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Texto-Fonte:
Crítica Literária de Machado de Assis,
Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1938.
Publicado originalmente no Jornal do Comércio em 02/07/1872.
Carta ao sr. Conselheiro Lopes Neto [2].
Confiou-me V. Ex. para julgar um dos mais fecundos poetas da América latina,
que o meu ilustrado amigo Henrique Muzzio apreciaria cabalmente, a não impedir-
lho a doença que nos priva de seus escritos. Entre a ousadia de me fazer juiz e o
desprimor de lhe desobedecer, confesso que me acho perplexo e acanhado.
A idéia, porém, de que sirvo neste caso ao elevado sentimento americano com que
V. Ex. está aliando a literatura de dois povos, me dá algum ânimo de vir a público.
Claro está que não virei como juiz e sim dizer em poucas e singelas palavras a
impressão que me causa, e não de hoje, o eminente poeta chileno.
Não de hoje, digo eu, porque os seus versos não me eram desconhecidos. Os
primeiros que li dele mostrou-mos o seu compatriota Guilherme Bleste Gana,
maviosíssimo poeta e um dos mais notáveis e polidos talentos do Chile. Vinham
impressos num jornal de Santiago. Era um canto ao México, por ocasião da
catástrofe que destruiu o trono de Maximiliano.
Havia ali muito fogo lírico, idéias arrojadas, e ainda que a composição era extensa,
o poeta soubera conservar-se sempre na mesma altura. Hipérbole também havia,
mas era defeito esse menos do poeta que da língua e da raça, naturalmente
exagerada na expressão. A leitura do canto logo me despertou o desejo de ler as
obras do autor. Obtive-as posteriormente e li-as com a atenção que exigia um
talento de tão boa têmpera.
Não são mui recentes, como V. Ex. sabe, os seus dois volumes de versos. A única
edição que conheço, a 2.ª, traz a data de 1858, e compreende os escritos de 1847
a 1853, tempo da primeira juventude do poeta. Não quer isto dizer que se
arrufasse com as musas, e o canto a que me referi acima prova que também elas
lhe não perderam a afeição dos primeiros dias.
Estou que o poeta terá publicado nos jornais muitas composições novas, e é de
crer que algumas conserve inéditas. De qualquer modo que seja, os seus dois
volumes, como qualidade, justificam a nomeada de que goza o poeta em toda a
América espanhola; e, como quantidade, poderiam encher uma vida inteira.
É justo dizer que uma ou outra vez, mas sobretudo nos dois poemas e nos
fragmentos de poema que ocupa o primeiro volume, há manifesta influência de
Espronceda e Musset. Influência digo, e não servil imitação, porque o poeta o é
deveras, e a feição própria, não só se lhe não demudou ao bafejo dos ventos de
além-mar, mas até se pode dizer que adquiriu realce e vigor. O imitador servil
copiaria os contornos do modelo; não passaria daí, como fazem os macaqueadores
de Victor Hugo, que julgam ter entrado na família do poeta, só com lhe reproduzir
a antítese e a pompa da versificação. O discípulo é outra coisa: embebe-se na
lição do mestre, assimila ao seu espírito o espírito do modelo. Tal se pode dizer de
Guilherme Malta nos seus dois poemas Un cuento endemoniado, La mujer
misteriosa e nos fragmentos.
A poesia chamada pessoal ocupa grande parte do 2.° volume, talvez a maior. Os
versos do poeta são em geral uma contemplação interior, coisas do coração e
muita vez coisas de filosofia. Quando ele volve os olhos em redor de si é para
achar na realidade das coisas um eco ao seu pensamento, um contraste ou uma
harmonia entre o mundo externo e o seu mundo interior.
Onde quer que se lhe depare assunto à mão, não o rejeita, colhe-o para enfeitá-lo
com outros, e oferecê-los à sua pátria. Ora canta uma balada da idade média, ora
os últimos instantes de Safo. Vasco Nunes recebe um louro, Pizarro um estigma.
Quevedo e Cervantes, Lope de Vega e Platen, Aristófanes e Goethe, Espronceda e
V. Hugo, e ainda outros têm cada um o seu baixo-relevo na obra do poeta. Ofélia
tem uma página. Lélia duas. A musa voa dos Andes ao Tirênio, do presente ao
passado, tocada sempre de inspiração e sequiosa de cantar. Mas o principal
assunto do poeta é ele mesmo. Essa poesia pessoal, que os trovadores de má
morte deslavaram em versos pífios e chorões, encanta-nos ainda hoje nas páginas
do poeta chileno.
A musa que assim canta os destinos da poesia encara friamente a morte e fita os
olhos na vida de além-túmulo. Entre outras páginas em que este sentimento se
manifeste, namoram-me as que ele chamou para siempre, e que são um sinônimo
de amor, animado e vivo, e verdadeiramente do coração. Nem todas as estrofes
serão irrepreensíveis como pensamento; mas há delas que o cantor de Tereza não
recusaria assinar. Çomo o poeta de Elvira, afiança ele a imortalidade à sua amada:
Assim é que, para conter os ímpetos de sua alma, e juntamente aconselhar aos
débeis a prudência, imaginara a galante alegoria da pomba:
Não se propôs ele dar-nos um sistema filosófico; não escreveu sequer um livro de
versos. Escreveu versos, conforme lhos foi ditando o sentimento da ocasião e
quando os colecionou não se deteve a compará-los e conciliá-los, que isso seria
tirar o caráter legítimo da obra, a variedade do sentir e do pensar. Esse é
geralmente o encanto desta casta de livros. Junqueira Freire seria completo sem a
contradição dos Claustros com o Monge?
Assim será, não sei. Mas, a ser exato o que se lê numa memória da academia
espanhola de Madri, lida e publicada em novembro do ano passado, a corrupção
da língua nos países hispano-americanos, longe de aumentar, tem-se corrigido e
melhorado muito, não só por meio de obras de engenho e imaginação, como por
livros didáticos especiais. Um poeta da ordem de Malta tem natural direito àquela
honrosa menção, e, pela posição literária que ocupa e a popularidade do seu
nome, influirá largamente no movimento geral.
Estou que não conhecemos ainda todo o poeta. O que domina nos dois volumes
publicados é o tom suave e brando, a nota festiva ou melancólica, mas pouco,
muito pouco daquela corda do Canto ao México, que o poeta tão ardentemente
sabe vibrar. Guardará ele consigo alguns trabalhos da nova fase em que entrou,
como o seu compatriota Blest Gana, que teima em esconder das vistas públicas
nada menos que um poema? Um e outro, como Barra Lastarria, como Errazuriz,
como Arteaga, devem muitas páginas mais às letras americanas, a que deram
tanto lustre Arboleda e Basílio da Gama, Heredia e Gonçalves Dias.
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Os poemas aqui analisados por Machado de Assis foram corrigidos, diante de
evidentes erros de tipografia — a começar pelo sobrenome do escritor, onde Matta
transformou-se em Malta —, como consta da edição Jackson das Obras completas.
Essas correções basearam-se nas Poesías de Guillermo Matta, obra editada em 1858,
disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=o6kGAAAAQAAJ&pg=PP7&lpg=PP7&dq=%
22Poesias+de+Guillermo+Matta%22&source=web&ots=9UUH6MtMSE&sig=Sd-
ZWWQGr9J3AAu-tGqTqs3Fjyc&hl=pt-BR&sa=X&oi=book_result&resnum=1&ct=result
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Consta apenas o dia, 1º, e o mês, julho; o ano não é conhecido.