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Jurisprudéncia Critica ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS E DILIGENCIA DAS PARTES Anotacio ao Acérdao n.° 678/98 do Tribunal Constitucional (') Pelo Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa Proc. n.° 408/97. 2." Seccfio. Relator: Bravo Serra. (Cons. Messias Bento) I. 1. Fortunato Paiva Carromeu e mulher, Ana Lufsa dos San- tos, Mariana Lopes Carromeu e marido, Jaime Ferreira da Costa, Maria Emilia e Quitéria Maria Lopes Carromeu instauraram, pelo Tribunal de comarca da Moita e contra Anténio Lufs, acgao na qual, apés articularem determinados factos, solicitaram que um contrato de arrendamento, de que os autores disseram ser compro- prietarios e que tinha por objecto um prédio urbano sito no n.° 24 da Rua Nuno Alvares Pereira, no Rosario, Moita, fosse declarado resolvido. Por despacho proferido em 26 de Abril de 1993 pelo Juiz rida liminarmente por contradi¢éo entre o pedido e a causa de pedir. Nos termos do n.° | do art. 426.° [sic; leia-se art. 476.°] do Cédigo de Processo Civil, vieram os autores apresentar nova peti- (') Publicado no Didrio da Republica, II Série, de 4-3-1999, 3248. 1456 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA gdo inicial, na qual, apés articularem os mesmos factos que ja tinham invocado na anterior petigao, solicitaram que fosse o réu condenado a despejar o prédio, «por caducidade do arrenda- mento». Seguindo a acco seus termos, foi, em 15 de Dezembro de 1995, proferida sentenga na qual, declarando-se a extingdo, por caducidade, do contrato de arrendamento, foi o réu condenado a despejar o prédio. Nessa sentenga, apés no respectivo «relat6rio» se dizer que os autores pretendiam que a acco fosse «julgada procedente por pro- vada sendo declarada a caducidade do contrato de arrendamento», sobre 0 epfteto «O direito», escreveu-se, por entre o mais, que: «[...] Esté em causa a caducidade ou nao do contrato de arrendamento por morte do locatério. Oart. 1051.°, n.? 1, al. d), do Cédigo Civil estabelece uma regra geral sobre esta matéria, no sentido de operar a caduci- dade do contrato de arrendamento por morte do locatério. Todavia, existem excepcdes a esta regra e uma delas esta prevista no art. 1111.° do mesmo Cédigo, que, na parte com interesse para a caso sub judice, preceitua que o arrendamento nao caduca se ao primitivo arrendatério sobreviver parente na linha recta que com ele vivesse ha mais de um ano. E, pois, necessdrio que na altura do falecimento do pri- mitivo arrendatério, 0 sucessor conviva com aquele e tenha residéncia permanente no arrendado. L..] Ora, os elementos que temos nao nos permitem con- cluir que o réu a data da morte de seu pai, primitivo arrenda- tério, tinha no arrendado a sua residéncia permanente, pelo contrario. L..] Assim, é de concluir que o réu nao tinha residéncia permanente no prédio arrendado, pelo menos no ano anterior & morte do primitivo arrendatério, como acima ficou demons- trado, nao operando, pois, a transmissao do arrendamento nos termos previstos no art. 1111.° do Cédigo Civil e tendo de proceder 0 pedido de declaragao da caducidade do contrato de arrendamento em apreco por morte do arrendatario e 0 conse- quente despejo, nos termos do disposto no art. 1051.°, n.° 1, al. d). [...]> ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1487 2. Dessa sentenga apelou o réu Anténio Luis para o Tribunal da Relacao de Lisboa, tendo, na alegacao que, ent&o, apresentou, invocado, inter alia, que era nula aquela peca processual, por isso que, tendo os autores solicitado que fosse resolvido 0 contrato de arrendamento, no «relatério» da mesma pega foi dito que os auto- Tes pretendiam que fosse declarada a caducidade de tal contrato, vindo, a final, a ser efectuada a pretendida declaragdo, 0 que con- substanciaria violacao do disposto no n.° | do art. 661.° e na al. e) do n.° I do art. 668.° do Cédigo de Processo Civil. Na «contra-alegaga4o» que produziram, os apelados autores disseram que o recorrente, ao invocar aquela nulidade, incorreu em manifesto lapso, j4 que 0 que solicitaram foi a condenagao do ape- lante no despejo imediato do prédio por caducidade do arrenda- mento. Veio entéo o réu fazer juntar aos autos requerimento no qual invocou ter ficado «estupefacto» com o que era referido na «con- tra-alegacdo» dos apelados, j4 que o pedido formulado a final e constante do duplicado da peti¢ao inicial a si entregue no acto da citagio nao tinha correspondéncia com aquele a que os mesmos apelados se referiam na dita «contra-alegagao». Mais afirmou nesse requerimento que «organizou a sua defesa e estruturou a sua alegacao de recurso em fungao daquilo que supu- nha ser a ‘petigao inicial’» e que, s6 entao, «face 4 imputagao do ‘lapso’, pdde aperceber-se da existéncia de uma segunda petic4o, sequente de um despacho de indeferimento in limine, articulado que jamais Ihe foi dado a conhecer e de cuja existéncia jamais se apercebera, antes da leitura da contra-alegag4o de recurso», razo pela qual, sendo assim, «ocorreu falta de citagao do réu, nulidade principal que [....] no pode, no caso dos autos, ter-se por sanada com a intervencio do R., pois que este nao a pdde representar, qua tale, j4 que dela s6 agora teve conhecimento». Ainda acrescentou: «[...] 8.° A falta de citagdo arguida nao pode, ter-se por sanada ex vi do art. 196.° do Cédigo de Processo Civil, j4 que © regime de sanacao dos vicios ai previstos, assenta na pre- sungdo do conhecimento da respectiva ocorréncia por banda do citado [...]. 1458 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA 10.° A vontade processual do réu viu-se assim ferida por erro essencial que lhe nao é imputavel e que, consequente- mente, importa a nulidade de todo o processado ulterior. Trata-se de um situagdo patolégica, de dificil e imprevi- sfvel ocorréncia, que nao pode ter-se por sanada, a reclamar solugdo no quadro da teoria geral dos actos processuais. 11.° Se assim nao se entendesse, 0 principio do contra- ditério, enquanto emanago do principio da igualdade dos cidadaos perante os tribunais, ficaria insanavelmente bulido e, nessa medida, criar-se-ia uma intoleravel desigualdade entre as partes capaz de viciar os termos da lide. 12.° E porque tal principio tem assento constitucional, se se viesse a julgar sanada a nulidade, por aplicacao do art. 196.° do Cédigo de Processo Civil, sempre haveria que julgar, face ao art. 13.° da Constitui¢ao da Repiblica Portu- guesa, inconstitucional a norma ou 0 entendimento que assim 0 sufragasse, 0 que desde j4, por cautela, se aduz. [...]>. Por ac6rdio de 6 de Maio de 1997, negou [sic; leia-se julgou) a Relacdo de Lisboa improcedente 0 recurso. Discorreu-se assim nesse aresto, como fundamento do deci- dido: «ll — Aceitando-se que, como alega o requerente, tenha havido falta de citagaio, por esta ter sido feita com preterigao de formalidades essenciais (art. 195.°, n.° 1, al. d),e 2, al. a), do Cédigo de Processo Civil), a questao que se suscita, e que agora importa resolver, € a de saber se, traduzindo-se a prete- rigdo de tal formalidade essencial em ter sido entregue ao réu um duplicado da peticao inicial desconforme com o original, tal nulidade pode deixar de ser considerada sanada com a inter- venco do réu no processo sem arguir logo a falta de citacao. [...] Ainda que o referido vicio nao tivesse sido detectado aquando da entrega do duplicado da peti¢a0 inicial, ao inter- vir no processo 0 réu nao podia deixar de arguir logo a nuli- dade dele decorrente, pois de acordo com o disposto no art. 196.° do Cédigo de Processo Civil, ‘se o réu [...] intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citagao, considera- -se sanada a nulidade’. ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1459 [...] Ora, 0 réu, ao ser citado, interveio no processo, apre- sentando tempestivamente a sua contestagdo, e praticando todos os actos judiciais posteriores, inclusive na audiéncia de julgamento. Além disso, verifica-se, em face de todo o articulado da contestag4o, que deduziu a sua defesa em consonncia com os factos que foram articulados na prépria petigao original, junta a fis. 22 e segs., sendo certo, alids, que esta s6 divergiu da anterior, indeferida in limine, na parte referente ao pedido. Assim, e como ja se decidiu em acérdao desta Relaco, de 6/2/82, também no caso sub judice, ‘é de considerar sanada a falta de citagao do réu, nos termos do art. 196.° do Cédigo de Processo Civil, mesmo que haja sido feita com entrega de um duplicado da peti¢ao inicial desconforme com o original’. E, por outro lado, mostrando-se, como se mostra nos autos, ter sido sempre devidamente assegurada a defesa do réu, nao se vé, também, que tenha ocorrido qualquer violacao ao principio do contraditério, enquanto emanagao do princi- pio da igualdade dos cidadaos perante os tribunais, que per- mita considerar a aplicagao da norma do art. 196.° do Cédigo de Processo Civil como inconstitucional. [...]» 3. Edo assim decidido que, pelo réu Anténio Luis, vem inter- posto o vertente recurso, estribado na alfnea b) do n.° 1 do art. 70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e por intermédio do qual visa a apreciag&o da inconstitucionalidade da norma do art. 196.° do Cédigo de Processo Civil «na interpretagdo e com o alcance que lhe foram emprestados» no aresto impugnado. Na alegagao produzida neste Tribunal, o recorrente rematou- -a com as seguintes «conclusGes»: «1. O douto acérdao da Relagao de Lisboa sub judicio considerou, a coberto do disposto no art. 196.° do CPC, que por ter tido intervengao processual ulterior e nao ter logo arguido a falta de citagao é de considerar sanada a nulidade, mesmo quando ao réu nao foi entregue o duplicado da peti¢ao inicial admitida em jufzo, mas sim 0 de uma outra, diversa, correspondente a articulado que foi indeferido in limine. 1460 MIGUEL TELXEIRA DE SOUSA 2. O referido preceito legal, interpretado com este sen- tido e alcance concretos, arranca de uma presuncao ilegitima e fere o principio do contraditério, traduzindo, na pratica, uma intolerével desigualdade de armas, na justa medida em que, do mesmo passo, cerceia ao réu a possibilidade de uma defesa técnica efectiva. 3. Assim sendo, 0 preceito na interpretagfo que fez ven- cimento no douto acérdo sindicado, ofende o principio cons- titucional da igualdade, plasmado no art. 13.° da CR, 0 prin- cfpio do acesso ao direito ¢ tutela jurisdicional efectiva, consignado no art. 20.° da lei fundamental, tal como fere o disposto em Convengoes Internacionais a que Portugal aderiu, maxime o art. 10.° da Declaragio Universal dos Direitos do Homem. 4, No douto acérdao, ficciona-se uma presuntiva rentin- cia do recorrente & arguigiio da nulidade da falta de citagao, quando certo e seguro € que © recorrente, confrontado com 0 duplicado de um simulacro de peticao, s6 poderia suscitar € arguir a nulidade se e quando a pudesse conscientemente representar. 5. A falta de entrega do duplicado da p.i. atinge ¢ fere 0 processo, em aspectos nucleares, substanciando ofensa de principios que o estruturam: o do contraditério e o da igual- dade substancial das partes, denegando, objectivamente, a garantia de acesso aos tribunais. 6. Tendo a norma do art. 196.° do CPC sido interpretada e aplicada com este condicionalismo e alcance, mostra-se ferida de inconstitucionalidade material por ofensa dos prin- cipios consagrados nos artigos 13.° ¢ 20.° da CR, ou, quando menos, as exigéncias e garantias constitucionais decorrentes da propria ideia de Estado de Direito». De seu lado, os recorridos conclufram a sua alegagdo propug- nando pela improcedéncia do recurso. Nao logrando vencimento 0 projecto de acérdao formulado pelo relator, assistiu-se a mudanga do mesmo para efeitos de ela- boragio da vertente decisao. ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1461 II. 1. Dispée-se no art. 196.° do Cédigo de Processo Civil que [s]e 0 réu ou 0 Ministério Publico intervier no processo sem arguir logo a falta de citagdo, considera-se sanada a nulidade. Nulidade essa, que, como é claro, s6 se pode reportar & indi- cada na alinea a) do art. 194.°, onde se consagra que [6] nulo tudo © que se processe depois da petigao inicial, salvando-se apenas esta, [q]uando o réu ndo tenha sido citado. No art. 195.° do diploma adjectivo civil elencam-se os casos em que se deve considerar haver falta de citagao, de entre eles, e no que ora importa, se encontrando o de a citagao ter sido efectu- ada com preteri¢ao de formalidades essenciais [alfnea d) do n.° 1], consagrando-se no seu n.° 2 que, de entre outras, € formalidade essencial a entrega do duplicado, [na citagao feita na pessoa do réu [alinea a)], [nla citagdo feita em pessoa diversa do réu [alf- nea c)], e [n]a citagao postal de conformidade com o artigo 244.° (alfnea d)). A nulidade acima referida, conforme deflui do estatufdo no art. 204.°, n.° 2, pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto nao dever considerar-se sanada, sendo, inclusivamente, fundamento de recurso de revisdo [q]uando, tendo corrido a acgao e a execugdo 4 revelia, por falta absoluta de citagdo do réu, se mostre que faltou a sua citagao ou é nula a citagdo feita (cfr. art. 771.°, alinea f)]. Um tal vicio, porém, como decorre do teor literal da norma sub specie, é de considerar sanado se 0 réu intervier no processo sem 0 arguir imediatamente. E compreende-se que assim seja. 2. Na verdade, se a citagdo se traduz em chamar alguém ao processo, dando-se-lhe conhecimento da pretensao do autor e dos factos em que a estriba e se, omitido esse procedimento, o réu vem aos autos impugnar estes (ou conferindo-lhes diferente versio) e pugnar pela improcedéncia daquela (ainda que, mesmo sem impugnagdo factica, defenda que, do ponto de vista jurfdico, 0 efeito pretendido e consubstanciado na pretensio nao pode ser 0 peticionado), nao faria sentido que, depois de ter revelado esse pro- cedimento, viesse esgrimir com a ocorréncia de um vicio que, na 1462 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA realidade das coisas, em nada diminuiu a sua efectiva defesa nos autos. E que, impondo um Estado de Direito que um processo judi- cial obedega 4 equidade e a lealdade (cfr. por entre muitos outros, © Acérdao deste Tribunal n.° 249/97 in Didrio da Repiblica, 2." Série, de 17 de Maio de 1997), se o demandado soube quais as razoes de facto e de direito pelas quais 0 foi, desfrutou ele de todas as condigdes para, sobre umas e outras, discretear em plano de igualdade com o autor, pelo que, nesse condicionalismo, seria excessivo vir a langar mao de um incidente que, acarretando neces- sariamente um protelar da acco, em nada contribuiria para o alcance daquela igualdade, no se vendo em que é que as justeza, equidade e lealdade que hio-de informar 0 processo como pressu- postos do principio da igualdade das partes (no s6 no acesso a vida judicidria, mas também perante os tribunais — 0 principio da «igualdade de armas») postulado pelos artigos 2.° e 20.° da Cons- tituigdo, safssem reforgadas com esse procedimento. Mas, para que se revele o bem fundado do comando constante do teor da norma em apreciagdo, mister é que da intervengao pos- terior do réu nos autos resulte que, de harmonia com um juizo de razoabilidade, o mesmo, nao obstante o vicio da falta de citagao, fique ciente, nos seus precisos termos, das razdes de facto e de direito que séo avangadas pelo autor para fundarem a pretensdo contra ele deduzida. S6 assim, na verdade, se pode perspectivar que 0 principio do contraditério foi observado e que ao réu foi, na pratica, dada a pos- sibilidade de uma actuacdo na lide em condigdes idénticas as do autor, principio e possibilidades essas que, como se viu, defluem dos aludidos normativos constitucionais. Ora, se ao conhecimento do réu ndo advém as razGes de facto e de direito em que se baseou a pretensdo do autor, ou se esta nao é conhecida nos seus precisos termos, uma intervencao nos autos daquele, ainda que consubstanciada (e admitindo mesmo que era conhecedor da totalidade das razées de facto alegadas pelo autor) no discretear de razdes atinentes a demonstrar o infundado de uma pretensfo que lhe foi erroneamente transmitida, nao poderd deixar de considerar-se essa situagdo como postergando a necessidade de defesa. ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1463 Efectivamente, nessa mencionada situacdo, esté o réu ou a deduzir razGes, ou a oferecer provas, ou a contraditar as apresenta- das pelo autor ou, por fim, a defender posturas juridicas relativa- mente a algo que, em verdade, nao foi pedido ao tribunal, sendo que nao € sobre tal pedido que este ira decidir. E, por isso, se figu- ram, numa primeira linha, postergadas as necessidades de defesa. 3. Neste contexto —e sabido que € que ao processo, desig- nadamente ao processo civil, nao podem ser estranhas razdes de celeridade (j4 que, como é sabido, 0 direito de acesso aos tribunais também compreende 0 direito a uma decisio judicial sem dilagdes indevidas) —, ponto é, porém, para que a sanacio ditada pelo art. 196.° do Cédigo de Processo Civil seja compativel com aque- las necessidades de defesa, que, do ponto de vista de razoabilidade, seja exigfvel ao réu que veio a intervir no processo um grau de dili- géncia tal de sorte que o leve a ir confrontar os duplicados que lhe foram entregues com as pegas que constam do processo. A uma tal exigéncia da este Tribunal resposta negativa. Na verdade, se as «partes» devem ser fornecidos duplicados dos articulados, requerimentos e alegacdes e cépia dos documen- tos que os acompanham (cfr. art. 152.°, n.** 1 e 2, do Cédigo de Processo Civil), e nao sendo de presumir que esses duplicados se encontrem adulterados, néo se mostra razodvel que se exija a «parte» que os receba que, sem mais, duvide da fidedignidade dos mesmos, mormente se se trata de um réu citado e ao qual foi entre- gue o duplicado da petigdo inicial. Seria irrazodvel e desproporcionado exigir que um réu, apés a citagao e a quem foi entregue um duplicado da peti¢ao inicial na qual é formulado um pedido que nao coincide com o constante daquele duplicado, tendo tido intervencéo no processo, defen- dendo-se da pretensio tal como vinha desenhada no duplicado, fosse ao processo confrontar o duplicado com o original da peti¢ao para, dessa sorte, arguir a falta de citago, sob pena de, nio 0 fazendo, esse vicio se considerar sanado. E, todavia, como resulta do que acima ficou relatado, o aresto ora impugnado interpretou e aplicou a norma em apfe¢o com o sen- tido e alcance segundo o qual a intervengio do réu — que se enten- deu nao ter sido citado, por isso que houve preteri¢éo das formali- 1464 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA dades legais — consubstanciada na apresentagdo da contesta¢ao, implicava, desde logo, a sanagao do vicio da falta de contestacao. 3.1. Convém, ainda, ir mais longe na andlise da questéo de que nos ocupamos. Efectivamente, se, tendo em conta os «primeiros momentos processuais» a que nos reportémos no ponto antecedente, se con- cluiu pela irrazoabilidade e desproporcionalidade da exigéncia de confrontagao da identidade dos duplicados e documentos com os que constam do processo, sera que outro tanto se pode dizer quando, como, no caso dos autos sucedeu, pela leitura do teor da sentenga o réu assistiu a que na mesma se considerava que a pre- tensdo constante da petigado era algo diverso do que constava do duplicado que a ele fora entregue? Seria, numa tal situacio, razoavel e proporcional as necessi- dades de defesa implicadas pelo principio da igualdade das partes no € perante o tribunal, a exigéncia no sentido de o réu ir verificar se aquele duplicado era idéntico na sua totalidade, designadamente no que concemne ao pedido formulado a final, para, assim e no caso de niio identidade, arguir a nulidade de falta de citagao? Entende o Tribunal que essa exigéncia seria igualmente des- proporcionada. E que, e em primeiro lugar, é necessdrio nao olvidar que nao existe qualquer principio ou presungao, maxime constitucional- mente consagrados, de onde derive a infalibilidade das decisdes judiciais (mormente as nao transitadas) ou que nas mengoes cons- tantes das mesmas nao possa ocorrer algum lapso. Em segundo lugar, e € isso 0 que agora mais releva, pres- creve-se no diploma adjectivo civil como causa de nulidade da sen- tenga a condenagao em objecto diverso do pedido {cfr. art. 668.°, n.° 1, al. e)}, nulidade que s6 poder ser arguida perante o tribunal que a proferiu se ela nao admitir recurso ordindrio. Ora, o que é razodvel e se esteia nos canones da normalidade, é que uma «parte», confrontada com uma sentenga pela leitura da qual era de concluir que ali foi decidido um pedido com objecto diverso daquele que constava do duplicado da peti¢ao inicial que lhe foi entregue, efectuasse um raciocfnio com base no qual essa pega processual enfermava do vicio subsumivel a referida alinea e) ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1465 do n.° 1 do art. 668.° do Cédigo de Processo Civil, vicio esse que, porque pode servir como fundamento de recurso, servird como base dessa impugna¢ao, impugnagao essa que é, ainda e nos casos em que é admissivel, uma forma de exercicio do seu direito de defesa. Por isso se nao afigura adequado sustentar que, nao levando a cabo a exigéncia — nao reclamada pelos c4nones de normalidade a que se fez referéncia — de que ora se cura, a «parte» que dessa arte nao agiu se colocou numa situagao de indefensdo que s6 a si € imputdvel. E também nao se afigura adequado que, com base em razGes de celeridade processual, se justifique a postergagdo de uma situa- ¢4o objectiva de desigualdade no e perante o tribunal que, como se viu, ocorre com a interpretago normativa sob censura. A celeridade processual, conquanto sendo um valor que deve presidir 4 administracao da justiga, nao poderd, claramente, ser eri- gida a um tal ponto que, em seu nome, va sacrificar aqueloutros valores que, afinal, so componentes de direitos fundamentais tais como os do acesso aos tribunais em condigdes de igualdade e de uma efectividade de defesa. Daf se concluir que a dita exigéncia é algo que, por nao justi- ficado ou, numa outra vertente, por ser algo de desproporcionado, se nao deve postar como suficiente para justificar que a interven- ao do réu (cuja citagdo é de considerar nula por preteri¢éio de for- malidades essenciais) no processo apés ser ele notificado da sen- tenga que decidiu um pedido diferente do que constava do duplicado da peticao inicial que lhe foi entregue, acarreta a sana- ¢ao da nulidade decorrente da falta de citacdo. 4. Uma tltima nota se aduzira. Consiste a mesma em fazer realgar que, no vertente aresto, nao se fez apelo ao disposto no art. 10.° da Declaragao Universal dos Direitos do Homem (segundo o qual [tloda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigagGes ou das razdes de qual- quer acusagdo em matéria penal contra ela deduzida) — e que 0 recorrente citou como sendo uma norma violada pela interpretagado levada a efeito pelo ac6rdao tirado na Relacao de Lisboa e que, por 1466 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA isso mesmo, conduziria a que aquela tivesse de ser considerada inconstitucional. Na realidade, de acordo com o que se consagra no n.° 2 do artigo 16.° do Diploma Basico, [o]s preceitos constitucionais rela- tivos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integra- dos de harmonia com da Declaragao Universal dos Direitos do Homem. S6 que aquela norma do art. 10.° unicamente seria convocé- vel se e na medida em que ajudasse a interpretar e integrar os pre- ceitos e principios da Constituigao atinentes a direitos fundamen- tais, caso essas interpretagféo e integragio se mostrassem necessérias. Contudo, os preceitos e principios constitucionais que foram trazidos para suportar 0 juizo que se efectua no presente acérdao sdo, por si, suficientes e, por isso, nao carecidos de qualquer inter- pretacdo e integragao, pois o que se prescreve no art. 10.° da Declaragdo Universal dos Direitos do Homem em nenhuma medida deixa de estar j4 contido naqueles. III. Em face do exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violagao dos artigos 2.° e 20.° da Lei Fundamental, a norma constante do art. 196.° do Cédigo de Processo Civil quando interpretada no sentido de se considerar sanada a falta de citagao do réu que con- testou e interveio no processo e ao qual foi entregue duplicado da petig&o inicial desconforme com o original constante dos autos; b) Em consequéncia, conceder provimento ao recurso, deter- minando-se que o aresto impugnado seja reformulado em consonancia com o juizo de inconstitucionalidade cons- tante da precedente alinea. Lisboa, 2 de Dezembro de 1998. — Bravo Serra — Luis Nunes de Almeida — José de Sousa e Brito — Maria dos Prazeres Pizarro Beleza — Messias Bento (vencido, nos termos da declara- go de voto que junto) — Guilherme da Fonseca (vencido, nos mesmos termos da declaragaio de voto junta pelo Cons. Messias Bento) — José Manuel Cardoso da Costa ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1467 Declaragéo de voto: Votei no sentido de que a norma do artigo 196.° do Cédigo de Processo Civil, na interpretaciio que dela fez 0 acérdio recorrido, nao enferma de inconstitucionalidade. Sao as seguintes as razdes deste meu entendimento. 1. O artigo 196.° do Cédigo de Processo Civil preceitua como segue: «Artigo 196.° (Suprimento da nulidade de falta de citagio) Se o réu ou 0 Ministério Puiblico intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citagdo, considera-se sanada a nulidade.» A falta de citagao do réu — que ocorre nos casos enumerados no artigo 195.° —, tal como preceitua 0 artigo 194.°, al. a), importa anulidade de tudo o que se processar depois da peti¢ao inicial, sal- vando-se apenas esta. Essa nulidade — prescreve a norma aqui sub iudicio — con- sidera-se, porém, sanada, se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citagdo. Quer dizer: se o réu, apesar de nao ter sido chamado a juizo, através da citagao (in ius vocatio), para se defender na accio, intervém no processo sem reclamar logo (isto é, no proprio acto dessa sua primeira interven¢ao) contra a falta de tal citagdo, a nulidade dai decorrente fica sanada. E isso, néo obstante se estar em presenca de um vicio que, enquanto o réu for revel, pode ser arguido a todo o tempo, mesmo depois de findo o pro- cesso (cf. artigo 771.°, al. f), do citado Cédigo). 2. Esta norma, tal como foi interpretada pelo acérdao recor- rido — que considerou que o réu interveio no processo, para 0 efeito de se dever considerar sanada a nulidade decorrente da falta da sua citag’o — serd, ent&o, inconstitucional? Antes de responder a esta pergunta, ha que chamar a colagao © tipo de intervencdo que 0 réu teve no processo, pois s6 desse modo a interpretagao adoptada se revela em toda a sua carga de sentido. 1468 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA. Pois bem: ao citar-se o réu, entregou-se-lhe o duplicado da petic¢ao inicialmente apresentada pelos autores da acg4o de despejo (que tinha sido indeferida liminarmente), na qual eles pediam que fosse «declarado resolvido o contrato de arrendamento» — e nao o da petigao que, na sequéncia desse indeferimento liminar, os mes- mos apresentaram, pedindo, com base nos mesmissimos factos, que o réu fosse «condenado no despejo imediato do prédio urbano [...], por caducidade do arrendamento». O réu contestou, pedindo a sua absolvi¢ao, apresentou rol de testemunhas e interveio no jul- gamento. Proferida a sentenga, o réu interpés recurso para a Rela- ¢4o, dizendo que os apelados (autores da acgao) tinham pedido que fosse «declarado resolvido o contrato de arrendamento», mas que 0 juiz, depois de afirmar que eles tinham pedido que fosse «decla- rada a caducidade», acabou por conhecer desta ultima questao, desse modo (isto é, ao conhecer de questdo diferente da que havia sido pedida) proferindo uma sentenga nula. S6 depois de, na con- tra-alegaco, os apelados terem esclarecido 0 que se tinha passado na acco, que é 0 que se deixou relatado, o ora recorrente arguiu a nulidade consistente na falta da sua citagao. Sendo este o quadro factual que levou o tribunal recorrido a concluir que 0 réu interveio no processo, para 0 efeito de se dever considerar sanada a nulidade que tinha sido cometida com a falta da sua citagdo, repete-se a pergunta: serd inconstitucional a inter- pretacao assim feita do mencionado artigo 196.° do Cédigo de Pro- cesso Civil? Mais especificamente ainda: com essa interpretagdo, ter-se-4o violado os principios do contraditério, da igualdade de armas e do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, tal como pretende o recorrente? 3. A resposta a tal pergunta — adianta-se j4 — é negativa. De facto, como este Tribunal tem feito notar (cf., entre outros, 0 acérdao n.° 249/97, publicado no Didrio da Republica, I séri de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de Direito — processo civil inclufido — tem que ser um processo equitativo e leal, no qual cada uma das partes h4-de poder expor as suas razdes de facto e de direito perante o tribunal, antes que este tome a sua decisao. E 0 direito de defesa, que as partes hio-de poder exercer em condigGes de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, 0 ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS, 1469 principio do contraditério, que vai insito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituigao (versio de 1997), que prescreve que «a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nao podendo a justiga ser denegada por insuficiéncia de meios econdmicos». E a tanto se reconduz também 0 princfpio da igualdade de armas, que decorre do princtpio do Estado de Direito (cf. acérdio n.° 974/96, publicado no Diario da Republica, TI série, de 11 de Novembro de 1996) e se traduz em que cada uma das partes, ao expor as suas razGes perante o tribunal, deve poder fazé-lo em condigdes que a nao desfavoregam em confronto com a parte contraria. E que o principio da igualdade vincula todas as fungdes do Estado (jurisdigao incluida), significando essa vincula- ¢ao que tem que haver igualdade nao apenas no acesso a via judi- cidria, como também perante os tribunais (cf. acérdao n.° 223/95, publicado no Didrio da Repiiblica, Il série, de 27 de Junho de 1995). O processo civil, cuja estrutura é dialéctica ou polémica, pois que se apresenta como um debate ou discussao entre as partes, reclama que a cada uma delas se dé a possibilidade de deduzir as suas razes, de oferecer as suas provas, de controlar as do adver- sdrio e de discretear sobre umas e outras: é 0 principio do contra- ditério (audietur et altera pars). E tem que ser, também ele, a due process of law — um processo em que ambas as partes desfrutem de idénticas possibilidades de obter a justiga que lhes seja devida (principio da igualdade de armas). O processo civil tem, no entanto, que ser suficientemente célere, por forma a poder proporcionar uma justig¢a pronta, pois que, quando a sentenca € tardia, corre-se 0 risco de j4 nao se fazer justica. «Vencer 0 pleito, mas s6 tarde e a mas horas, equivale em certa medida a nao o vencer. Vitoria tardia é meia vit6ria. Para o proprio vencido, a demora na decisdo pode importar um sacrificio acrescido, pela prolongagao do estado de incerteza consequente do litigio» — dizia Manuel de Andrade (Nogdes Elementares de Pro- cesso Civil, Coimbra, 1956, pagina 372). A prontidao na administragao da justi¢a — sublinhou-o este Tribunal no seu acérdao n.° 1193/96 (por publicar) — é, pois, fun- 1470 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA damental para que o direito a tutela judicial tenha efectiva realiza- gao. E isso reclama celeridade processual. Claro é que nao pode exagerar-se na preocupacao de celeri- dade, pois uma rapidez excessiva, que se traduzisse num «ritmo processual trepidante», prejudicaria a ponderagao das partes e a do proprio tribunal, podendo comprometer o acerto da decisao, quando 0 certo € que a finalidade primeira do processo é fazer justiga. As necessidades de defesa, conjugadas com a exigéncia de celeridade processual, nao podem, porém, excluir que se considere sanada a nulidade que decorre da falta de citagdo do réu, quando este intervém no processo sem arguir tal falta. Questo é que essa intervengdo tenha lugar em termos de ser exigivel que ele se dé conta da falta cometida, para a poder logo arguir. Num tal caso, com efeito, nao é irrazodvel, nem excessivo presumir — e presu- mir de forma irrefutavel — que, nao obstante a falta de citagao, ele pode defender-se; e que, se o no fez, é porque nao pds nisso a dili- géncia que lhe era exigivel ou, entdo, porque nao sentiu necessi- dade de o fazer. E, por isso, nada impede que se considere conva- lidado o que era nulo. A situacao descrita apresenta algumas semelhangas com os casos em que 0 legislador se serve de cominagées. Ora, este Tri- bunal j4 teve ocasido de sublinhar que o principio da defesa, enquanto principio conformador do processo de um Estado de Direito, nao exclui que o legislador lance mao de cominacées (cf. 0 citado acérdao n.° 1193/96). 4. Nao se vé, assim, que a interpretagio adoptada pelo acér- dao recorrido atinja qualquer dos principios constitucionais que se deixaram referidos. Na verdade, como os factos descritos na peti¢ao liminarmente indeferida, cujo duplicado foi entregue ao recorrente, e na peti¢éo que ele devia contestar, eram os mesmos, é razodvel admitir que, até a prolagao da sentenga, ele nado podia dar-se conta (ou, pelo menos, nao Ihe era exigivel que se desse conta) de que tinha estado a defender-se de um pedido (resolugao do contrato de arrenda- mento), que, afinal, era diferente daquele para que foi ordenada a sua citago (declaragao de caducidade do contrato). Mas, outro ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1471 tanto nao pode jé afirmar-se, a partir do momento em [que] lhe foi notificada a sentenga que julgou a acgdo: é que, af, 0 juiz, depois de relatar que o pedido dos autores era a declarago de caducidade do contrato, concluiu declarando «a caducidade do contrato de arrendamento». Impunha-se, por isso, a partir desse momento, que 0 recorrente — em vez de dar de barato que o juiz julgou questao diferente daquela que lhe tinha sido apresentada para decidir — fosse consultar o processo para ver se algo de anormal tinha acon- tecido. Se 0 tivesse feito, teria podido constatar que, embora sem culpa sua, havia laborado num erro, pois que tinha sido pedida a declaragio de caducidade do contrato de arrendamento, e nao a sua resolucdo, como, razoavelmente, ele supunha ter acontecido; e, tal verificando, j4 podia ter protestado contra o facto de lhe terem entregue o duplicado da peti¢do errado e, consequentemente, arguir a nulidade da sua falta de citagao. Ou seja: tinha podido defender-se, contraditando as razGes dos autores, apresentado as suas préprias razGes e as respectivas provas, discreteando sobre elas e, bem assim, sobre as do adversdrio. E isso, em condigdes idénticas as dos autores. A situagao de relativa indefensdo em que 0 recorrente acabou por ficar colocado (relativa, porque ele dispds de todas as possibi- lidades de organizar a defesa quanto aos factos articulados pelos autores) ficou, pois, a dever-se, em boa medida, a alguma inctria da sua parte. Ora, um dos principios que enforma o processo civil € 0 prin- cipio da auto-responsabilidade das partes — que € um dos corolé- tios do principio do dispositivo —, segundo 0 qual sao as partes que conduzem 0 processo a seu préprio risco, redundando, por isso, sempre em seu prejuizo a sua negligéncia ou inépcia. E isto, por- que as falhas das partes nao podem ser supridas por iniciativa ou pela actividade do juiz. — Messias Bento ANOTACAO I. A situagdo subjacente ao recurso decidido no presente acérdao do Tribunal Constitucional pode ser resumida nos seguin- tes enunciados: — a petigdo inicial apresentada pelos autores de 1472 MIGUEL TELXEIRA DE SOUSA uma acgao de despejo foi indeferida, tendo aqueles utilizado a faculdade de apresentacao de uma nova peti¢ao inicial; — quando © réu foi citado para a accio, foi-Ihe entregue o duplicado da peti- Gao inicial que fora indeferida, — na sentenga final, o tribunal de primeira instancia considerou procedente o pedido formulado na segunda petic&ao; — pensando tratar-se de uma hipotese de conhe- cimento de objecto diverso do pedido, o réu arguiu, no recurso interposto para a Relacdo, a nulidade da sentenga do tribunal de primeira instancia; — apenas apés a apresentagao da contra-alega- gao dos autores recorridos, o réu se apercebeu da referida troca de duplicados ocorrida no acto da sua citagao; — a Relagdo de Lisboa entendeu que, nos termos do art. 196.° CPC, essa nulidade proces- sual deveria julgar-se sanada, porque o réu interveio no processo sem a arguir imediatamente. O réu interpés recurso para o Tribunal Constitucional deste ac6rdao da Relagio de Lisboa, pedindo a declaragao de inconstitu- cionalidade da norma constante do art. 196.° CPC «na interpreta- go € com 0 alcance que Ihe foram emprestados no aresto impug- nado». No ac6rdéo que decidiu esse recurso, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional — embora com dois votos de vencido — a norma constante do art. 196.° CPC, «quando inter- pretada no sentido de se considerar sanada a falta de citagao do réu que contestou e interveio no processo e ao qual foi entregue dupli- cado da peti¢ao inicial desconforme com o original constante dos autos». E sobre esta decisao que importa alinhavar algumas refle- x0es. Il. 1. Todo 0 processo comporta uma sucess&o de actos das partes e do tribunal, que, salvo quando a lei admita a sua confor- macio pelas partes, so definidos pelas normas que regulam a tra- mitagdo processual. Qualquer desvio a esse formalismo legal ou convencional — seja porque se pratica um acto que nao esté pre- visto, seja porque se omite um acto que é imposto — é susceptivel de provocar uma nulidade processual: isso sucede tanto quando a lei qualifica expressamente a irregularidade como uma nulidade processual, como quando, num plano mais genérico, a irregulari- dade cometida é susceptivel de influir no exame ou decisaéo da causa (cfr. art. 201.°, n.° 1, CPC). As nulidades processuais resul- ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1473, tam de meros desvios ao formalismo processual, nao devendo ser confundidas com a falta dos pressupostos de validade ou de eficé- Cia dos actos das partes ou do tribunal. Assim, por exemplo, a inva- lidade de uma transacg4o que incide sobre direitos indisponiveis (cfr. art. 1249.° CC; art. 299.°, n.° 1, CPC) nao constitui qualquer nulidade processual. Algumas nulidades processuais so de conhecimento oficioso (cfr. art. 202.° 1.* parte, CPC), outras s6 podem ser conhecidas pelo tribunal através de reclamagao dos interessados (cfr. art. 202.° 2.* parte, CPC), ou seja, daqueles que tém interesse na observancia da formalidade ou na repetigao ou eliminagio do acto (art. 203.°, n° 1, CPC). A legitimidade para a arguicao das nulidades proces- suais pertence, em primeira linha, as partes: pode, alids, caber a ambas as partes, como sucede, por exemplo, quando se trata de invocar a falta de notificacao do perito para comparecer na audién- cia final (cfr. art. 588.°, n.° 1, CPC), porque, mesmo a parte que nao requereu essa comparéncia (ou que deixou de a requerer por a outra j4 0 ter feito), pode ter interesse nessa presenca e nos escla- recimentos prestados oralmente pelo perito. Essa legitimidade tam- bém pode caber a terceiros: basta pensar, naquele mesmo exemplo, na legitimidade do perito para invocar a falta da sua notificagao para comparecer na audiéncia final. Quanto ao prazo para a argui¢ao das nulidades processuais, a regra geral é a seguinte: — se a parte estiver presente no momento em que a nulidade for cometida — isto é, em que o acto for prati- cado ou omitido —, aquela nulidade pode ser arguida enquanto o acto em curso ndo terminar (art. 205.°, n.° 1 1.* parte, CPC); — se a parte nado estiver presente quando a nulidade for cometida, 0 prazo para a sua arguigao (que é de dez dias: art. 153.°, n.° 1, CPC) conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas, neste Ultimo caso, sé quando deva presumir-se que entéo tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligéncia (art. 205.°, n.° 1 2.* parte, CPC). 2. O problema em anilise no acérddo em anotagao prende-se com a questo de saber se pode ser considerada constitucional a 1474 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA interpretagao do art. 196.° CPC segundo a qual a nao argui¢ao pelo demandado da falta da sua citagao quanto a apresentacao pelos autores de uma segunda peti¢do inicial apés o indeferimento da primeira implica a sanacdo dessa nulidade processual. A este pro- blema deu o Tribunal Constitucional no presente acérdao uma res- posta inequivoca: uma tal interpretacio da norma constante daquele preceito legal deve ser considerada inconstitucional. O Tribunal Constitucional serviu-se de dois fundamentos para justificar esse seu juizo de inconstitucionalidade sobre a referida interpretagao do art. 196.° CPC. Um primeiro fundamento utili- zado pelo Tribunal Constitucional foi o seguinte: nao € exigivel ao réu que intervém no processo um grau de diligéncia que o leve a confrontar os duplicados que lhe foram entregues no acto de cita- Gao com as pecas que constam do processo. O segundo funda- mento de que se serviu o Tribunal Constitucional foi este: é razod- vel e normal que uma parte, confrontada com uma sentenga na qual foi decidido um pedido diverso daquele que consta do duplicado da peticao inicial que lhe foi entregue no acto de citagao, invoque a nulidade dessa decisao e nao a falta da sua citagao quanto a uma segunda peticao entregue pelos autores. A ambos os fundamentos esta subjacente o entendimento de que, no caso concreto em and- lise, no era exigivel que o demandado se apercebesse da troca de duplicados e da falta de citag&o quanto a nica peti¢io que foi admitida na acgao contra ele proposta, pelo que a nao invocagao daquela nulidade nao pode ter como efeito qualquer sanagao desta irregularidade. Dito de outra forma, o Tribunal Constitucional entende que a sanaciio da falta de citago que se encontra prevista no art. 196.° CPC nao pode ocorrer quando nao seja exigivel, segundo um padrao de diligéncia normal, que a parte deva aperce- ber-se da irregularidade cometida. A descrita argumentagao do Tribunal Constitucional apro- xima-se da solucdo que se encontra prevista no art. 205.°, n.° 1 2.* parte, CPC, segundo o qual o prazo de argui¢ao de uma nulidade processual se conta, em certos casos, a partir do momento em que a parte dela devia ter tido conhecimento se tivesse agido com a devida diligéncia. Refira-se, a propdsito, que o disposto neste art. 205.°, n.° 1 2." parte, CPC leva a entender que 0 standard da diligéncia devida se aplica apenas quando a parte foi notificada ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1475, para qualquer termo do processo (e nfo também quando a parte interveio em algum acto praticado no processo), parecendo que se considera que, quando a parte intervém em algum acto praticado no processo, nao importa averiguar a exigibilidade do conheci- mento da nulidade cometida. Com esta interpretagdo, a norma constante do art. 205.°, n.° 1 2.* parte, CPC é susceptivel de levan- tar os mesmos problemas de constitucionalidade que foram apre- ciados no acérdao em anotacdo relativamente ao art. 196.° CPC. 3. Nao é frequente que a lei processual se sirva do grau de diligéncia das partes para afastar a preclusao da pratica de um acto processual. Além da referida situacdo prevista no art. 205.°, n.° 1 2.* parte, CPC, a diligéncia das partes é utilizada para essa finali- dade (talvez) apenas a propésito da definigao de justo impedi- mento, pois que se exige que o evento que obsta a pratica atempada do acto nao seja imputavel a parte (cfr. art. 146.°, n.° 1, CPC), bem como da admissibilidade do articulado superveniente, pois que se determina que 0 mesmo deve ser rejeitado quando, por culpa da parte, for apresentado fora do tempo (cfr. art. 506.°, n.° 4 1* parte, CPC). Alias, nao sao sequer frequentes os casos em que a diligén- cia da parte tem relevancia em processo — o que, alids, nao deixa de ser um interessante indicador da cultura judicidria vigente nos tribunais portugueses, Recorde-se, em todo 0 caso, que a diligén- cia da parte releva na interrupgao da instancia, dado que ela se veri- fica quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligéncia das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento (art. 285.° CPC), e na caducidade das providéncias cautelares, dado que a providéncia caduca se a acco principal estiver parada mais de trinta dias por negligéncia do requerente (art. 389.°, n.° 1, al. b), CPC). Porém, a circunstancia de a lei raramente utilizar a diligéncia da parte para aferir a preclusao de actos processuais nao pode impedir que a invocacao de uma nulidade processual deva ficar dependente da possibilidade do seu conhecimento pela parte inte- Tessada e que esta possibilidade deva ser aferida em fungo da dili- géncia razodvel e normal exigfvel a essa parte. A andlise da pre- clusao da apresentagao de um articulado superveniente que se encontra regulado no art. 506.°, n.° 4, CPC é especialmente signi- 1476 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA ficativa. Embora a interpretacdo desse preceito legal possa suscitar algumas dividas, parece poder afirmar-se que nele se estabelece a preclusdo da apresentagio de um articulado superveniente quando, por culpa da parte, esta ndo tenha tido conhecimento atempado do facto que pretende alegar naquele articulado. Ou seja, a superveni- éncia subjectiva fica dependente de a parte, apesar de ter agido com uma diligéncia razodvel e normal, no ter tido conhecimento do facto num momento anterior e é, portanto, exclufda quando o desconhecimento atempado do facto ocorreu por negligéncia da parte, Verifica-se, assim, que para a lei nao é estranha uma preclu- so ligada a negligéncia da parte. Quanto, em concreto, as nulidades processuais, a preclusio da sua alegagdo ndo pode ficar dependente da demonstragao de que a parte teve conhecimento da irregularidade, porque isso implicaria dar relevancia a qualquer negligéncia da parte, mesmo que fosse grosseira ou indesculpavel. Assim, é essencial que se possa dizer que o desconhecimento da nulidade processual nao € negligente, ou seja, que a actuagdo em juizo com uma diligéncia exigivel ¢ normal ndo leva a parte a aperceber-se da irregularidade cometida. Num plano abstracto, apenas se pode afirmar que a negligéncia da parte € mais prov4vel quando ela nao reagiu a uma nulidade pro- cessual que consiste na prética de um acto nao previsto e € menos plausfvel quando a nulidade se traduz na omissao de um acto pre- visto, porque uma omissio pode ser menos facilmente detectavel pela parte do que um acto praticado em juizo. No caso concreto em apreciag&o no acérddo do Tribunal Constitucional, tratou-se de uma troca dos duplicados das peticdes iniciais entregues pelos autores, o que originou a falta de citagao do réu quanto a segunda petigao. O demandado pode razoavel- mente esperar que sejam cumpridas todas as citag6es e notificagdes previstas na lei, pelo que, em regra, nao é exigivel que o réu deva verificar se lhe foi omitida alguma comunicagao. Esta inexigibili- dade é ainda mais manifesta quando — como sucedeu no caso con- creto —a nulidade cometida se traduz na troca do duplicado da petigdo inicial entregue ao réu no acto de citagaio, porque nao se pode esperar que 0 réu, depois de ter sido citado, deva controlar se algum outro duplicado lhe deveria ter sido entregue. Assim, naio havendo qualquer negligéncia da parte demandada na ac¢do de ARGUICAO DE NULIDADES PROCESSUAIS 1477 despejo que contra ela foi proposta, nao se Ihe deve aplicar qual- quer preclusao quanto & invocago da falta de citag3o, nem esta se pode considerar sanada pela sua nao alegaciio pelo demandado nos termos do art. 196.° CPC. 4. A solugdo dada ao problema em anilise na presente anota- ¢40 deve ser conjugada com o disposto no art. 161.°, n.° 6, CPC: segundo este preceito — que foi introduzido pelo art. 1.° DL 329- -A/95, de 12/12, mas ainda nao era aplicdvel & acgfio de despejo instaurada (cfr. art. 16.° DL 329-A/95) —, os erros e omissdes dos actos praticados pela secretaria judicial no podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. Poder-se-ia pensar que do disposto neste art. 161.°, n.° 6, CPC resulta que a negligéncia da secretaria (que a leva, nomeadamente, a omitir um acto devido e, portanto, a come- ter uma nulidade processual) torna desculpavel qualquer negligén- cia das partes. Porém, uma tal conclusdo seria precipitada. Efectivamente, a negligéncia da secretaria na realizagdo ou omisséo de um acto nao pode implicar qualquer afastamento das regras de preclusao, ou seja, a parte nao pode invocar a negligén- cia da secretaria para se furtar ao cumprimento de um prazo peremptorio na alegacao da nulidade processual. Pense-se, por exemplo, precisamente na sanacio da falta de citagado do réu que se encontra estabelecida no art. 196.° CPC: se se considerasse que essa omissao da secretaria tornaria desculpdvel qualquer negligén- cia do demandado, haveria que concluir que a nao arguigao dessa nulidade aquando da intervencao do réu no processo nao poderia produzir qualquer efeito preclusivo e que, a qualquer momento, esse demandado, invocando a omissio negligente da secretaria, poderia alegar a falta da sua citagdo. Parece assim evidente que o art. 161.°, n.° 6, CPC nao pode colidir com 0 momento e os prazos de arguico das nulidades processuais, nomeadamente daquelas que resultam de omiss6es da secretaria do tribunal. Havendo prazos que devem ser cumpridos pelas partes na arguicao das nulidades processuais, colocam-se naturalmente os problemas relativos ao conhecimento da irregularidade pela parte e a diligéncia que lhe € exigivel na obtengao desse conhecimento. Apenas a parte que actuou com uma diligéncia razodvel e normal pode afastar a preclusdo proveniente da falta de alegacao atempada 1478 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA de uma nulidade processual, nao podendo servir-se da eventual negligéncia da secretaria para desculpar a sua propria negligéncia. A negligéncia que origina a nulidade processual nao desculpa a negligéncia na reac¢4o contra essa nulidade. Portanto, o art. 161.°, n.° 6, CPC no pode ser interpretado como dispensando a parte de actuar em processo com a diligéncia devida, nomeadamente para evitar a preclusao da arguigao de nulidades processuais. Esta conclusao restringe o campo de aplicagao do art. 161.°, n.° 6, CPC, pois que nao é possfvel afastar, com base nesse pre- ceito, a preclusdo da alegacao de nulidades processuais. Porém, sempre que nao colida com efeitos preclusivos, a aplicagao do art. 161.°, n.° 6, CPC a omissées da secretaria nao levanta quais- quer diividas. Basta pensar, por exemplo, na omissao da apresenta- ¢4o de um requerimento de uma das partes a despacho do juiz: se © processo ficar parado por essa circunstancia, isso em nada pode prejudicar 0 requerente.

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