Li com atenção a V. nota de imprensa e agradeço a confiança
implícita ao solicitarem que me pronuncie sobre matéria de indiscutível relevância.
Porque não tenho por hábito refugiar-me no silêncio e acredito que a
tomada de posições claras é útil para todos, quer o nosso interlocutor concorde ou discorde das nossas posições, também neste caso não poderia deixar de responder.
Infelizmente não é possível assumir uma posição identificável com a
da Ordem dos Médicos sobre a questão concreta que colocam já que nunca até hoje o executivo da Ordem se debruçou expressamente sobre esta matéria. Diga-se, no entanto, que se o fizesse o faria ouvindo o órgão técnico, neste caso, o Colégio da Especialidade de Psiquiatria, ponderando as implicações éticas e políticas, ie, as consequências na Sociedade da sua tomada de posição.
No caso que motiva o vosso comunicado e esta minha resposta, o
Exmo. Senhor Prof. Dr. José Marques Teixeira falou a título pessoal, não vinculando o Colégio de Especialidade ou a Ordem. Assim, não me cabe subscrever ou contrariar uma opinião do foro técnico que, indubitavelmente, tem o direito de exprimir enquanto médico e cidadão. Enquadrando o assunto em termos éticos, sempre se dirá que a Ordem dos Médicos e o seu Código Deontológico privilegiam os princípios bioéticos tais como definidos por Beauchamp e Childress, entre os quais os da beneficência, da não maleficência, da autonomia e da justiça.
Fazendo convergir e sopesando os vários envolvidos dir-se-á:
- Não é possível considerar que a orientação sexual prefigure
qualquer forma de doença ou comportamento eticamente condenável;
- Não se enquadra no princípio da beneficência tratar o que
manifestamente não é uma doença, nem se aceita, nesta conformidade, que tal seja entendido como um imperativo ou mesmo meramente como indicativo a qualquer indivíduo;
- Caso a ciência demonstre que a tentativa de reorientar sexualmente
um ser humano constitua para ele um dano inexorável ou altamente provável, fazê-lo viola o princípio da não maleficência;
- O princípio de autonomia determina e, em meu entender, neste caso
prevalece, que qualquer ser humano é livre de aceitar ou negar a sua orientação sexual e buscar ajuda médica quando dessa atitude lhe resulta sofrimento.
Atendendo aos valores e preconceitos bem reais que por vezes
influenciam as sociedades ou os agregados familiares, é possível identificar situações em que uma determinada orientação sexual possa ser causa de sofrimento psicológico numa pessoa concreta. Deverá nestas circunstâncias o médico a quem é solicitada ajuda, diagnosticar a situação, estabelecer um plano terapêutico e discuti-lo com o seu doente, respeitando o consentimento informado que resulta do respeito pela sua autonomia. Ajudar o doente a aceitar a sua orientação ou, pelo contrário, ajudá-lo a sedimentar ou definir a orientação que pretende é matéria só apreciável em cada caso, decorre da especificidade deste e inscreve-se no direito de cada pessoa à liberdade e autodeterminação, direito que o médico é obrigado a cumprir escrupulosamente.
Assim, se um indivíduo identificar como causa de sofrimento a sua
orientação sexual e manifestar vontade de a alterar, e o médico o considerar como viável e não prefigurador de riscos excessivos, aceder ao seu desejo não constitui uma violação ética.
Irei solicitar aos órgãos técnicos e éticos o estudo da situação para,
caso seja totalmente indiscutível uma determinada postura técnica (quer no sentido de considerar ser correcto executar, quer sê-lo abster-se de executar uma determinada terapêutica), inscrever tal atitude como critério indicativo da boa prática pela Ordem dos Médicos.
Aproveito o ensejo para apresentar os meus melhores cumprimentos,