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Os "inclementes" de 1910

Henrique Raposo (www.expresso.pt)

Sexta-feira, 25 de Dez de 2009


http://aeiou.expresso.pt/os-inclementes-de-1910=f553599

Quando se soube que Manuel Clemente (MC) tinha recebido o Prémio Pessoa, uma turba
bíblica começou, de imediato, a vaiar a decisão do júri. Li e ouvi, vezes sem conta, que MC
não merecia o prémio. Esta posição crítica não assentava numa opinião negativa sobre o
trabalho intelectual do premiado. Estamos a falar de pessoas que nem sequer leram os
livros de MC. O alvo da fúria era mesmo algo exterior à escrita de MC: para a inclemente
turba, MC não podia ser premiado, porque é o bispo do Porto. A causa da contestação era,
portanto, o velho ódio jacobino.

Como é óbvio, a velha inclemência jacobina nunca admitiria que MC é um intelectual


interessante. Para estes 'inclementes' de Afonso Costa, um bispo só pode ser um
medíocre. Por isso, nem precisam de ler. Basta-lhes o ódio, essa poderosa fonte de
conhecimento. O ódio tem várias origens, mas tem sempre o mesmo efeito: simplifica o
mundo aos olhos do 'odiador'. Para o 'odiador' jacobino, o mundo é muito simples: há os
bons (os jacobinos) e os maus (os católicos). Tenho a dizer que, por vezes, até sinto uma
certa inveja desta clareza do 'odiador' jacobino. É que este ódio facilitar-me-ia a vida. Se
possuísse esta raiva anticlerical, deixaria de ter dúvidas e, acima de tudo, passaria a ter à
minha disposição um inimigo que legitimaria todos os meus disparates: a infame.

Se não fossem estes génios iletrados, estranhos ao hábito da leitura, os nossos jacobinos
poderiam ter o prazer de descobrir uma surpreendente modernidade política no
pensamento de MC. Em "1810 - 1910 - 2010" (Assírio & Alvim), por exemplo, o bispo do
Porto desenvolve aquilo que pode ser descrito como uma laicidade à americana. Partindo
da modernidade política do Concílio de Vaticano II (1962-65), MC critica a ideia de "estado
confessional". Os católicos devem defender o "estado secular". Porém, a neutralidade do
estado não deve invalidar a presença da religião na sociedade. 'Estado' e 'sociedade' são
duas realidades distintas. O estado deve ser secular, mas a sociedade não deve ser
secularizada à força. Por outras palavras, MC critica a laicidade à francesa (aquela que
ainda temos), e defende uma laicidade à americana (aquela que deveríamos ter).

Ora, este livro de MC acaba por ser uma lição de história de Portugal, porque resulta de
uma leitura atenta das 'guerras civis' que varreram o país durante os séculos XIX e XX. O
Estado Novo foi uma 'reconquista cristã' do Estado depois do jacobinismo da I República.
Nos anos 20 e 30, os católicos defendiam a ideia de um 'Estado católico'. Hoje, os ditos
católicos, na senda de MC, criticam a ideia de 'Estado confessional', e defendem um
'Estado secular'. Ora, se os católicos deixaram cair a ideia de um 'Estado confessional', a
esquerda é incapaz de abandonar o seu velho jacobinismo de 1910. Os nossos
'progressistas' exigem um Estado 'secular' (muito bem), mas também exigem uma
sociedade 'ateia' produzida à força pelo Estado (muito mal). Isto quer dizer que, na
sociedade dos 'progressistas' de 1910, os católicos não devem sair das suas catacumbas
escuras e clandestinas. Julgando-se muito tolerantes, estes 'progressistas' são, na
verdade, uma enorme fonte de intolerância. A esquerda está mesmo a precisar do seu
Concílio Vaticano II. Porque, no ano da graça de 2009, os católicos são bem mais
modernos do que os 'progressistas'.

Henrique Raposo

Texto publicado na edição do Expresso de 19 de Dezembro de 2009

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