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A Imprensa
As Patentes
Direito
O Iluminismo Francês e o Debate sobre a Natureza do Direito
O Século XIX
O Século XX
Tecnoimperialismo e Periferia
Porque os Economistas já não crêem nas Patentes, nos Direitos Autorais e no Copyright
As Patentes Farmacêuticas
Farmacêuticas
Devolucionistas
Complementares ou opostos?
Conclusões
As Patentes
A partir do século XV as monarquias e repúblicas européias utilizarão o sistema de patentes de
monopólio como uma forma de remuneração de seus colaboradores. A implementação deste
sistema a certas obras literárias vai estar na origem do sistema de propriedade intelectual.
É curioso constatar que no âmbito deste sistema, a diferença entre um corsário e um pirata
não estava em suas atividades, que foram as mesmas, mas sim que o primeiro só as exercia
sob a proteção de uma patente real (patente de corso) que lhe permiti assaltar e saquear
navios de outras bandeiras com o seu próprio navio, geralmente ao custo de repartir o botim
com os cofres reais.
A primeira associação entre invenção e patente surgiu em 1621, durante o reinado de James I
Stuart da Inglaterra, quando o Parlamento é obrigado a retirar a maior parte das numerosas
patentes de monopólio concedidas e manter apenas as de corso, além daquelas relativas a
invenções e novos produtos.
O século XIX
No entanto, a devastadora propagação do capitalismo e da necessidade de manter incentivos
para o acelerado desenvolvimento tecnológico após as guerras napoleônicas, consolidou a
lógica da propriedade intelectual e ampliaram as legislações protecionistas.
De fato a propriedade intelectual foi historicamente sujeita, na prática, às necessidades sociais
de inovação. Quando Eli Whitney inventou a descaroçadora de algodão, em 1794, não ocorreu
a ninguém, muito menos a ele mesmo, levantar qualquer demanda, embora tenha patenteado
a invenção. A descaroçadora era um invento simples e brilhante, que permitiu reduzir
dramaticamente o preço do algodão e transformou os EUA, na década de 1830, no principal
fornecedor das nascentes manufaturas têxteis britânicas. O algodão, que até então tinha preço
equivalente ao linho, portanto limitado às classes altas, passou a ser um bem de consumo de
massas, com preço acessível. A utilização de vestuários de origem vegetal é considerada por
alguns, uma causa da melhoria da saúde pública no início do século XIX e do aumento da
esperança de vida. Os EUA passaram, graças à indústria do algodão, de países em
desenvolvimento para países desenvolvidos. No Reino Unido, as cenas manchesterianas, que
ainda nos fazem mal, começaram a ser cada vez menos comuns na década de 30 desse
século.
Outro aspecto notável é a internacionalização dos pagamentos espontâneos aos autores por
parte dos editores. Aparentemente, durante o século XIX, autores americanos receberam mais
pagamentos de editores britânicos do que de americanos, apesar de os privilégios serem
estatais e não podiam ser reivindicados legalmente em outros países. Parece que, como volta
a acontecer hoje em dia, a maior parte da renda de um trabalho se produzia na primeira
edição, o que levou a incentivar os editores britânicos o suficiente para pagarem para acessar
os conteúdos antes do que seus concorrentes, sem a necessidade de que estes exercem as
suas prerrogativas legais.
Apesar disso, a Convention de Berne pour la protection des oeuvres littéraires et artistiques
(Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas), em 1886, convocada
por iniciativa de Victor Hugo autor dos primeiros bestsellers internacionais, marca um
momento decisivo na globalização do direito de autoria, exigindo reciprocidade no
reconhecimento de direitos de autores por parte dos países signatários. Embora formado
inicialmente por um grupo de uma meia dúzia de países - e só europeus, pois os EUA não irão
aderir até 1889 – estabelecem-se as bases para o que será o tecnoimperialismo, apenas dois
anos depois de a Conferência de Berlim dividir as futuras áreas de influência na África entre as
potências européias.
O século XX
O século XX é o século do copyright, os direitos autorais e as patentes. Após a Convenção de
Berna é fundado o BIRPI (Bureaux Internationaux Réunis pour la Protection de la Propriété
Intellectuelle), hoje OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual). Aparecem as
primeiras sociedades de direitos, como a SAE (hoje SGAE) em 1898 e as empresas
farmacêuticas e de tecnologia consolidam os seus modelos de negócio com base no sistema de
patentes.
A segunda metade do século, com o surto da indústria da música popular e a universalização
do mercado audiovisual concentrado nos EUA (devido às imposições dos EUA aos derrotados
na Segunda Guerra Mundial), levou à formação de um grande mercado cultural global,
dependente da aprovação internacional da propriedade intelectual.
O início do
do século XXI
A virada do século conhecerá o auge da propriedade intelectual. O século XX termina com o
Millenium Act de Clinton, um acordo internacional que fortalece cada legislação nacional,
ampliando o monopólio estatal sobre as suas criações e as suas utilizações.
Exatamente no momento em que o desenvolvimento das redes e as tecnologias começam a
facilitar a livre reprodução e ampliação do conhecimento para além das restrições legais.
Começa em paralelo a percepção de que se, até então, a propriedade intelectual foi ligada ao
Estado e tende a fortalecê-lo (criando, como os monarcas absolutistas, uma classe intelectual
nacional), agora é o momento em que a globalização do que era um sistema local pode colocar
em risco o próprio conceito de soberania.
Com efeito, a soberania das empresas, indivíduos e Estados residem, cada vez mais, em coisas
intangíveis: o imaginário coletivo, os softwares que fazem os computadores operarem, o
idioma no qual se produzem os debates e que conduzem à cultura...
Todas estas formas não são neutras e têm um crescente papel econômico em um mundo em
que desde 1945 o peso em kg do PIB mundial vem diminuindo, enquanto a seu valor
monetário corrigido tem aumentado praticamente sem parar.
Surge o conceito de tecnoimperialismo como peça chave de uma distribuição internacional das
rendas e da produção, capaz de converter em soberanias derivadas todas aquelas que
incorporam tecnologias proprietárias em seus processos de desenvolvimento.
Tecnoimperialismo e periferia
O desenvolvimento econômico é um processo pelo qual comunidades ou países melhoram de
forma sua sustentável a sua produtividade. Os salários reais - e com eles a qualidade de vida –
crescem, ao final das contas, paralelamente à produtividade. Em geral a produtividade é a
medida média do valor que um trabalhador normal pode criar em uma hora do seu trabalho
em uma dada economia.
Como melhorar a produtividade dos países?
Basicamente de duas maneiras:
• importando tecnologia e, portanto, direta ou indiretamente, pagando licenças e patentes
• melhorando a formação e o sistema educacional e facilitando o acesso à cultura e à saúde
pelos seus cidadãos, o que envolve o pagamento de copyright e direitos autorais para os
grandes produtores multimídia e farmacêuticas.
O problema do desenvolvimento e os debates entre as diferentes escolas estão centrados
basicamente nas formas de conseguir um financiamento sustentado para este processo: como
acumular de forma sustentável o capital necessário para comprar tecnologia? Como melhorar o
nível cultural e educacional de pessoas?. Assim, apesar de assinar os pacotes de livre de
comércio e de restrições à livre utilização do conhecimento, os países em desenvolvimento dão
uma proteção muito menor às patentes e direitos autorais, impondo, de fato, uma devolução.
O tecnoimperialismo não consiste apenas na ideologia que conduz ao progressivo
endurecimento da legislação sobre o direito de propriedade intelectual, mas condiciona o apoio
ao desenvolvimento e ao livre comércio à aceitação desses monopólios pelos países em
desenvolvimento, cada vez mais obrigados a aceitar bloqueios e multas se não os fazerem
cumprir no interior de seus países.
A não-inocência destas medidas reflete-se nas pressões que sofrem estes países para não
incentivarem soluções de software livre, ou que sofrem pesquisadores médicos como o Dr.
Patarroyo, criador da primeira vacina eficaz contra a malária, para impedir as suas criações
não sejam devolvidas ao domínio público.
1
http://www.nsf.gov/statistics/seind06/c6/c6s3.htm#c6s3l1
O gráfico também mostra muito claramente os protagonistas dessa tendência: 74,4% destas
entradas foram produzidas pelas filiais de grandes multinacionais norte americanas (Microsoft,
farmacêuticas, etc).
2
http://www.eumed.net/cursecon/dic/C.htm#cuasi renta - é chamado de quase-renda o valor das receitas que
recebe um factor adicional de produção quando a oferta da mesma não pode ser aumentada por um período
determinado. (...) Esta quase-renda ocorre quando há equipamentos especiais produção, resultantes de inovações
tecnológicas ainda não difundidas (...) ou habilidades não possuídos por outros pessoas, que não pode ser
desenvolvidas facilmente a curto prazo. N.T.
Patentes farmacêuticas
Paradoxalmente, a indústria farmacêutica - a de maiores custos sociais - talvez seja a que
mais sucesso tem alcançado. Embora os próprios Michele Boldrin e David K. Levine - em seu já
famoso livro que dá continuidade ao artigo de 2002 - não tenham feito nenhuma exceção, mas
recolhendo todas as referências da análise econômica dos últimos anos, apresentam as
farmacêuticas como exemplo de uma indústria onde a patente resultou não incentivadora da
inovação.
Na verdade, até aonde apontam as análises econômicas, é referir que o efeito das patentes
farmacêuticas levou ao que tem sido a geração de uma dispendiosa e improdutiva indústria
altamente concentrada: as patentes não têm financiado a inovação e o desenvolvimento, mas
sim o marketing e a concentração monopolista.
Como eles escrevem Xabier Barrutia Etxebarría e Patxi Zábalo Arena, professores do
Departamento de Economia Aplicada da Universidade do País Basco, em um artigo republicado
pelo CIDOB:
Gastos em marketing é um alto custo fixo que, como a investigação, dificulta a entrada de
novas empresas no setor e facilita o monopólio. Assim, o marketing é muitas vezes um espaço
de colaboração e de alianças estratégicas entre empresas farmacêuticas. De fato, os custos de
marketing são cada vez maiores. Em 2000, as empresas farmacêuticas inovadoras dos Estados
Unidos empregaram 81% a mais de pessoal em marketing do que em investigação e
desenvolvimento (I&D). E esta é uma proporção crescente, visto que em 1995 o pessoal
dedicado ao marketing era apenas uns 12% maior que o empregado em I&D, que inclusive
tem decrescido ligeiramente desde então (Sager e Socolar, 2001).
Imaginar um mundo sem patentes farmacêuticas não consiste em buscar incentivos
alternativos, mas sim imaginar como os incentivos de mercado vão por em marcha novamente
a competência de inovar, desenvolver novos medicamentos e ter linhas mais eficazes de
pesquisa e mais baratas de produção, acabando com a concorrência atual, centrada custoso
controle dos canais de prescrição e no assalto mediante lobbies de instituições reguladoras
(principalmente a EMEA européia e a FDA norte americana, certamente financiada em mais de
75% pelas grandes empresas do setor).
O monopólio das patentes tem gerado um mercado cada vez mais monopolista: de acordo com
a própria indústria, os cinco maiores laboratórios representam 25% da produção mundial.
Não nos enganemos, as grandes farmacêuticas colaboram mais do que competem naquilo que
as patentes lhes permitem: o bloqueio de potenciais novos concorrentes.
O impacto da devolução no setor reduziria o tempo de exploração exclusiva de medicamentos
para menos de três anos. Conforme progride a tecnologia das sínteses é provável que chegue
a cerca de dois anos, que é o atual recorde de plágio, denunciado, mas nunca comprovada, no
caso do Warfarin, a versão genérica de um anticoagulante chamado Coumadin, originalmente
patenteado pela DuPont Pharmaceuticals Inc.
O interessante no caso Coumadin é que ele continua a gerar receitas de aproximadamente US
$ 500 milhões anuais a DuPont. Segundo o Wall Street Journal as despesas mensais por
paciente é de US$ 35,50, frente os US$ 28,60 dos genéricos. No entanto, apesar da diferença
de preço, o Coumadin continua a deter quase 80% do mercado.
Algo parecido diz-nos a experiência de Zovirax, a famosa pomada contra o herpes labial, que
apesar de existir um genérico (Aciclovir) - até seis vezes mais barato – mantém, dez anos
depois, uma quota de aproximadamente 66,5% do mercado.
Isto porque nos países ricos, os maiores consumidores mundiais de medicamentos, os preços
em relação às rendas médias são suficientemente baixos para que os consumidores
mantenham estratégias conservadoras e fidelidade às marcas. Os principais beneficiários dos
genéricos são os países periféricos, os sistemas nacionais de saúde e através destes as
pessoas com rendas mais baixas.
Mas, por isso mesmo, na indústria farmacêutica, o que chega primeiro, o inovador, tem
incentivos suficientes para além das patentes para justificar e rentabilizar a I&D. O Coumadin
continua a ser hoje o produto estrela da DuPont, fundamental nas contas da multinacional,
apesar de ser um dos poucos casos em que o surgimento, quase simultâneo, de um
equivalente genérico cria uma situação similar a que se daria num contexto de ausência de
patentes.
Um mercado farmacêutico sem patentes teria toda a probabilidade de um maior investimento
em I&D, pois só a inovação garantiria receitas temporárias extraordinárias semelhantes às
geradas pelo monopólio. Mas também teria uma rápida difusão de inovações, na forma de
genéricos, nos países menos desenvolvidos.
Em alguns segmentos, como dos medicamentos relacionados às epidemias, sem dúvida,
conduziriam às farmacêuticas a aceitar maiores riscos, mantendo estoques disponíveis
maiores, pois ante a ameaça de uma pandemia os laboratórios de genéricos poderiam ocupar
partes do mercado.
A preocupação que se viveu na Europa, quando há dois anos a ameaça de uma epidemia de
gripe aviária levou a uma enorme procura pelo Taminflu, é amplamente conhecida nos países
periféricos, com um alto preço em vidas humanas, algo que poderíamos chamar de o preço
social das patentes.
Pretender resolver estas situações, através da aquisição da patente, somente quando elas
afetam os países ricos é imoral (especialmente depois da experiência com a malária em boa
parte do Terceiro Mundo, ou a AIDS no sul da África). Pretendê-lo através da expropriação é
contraproducente, porque existindo as patentes, os investimentos serão reorientados para um
outro tipo de doença e retardará a pesquisa de fármacos ligados às novas epidemias.
3
Muitas vezes, o debate sobre o controle criativo tende a extremos. Em um pólo está a visão de controle total - um
mundo no qual cada último uso de um trabalho é regulamentado e em que " all rights reserved " é a norma. No outro
extremo está uma visão de anarquia - um mundo no qual os criadores desfrutam de uma grande margem de
liberdade, mas ficam vulneráveis à exploração.
(...) Nós trabalhamos para oferecer aos criadores uma forma de proteger seus trabalhos com o “melhor-de-ambos-os-
mundos”, fomentando, ao mesmo tempo, determinadas utilizações destes - declarar alguns direitos reservados. (...)
Assim, um objetivo une os projetos atuais e futuros da Creative Commons: construir uma camada de razoábilidade,
copyrights flexíves contrapondo ao crescimento das regras padrão restritivas.
E essa é precisamente a lógica que opõe o devolucionismo a CC: o grande menu de opções CC
não só confunde sobre a natureza dos problemas derivados da propriedade intelectual, mas
gera por si só um custo impressionante de custos gestão e utilização de qualquer repositório
que o adote, ao obrigar a olhar o rótulo antes de reciclar ou usar qualquer criação anterior.
Complementares ou opostos?
Globalmente, a abordagem política da Creative Commons é realmente o oposto do Movimento
pela Devolução:
• Para a CC os problemas e os custos sociais do monopólio que legalmente suporta a
propriedade intelectual podem ser corrigidos pelos próprios autores, através de um sistema
flexível licenças. O sistema não é questionado, apenas os seus extremos. A propriedade
intelectual é uma opção individual.
• Para os devolucionistas, a propriedade intelectual é um monopólio legal contraproducente e
socialmente oneroso, um problema político para o qual somente a reforma jurídica e a redução
progressiva dos prazos de exploração oferecem um horizonte de solução razoável.
• Para a CC à restrição sobre obras derivadas e o uso comercial são opções equilibradas
recomendadas aos autores como proteção.
• Os devolucionistas licenciam suas obras sob o Domínio Público e criticam o complexo sistema
de licenciamento de Lessig por significar um custo adicional para a gestão e uso de qualquer
repositório colaborativo, no qual, sob licenças CC você tem que olhar o rótulo de cada pequena
peça antes de utilizá-la.
Conclusões
Só a Devolução nos permite um horizonte em que o par diversidade-inovação não é alternativo
ao par coesão-expansão do conhecimento. Só a Devolução regenera um real bem comum: o
antigo e estupendo "domínio público" da tradição jurídica continental, o grande contentor a
partir do qual, durante séculos, comunidades têm retirado as partes com as quais participam
da inovação nas artes, nas ciências e nas mudanças tecnológicas.
Sua recuperação, renovação e atualização através de uma progressiva restrição temporal das
patentes e direitos de exclusividade concedidos pelo Estado às criações, é o caminho a seguir.