 e depois, no âmbito de uma aliança reformista com setores de uma presumida burguesia nacional; sendo que a partir de 1992, no contexto de funda autocrítica de sua linha política, o PCB lança as bases para construção de uma proposta de ação política nucleada na construção do Poder Popular, rumo ao socialismo, pondo em relevo a ampliação de um processo de democratização na perspectiva dos trabalhadores e dos setores explorados da sociedade. Por sua vez, o PT, partido que nasce das greves operárias do ABC paulista, nos finais dos anos 1970, inicialmente centrando a luta contra o arrocho salarial imposto pelo modelo econômico da ditadura militar-bonapartista e, posteriormente, ampliando para a noção de articulação positiva das lutas pela democratização dos espaços da sociedade para amplos conjuntos de trabalhadores, pelo menos até meados da década de 1980, quando, já no campo da conciliação de classes, rearticula sua linha política na perspectiva da democracia formal da sociedade burguesa, deixando de lado a questão da luta pelo socialismo.

    A luta pela democracia no Brasil, no entanto, dado o elemento histórico presente em sua sociabilidade que o autor demonstra, será possível se o conjunto do movimento social, em especial o dos trabalhadores, conseguir edificar as condições para a derrota da autocracia burguesa. Por esse motivo é que nenhuma política social será vitoriosa se não for posta no escopo da luta contra a autocracia burguesa e sua via prussiano-colonial de sociabilidade; e em um projeto político que vincule a luta democrática com a luta pelo socialismo.

    O livro que temos a honra de apresentar resulta de uma reflexão madura de Anderson Deo, que irá contribuir com relevo não somente para a compreensão das condições históricas do Brasil, mas fundamentalmente para que se possa pôr no horizonte a possibilidade da superação dos entraves para que os brasileiros possam viver plenamente outras experiências societais, que nos possibilitem romper com o labirinto de ilusões, em que consciências se perdem nas rotas circulares que levam a caminhos sem saída. Portanto, a ruptura deve ser a partir de uma Práxis que tenha por norte a Emancipação Humana. Seja bem-vindo o livro de Anderson Deo!

    São Paulo, inverno de 2021.

    Antonio Carlos Mazzeo

    Professor Livre-Docente aposentado do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da FFC/Unesp e atualmente trabalha nos programas de pós-graduação em História Econômica do Departamento de História da FFLCH-USP e em Serviço Social, da PUC/SP

    APRESENTAÇÃO

    O livro que apresentamos ao público é o resultado do debate teórico-prático que temos travado ao longo das últimas duas décadas. Um primeiro momento de síntese e sistematização se encontra na defesa de nossa tese de doutorado no ano de 2011, com o título A consolidação da social-democracia no Brasil: forma tardia de dominação burguesa nos marcos do capitalismo de extração prussiano-colonial⁵. Nesse trabalho debatemos a reprodução sociometabólica do capitalismo brasileiro no período que envolveu três mandatos presidenciais, os dois de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e o primeiro de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006). A hipótese que procuramos perscrutar aponta para os elementos de permanência e ruptura entre os dois projetos políticos. A apreensão da totalidade processual do objeto investigado nos permitiu demonstrar que as permanências, seja em sentido econômico-político, ou mesmo histórico-social, foram (e são) muito mais visíveis e determinantes do que as marcas de diferenciação entre os dois governos. Tais elementos permitem compreender a particularidade do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo brasileiro em sua dimensão essencial, marcada fundamentalmente por uma forma de dominação burguesa de caráter colonial-bonapartista, cujo conteúdo político autocrático está impresso em sua ontogeneticidade.

    A partir desse trabalho inicial, procuramos nos aprofundar na discussão do caráter da democracia no Brasil como forma de dominação autocrático-burguesa, a partir do desenvolvimento de projeto de pesquisa⁶ vinculado ao Departamento de Ciências Políticas e Econômicas e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, na Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp Campus de Marília. Os resultados da pesquisa desenvolvida foram apresentados em congressos científicos e também em publicações nacionais e internacionais, proporcionando questionamentos e inquietações que se desdobraram em novas pesquisas⁷.

    No que concerne à estrutura do livro aqui apresentado, procuraremos demonstrar que o continuum político representa a forma de ser precisamente assim da social-democracia tardia brasileira. Para tanto, dividimos o nosso livro em duas seções. Na primeira parte, intitulada O Sentido da Modernização Brasileira, discutiremos o arcabouço categórico-conceitual que nos permite A apreensão da realidade ao modo de sua totalidade concreta. Partindo de uma abordagem ontológica, num esforço de compreensão que caminha do real-concreto ao real-pensado, analisamos o complexo de complexos que compõem a processualidade histórica brasileira, em que o Sentido que esta expressa caracteriza uma forma particular de objetivação do modo de produção capitalista. A compreensão dos condicionantes particulares do sociometabolismo do país é fundamental à discussão e caracterização do projeto social-democrata que se consolida internamente. Em Sentido da modernização e social-democracia tardia, debateremos como a social-democracia surge e se desenvolve em sua versão clássica nos países da Europa Ocidental, para, em seguida, cotejarmos essa forma com a particularidade da tardia social-democracia brasileira, apontando, sobretudo, as deformidades presentes nessa forma de dominação burguesa quando esta aqui se realiza.

    Na segunda parte, intitulada De Fernando Henrique a Luiz Inácio: uma forma particular de social-democracia, analisaremos os desdobramentos econômicos, políticos e sociais dos referidos mandatos. Nos capítulos Fernando Henrique Cardoso e a vitória da modernização conservadora, Dependência e subordinação num contexto de crise mundial e Um ‘operário rentista’ no poder, demonstraremos os vínculos entre os projetos de governo que nos permitem identificar o caráter de continuidade entre ambos. Ao analisarmos o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, discutimos o processo comumente denominado de Reformas do Estado, em que todas as mudanças político-institucionais foram realizadas de acordo com as orientações dos grandes bancos internacionais, sobretudo a partir das diretrizes do Consenso de Washington; verificamos como esse novo formato estatal passa a priorizar a lógica financeira de reprodução do capital. No segundo mandato do tucano, as crises cambiais internacionais que já se manifestavam no período anterior se intensificaram, e o governo se restringiu a responder contingencialmente aos ataques especulativos contra o Real. No primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, observamos uma sensível recuperação da economia mundial, que permitiu ao país experimentar pequenos ciclos de crescimento. Dando continuidade ao projeto de hegemonia financeira do bloco histórico burguês, as premissas da organização econômica serão marcadamente as mesmas. O exemplo mais claro é o que estabelece metas — elevadas — de superávit primário, elemento fundamental à remuneração do capital financeiro internacional.

    Em A social-democracia tardia brasileira como expressão do colonial-bonapartismo, analisamos, conclusivamente, a forma pela qual os governos de corte social-democrata no Brasil reproduzem a variante colonial da dominação burguesa em sua expressão bonapartista. A partir da crítica dos conceitos de populismo e neopopulismo, propomos uma análise que identifica os governos tucanos e o governo petista como governos burgueses, excluindo qualquer possibilidade de hegemonia às avessas. Partindo do pressuposto de que a autocracia burguesa se reproduz, em certos contextos, a partir da legalidade institucional-parlamentar, reproduzindo uma forma de bonapartismo soft, entendemos que a caracterização política do período explicita os novos contornos da hegemonia da fração financeira da burguesia no interior do bloco histórico dominante no país.

    A necessidade de aggiornamento da discussão que apresentamos no posfácio se deve ao fato de nossas investigações iniciais se concentrarem no interregno de 1995 a 2006. Desde então, tivemos um segundo mandato de Lula, a eleição de Dilma Rousseff e o impedimento de seu segundo mandato, o governo de Michel Temer e, atualmente, Jair Bolsonaro como presidente do país. Essa atualização tem a função de concentrar a análise na verificação do elemento essencial que procuramos discutir ao longo do livro, identificando o caráter colonial-bonapartista da social-democracia brasileira e o aprofundamento da autocracia burguesa em sua forma e conteúdo institucionalizado.

    Uma última nota: as insuficiências e possíveis equívocos do presente texto são de total responsabilidade de seu autor.

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    PARTE I

    O SENTIDO DA MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA

    INTRODUÇÃO

    CAPÍTULO I

    A APREENSÃO DA REALIDADE AO MODO DE SUA TOTALIDADE CONCRETA 33

    1. O Sentido da Modernização: as marcas indeléveis do capitalismo brasileiro 40

    CAPÍTULO II

    SENTIDO DA MODERNIZAÇÃO E SOCIAL-DEMOCRACIA TARDIA 55

    1. O caráter desigual e combinado do desenvolvimento capitalista 55

    2. Uma transição à long terme 65

    3. As anomalias da social-democracia de extração prussiano-colonial 72

    3.1. A social-democracia clássica 73

    3.2. As anomalias e o caráter tardio da social-democracia brasileira 91

    PARTE II

    DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA: UMA FORMA PARTICULAR DE SOCIAL-DEMOCRACIA

    INTRODUÇÃO

    CAPÍTULO I

    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E A VITÓRIA DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA 109

    1. A transição Itamar Franco-Fernando Henrique Cardoso 109

    2. O primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso: continuidades e ajustes 119

    2.1. Arrimo teórico e concreção histórica 120

    2.2. Sob o signo da dependência 139

    3. Projeto liberal e Reforma Constitucional 150

    4. Dependência externa e estagnação 164

    CAPÍTULO II

    DEPENDÊNCIA E SUBORDINAÇÃO EM UM CONTEXTO DE CRISE MUNDIAL 179

    1. A implosão do Real diante da crise 180

    CAPÍTULO III

    UM OPERÁRIO RENTISTA NO PODER 205

    1. A sucessão presidencial no contexto da crise 207

    2. Governo Lula: um operário a serviço do capital financeiro 215

    3. O fôlego conjuntural da economia mundial 222

    4. A dinâmica econômica interna 227

    5. O imperialismo brasileño 244

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    A SOCIAL-DEMOCRACIA TARDIA BRASILEIRA COMO EXPRESSÃO DO COLONIAL-BONAPARTISMO 259

    POSFÁCIO

    O NECESSÁRIO AGGIORNAMENTO DA DISCUSSÃO 279

    1. O segundo governo Lula — 2006-2010 280

    2. O primeiro Governo Dilma — 2011-2014 284

    3. O segundo Governo Dilma — 2015-2016: a reafirmação histórica da farsa brasileira 292

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de presidente da República, em outubro de 2002, possui um caráter histórico inegável: depois de 113 anos de organização republicana, um representante oriundo do proletariado alcança o cargo mais importante na estrutura política do Brasil.

    A trajetória pessoal de Lula o transformou naquilo que podemos identificar como a síntese da miséria material brasileira. Filho de pequenos agricultores do sertão nordestino, migrou com a família para fugir do flagelo da seca e da fome, tão presentes na história do país. Seu destino, como o de tantos outros, foi a cidade grande, espaço geográfico identificado à época como o único lugar possível para se alcançar a sobrevivência e a dignidade mínima por meio das oportunidades de trabalho oferecidas e a promessa de uma vida melhor. Em São Paulo, o jovem retirante nordestino encontrou a formação necessária, que o inseriu nas frações do proletariado industrial, posição que o alçaria ao cenário político brasileiro e, anos mais tarde, ao posto máximo da nação. Em sua história, estão impressas algumas das principais marcas da exploração que o capitalismo brasileiro produziu no século XX. Nordestino de origem paupérrima, retirante e operário são condições que expressam um dos elementos de nossa via prussiana e compõem uma das características na formação do proletariado no país, sobretudo a partir da década de 1950, resultado direto das transformações capitalistas observadas na particularidade brasileira. Eis a síntese que lhe permitiu uma identificação direta com as camadas mais pobres da população do país.

    O principal slogan de sua campanha, em 2002, apontava para a necessidade de a esperança vencer o medo. Referência direta à nova postura adotada pela versão Lulinha paz e amor, o candidato do Partido dos Trabalhadores pretendia se desvencilhar de sua imagem do passado de líder sindical radical, intransigente e, portanto, pouco afeito ao diálogo. Na verdade, tratava-se de conquistar a confiança de parcelas significativas do eleitorado brasileiro — inclusive frações do proletariado — que lhe haviam negado em três ocasiões (1989, 1994 e 1998) a oportunidade de governar o país. No entanto, mais do que mero discurso eleitoral, a nova postura revelaria as transformações ocorridas no interior do principal partido na esquerda brasileira, surgido no pós-1964.

    Seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, depois de dois mandatos consecutivos (1995-1998/1999-2002) não conseguiu eleger o sucessor indicado pelo seu partido, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Os efeitos da crise econômica mundial (1998), bem como as alternativas oferecidas internamente pelo governo brasileiro, haviam produzido consequências irreparáveis à candidatura de José Serra, então candidato do PSDB, indicado à sucessão de FHC. Desemprego em alta, baixos índices de crescimento econômico, a sempre presente ameaça do retorno da inflação e todas as mazelas sociais que se desdobram da crise de sociabilidade produzida pelo modo de produção capitalista retiraram das mãos do PSDB o comando do bloco histórico burguês no país.

    O governo de Fernando Henrique Cardoso foi o responsável pela inserção do país no novo ciclo de internacionalização do capital regido pela fração financeira da burguesia mundial. A partir da implantação do Plano Real, ainda no governo de Itamar Franco (1992-1995), Fernando Henrique conseguiu articular as diversas frações da burguesia brasileira, construindo a aliança política que lhe deu sustentação durante os dois mandatos. Essa composição política permitiu a aprovação de um amplo conjunto de reformas jurídico-institucionais necessárias à realização do projeto liderado pelo PSDB. Todo o processo das Reformas Constitucionais, a própria concretização do Plano Real — e a respectiva estabilidade da moeda que o plano criou —, a diminuição do Estado brasileiro e a abertura econômico-financeira do mercado interno passaram a ser as marcas do governo do PSDB, que identificou o processo como sinônimo de modernidade.

    Depois dos oito anos de governo Fernando Henrique, as certezas em relação à capacidade de seu partido continuar à frente do projeto da burguesia internamente instalada já não eram tão claras. Toda a fragilidade estrutural da economia brasileira frente aos fluxos do mercado internacional — principalmente em momentos de crise — veio à tona no final do segundo mandato, e a eleição de Lula expressou, de certa forma, tal cenário de insatisfação com os governos do PSDB.

    Com a posse de Lula em janeiro de 2003, o novo governo passou a argumentar que a herança maldita deixada por Fernando Henrique impossibilitava qualquer medida significativa e imediata nos marcos da política econômica vigente. O discurso governista apontava para a necessidade de colocar ordem na casa, ou seja, somente depois de recolocar o Brasil no caminho da estabilidade econômica, as mudanças poderiam ser introduzidas. No entanto, o argumento inicial se transmutou em fundamento inquestionável do novo governo. Durante os quatro anos do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), os fundamentos saudáveis necessários a uma economia de mercado — leia-se, necessários à reprodução da lógica do capital financeiro — foram seguidos à risca, com uma disciplina, em alguns momentos, até maior que a do governo anterior.

    As condições econômicas mundiais, contudo, começaram a se inverter já a partir do final de 2002. A rápida expansão do comércio em escala global favoreceu enormemente as exportações brasileiras, fato que possibilitou uma pequena, mas já visível retomada do crescimento econômico. A inflação é controlada, a arrecadação se eleva e o governo consolida aquele que seria o carro-chefe das políticas sociais de Lula, o programa Fome Zero. Mas em nenhum momento a nova equipe econômica abriu mão dos tais fundamentos saudáveis... Pelo contrário, não só deu continuidade, mas ampliou, aprofundou e aperfeiçoou o modelo anterior. Em que pesem algumas diferenças pontuais, muito mais de ordem discursiva e ideológica do que propriamente de prática política, econômica ou social, o governo petista se concretizou como um continuum de seu congênere tucano.

    A questão central que orientou as investigações que aqui apresentamos diz respeito à compreensão e caracterização dessa continuidade. Como esforço de análise histórico-política, procuramos demonstrar as congruências e os possíveis distanciamentos entre os dois projetos, caracterizando-os como a forma particular de consolidação da social-democracia no Brasil, forma específica condicionada pelo caráter tardio e anômalo do caminho prussiano-colonial de objetivação do capitalismo brasileiro.

    No período por nós discutido (1995-2006), o país alcançou uma posição de protagonista entre as nações imperialistas. Totalmente inserida nos fluxos internacionais de reprodução do capital, a economia brasileira passou a figurar como uma das mais importantes — emergentes — no cenário mundial. Com um parque industrial altamente complexo e consolidado, um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo e um sistema financeiro conectado aos principais polos do capitalismo mundial, o Brasil passou por um processo de modernização. No entanto, essa modernização — contraditoriamente — foi realizada conservando aspectos ontologicamente determinados pela referida particularidade. O desenvolvimento desigual e combinado da economia mundial reproduz, sob novos condicionantes históricos, a estrutural dependência e subordinação do país em relação aos centros hegemônicos de reprodução do capital. A burguesia internamente instalada não rompeu seu caráter de associação subordinada em relação à burguesia mundial. Pelo contrário, essa associação foi reafirmada e reelaborada, adquirindo contornos altamente complexos e sofisticados, o que permitiu a essa mesma burguesia expandir seu capital por várias regiões do planeta.

    Ao mesmo tempo que há uma expansão econômica, condições mais do que precárias de um enorme contingente da população brasileira reproduzem a miséria social como uma de suas marcas indeléveis. A autocracia burguesa em sua variante institucional é reproduzida, expressando a forma presente em nossa processualidade histórica do colonial-bonapartismo. Observamos que o sentido da modernização brasileira expressa um caráter marcadamente de modernização conservadora, em que antigas práticas políticas são reconfiguradas para dar legitimidade à hegemonia burguesa. Com isso, mais uma vez, as transformações ocorrem pelo alto, sem a participação do proletariado, pois este é alijado do processo pela ofensiva desferida pela burguesia.

    PARTE I

    O SENTIDO DA

    MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA

    Se queremos que tudo fique como está

    é preciso que tudo mude

    (O Leopardo, Tomasi di Lampedusa)

    INTRODUÇÃO

    Talvez, uma das maiores dificuldades encontradas por um pesquisador, quando da elaboração de um trabalho científico, é a que diz respeito ao caráter original do objeto a ser pesquisado. Mesmo que a originalidade esteja na analítica da abordagem, e não necessariamente no objeto em si, a exigência e a busca constantes dos novos elementos que compõem o escopo analítico apresentado é condição mister para toda forma de conhecimento academicamente reconhecido.

    No campo das chamadas Ciências Sociais, a recente (e crescente) investida filosófica do irracionalismo⁸ propugnou a diluição de toda ordem estabelecida, relativizando o mundo e suas respectivas formas de apreensão e conhecimento, identificando a pós-modernidade como o estabelecimento da nova ordem a ser compreendida. O novismo passou então a ser critério e sinônimo de cientificidade.

    Longe de uma perspectiva pós-moderna — muito pelo contrário, crítica radical a tal propositura filosófica e ideológica —, o presente trabalho é permeado pela dificuldade anteriormente apontada, pois, em última instância, o que procuramos discutir diz respeito aos novos contornos do capitalismo mundial e à respectiva inserção da particularidade brasileira em seu processo sociometabólico⁹. Isso se explica pelo fato de — e este já é um pressuposto teórico —, no processo de objetivação do capitalismo no Brasil, observarmos uma constante reposição, reafirmação, recomposição e, portanto, atualização de condicionantes históricos que sempre — ou quase sempre — estiveram presentes no contexto econômico, político e social do país. A reposição do historicamente velho é marca indelével do ser precisamente assim brasileiro.

    Na presente seção, buscaremos discutir os fundamentos teórico-analíticos que nos permitiram erigir o edifício categórico-conceitual de sustentação de nosso objeto de análise que aqui enunciamos: o lapso temporal que marca os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) corresponde ao período de consolidação da social-democracia tardia no Brasil. Condicionado pela particularidade histórica brasileira, tal processo se distingue das formas clássicas da social-democracia europeia, pois, ao se concretizar historicamente, absorve em sua forma de ser aspectos próprios, portanto particulares, do modo pelo qual o capitalismo se objetivou no país, cujo Sentido se coadunou também de forma particular, expresso categorialmente pela via prussiano-colonial de desenvolvimento do capitalismo.

    Buscaremos demonstrar as características fundamentais que imprimem contornos específicos à via prussiano-colonial. A autocracia burguesa se reproduz no país, ora a partir do instrumento despótico-militar dos golpes de caráter civil-militar, ora por meio da legalidade institucionalizada pelo parlamento, dando contornos ao fenômeno político que podemos identificar como colonial-bonapartismo. A subordinação econômica em relação aos polos centrais do capitalismo mundial também se reproduz, mesmo que em novos patamares históricos, em que o Brasil passa a exercer — mesmo que de forma subordinada — o papel de protagonista na expansão do capital-imperialismo. Própria do desenvolvimento desigual e combinado da expansão do capital, essa subordinação extrapola as convenções geográficas amplamente aceitas até pouco tempo atrás, de um centro localizado no norte e a periferia ao sul. O capital em sua fase de internacionalização financeira¹⁰ aprofunda uma característica própria dessa forma de relação social, qual seja seu universalismo, reiterando de forma clara a máxima que indica que o capital não possui identificação nacional.

    A social-democracia brasileira se caracteriza como a forma política de domínio burguês mais bem acabada que essa classe conseguiu organizar no país. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva é o momento de seu coroamento, consolidando no plano nacional a ofensiva do capital sobre o trabalho. As principais organizações da classe trabalhadora institucionalizam o caráter defensivo de suas estratégias ao tomarem parte no governo Lula. Reproduzem no campo

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