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Quando se soube que Manuel Clemente (MC) tinha recebido o Prémio Pessoa, uma turba
bíblica começou, de imediato, a vaiar a decisão do júri. Li e ouvi, vezes sem conta, que MC
não merecia o prémio. Esta posição crítica não assentava numa opinião negativa sobre o
trabalho intelectual do premiado. Estamos a falar de pessoas que nem sequer leram os
livros de MC. O alvo da fúria era mesmo algo exterior à escrita de MC: para a inclemente
turba, MC não podia ser premiado, porque é o bispo do Porto. A causa da contestação era,
portanto, o velho ódio jacobino.
Se não fossem estes génios iletrados, estranhos ao hábito da leitura, os nossos jacobinos
poderiam ter o prazer de descobrir uma surpreendente modernidade política no
pensamento de MC. Em "1810 - 1910 - 2010" (Assírio & Alvim), por exemplo, o bispo do
Porto desenvolve aquilo que pode ser descrito como uma laicidade à americana. Partindo
da modernidade política do Concílio de Vaticano II (1962-65), MC critica a ideia de "estado
confessional". Os católicos devem defender o "estado secular". Porém, a neutralidade do
estado não deve invalidar a presença da religião na sociedade. 'Estado' e 'sociedade' são
duas realidades distintas. O estado deve ser secular, mas a sociedade não deve ser
secularizada à força. Por outras palavras, MC critica a laicidade à francesa (aquela que
ainda temos), e defende uma laicidade à americana (aquela que deveríamos ter).
Ora, este livro de MC acaba por ser uma lição de história de Portugal, porque resulta de
uma leitura atenta das 'guerras civis' que varreram o país durante os séculos XIX e XX. O
Estado Novo foi uma 'reconquista cristã' do Estado depois do jacobinismo da I República.
Nos anos 20 e 30, os católicos defendiam a ideia de um 'Estado católico'. Hoje, os ditos
católicos, na senda de MC, criticam a ideia de 'Estado confessional', e defendem um
'Estado secular'. Ora, se os católicos deixaram cair a ideia de um 'Estado confessional', a
esquerda é incapaz de abandonar o seu velho jacobinismo de 1910. Os nossos
'progressistas' exigem um Estado 'secular' (muito bem), mas também exigem uma
sociedade 'ateia' produzida à força pelo Estado (muito mal). Isto quer dizer que, na
sociedade dos 'progressistas' de 1910, os católicos não devem sair das suas catacumbas
escuras e clandestinas. Julgando-se muito tolerantes, estes 'progressistas' são, na
verdade, uma enorme fonte de intolerância. A esquerda está mesmo a precisar do seu
Concílio Vaticano II. Porque, no ano da graça de 2009, os católicos são bem mais
modernos do que os 'progressistas'.
Henrique Raposo