0 valutazioniIl 0% ha trovato utile questo documento (0 voti)
71 visualizzazioni4 pagine
1) O documento analisa o livro "No reino do Desejado" da autora Jacqueline Hermann, que estuda o fenômeno do sebastianismo em Portugal nos séculos XVI e XVII.
2) Hermann argumenta que o sebastianismo surgiu a partir das profecias do sapateiro Gonçalo Annes Bandarra no século XVI e se desenvolveu como resposta cultural à derrota de Portugal e dominação espanhola.
3) A autora traça a apropriação e transformação do mito do retorno de D. Sebastião nas
Descrizione originale:
Resenha do livro "No Reino do Desejado", de Jacqueline Hermann
1) O documento analisa o livro "No reino do Desejado" da autora Jacqueline Hermann, que estuda o fenômeno do sebastianismo em Portugal nos séculos XVI e XVII.
2) Hermann argumenta que o sebastianismo surgiu a partir das profecias do sapateiro Gonçalo Annes Bandarra no século XVI e se desenvolveu como resposta cultural à derrota de Portugal e dominação espanhola.
3) A autora traça a apropriação e transformação do mito do retorno de D. Sebastião nas
1) O documento analisa o livro "No reino do Desejado" da autora Jacqueline Hermann, que estuda o fenômeno do sebastianismo em Portugal nos séculos XVI e XVII.
2) Hermann argumenta que o sebastianismo surgiu a partir das profecias do sapateiro Gonçalo Annes Bandarra no século XVI e se desenvolveu como resposta cultural à derrota de Portugal e dominação espanhola.
3) A autora traça a apropriação e transformação do mito do retorno de D. Sebastião nas
sebastianismo em Portugal, sculos XVI e XVII. So Paulo, Companhia das Letras, 1998. Rodrigo Elias Caetano Gomes Graduando em Histria Universidade Federal Fluminense PORTUGAL E A ENCRUZILHADA CULTURAL Muito se tem discutido principalmente aps meados dos anos 60 acerca da histria cultural, ou como se quis chamar poca, Histria das Mentalidades, porm, sabe-se que esta modalidade da Histria j era discutida e desenvolvida sistematicamente desde o final do sculo XIX, ganhando novo flego nos anos 30 do sculo seguinte com Bloch, Febvre e companhia. Porm, foi a partir dos anos 1960 que comeou a ser desenvolvida uma historiografia mais atenta s questes relacionadas mais diretamente com o povo no movimento da histria, tendo a impulso a temtica da cultura popular. No ambiente acadmico brasileiro, esta questo s comeou a se desenvolver sistematicamente nos anos 1980, sobretudo com trabalhos de Laura de Mello e Souza, j preocupada com as mentalidades e incorporando ao seu trabalho as preocupaes que envolviam a cultura popular. nesta historiografia que se insere o trabalho de Jacqueline Hermann, No reino do Desejado, trabalho que inaugura na historiografia luso-brasileira uma viso de conjunto do sebastianismo, fenmeno poltico-religioso-scio-cultural de grande importncia na longa durao do mundo portugus, viso que nega toda uma historiografia moldada no preconceito em relao aos setores populares da sociedade e identificados em grande parte com uma tradicional historiografia das idias, calcada sobretudo no mapeamento do discurso letrado-acadmico e na excluso e estigmatizao das manifestaes culturais da gente comum. Em trabalho de rara erudio, Jacqueline Hermann d conta de copiosa bibliografia, combinando tambm fontes de orgens diversas e tipos variados, tendo sempre como objetivo a identificao e anlise crtica do mito sebstico desde o seu incio, identificado com a apropriao, feita aps a derrota dos portugueses liderados pelo rei d. Sebastio em Alccer-Quibir, das trovas do sapateiro de Trancoso, Gonalo Annes Bandarra, versos que adquiriram ao longo do perodo barroco em Portugal sentido proftico, anunciando a volta do Desejado para um tempo de alegria e glria frente do Quinto Imprio, anunciado por Daniel no Velho Testamento, que daria fim dominao castelhana no reino luso, procurando identificar tambm este fenmeno como fruto da circularidade cultural, apontando inclusive para a transformao que ele sofre sob a pena de Antnio Vieira, onde sebastianismo se torna, na ambigidade barroca, em joanismo. Primeiramente, a autora se preocupa seguindo uma ordem diacrnica em analisar os mitos fundadores do destino imperial de Portugal, concluindo que estes se confundem com os mitos fundadores do prprio reino, como o milagre de Ourique, quando d. Afonso Henriques teria recebido do prprio Cristo a misso de guiar os cristos, estando frente do imprio portugus. Atravs de uma narrativa envolvente, Hermann faz uma incurso histria de
Portugal, passando tambm pela anlise do contedo sagrado da monarquia
naquele reino, que teve como fundador da dinastia de Avis o Messias de Lisboa, alm de ter tido um infante santo, fazendo tambm um pertinente exame dos estudos de Marc Bloch e Ernst Kantorowicz, de onde resulta uma original concluso, a de que o carter sagrado da monarquia lusitana estaria estreitamente ao ideal militar-crusadstico medieval, sempre identificado com os mitos fundadores do imprio. ainda nesta incurso que Jacqueline Hermann resgata o intrincado labirinto no qual se insere a produo das trovas de Gonalo Annes Bandarra, ainda na primeira metade do sculo XVI, havendo a, segundo a autora, influncias de um substrato cultural marcado pelo gosto do maravilhoso medieval, cuja orgem difcilmente identificavel, porm sendo claramente observvel a presena de um messianismo judaico popular ainda que a base para aquela religio fosse essencialmente escrita cujo expoente seria um cristo-velho (!), este inserido e com toda a sorte de relacionamentos com uma comunidade crist-nova. Para a autora, ao analisar as trovas de Bandarra procurando tom-las como parte de uma conjuntura de insegurana e transio que vai muito alm das fronteiras lusitanas, podemos afirmar que seus escritos encontraram em Portugal um espao privilegiado de recepo e reproduo em face do sucesso inicial dos descobrimentos portugueses, por um lado, e da desventura de Alccer-Quibir, por outro(p. 72).Nos Sonhos ou Vises de Bandarra, ficariam inscritas tradies que seriam apropriadas, posteriormente, como a profecia do destino de um imprio. Posteriormente, Hermann faz um minucioso exame do evento que traria a Portugal um futuro temido e indesejado, a perda de sua soberania e a unio com a Espanha sob a gide da Unio Ibrica, segundo alguns o maior fenmeno poltico do perodo barroco. A autora, atravs de uma cuidadosa anlise de fontes e de numerosa bibliografia, traa um elaborado panorama da situao poltica de Portugal na segunda metade do sculo XVI, culminando com o prprio drama de vida e morte do rei d. Sebastio, o Desejado, drama este que teria comeado antes do seu prprio nascimento, estando j o reino o esperando como nica esperana de sobrevivncia poltica, cujo ocaso viria com a fatdica campanha no norte da frica, onde o destino imperial impusera ao jovem monarca uma pena por ele no aventada: a derrota. A partir da, Hermann consegue reconstruir toda a rede de intrigas que envolveu polticos e religiosos da mais alta estirpe em vrios reinos europeus e africanos, destacando a astcia e sagacidade do mui catlico Filipe II de Espanha, tio do monarca portugus, que utilizando-se de estratgias polticas dignas do sculo de Nicolau Maquiavel conseguiu concretizar seu plano de dominao da Pennsula Ibrica. tambm neste contexto que a autora d voz comoo popular que toma conta das ruas de Lisboa e do resto do reino desde o fracasso na ltima jornada sebstica passando pela melancolia que se torna estrutural durante todo o perodo de dominao espanhola, identificando neste contexto a produo de d. Joo de Castro, clebre antonista partidrio de d. Antnio, prior do Crato e primo de d. Sebastio, pretendente ao trono portugus, que teria se proclamado rei e resistido por algum tempo o domnio filipino que teria se apropriado pela primeira vez do messianismo de Bandarra sendo o primeiro a dar forma na cultura letrada ao sebastianismo.
De forma anloga, Jacqueline Hermann tratar da apropriao letrada de
crenas diversas, indo desde a cultura artes apocalptica, que teria grande parte de seus valores fincados na idade mdia, passando pelas formulaes populares acerca do ciclo arturiano e pela apropriao que Joo de Castro fizera dos Sonhos de Bandarra, at as influncias que Antnio Vieira recebera dos escritos de Manuel Bocarro, cristo-novo e apstata que teria combinado a tradio mgico-hermtica em voga no alvorecer da Revoluo Cientfica com a astrologia, prevendo de forma cientfica a restaurao de Portugal. Estava formado o contexto onde tanto a profecia como as cincias mgicas lusitanas procuravam no alm o reencontro de uma histria de lutas vitoriosas e homens corajosos, herdeiros de um destino j traado, escolhido por Deus e inscrito em Ourique(p. 219). Merece especial ateno a anlise que a autora faz da obra milenarista do inaciano Antnio Vieira. Jacqueline Hermann analisa com muita propriedade o discurso barroco vieirista no que concerne transformao do sebastianismo em joanismo, onde Antnio Vieira rompe com a tradio iniciada em 1578, segundo a qual o prprio d. Sebastio voltaria e lideraria no s o reino portugus mas todos os cristos, e inaugura uma tradio milenarista que identificar o advento do Quinto Imprio sob a direo do prprio d. Joo IV, fundador da dinastia de Bragana, restaurador do reino e protetor de Antnio Vieira. Porm, este tema mereceria maior ateno do que o dispensado pela autora, no no que diz respeito ao cuidado empregado matria, mas prpria insero do milenarismo no prprio discurso barroco vieirista. Jcqueline Hermann, apesar de fugir do esteretipo criado por Alfredo Bosi que quase consegue enxergar em Antnio Vieira um opositor do sistema colonial, deixa de observar no conjunto da obra de Antnio Vieira a continuidade existente entre as Escrituras, a histria, a interpretao do presente e a projeo do futuro que deveria corresponder situao inicial, onde se insere perfeitamente o messianismo joanista do pregador inaciano. Porm, este fenmeno no ficar restrito aos crculos eruditos, sendo prova disso os embusteiros que se fizeram passar pelo encoberto d. Sebastio, sendo todos de orgem popular e nem por isso desconhecendo a pompa real e utilizando-se dela inclusive como forma de carnavalizao da situao de dominao estrangeira. Insere-se neste ponto a crtica da autora concepo de Diogo R. Curto, que enxerga nestes movimentos fatos isolados, sem conexo alguma e provas somente de um suposto atraso na concepo poltica destes setores subalternos. As mulheres tambm teriam desenvolvido, segundo Hermann, grande papel na conformao da crena sebstica, porm sempre marcada pela presena do espao privado, das relaes tambm privadas neste mundo onde a rua era ambiente essencialmente masculino. Examinando estes autores do sculo XVII, que correspondem formulao letrada do fenmeno milenarista portugus e observando as construes e apropriaes populares em torno do mito do encoberto portugus, a autora conclui dentro da mais perfeita concepo hermenutica que este se trata de um fenmeno mltiplo, complexo, fascinante e por vezes incidioso aos olhos da histria, sempre encoberta por novas e possveis grades de leitura, sua busca estar sempre limitada, parafraseando o grande historiador Carlo Ginzburg, pelo embate entre provas e possibilidades, pelos vrios sentidos dos mitos, emblemas e sinais(p. 248).
Desta forma, Jacqueline Hermann, atravs de uma narrativa cativante que
oferece ao leitor a possibilidade de mergulhar na aventura de um povo em busca de sua identidade poltica, concebe o imprio Portugus como uma verdadeira encruzilhada cultural, onde se encontrariam as mais variadas tradies culturais, polticas e religiosas, que, no momento em que se depara com a dissoluo do prprio tecido onde este encontro se dava, formula no messianismo poltico sua resistncia, resistncia esta que seria apropriada e reapropriada em contextos diversos e conferiria plurivocidade ao mito sebstico.