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Psicoterapia breve: uma abordagem psicanalítica*

Jurandir Freire Costa

[227] O campo das psicoterapias breves tende, na atualidade, a estender-se. Os que


defendem sua expansão utilizam, entre outros, argumentos de duas ordens. O primeiro é de ordem
sócio-econômica: o crescente aumento da demanda psiquiátrica tornaria desprezível todo tratamento
incompatível com as possibilidades financeiras da maioria dos clientes e insuficiente diante da
pressão numérica dos pedidos de consulta. O segundo é de ordem teórico-técnica: constatada a
nulidade dos métodos tradicionais, caberia organizar as atividades terapêuticas que, tentando
enfrentar o problema, proliferam desordenadamente em consultório privados e serviços públicos.
Estas iniciativas deveriam ser sistematizadas num esquema conceitual onde teoria e prática se
articulassem de modo coerente.
A psicoterapia breve responderia satisfatoriamente às duas exigências. Limitando tempo
de cura e focalizando a ação terapêutica, ela daria à conduta clínica a direção e o sentido desejáveis.
Não temos a intenção de discutir os pressupostos sócio-econômicos e teóricos-técnicos
que justificam a necessidade e a validade das psicoterapias breves. A abordagem destes temas
escapa a nossos propósitos. Assinalaremos, contudo, que a dificuldade do atendimento de massa, a
nosso ver, não pode receber uma solução meramente psicoterápica. A questão crucial deste
atendimento não é a de saber com adaptar-se à tendência da demanda psiquiátrica, mas a de
entender por que, nos últimos tempos, esta demanda subiu vertiginosamente. Como conseqüência, a
necessidade de inventar técnicas adequadas ao fenômeno perderia parte da urgência com que se
apresenta.
De qualquer forma, o debate em torno destes pontos exigiria medidas de avaliação e
julgamento que não nos interessam, no momento, expor ou analisar. Este trabalho pretende, apenas,
interrogar as relações da psicoterapia breve com a psicanálise, sob o estrito ponto de vista dos [228]
objetivos terapêuticos. Em nossa opinião, as versões desta técnica que recorrem a conceitos
psicanalíticos com fundamento de sua prática estabelecem dois princípios que merecem discussão:
primeiro, o de que pode ou deve haver diferença de objetivos terapêuticos entre cura psicanalítica e
cura psicoterápica; segundo, o de que a teoria freudiana cauciona esta distinção. Pretendemos
demonstrar que tal ponto de vista, histórica e teoricamente, contém equívocos e ambigüidades
pouco esclarecidos na literatura sobre o tema.
A retomada histórica das origens das psicoterapias psicanalíticas ajuda a situar melhor
nossa reflexão.
1. O nascimento das psicoterapias psicanalíticas
*
em FIGUEIRA, Sérvulo Augusto. Sociedade e doença mental. Rio de Janeiro: Campus, 1978, p. 227-243. Entre
colchetes, as referências no original do livro.
As psicoterapias psicanalíticas nasceram do esforço de analistas e outros terapeutas para
superar os limites da cura-tipo. Quando comparadas entre si, estas experiências pioneiras podem ser
divididas em três grandes grupos. O primeiro corresponde ao conjunto dos trabalhos de Melanie
Klein com crianças; de Federn, Rosen, Frieda Fromm Reichman e outros, com psicóticos adultos, e
de Wilhelm Reich com neuróticos caracteriais. O segundo é formado pelos ensaios de aplicação de
conceitos psicanalíticos à pedagogia (Pfister, Vera Schmid, Aichorn) e a psiquiatria institucional
(psicoterapia institucional francesa; comunidades terapêuticas anglo-americanas). Finalmente, o
terceiro constituiu-se a partir do tratamento psicanalítico de grupos, cujo protótipo clínico-teórico
são os trabalhos de Bion.
Embora todas se inspirassem na teoria psicanalítica, diferenças radicais afastariam essa
psicoterapias uma das outras. Em particular, as que compunham o primeiro grupo daquelas que
formaria o segundo. A psicoterapia psicanalítica de grupo possui características cujas atipicidade
não importa discutir no momento.
No que diz respeito aos dois primeiros tipo, as diferenças surgem em dois níveis: a)
concepção dos limites da cura analítica clássica; b) objetivos terapêuticos da cura psicoterápica.
Considerando, inicialmente, o aspecto dos limites da psicanálise, observa-se que as
psicoterapias de crianças, psicóticos e caracteriais entendiam esses limites como dificuldades da
teoria e da técnica analíticas em aceder a certas organizações psicopatológicas. Explicitando
brevemente, tanto nas psicoses de adultos quanto na psicopatologia infantil, a suposta “fragilidade
do ego” impedia, por um lado, a formação da aliança terapêutica e, por outro, o surgimento da
transferência. O psicanalista, [229] privado dessas molas mestras da técnica, perdia a possibilidade
de inciar ou levar adiante o processo da cura. Com os neuróticos de caráter, as dificuldades eram as
mesmas mas as causas eram de outra ordem. A ego-sintonia do sintoma e a gratificação da moção
pulsional produzida pela passagem ao ato barravam o aceso da angústia à consciência. Sem conflito
consciente, diminuía a disposição para o tratamento. A patologia funcionando como um bloco –
“couraça caracterial” de Reich – não se deixava analisar em seus elementos constitutivos ou em
seus conflitos localizados. Estas noções foram revistas pelas experiências acima citadas, que
abriram, simultaneamente, novas perspectivas à compreensão daqueles quadros. Historicamente,
estas psicoterapias representavam um tempo forte no progresso da teoria e da técnica analíticas.
Progressivamente foram perdendo o caráter experimental teórico e técnico e, atualmente, integram
de forma plena o corpo conceitual da psicanálise.
Para o segundo grupo, a noção dos limites da psicanálise era diversa. A preocupação
principal não era encontrar uma porta de entrada para a psicopatologia individual, impermeável à
cura-tipo. O que se buscava era rentabilizar a psicanálise, dilatando o espaço da relação dual e
incorporando a seu raio de influência grupos e instituições. O limite da cura clássica não era dado
pela pouca penetração psicopatológica, mas pela pequena absorção de fatos sociológcos. A
psicoterapia aplicada à pedagogia procurava obter uma maior eficácia educativa junto a adltos e
crianças, com o objetivo de prevenir doenças mentais ou distúrbios da socialização. A psiquiatria
institucional utilizou a psicanálise como corretivo das aberrações microssociais do ambiente asilar
ou como antídoto para o excesso de medicalização ou de negligência com que eram tratados os
pacientes de ambulatório.
Todos estes objetivos, cuja importância estamos longe de minimizar ou julgar menos
nobres, mostraram-se, no entanto, extremamente pobres em conseqüências teóricas. Estas práticas
psicoterápicas quase nada acrescentaram ao conhecimento da psicopatoogia e permaneceram num
nível de improvisação que se esgota em si-mesmo.
No que concerne aos objetivos terapêuticos, a distância entre os dois tipos de
psicoterapia também é acentuada. Os analistas e terapeutas que tratavam crianças, psicóticos e
caracteriais não colocavam, de antemão, barreiras às suas pretensões terapêuticas. Eles pretendiam
abordar e resolver os impasses clínicos da melhor maneira possível. Os fins terapêuticos visados
eram idênticos aos da cura clássica. As inovações teórico-técnicas propostas não se colocavam na
postura de “subpsicanálise”. Pelo contrário, [230] interferiam ativamente na marcha da teoria,
impondo-se com corpo conceitual de primeira classe.
A segunda corrente tomou outro rumo. Partiu do princípio que iria aplicar a psicanálise
com finalidades terapêuticas não-psicanalíticas, ou seja, educar socialmente os indivíduos, manejar
tensões de grupos, esclarecer as relações médico-paciente etc. A cura individual ficou em segundo
plano. Tacitamente, convencionou-se que este era um problema reservado aos analistas e suas
técnicas tradicionais. Com o objetivo explícito dessas psicoterapias era resolver urgências
institucionais e problemas educativos, as noções psicanalíticas foram, necessariamente,
convertendo-se àquelas finalidades. As intervenções de psiquiatras e psicopedagogos visavam
sempre o mesmo alvo: maior eficiência pedagógica e maior produtividade social. Os conflitos
inconscientes e os aspectos psicopatológicos da personalidade pouco a pouco foram sendo postos de
lado, e a ênfase da atividade terapêutica recaiu sobre as “partes sadias do ego” ou sobre os
componentes educáveis da conduta social. Os conceitos psicanalíticos foram, gradualmente,
reutilizados por técnicas de reconversão lógica, persuasão moral, paralisação do ego e contra-
sugestão, enfim, por todo o arsenal psicoterápico do tratamento moral e da hipnose, métodos que,
com se sabe, foram considerados pela psicanálise como incapazes de apreender o cerne do
fenômeno psicopatológico. Todavia, considerando-se o espaço institucional em que se moviam
pedagogos e psiquiatras, essa distorção da psicanálise poderia, sem grande esforço, ser entendida e
até mesmo justificada. No final das contas, a estratégia educativa e “sociabilizante” é obrigada, pela
natureza de sua função, a utilizar qualquer noção ou teoria como veículos de adaptação do indivíduo
à cultura ou à sociedade.
No caso das psicoterapias individuais, no entanto, essa metamorfose psicanalítica ganha
uma tonalidade extravagante. Inspirando-se diretamente naqueles tipos de psicoterapia, um grande
número de terapeutas acreditou poder transpor legitimamente, para o interior da relação
psicoterápica dual, os métodos, modos de intervenção e objetivos daquelas técnicas terapêuticas. A
conseqüência teórica desta prática não se fez esperar. A psicoterapia individual não poderia relegar
a segundo plano a cura psicopatológica, como fizeram suas congêneres institucionais ou educativas.
Mas, ao mesmo, pretendia conservar parte do instrumental destas técnicas por julgá-lo mais
eficiente, sobretudo do ponto de vista do atendimento à clientela dos serviços públicos. Para tornar
coerente a dupla intenção, criou-se uma divisão da cura terapêutica em “superficial ou [231]
sintomática”, que deveria ser o objetivo das psicoterapias, e “profunda ou estrutural”, que deveria
ser privilégio da psicanálise. Ao longo do tempo, essa prática e essa terminologia difundiram e
estabilizaram exótico preconceito de que as psicoterapias não podem aspirar ao status curativo da
psicanálise. Sem considerarem indicações de um ou outro tratamento, sem levarem em conta
dificuldades de uma e outra técnica, sem cortejarem provas clínicas ou teóricas que lhes
permitissem sustentar tais conclusões, os teorizadores desta idéia passaram a defender ruidosa e
veementemente sua condição de terapeutas de segunda categoria. Como se vê, nada nestes
propósitos terapêuticos relembra o vigor de intenções que orientava as inquietações clínicas de
Melanie Klein, de um Reich, de uma Sechehaye. Os partidários das “curas sintomáticas” partem
para a corrida sabendo e aceitando que vão perder. Estranhamente, essa bizarra convicção não
parece ter sensibilizado muitos terapeutas. Pelo contrário, o que se nota é a montagem cada vez
mais aperfeiçoada de uma máquina de “teorizações-racionalizações” que procura, continuamente,
anestesiar a consciência terapêutica dos profissionais.
Quando refletimos menos apressadamente sobre o assunto, nada pode-se mostrar mais
avesso à ética terapêutica e à busca da verdade científica que a manutenção deste equívoco teórico.
Com que direitos e em nome de que valores podemos defender a generalização de um procedimento
terapêutico que, de antemão, acreditamos superficial e limitado? Tanto mais que os supostos limites
não são determinados pela ignorância do processo curativo ideal, nem tampouco por falta de
instrumentos ou capacitação pessoal. A intenção de limitar o alcance do processo de cura é decidida
em função de imperativos e comodidades alheias ao bem-estar do cliente. Seria interessante
imaginar como a comunidade médica, por exemplo, julgaria um manual terapêutico que propusesse
a administração de analgésicos e antitérmicos como conduta curativa de escolha, no caso de uma
doença infecciosa de etiologia conhecida. Mesmo que o hipotético manual justificasse suas
prescrições alegando a carência de profissionais especializados, a inexistência de recursos
financeiros dos serviços encarregados da distribuição dos cuidados, o baixo nível econômico da
população ou o alto índice de contágio e reinfecção. Evidentemente, tal proposição não seria
tomada a sério. Fazer da necessidade virtude pode ser uma conveniência da verdade moral, jamais
da ética científica. Todas as proposições guardadas, o problema é o mesmo no caso das
psicoterapias que se dizem “superficiais” e pretendem erigir a “superficialidade” em regra genérica
de ação terapêutica.
[232] Pode-se objetar, razoavelmente, que a comparação é forçada, por isso mesmo
indevida. O fato orgânico não é idêntico ao fato mental. No caso orgânico, em regra geral a
patologia responde a um único estímulo terapêutico. As leis de rigidez essencial que comandam a
biologia permitem ao organismo comportar-se com ma regularidade previsível, cada vez que as
mesmas condições de observação e intervenção experimentais se repetem. No caso psicológico, a
constância é menor e as variáveis incomparavelmente maiores. O fenômeno psicopatológico
caracteriza-se pela pluralidade de respostas possíveis a uma mesma solicitação terapêutica. Sendo o
distúrbio psíquico, em última instância, uma perturbação na consciência que o sujeito tem de si
próprio, do corpo e do mundo, anula, de pronto, toda possibilidade de relações unívocas entre
estímulo e resposta. Quer se entenda a doença mental como uma desarmonia da existência
(fenomenologia), quer como perda seletiva e lacunar do sentido da história psíquica (psicanálise), a
conseqüência teórica é a mesma: a plasticidade das respostas terapêutica tende para o infinito. A
psicoterapia não opera na área da ciência no sentido estrito, o que não significa que ela seja despida
de racionalidade. Seus critérios de avaliação do verdadeiro e do falso, do normal e do patológico
não dependem da experimentação nem são por ela mensuráveis. A lógica interna da atividade
psicoterápica é a da criação permanente de sentido. A psicoterapia é uma prática criadora de
sentidos múltiplos, de enunciados identificatórios que o sujeito descobre, desdobra, se apossa e
aplica a si mesmo, modificando desta forma o conteúdo e a consciência de sua história e de sua
existência. Este processo é único e irrepetitível. Cada sujeito tem de seu passado e de seu presente
uma concepção, variável em função de seus ideais de futuro. O tempo e a forma como cada um
refaz, remodela ou projeta cada uma destas categorias é irredutível à reprodução experimental. Toda
experiência da doença mental é insólita; todo processo de cura é inédito. Nenhum procedimento
terapêutico escapa a essa lei. Por conseguinte, não há como comparar esta abertura imensurável e
imponderável para o futuro com o comportamento simples e estereotipado de uma doença
infecciosa.
O argumento é justo, mas em nada resolve o problema. Muito ao contrário, agrava-o. Se
a psicopatologia não reage univocamente a uma mesma intervenção terapêutica, o que então
justifica a “modesta” pretensão da psicoterapia? Se isto é verdade, o que mantém a psicoterapia
paralisada na camisa-de-força de ma certa razão pura psicanalítica? Das duas uma: ou os
psicoterapeutas acreditam realmente que a psicanálise é sempre capaz de obter melhores resultados
terapêuticos naqueles casos em [233] que a psicoterapia, faute de mieux, é chamada a intervir, ou os
psicoterapeutas não acreditam nisso e são coagidos a sustentar esta farsa teórico-clínica por razões
estranhas à ciência e à ética do tratamento. Se a primeira alternativa é verdadeira, o legítimo seria
capacitar cada vez mais um maior número de profissionais para o pleno exercício da psicanálise, ao
invés de cultivar a ignorância gratificando-a com meios-termos terapêuticos e tranqüilizando-a com
mistificações teóricas. Se não é este o caso, e a segunda alternativa é que determina o status quo da
psicoterapia, cumpre averiguar quais os motivos desta perversão do saber. A menos que, sob o
aspecto formal destas questões, os problemas reais continuem ativos e encobertos pelos falsos
problemas teóricos de que sempre se revestiram.
No momento, acreditamos que este seja, de fato, o centro da dificuldade. A nosso ver, o
“drama teórico” das psicoterapias não é urdido pela transgressão do compromisso terapêutico, nem
pela manipulação incompetente da psicanálise. Só uma desmesurada e grotesca cabotinice poderia
pretender que o monopólio da ética terapêutica e da compreensão correta da psicanálise fosse dom
de uns poucos eleitos. Pensamos, isto sim, que a psicoterapia encontra-se presa a um tipo de prática
que distorce a atividade terapêutica e a certos preconceitos psicanalíticos que a mantêm fiel ao
estado de subserviência teórica em que vive.
Neste sentido, a interrogação pertinente seria: fora do setting da cura clássica, a
psicanálise só pode ser usada, terapeuticamente, para educar ou adaptar os indivíduos às mais
imediatas contingências políticas, econômicas e culturais do ambiente social?
Esta pergunta encontra-se plantada no coração das incertezas, afirmações e hesitações
teórico-práticas das terapias breves.

2. A psicoterapia breve e seus objetivos terapêuticos

A psicoterapia breve surgiu para resolver problemas do atendimento psiquiátrico de


massa. Aceitando esta tarefa, assumiu, intencionamelmente, a postura de terapêutica “inferior” à
psicanálise. Como outras psicoterapias do mesmo gênero, seu objetivo principal é a “cura
superficial das populações” e não a “cura profunda dos indivíduos”. Entretanto, a conjugação deste
objetivo com as premissas psicanalíticas não se faz de maneira fácil. Esta acrobacia teórica exige
inúmeras contorções. Um exemplo [234] ilustrativo dessa dificuldade nos é dado pelas concepções
de Hector Fiorini1.
1
FIORINI, Héctor. Teoria y técnica de psicoterapias, Ediciones Nueva Visión, Buenos Ayres, 2a. ed., 1975. (Teoria e
técnica de psicoterapia, tradução de Carlos Sussekind, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 2 a. ed., 1978). O livro de
Em seu trabalho sobre o tema, o autor, após estabelecer alguns parâmetros específicos
das psicoterapias breves, afirma que esta técnica possui uma “estrutura própria, diferente da técnica
psicanalítica”2. Logo em seguida, a preocupação com a originalidade da técnica volta, quando é
direto que a psicoterapia breve não pode ser julgada “pela simples extrapolação de dados de outras
técnicas, já que ela constitui um campo de investigação com uma estrutura dinâmica particular”3.
Não obstante estas e outras afirmações do mesmo teor, a terapia breve tropeça, a todo
instante, na sombra da psicanalítica. É na psicanálise que o autor vai buscar a legitimidade científica
da técnica que defende: “Parece, pois, oportuno considerar pelo menos a possibilidade de que estas
práticas ultrapassem o marco do obscuro empirismo e encontrarem ma racionalidade que as
legitime, que as faça coerentes e as constitua em técnicas individualizáveis, dotadas de sentido,
indicadas cientificamente, ao invés de meros recursos acidentais para uma emergência sócio-
econômica e sanitária. Para isto estas terapias breves precisam assentar sua base na experiência
clínica, concepção teórica e sistematização técnica da psicanálise”4. É à psicanálise que o autor se
dirige quando se defende dos argumentos “conservadores” que acusam a psicoterapia breve de ser
um “mero paliativo”5. É também, junto à psicanálise, na figura de Hartmann, [235] que a
psicoterapia breve vai procurar o suporte teórico que lhe permita dar às funções egóicas de alavanca
fundamental do movimento terapêutico6. É ainda a Hartmann, Kris, Rapaport, e mesmo Melanie
Klein, que a psicoterapia breve, timidamente, vai pedir o sinal verde para interpretar os conflitos
atuais dos pacientes7, e a Alexander e Fairbairn, para falar de experiência emocional corretiva.8
Diante destas evidências, é forçoso admitir que a “estrutura própria da psicoterapia não
se deixa reconhecer facilmente, pelo menos no nível da sua infra-estrutura teórica. Neste nível, os
indícios da presença psicanalítica invadem o texto de ponta a ponta. Seu recenseamento poderia
continuar até à monotonia. No entanto, não temos o intuito de centimetrar o coeficiente
psicanalítico desta técnica, uma vez que o próprio autor nunca negou essa influência. O que importa

Héctor Fiorini resume o que de mais expressivo foi escrito sobre o tema. Em nossa opinião, o trabalho deste autor é um
dos mais sóbrios e sérios sobre o assunto. Por esta razão e pelo inegável impacto que ele teve no meio psiquiátrico-
psicológico, senão do Brasil, seguramente no Rio de Janeiro, vamos tomá-lo como referência exclusiva para nosso
comentário. Gostaríamos de deixar claro que foi porque o estudo nos pareceu digno do maior respeito e atenção que nos
propusemos a criticar alguns de seus pontos controvertidos.
2
Ibid., p. 31-33.
3
Ibid., p. 44-45.
4
Ibid., p. 22.
5
Ibid., p. 44-45.
6
Ibid., p. 115-133.
7
Ibid., p. 22-28.
8
Ibid., p. 214.
é notar como, de entrada, a proposta teórica é aprisionada por ambigüidades conceituais
produzidas pela ambivalência de intenções. A psicoterapia breve quer depender da psicanálise para
justificar sua cientificidade, mas, ao mesmo tempo, desenvolver uma prática diversa da prática
psicanalítica. Só havia duas maneiras possíveis de conciliar estes antagonismos: ou a terapia breve
adaptava-se à psicanálise e renunciava à sua originalidade, ou tentava propor mudanças a esta
última, o que efetivamente foi feito: “Por alguns dos pontos assinalados pode vislumbrar-se a
direção em que as psicoterapias breves podem colaborar para o desenvolvimento da teoria e da
técnica da psicanálise. Esta probabilidade varia em amplitude conforme se pretenda fazer da
psicanálise uma ciência do inconsciente ou se aspire incorporá-la progressivamente a ma ciência da
conduta humana9.
Para que se possa avaliar que mudanças deslocariam a psicanálise de “ciência do
inconsciente” para “ciência da conduta humana”, é necessário assinalar alguns tipos de intervenção
terapêutica aconselhados por esta técnica. Entre outras salientam-se: a) informação: “O terapeuta
não é apenas um investigador da conduta mas também o veículo de uma cultura humanística e
psicológica. Sob este aspecto o terapeuta cumpre um papel cultural: é docente, a partir de uma
perspectiva mais profunda e abrangente de certos fatos humanos... Em psicoterapia, é de grande
pertinência esclarecer o paciente quanto a elementos de higiene sexual, perspectivas [236] da
cultura adolescente atual, a problemática social da mulher”10; b) confirmação e retificação dos
enunciados do paciente: “Em pedagogia estas intervenções se destacam com essenciais a um
princípio geral da aprendizagem: o reforço das aquisições positivas”11; c) recapitulação: “Como os
esclarecimentos, estas intervenções estimulam o desenvolvimento de uma capacidade de síntese.
Em nosso meio, uma simples hipertrofia do trabalho ‘analítica’ conduz muitos terapeutas a
descuidar do momento ‘sintético’ tão essencial quanto aquele e complementar ao mesmo”12; d)
sugestão: “Com estas intervenções, o terapeuta propõe ao paciente condutas alternativas, orienta-o
para ensaios originais”13; e) intervenções diretivas: “Terapeuta – suspenda toda decisão imediata
sobre o problema de seu casamento. Você não está agora em condições de enfrentar mais uma
mudança”14.
A psicanálise como “ciência da conduta” seria aquela que abandonaria
progressivamente a realidade psíquica para intervir, de modo crescente, na realidade consciente e
por vezes social do paciente. Estas intervenções não deixam dúvidas quanto à sua natureza: sã
todas, em maior ou menor grau, pedagógicas e moralmente persuasivas.

9
Ibid., p. 214.
10
Ibid., p. 150.
11
Ibid., p. 151.
12
Ibid., p. 154.
13
Ibid., p. 160.
14
Ibid., p. 161.
É curioso observar como, desde os seus primórdios, a psicanálise foi convidada a
invadir este terreno. Não seria supérfluo evocar a maneira como Freud respondeu a estas
solicitações. Diante da insistência de Pfister, que procurava encontrar na teoria analítica os
fundamentos para a ética social e a educação moral, Freud sempre foi reticente ao taxativo em suas
negativas. Em carta de 25 de Julho de 1922, ele se dirigia a educação; ela deve mesmo ser severa;
não há nenhum mal que ela se apoie sobre conhecimentos analíticos, mas a análise ela-mesma é
outra coisa, e, em primeiro lugar, uma constatação leal” 15. Quanto ao problema da “síntese”, esta
inevitável preocupação pedagógica, Freud afirmava, uma outra carta: “Em ciência é preciso, de
início, decompor, depois reconstituir. Parece-me que o senhor busca a síntese sem análise prévia.
Na técnica [237] psicanalítica, não há necessidade alguma de um trabalho especial de síntese; disto
o indivíduo se encarrega melhor que nós”16. Com relação à ética, Freud dizia: “No que diz respeito
aos pacientes e seu desejo de valores éticos, não vejo nenhuma dificuldade nisso. A ética está
baseada sobre as inevitáveis exigências da coexistência humana e não sobre a ordem do universo
extra-humano”17.
Esta rápida exposição das opiniões de Freud sobre educação, moral e ética mostram a
dificuldade teórica em se integrar instrumentos pedadógicos à técnica psicanalítica. Todavia, não
basta invocar o nome de Freud para solucionar questões dessa ordem. Se não quisermos resvalar na
tendência fácil e cientificamente comprometida de recorrer à “palavra do pai” para excomungar os
dissidentes, devemos admitir que a psicanálise não é tão isenta de valores quanto Freud pretendia
fazer crer. No entanto, uma coisa é reconhecer a inelutáveli intervenção no social da psicanálise e
percebê-la como obstáculo, como fronteira ética ou epistemológica à ação terapêutica; outra coisa é
usar deliberadamente essa intrusão como técnica psicoterápica. O que os terapeutas breves
defendem é esta última idéia. Sob este aspecto, convém repetir, a psicanálise não sofreria progresso
algum passando de “ciência do inconsciente” para “ciência da conduta”. Freud rompeu com o
tratamento moral e com a hipnose, não apenas por motivos éticos, mas por razões terapêuticas. A
psicanálise constatou, pela experiência clínica, que a psicopatologia não é educável. No máximo
pode-se coagir o cliente a ocultar seus sintomas pela força. Ora, o ideal da psicanálise não é o de
coagir nem educar, mas o de transformar. Não existe nenhuma determinação ética ou humanista
nesta proposta. Ela é, antes de mais nada, uma proposição clínica; um imperativo lógico e
terapêutico decorrente da natureza do fenômeno psicopatológico. A psicanálise, independentemente
das intenções morais de seus criadores, teve que aceitar esse postulado como condição de
sobrevivência científica. Pedagogia e psicanálise clínica opõem-se fundamentalmente por esta

15
Correspondence de Sigmund Freud avec le pasteur Pfister (1909-1939), Ed. Gallimard, Paris, 1966, p. 135.
16
Ibid., p. 104.
17
Ibid., p. 186.
razão: a primeira dirige-se à consciência cultural, socializada, dos indivíduos; a
segunda, ao inconsciente privado, idiossincrásico do sujeito. Falar de pedagogia terapêutica ou
terapêutica pedagógica, em termos de clínica psicanalítica, é um contra-senso. O inconsciente é
ineducável.
A psicoterapia breve retoma em grande estilo essa velha ilusão psiquiátrico-pedagógica.
Por isso mesmo tem de recorrer a certo tipo de concepção psicanalítica, a única que, no registro
conceitual, poderia dar credibilidade teórica ás suas diretrizes técnicas. Fiorini distingue os
objetivos das psicoterapias e da psicanálise da seguinte forma: a) psicanálise: reestruturação a mais
ampla possível da personalidade; b) esclarecimento (psicoterapia): melhoria sintomática; manejo
mais discriminado de conflitos e aprendizagem da auto-conservação (fortalecimento de defesas
úteis; modificação parcial de atitudes); c) apoio (psicoterapia): recuperação do equilíbrio
homeostático, alívio da ansiedade, atenuação ou supressão dos sintomas”18. As psicoterapias breves
incluiriam os objetivos das psicoterapias de apoio e esclarecimento e excluiriam, do seu campo de
intervenção, os objetivos da psicanálise.
Não pretendemos negar ao autor o direito de querer dar uma forma teórica precisa à
divisão do trabalho terapêutico que propõe. No entanto, quando observada mais atentamente, tal
divisão manifesta um caráter marcadamente especulativo e nominalista, no mau sentido do termo.
Psicanaliticamente falando, o que significa separar sintoma de estrutura, ou manejar
discriminadamente conflitos, ou ainda, fortalecer defesas úteis?
Com relação ao primeiro tópico, pode-se afirmar que existe uma antiga regra em
psicologia até o momento não contestada: a regra da unidade significativa. Segundo esta regra, o
psiquismo não se comporta com um aglomerado de elementos funcionando “partes extras partes”.
Cada parte de nossa organização psíquica exprime, necessária e indissociavelmente, o todo. Um
sintoma é a manifestação do visível e sensível de uma estrutura, e a estrutura ela-mesma. Mais
ainda, um sintoma sintetiza um conflito presente e uma história conflitual passada, ele é um resumo,
um instantâneo da vida do sujeito. Se nós não somos capazes de deduzir do sintoma mais
significados do que habitualmente conseguimos, não é pela exigüidade intrínseca de seu espaço de
significações, mas pelos limites próprios ao desenrolar da cura e pela impossibilidade de virmos a
conhecer, totalmente, o psiquismo do sujeito. Quando Freud toma Dora em análise, o que ele visava
era o sintoma, o que ele obteve foi o conhecimento de uma estrutura psicopatológica plena, em que
não foi possível deixar de intervir. Aqui, como nas questões que se seguem, o que está em jogo não
é um fato objetivo, ou seja, o fato de que o sintoma pode realmente ser isolado e tratado
independentemente da estrutura que lhe deu origem. O que se manifesta nesta afirmação é o desejo
do terapeuta. Ele [239] quer que a intenção teórica coincida com a real existência das pessoas,

18
Ibid., p. 60.
porque a necessidade de produtividade e rendimentos educativos assim o exige. Pouco importa que
este desejo de eficácia tenha origem na maior sensibilidade ou consciência social do terapeuta. Não
contestamos a justeza de propósitos dos que procuram encontrar uma solução para assistência
psicológico-psiquiátrica fora dos consultórios privados dos psicanalistas. O que negamos é que essa
solução possa ser dada às expensas do bom senso e da qualidade da prática terapêutica.
O segundo tópico pode ser visto da mesma maneira. Um indivíduo só é capaz de
manejar discriminadamente seus conflitos quando dispõe de uma estrutura psíquica versátil, em
termos de defesa do ego. Se um indivíduo fóbico, por exemplo, deixa, no curso de um tratamento,
de reagir fobicamente a certas ansiedades é porque está sendo capaz de empregar defesas menos
estereotipadas diante da ameaça psíquica. Essa mudança é, teoricamente, impensável, se a
organização psicopatológica permanece intocada.
Finalmente, no que diz respeito ao fortalecimento de defesas úteis, poderíamos, desde
logo, perguntar o que se entende por esta noção. Defesa útil é a defesa operacional, pragmática, que
soluciona a crise ou a ansiedade do momento? Neste caso a defesa psicopatológica foi ou é útil?
Metapsicologicamente, toda defesa é útil! Mas não desejamos fazer jogo de palavras. É possível que
por defesa útil o autor queira designar a defesa não-patológica. Neste caso, o que ocorrer não é
imprecisão de termo, mas redundância de intenção terapêutica. A defesa não-patológica não tem
nenhuma necessidade de ser reforçada ou fortalecida pelo terapeuta. A defesa do ego é um
mecanismo inconsciente que não depende de aprendizagem ou reforço para se estabelecer. Se o
autor chama “fortalecimento” de defesa útil a “interpretação” do dinamismo psíquico que permite
ao sujeito lidar de forma hígida com seus conflitos, não há o que discutir. Só que, neste caso,
estamos em pleno exercício da cura analítica, que exclui, por si mesma, a possibilidade de se
interpretar exclusivamente este fenômeno, deixando de lado as “defesas inúteis”.
Pode-se argumentar que este raciocínio fundamenta-se em princípios teóricos latos que
não correspondem à realidade terapêutica. Se se toma a cura do sintoma e da estrutura como
exemplo, verifica-se que não existe apenas uma distinção descritiva entre um e outro fenômeno,
mas uma verdadeira diferença dinâmica, constatável na clínica. Existem indivíduos que conseguem
num processo de cura suprimir seus sintomas sem modificar sua estrutura. É a este fato e a esta
experiência irrefutável que a psicoterapia [240] breve se refere. Pouco importa se, no nível teórico,
a compreensão do fenômeno é problemática ou impossível. Na clínica, ele é verificável! Seja. Mas
justamente por este motivo é que se torna difícil imaginar uma divisão qualquer entre objetivos da
psicoterapia e objetivos da psicanálise. Se a psicoterapia breve consegue fazer com que o sintoma
desapareça no ato da cura, ou sua estratégia foi bem-sucedida, o sintoma foi suprimido e com ele o
funcionamento patológico que lhe deu origem, ou sua estratégia foi mal-sucedida, o sintoma pôde
desaparecer, mas deu lugar a uma “sintomatização” do ego ou do caráter, problemas
psicopatológicos bem mais graves. No primeiro caso, quer queira, quer não, o terapeuta agiu sobre a
estrutura. Neste sentido, a psicoterapia obteve um efeito terapêutico pleno, e não há por que
imaginar que a psicanálise faria melhor. No segundo caso, o terapeuta chega a um impasse clínico
que também limita as possibilidades de ação da psicanálise: o indivíduo não pode mais criar
formações de compromisso sintomáticos e passa a empregar formações substitutivas de caráter ou
inibições das funções do ego como modo de lidar com o conflito psíquico.
Deixemos de lado essa segunda hipótese e admitamos a primeira, em que o sintoma é
suprimido de maneira satisfatória. Nestas circunstâncias, que sentido teria a afirmação de que tal
cura foi “superficial”? Por que não “aprofundou” as mudanças da estrutura? Mas a estrutura
psicológica não necessitaria terapeuticamente ser modificada além do que já fora. Ela funcionava
integralmente! A prova é que pôde dispensar seus sintomas! Só uma razão poderia justificar a
indicação de “aprofundamento” da cura em caso semelhante: o desejo de prevenir o retorno dos
sintomas. Na verdade, acreditamos que seja o fator determinante na divisão de objetivos
terapêuticos entre psicanálise e psicoterapia. Quando se afirma que psicanálise “reestrutura
amplamente a personalidade” e psicoterapia “cura sintomas”, está proposto, nas entrelinhas, que a
primeira tem um papel “profilático” e a segunda um canhestro papel curativo. A contrapartida da
subserviência psicoterápica é o triunfalismo que este entusiasmo, ingênuo no melhor dos casos, só
raramente é encontrado e, mesmo assim, largamente compensado por uma visão mais corajosa e
científica dos limites da psicanálise.
Em 1932, nas Novas Conferências sobre a Psicanálise, Freud afirmava que os resultados
da cura, em casos apropriados, eram o “desaparecimento [241] de sintomas” e “modificações de
estado”19. Mais adiante, no mesmo texto, esse ponto de vista é confirmado: “Certas pessoas
gravemente devem permanecer toda sua vida sob a vigilância do analista e recomeçar, de tempos
em tempos, o tratamento. Sem essa assistência, as pessoas em questão seriam incapazes de viver; é
muito satisfatório que elas possam, graças a esta cura fracionada, recorrente, manter-se em bom
estado”20 . Em 1937, no artigo sobre “Análise terminada e análise interminável”, o problema é
novamente debatido21. De início, Freud mostra o que é em geral admitido como ideal teórico da
cura: “1) o paciente não deve mais sofrer de seus sintomas e ter superado suas angústias; 2) o
psicanalista deve constatar que uma grande parte do que tinha sido recalcado pelo doente tornou-se
consciente; que muitas coisas incompreensíveis foram elucidadas; que muitas resistências interiores
foram superadas de tal forma que não se tem mais o retorno dos processos patológicos”. Em
seguida, Freud pergunta: “Interroguemos, primeiramente, a experiência para saber se tal fato já se

19
FREUD, Sigmund. VI Conférence, “Éclaircissements, applications, orientations”, impressão não official, s/d; 2ª ed.,
Paris, 1971.
20
Ibid.
21
FREUD, Sigmund. “Analyse terminée et analyse interminable”, impressão não-oficial, s/d; 2ª ed., Paris, 1971.
produziu, depois perguntemos à teoria se isto é sequer realizável”. Essa pergunta é, inicialmente,
respondida de forma negativa: “Os otimistas emitem hipóteses que estão longe de ser confirmadas.
Elas postulam: 1) que é possível liquidar totalmente e de uma vez por todas os conflitos instintivos
(ou melhor, o conflito do ego com as pulsões); 2) que se pode chegar, tratando o sujeito por um
certo conflito instintivo, a vaciná-lo contra toda nova possibilidade de conflitos análogos; 3) que se
pode animar, para em seguida submeter a um tratamento preventivo, todo conflito patogênico do
mesmo gênero que, no momento da análise, não se teria traído por nenhum indício.” A seqüência do
artigo é conhecida. Sabe-se que Freud chega ao irredutível “rochedo da castração”, que impede
certas análises de chegarem a seu termo ideal. Todavia, o mais notável é que, diante destas
evidências clínicas, Freud despreza toda sofisticação teórico-terminológica e afirma: “A análise
deve estabelecer para as funções do ego condições psicológicas favoráveis. Atingindo este objetivo,
a tarefa está cumprida.”
[242] Não se venha a argumentar que a teoria analítica progrediu e que hoje em dia
estamos mais equipados para proceder a essa diferenciação metapsicológica dos objetivos da cura
analítica. Basta comparar, por exemplo, as noções de cura e objetivos da análise de autores como
Melaine Klein, Winnicott e Lacan, para citar apenas alguns dos grandes teóricos da psicanálise pós-
freudiana, para que se tenha idéia da verdadeira impossibilidade de encontrar um denominador
comum para estes critérios. Quanto mais observamos a multiplicidade de critérios de cura e
objetivos da análise, mais nos damos conta de que é impossível formular teoricamente os objetivos
terapêuticos da cura analítica fora dos termos propostos por Freud: “A análise deve estabelecer para
as funções do ego condições psicológicas favoráveis”.
A aparente generalidade da noção indica, precisamente, a inutilidade de nominalismos e
classificacionismos clinicamente estéreis. Diante deste fato, podemos perguntar: dar ao ego
“condições favoráveis de funcionamento” é uma atribuição exclusiva da cura-tipo psicanalítica? É
esta a experiência de quem pratica a psicoterapia? Se não é, por que os teóricos das terapias breves
insistem em considerar esta técnica, bem como as outras técnicas psicoterápicas, curativamente
inferiores à prática psicanalítica? O que impediu, e impede até agora, que a psicoterapia utilize as
noções psicanalíticas conservando intacta a ética da psicanálise? Por que desviar a atividade
terapêutica dos profissionais, levando-os a adotar posturas diretivas, sugestivas e persuasivas, sob o
pretexto de que “psicoterapia é isto”, o mais é psicanálise? Por que, enfim, cultivar a inócua noção
de que psicoterapia é “superficial” e psicanálise profunda, quando nada, na clínica psicoterápica e
na teoria psicanalítica mais responsável, justifica tais estereótipos?
Não pretendemos, neste trabalho, dar respostas a estas questões, que por enquanto
deixamos em aberto. Podemos avançar, contudo, que a diferença entre psicoterapia e psicanálise
não se estabelece em torno da “superficialidade” de uma e da “profundidade” de outra. A escolha
técnico-teórica de uma psicoterapia ou de uma psicanálise depende da demanda do cliente, do
diagnóstico clínico e dos respectivos limites de cada uma das técnicas. Esta é a experiência que nos
foi legada por Melanie Klein, Reich, Federn e outros.
Se, no presente momento, não temos condições de ver com nitidez os contornos
específicos destas técnicas, não será através de metapsicologias [243] sócio-econômicas ou
diplomacia teórico-técnica que conseguiremos resolver a dificuldade.
Mais uma vez poderíamos afirmar com Freud: “Posto que não podemos ver claro,
queremos, pelo menos, ver claramente as obscuridades”22.

22
FREUD, Sigmund. Inhibition, sumptôme et angoisse, PUF, Paris, 2ª ed., 1968, p. 48.

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