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Héctor Fiorini resume o que de mais expressivo foi escrito sobre o tema. Em nossa opinião, o trabalho deste autor é um
dos mais sóbrios e sérios sobre o assunto. Por esta razão e pelo inegável impacto que ele teve no meio psiquiátrico-
psicológico, senão do Brasil, seguramente no Rio de Janeiro, vamos tomá-lo como referência exclusiva para nosso
comentário. Gostaríamos de deixar claro que foi porque o estudo nos pareceu digno do maior respeito e atenção que nos
propusemos a criticar alguns de seus pontos controvertidos.
2
Ibid., p. 31-33.
3
Ibid., p. 44-45.
4
Ibid., p. 22.
5
Ibid., p. 44-45.
6
Ibid., p. 115-133.
7
Ibid., p. 22-28.
8
Ibid., p. 214.
é notar como, de entrada, a proposta teórica é aprisionada por ambigüidades conceituais
produzidas pela ambivalência de intenções. A psicoterapia breve quer depender da psicanálise para
justificar sua cientificidade, mas, ao mesmo tempo, desenvolver uma prática diversa da prática
psicanalítica. Só havia duas maneiras possíveis de conciliar estes antagonismos: ou a terapia breve
adaptava-se à psicanálise e renunciava à sua originalidade, ou tentava propor mudanças a esta
última, o que efetivamente foi feito: “Por alguns dos pontos assinalados pode vislumbrar-se a
direção em que as psicoterapias breves podem colaborar para o desenvolvimento da teoria e da
técnica da psicanálise. Esta probabilidade varia em amplitude conforme se pretenda fazer da
psicanálise uma ciência do inconsciente ou se aspire incorporá-la progressivamente a ma ciência da
conduta humana9.
Para que se possa avaliar que mudanças deslocariam a psicanálise de “ciência do
inconsciente” para “ciência da conduta humana”, é necessário assinalar alguns tipos de intervenção
terapêutica aconselhados por esta técnica. Entre outras salientam-se: a) informação: “O terapeuta
não é apenas um investigador da conduta mas também o veículo de uma cultura humanística e
psicológica. Sob este aspecto o terapeuta cumpre um papel cultural: é docente, a partir de uma
perspectiva mais profunda e abrangente de certos fatos humanos... Em psicoterapia, é de grande
pertinência esclarecer o paciente quanto a elementos de higiene sexual, perspectivas [236] da
cultura adolescente atual, a problemática social da mulher”10; b) confirmação e retificação dos
enunciados do paciente: “Em pedagogia estas intervenções se destacam com essenciais a um
princípio geral da aprendizagem: o reforço das aquisições positivas”11; c) recapitulação: “Como os
esclarecimentos, estas intervenções estimulam o desenvolvimento de uma capacidade de síntese.
Em nosso meio, uma simples hipertrofia do trabalho ‘analítica’ conduz muitos terapeutas a
descuidar do momento ‘sintético’ tão essencial quanto aquele e complementar ao mesmo”12; d)
sugestão: “Com estas intervenções, o terapeuta propõe ao paciente condutas alternativas, orienta-o
para ensaios originais”13; e) intervenções diretivas: “Terapeuta – suspenda toda decisão imediata
sobre o problema de seu casamento. Você não está agora em condições de enfrentar mais uma
mudança”14.
A psicanálise como “ciência da conduta” seria aquela que abandonaria
progressivamente a realidade psíquica para intervir, de modo crescente, na realidade consciente e
por vezes social do paciente. Estas intervenções não deixam dúvidas quanto à sua natureza: sã
todas, em maior ou menor grau, pedagógicas e moralmente persuasivas.
9
Ibid., p. 214.
10
Ibid., p. 150.
11
Ibid., p. 151.
12
Ibid., p. 154.
13
Ibid., p. 160.
14
Ibid., p. 161.
É curioso observar como, desde os seus primórdios, a psicanálise foi convidada a
invadir este terreno. Não seria supérfluo evocar a maneira como Freud respondeu a estas
solicitações. Diante da insistência de Pfister, que procurava encontrar na teoria analítica os
fundamentos para a ética social e a educação moral, Freud sempre foi reticente ao taxativo em suas
negativas. Em carta de 25 de Julho de 1922, ele se dirigia a educação; ela deve mesmo ser severa;
não há nenhum mal que ela se apoie sobre conhecimentos analíticos, mas a análise ela-mesma é
outra coisa, e, em primeiro lugar, uma constatação leal” 15. Quanto ao problema da “síntese”, esta
inevitável preocupação pedagógica, Freud afirmava, uma outra carta: “Em ciência é preciso, de
início, decompor, depois reconstituir. Parece-me que o senhor busca a síntese sem análise prévia.
Na técnica [237] psicanalítica, não há necessidade alguma de um trabalho especial de síntese; disto
o indivíduo se encarrega melhor que nós”16. Com relação à ética, Freud dizia: “No que diz respeito
aos pacientes e seu desejo de valores éticos, não vejo nenhuma dificuldade nisso. A ética está
baseada sobre as inevitáveis exigências da coexistência humana e não sobre a ordem do universo
extra-humano”17.
Esta rápida exposição das opiniões de Freud sobre educação, moral e ética mostram a
dificuldade teórica em se integrar instrumentos pedadógicos à técnica psicanalítica. Todavia, não
basta invocar o nome de Freud para solucionar questões dessa ordem. Se não quisermos resvalar na
tendência fácil e cientificamente comprometida de recorrer à “palavra do pai” para excomungar os
dissidentes, devemos admitir que a psicanálise não é tão isenta de valores quanto Freud pretendia
fazer crer. No entanto, uma coisa é reconhecer a inelutáveli intervenção no social da psicanálise e
percebê-la como obstáculo, como fronteira ética ou epistemológica à ação terapêutica; outra coisa é
usar deliberadamente essa intrusão como técnica psicoterápica. O que os terapeutas breves
defendem é esta última idéia. Sob este aspecto, convém repetir, a psicanálise não sofreria progresso
algum passando de “ciência do inconsciente” para “ciência da conduta”. Freud rompeu com o
tratamento moral e com a hipnose, não apenas por motivos éticos, mas por razões terapêuticas. A
psicanálise constatou, pela experiência clínica, que a psicopatologia não é educável. No máximo
pode-se coagir o cliente a ocultar seus sintomas pela força. Ora, o ideal da psicanálise não é o de
coagir nem educar, mas o de transformar. Não existe nenhuma determinação ética ou humanista
nesta proposta. Ela é, antes de mais nada, uma proposição clínica; um imperativo lógico e
terapêutico decorrente da natureza do fenômeno psicopatológico. A psicanálise, independentemente
das intenções morais de seus criadores, teve que aceitar esse postulado como condição de
sobrevivência científica. Pedagogia e psicanálise clínica opõem-se fundamentalmente por esta
15
Correspondence de Sigmund Freud avec le pasteur Pfister (1909-1939), Ed. Gallimard, Paris, 1966, p. 135.
16
Ibid., p. 104.
17
Ibid., p. 186.
razão: a primeira dirige-se à consciência cultural, socializada, dos indivíduos; a
segunda, ao inconsciente privado, idiossincrásico do sujeito. Falar de pedagogia terapêutica ou
terapêutica pedagógica, em termos de clínica psicanalítica, é um contra-senso. O inconsciente é
ineducável.
A psicoterapia breve retoma em grande estilo essa velha ilusão psiquiátrico-pedagógica.
Por isso mesmo tem de recorrer a certo tipo de concepção psicanalítica, a única que, no registro
conceitual, poderia dar credibilidade teórica ás suas diretrizes técnicas. Fiorini distingue os
objetivos das psicoterapias e da psicanálise da seguinte forma: a) psicanálise: reestruturação a mais
ampla possível da personalidade; b) esclarecimento (psicoterapia): melhoria sintomática; manejo
mais discriminado de conflitos e aprendizagem da auto-conservação (fortalecimento de defesas
úteis; modificação parcial de atitudes); c) apoio (psicoterapia): recuperação do equilíbrio
homeostático, alívio da ansiedade, atenuação ou supressão dos sintomas”18. As psicoterapias breves
incluiriam os objetivos das psicoterapias de apoio e esclarecimento e excluiriam, do seu campo de
intervenção, os objetivos da psicanálise.
Não pretendemos negar ao autor o direito de querer dar uma forma teórica precisa à
divisão do trabalho terapêutico que propõe. No entanto, quando observada mais atentamente, tal
divisão manifesta um caráter marcadamente especulativo e nominalista, no mau sentido do termo.
Psicanaliticamente falando, o que significa separar sintoma de estrutura, ou manejar
discriminadamente conflitos, ou ainda, fortalecer defesas úteis?
Com relação ao primeiro tópico, pode-se afirmar que existe uma antiga regra em
psicologia até o momento não contestada: a regra da unidade significativa. Segundo esta regra, o
psiquismo não se comporta com um aglomerado de elementos funcionando “partes extras partes”.
Cada parte de nossa organização psíquica exprime, necessária e indissociavelmente, o todo. Um
sintoma é a manifestação do visível e sensível de uma estrutura, e a estrutura ela-mesma. Mais
ainda, um sintoma sintetiza um conflito presente e uma história conflitual passada, ele é um resumo,
um instantâneo da vida do sujeito. Se nós não somos capazes de deduzir do sintoma mais
significados do que habitualmente conseguimos, não é pela exigüidade intrínseca de seu espaço de
significações, mas pelos limites próprios ao desenrolar da cura e pela impossibilidade de virmos a
conhecer, totalmente, o psiquismo do sujeito. Quando Freud toma Dora em análise, o que ele visava
era o sintoma, o que ele obteve foi o conhecimento de uma estrutura psicopatológica plena, em que
não foi possível deixar de intervir. Aqui, como nas questões que se seguem, o que está em jogo não
é um fato objetivo, ou seja, o fato de que o sintoma pode realmente ser isolado e tratado
independentemente da estrutura que lhe deu origem. O que se manifesta nesta afirmação é o desejo
do terapeuta. Ele [239] quer que a intenção teórica coincida com a real existência das pessoas,
18
Ibid., p. 60.
porque a necessidade de produtividade e rendimentos educativos assim o exige. Pouco importa que
este desejo de eficácia tenha origem na maior sensibilidade ou consciência social do terapeuta. Não
contestamos a justeza de propósitos dos que procuram encontrar uma solução para assistência
psicológico-psiquiátrica fora dos consultórios privados dos psicanalistas. O que negamos é que essa
solução possa ser dada às expensas do bom senso e da qualidade da prática terapêutica.
O segundo tópico pode ser visto da mesma maneira. Um indivíduo só é capaz de
manejar discriminadamente seus conflitos quando dispõe de uma estrutura psíquica versátil, em
termos de defesa do ego. Se um indivíduo fóbico, por exemplo, deixa, no curso de um tratamento,
de reagir fobicamente a certas ansiedades é porque está sendo capaz de empregar defesas menos
estereotipadas diante da ameaça psíquica. Essa mudança é, teoricamente, impensável, se a
organização psicopatológica permanece intocada.
Finalmente, no que diz respeito ao fortalecimento de defesas úteis, poderíamos, desde
logo, perguntar o que se entende por esta noção. Defesa útil é a defesa operacional, pragmática, que
soluciona a crise ou a ansiedade do momento? Neste caso a defesa psicopatológica foi ou é útil?
Metapsicologicamente, toda defesa é útil! Mas não desejamos fazer jogo de palavras. É possível que
por defesa útil o autor queira designar a defesa não-patológica. Neste caso, o que ocorrer não é
imprecisão de termo, mas redundância de intenção terapêutica. A defesa não-patológica não tem
nenhuma necessidade de ser reforçada ou fortalecida pelo terapeuta. A defesa do ego é um
mecanismo inconsciente que não depende de aprendizagem ou reforço para se estabelecer. Se o
autor chama “fortalecimento” de defesa útil a “interpretação” do dinamismo psíquico que permite
ao sujeito lidar de forma hígida com seus conflitos, não há o que discutir. Só que, neste caso,
estamos em pleno exercício da cura analítica, que exclui, por si mesma, a possibilidade de se
interpretar exclusivamente este fenômeno, deixando de lado as “defesas inúteis”.
Pode-se argumentar que este raciocínio fundamenta-se em princípios teóricos latos que
não correspondem à realidade terapêutica. Se se toma a cura do sintoma e da estrutura como
exemplo, verifica-se que não existe apenas uma distinção descritiva entre um e outro fenômeno,
mas uma verdadeira diferença dinâmica, constatável na clínica. Existem indivíduos que conseguem
num processo de cura suprimir seus sintomas sem modificar sua estrutura. É a este fato e a esta
experiência irrefutável que a psicoterapia [240] breve se refere. Pouco importa se, no nível teórico,
a compreensão do fenômeno é problemática ou impossível. Na clínica, ele é verificável! Seja. Mas
justamente por este motivo é que se torna difícil imaginar uma divisão qualquer entre objetivos da
psicoterapia e objetivos da psicanálise. Se a psicoterapia breve consegue fazer com que o sintoma
desapareça no ato da cura, ou sua estratégia foi bem-sucedida, o sintoma foi suprimido e com ele o
funcionamento patológico que lhe deu origem, ou sua estratégia foi mal-sucedida, o sintoma pôde
desaparecer, mas deu lugar a uma “sintomatização” do ego ou do caráter, problemas
psicopatológicos bem mais graves. No primeiro caso, quer queira, quer não, o terapeuta agiu sobre a
estrutura. Neste sentido, a psicoterapia obteve um efeito terapêutico pleno, e não há por que
imaginar que a psicanálise faria melhor. No segundo caso, o terapeuta chega a um impasse clínico
que também limita as possibilidades de ação da psicanálise: o indivíduo não pode mais criar
formações de compromisso sintomáticos e passa a empregar formações substitutivas de caráter ou
inibições das funções do ego como modo de lidar com o conflito psíquico.
Deixemos de lado essa segunda hipótese e admitamos a primeira, em que o sintoma é
suprimido de maneira satisfatória. Nestas circunstâncias, que sentido teria a afirmação de que tal
cura foi “superficial”? Por que não “aprofundou” as mudanças da estrutura? Mas a estrutura
psicológica não necessitaria terapeuticamente ser modificada além do que já fora. Ela funcionava
integralmente! A prova é que pôde dispensar seus sintomas! Só uma razão poderia justificar a
indicação de “aprofundamento” da cura em caso semelhante: o desejo de prevenir o retorno dos
sintomas. Na verdade, acreditamos que seja o fator determinante na divisão de objetivos
terapêuticos entre psicanálise e psicoterapia. Quando se afirma que psicanálise “reestrutura
amplamente a personalidade” e psicoterapia “cura sintomas”, está proposto, nas entrelinhas, que a
primeira tem um papel “profilático” e a segunda um canhestro papel curativo. A contrapartida da
subserviência psicoterápica é o triunfalismo que este entusiasmo, ingênuo no melhor dos casos, só
raramente é encontrado e, mesmo assim, largamente compensado por uma visão mais corajosa e
científica dos limites da psicanálise.
Em 1932, nas Novas Conferências sobre a Psicanálise, Freud afirmava que os resultados
da cura, em casos apropriados, eram o “desaparecimento [241] de sintomas” e “modificações de
estado”19. Mais adiante, no mesmo texto, esse ponto de vista é confirmado: “Certas pessoas
gravemente devem permanecer toda sua vida sob a vigilância do analista e recomeçar, de tempos
em tempos, o tratamento. Sem essa assistência, as pessoas em questão seriam incapazes de viver; é
muito satisfatório que elas possam, graças a esta cura fracionada, recorrente, manter-se em bom
estado”20 . Em 1937, no artigo sobre “Análise terminada e análise interminável”, o problema é
novamente debatido21. De início, Freud mostra o que é em geral admitido como ideal teórico da
cura: “1) o paciente não deve mais sofrer de seus sintomas e ter superado suas angústias; 2) o
psicanalista deve constatar que uma grande parte do que tinha sido recalcado pelo doente tornou-se
consciente; que muitas coisas incompreensíveis foram elucidadas; que muitas resistências interiores
foram superadas de tal forma que não se tem mais o retorno dos processos patológicos”. Em
seguida, Freud pergunta: “Interroguemos, primeiramente, a experiência para saber se tal fato já se
19
FREUD, Sigmund. VI Conférence, “Éclaircissements, applications, orientations”, impressão não official, s/d; 2ª ed.,
Paris, 1971.
20
Ibid.
21
FREUD, Sigmund. “Analyse terminée et analyse interminable”, impressão não-oficial, s/d; 2ª ed., Paris, 1971.
produziu, depois perguntemos à teoria se isto é sequer realizável”. Essa pergunta é, inicialmente,
respondida de forma negativa: “Os otimistas emitem hipóteses que estão longe de ser confirmadas.
Elas postulam: 1) que é possível liquidar totalmente e de uma vez por todas os conflitos instintivos
(ou melhor, o conflito do ego com as pulsões); 2) que se pode chegar, tratando o sujeito por um
certo conflito instintivo, a vaciná-lo contra toda nova possibilidade de conflitos análogos; 3) que se
pode animar, para em seguida submeter a um tratamento preventivo, todo conflito patogênico do
mesmo gênero que, no momento da análise, não se teria traído por nenhum indício.” A seqüência do
artigo é conhecida. Sabe-se que Freud chega ao irredutível “rochedo da castração”, que impede
certas análises de chegarem a seu termo ideal. Todavia, o mais notável é que, diante destas
evidências clínicas, Freud despreza toda sofisticação teórico-terminológica e afirma: “A análise
deve estabelecer para as funções do ego condições psicológicas favoráveis. Atingindo este objetivo,
a tarefa está cumprida.”
[242] Não se venha a argumentar que a teoria analítica progrediu e que hoje em dia
estamos mais equipados para proceder a essa diferenciação metapsicológica dos objetivos da cura
analítica. Basta comparar, por exemplo, as noções de cura e objetivos da análise de autores como
Melaine Klein, Winnicott e Lacan, para citar apenas alguns dos grandes teóricos da psicanálise pós-
freudiana, para que se tenha idéia da verdadeira impossibilidade de encontrar um denominador
comum para estes critérios. Quanto mais observamos a multiplicidade de critérios de cura e
objetivos da análise, mais nos damos conta de que é impossível formular teoricamente os objetivos
terapêuticos da cura analítica fora dos termos propostos por Freud: “A análise deve estabelecer para
as funções do ego condições psicológicas favoráveis”.
A aparente generalidade da noção indica, precisamente, a inutilidade de nominalismos e
classificacionismos clinicamente estéreis. Diante deste fato, podemos perguntar: dar ao ego
“condições favoráveis de funcionamento” é uma atribuição exclusiva da cura-tipo psicanalítica? É
esta a experiência de quem pratica a psicoterapia? Se não é, por que os teóricos das terapias breves
insistem em considerar esta técnica, bem como as outras técnicas psicoterápicas, curativamente
inferiores à prática psicanalítica? O que impediu, e impede até agora, que a psicoterapia utilize as
noções psicanalíticas conservando intacta a ética da psicanálise? Por que desviar a atividade
terapêutica dos profissionais, levando-os a adotar posturas diretivas, sugestivas e persuasivas, sob o
pretexto de que “psicoterapia é isto”, o mais é psicanálise? Por que, enfim, cultivar a inócua noção
de que psicoterapia é “superficial” e psicanálise profunda, quando nada, na clínica psicoterápica e
na teoria psicanalítica mais responsável, justifica tais estereótipos?
Não pretendemos, neste trabalho, dar respostas a estas questões, que por enquanto
deixamos em aberto. Podemos avançar, contudo, que a diferença entre psicoterapia e psicanálise
não se estabelece em torno da “superficialidade” de uma e da “profundidade” de outra. A escolha
técnico-teórica de uma psicoterapia ou de uma psicanálise depende da demanda do cliente, do
diagnóstico clínico e dos respectivos limites de cada uma das técnicas. Esta é a experiência que nos
foi legada por Melanie Klein, Reich, Federn e outros.
Se, no presente momento, não temos condições de ver com nitidez os contornos
específicos destas técnicas, não será através de metapsicologias [243] sócio-econômicas ou
diplomacia teórico-técnica que conseguiremos resolver a dificuldade.
Mais uma vez poderíamos afirmar com Freud: “Posto que não podemos ver claro,
queremos, pelo menos, ver claramente as obscuridades”22.
22
FREUD, Sigmund. Inhibition, sumptôme et angoisse, PUF, Paris, 2ª ed., 1968, p. 48.