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O REALISMO DE CADA UM:


interdependência e relações políticas
entre os Estados no mundo pós-guerra fria*

Marcos B. A. Galvão

We are presented with a rare


historical moment in which (...) the
transformations of economies are
blurring the lines between nations.1.
Robert B. Reich

The boss of an international company


who staked everything on a strong
move of the world economy towards
integration in the next five years
would be a fool.2
The Economist

Vivemos numa era de interdependência. Esta frase vaga expressa um sentimento mal
compreendido, embora generalizado, de que a própria natureza da política mundial está
mudando."
Assim começa, não o último livro da moda sobre o chamado pós-guerra fria, mas o já
'clássico' Power and interdependence, lançado ainda nos anos 70.3 Os autores partem do
pressuposto de que nem os 'tradicionalistas', com sua insistência na atualidade intocada dos
postulados do realismo, nem os 'modernistas', convencidos de que as telecomunicações e o
avião a jato estariam criando uma 'aldeia global' sem fronteiras, oferecem uma moldura
adequada à compreensão da interdependência. Enquanto os primeiros insistem na prevalência
do fator estratégico-militar e revelam-se incapazes de atribuir o necessário peso ao
aprofundamento da interdependência econômica, social e ecológica, os últimos apressam-se
em considerar que os avanços tecnológicos e o aumento das transações internacionais

*
Nota: O presente artigo é escrito a título pessoal e não representa o pensamento do Ministério das Relações
Exteriores. Gelson Fonseca Jr., Luís Fernando Panelli César, Evandro Didonet, Sérgio Danese, Alexandre
Parola e Gisela Paschoal contribuíram com críticas e sugestões.
1
Robert B. Reich, The work of nations: preparing ourselves for 21st century capitalism (Nova York: Vintage
Books, 1992), p. 315.
2
"A survey of multinationals", The Economist, 27 de março de 1993.
3
Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, Power and interdependence: world politics in transition (Boston: Little,
Brown and Company Inc., 1977).

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 149-161.


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levariam a um mundo em que os Estados e o controle da força armada perderiam


importância.4
Com a vantagem da perspectiva de meados de 1993, sabemos que os modernistas
acertaram muito mais do que Keohane e Nye jamais poderiam supor. Tal fato não retira,
porém, a utilidade de muitos aspectos desenvolvidos em Power and interdependence, razão
pela qual o presente texto começa por um breve apanhado de algumas idéias centrais do livro.
Os autores partem de raciocínio simples: interdependência significa dependência
mútua e, no caso de política internacional, refere-se a situações de efeito recíproco entre
países ou atores em diferentes países. Tais efeitos decorrem, com freqüência crescente, de
transações internacionais -fluxos de dinheiro, bens, pessoas e mensagens através das
fronteiras. Evitando otimismos infundados, Keohane e Nye advertem que tal definição não se
restringe a situações em que ocorre benefício mútuo (e vão mais além): toda relação de
interdependência envolve custos, ao menos na forma de limitação da autonomia, e não há
como saber a priori se os ganhos serão suficientes para compensá-los. Aliás, tampouco
haveria razões para assumir que a possibilidade de ganhos compartidos ajudaria a diminuir a
disputa para apropriá-los: em suma, não estaria ocorrendo a substituição do velho mundo mau
do conflito internacional pelo novo mundo bom da cooperação.
Em geral, observam, as situações de interdependência não são equilibradas;
encontram-se geralmente entre os extremos da simetria perfeita, de um lado, e da dependência
completa, do outro. A posição ocupada nesse espectro afeta as condições de barganha entre os
atores envolvidos, pois a interdependência assimétrica (em que um depende mais do que o
outro) pode, evidentemente, transformar-se em fonte e/ou instrumento de poder. Por si só, no
entanto, essa assimetria não explica o desdobramento e o resultado dos processos específicos
de negociação, já que há diversas modalidades de interdependência, as quais se traduzem em
diferentes relações de poder.
Antes de delinearem seu modelo alternativo, Keohane e Nye invocam o 'papa' do
realismo e sua obra-mestra,5 para resumir os fundamentos daquela linha de pensamento:
a) os Estados são os atores dominantes nas relações internacionais e comportam-se
como unidades coerentes;
b) embora outros instrumentos também possam ser utilizados, o uso da força, ou a
ameaça de seu emprego, é a forma mais efetiva de exercício do poder;
c) existe uma hierarquia de temas na política mundial, com predomínio das questões
de segurança militar sobre os assuntos econômicos e sociais.

Aos parâmetros básicos do realismo, Keohane e Nye opõem as linhas essenciais do


modelo que designam 'interdependência complexa':
a) as sociedades são ligadas por 'canais múltiplos'- formais, de governo a governo;
informais, entre elites governamentais e não-governamentais, e entre organizações
transnacionais;
b) a agenda das relações interestatais não obedece a uma hierarquia clara e consistente
- os temas de segurança nem sempre predominam; muitas questões têm origem no cenário
nacional e dificultam a distinção entre interno e externo; matérias diferentes levam a coalizões
também distintas (dentro, fora e entre os governos) e acarretam graus variados de conflito;
4
Como exemplo do realismo dos tradicionalistas, os autores citam, entre outros textos, Hans J. Morgenthau,
Politics among nations: the struggle of power and peace (Nova York: Knopf, 1948); entre os modernistas,
mencionam Lester R. Brown, World without borders: the interdependence of nations (Nova York: Foreign
Policy Association, Headline Series, 1972).
5
Morgenthau, op. cit.

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c) quando a interdependência complexa prevalece numa dada região ou num


determinado tema, os governos envolvidos não empregam a força uns contra os outros.

Enquanto modelos, tal como descritos acima, o realismo e a interdependência


complexa não são necessariamente excludentes e podem mesmo complementar-se. Em certo
sentido, trata-se de duas formas próximas de analisar a realidade, já que ambas procuram
revelar o mundo como ele é, não como deveria ser. A diferença fundamental entre elas reside
na disposição menor ou maior de reconhecer que houve mudanças essenciais nas regras, ou
pelo menos na prática das relações internacionais.
Os chamados 'realistas' insistem na atualidade de seus pressupostos, com uma certa
dose de fatalismo: o mundo é assim, a natureza humana é assim, as relações internacionais
são assim. Quando confrontados, por exemplo, com o fato de que há décadas não ocorrem
guerras entre os atores mais relevantes do sistema internacional, ou entre duas democracias,
respondem com o argumento de que, em primeiro lugar, essa paz deveu-se a uma situação
clara de equilíbrio de poder entre as superpotências, em consonância, portanto, com as
prescrições do realismo. E raramente deixam de assinalar que, em última instância, os
conflitos tenderão a ser dirimidos entre Estados, a partir do uso, ou ameaça de emprego da
força. Por detrás da visão realista parece haver sempre um tom de sabedoria conformista: não
se iludam com as aparências, o mundo não mudou (nem vai mudar) tanto assim.
Já os chamados 'modernistas', na designação de Keohane e Nye, exageram na ênfase
que dão aos sinais de mudança. Se isto já ocorria nos anos 70, com muito mais razão acontece
hoje: a guerra fria acabou, a União Soviética dissolveu-se, o comunismo está em vias de
extinção. É bem mais fácil supor, idealmente, que vivemos num mundo novo do que
insistirem que, no essencial, as coisas continuam iguais.
A maior parte da literatura sobre relações internacionais ainda é produzida nos
Estados Unidos e dirige-se prioritariamente ao público daquele país. Ora, os acontecimentos
dos últimos quatro anos afetaram fundamentalmente a posição dos EUA no mundo e
alteraram o papel que lhes cabe no cenário internacional. Essa circunstância, aliada à
percepção de perda de espaço relativo no conjunto da economia mundial, fenômeno que vem
sendo apontado há mais de vinte anos, reforçou ainda mais a vocação do mundo acadêmico
para tentar identificar novas tendências globais e indicar caminhos alternativos.
Há mais de quinze anos Keohane e Nye já alertavam que, para os EUA, uma questão
central seria como exercer liderança internacional sem capacidade hegemônica: "Temos de
aprender tanto a conviver com a interdependência, como a utilizá-la no exercício de
liderança."6 Lester Thurow, em 1992, também anuncia novidades e oferece conselhos: "É
difïcil admitir que o mundo mudou e que as nossas antigas virtudes já não são virtudes. E
muito difícil reconhecer que novas realidades forçam a criação de novas virtudes - novos
procedimentos, novas regras, e novas instituições".7 Laura Tyson é ainda mais explícita: "O
colapso da URSS oferece oportunidade para reconsiderar prioridades nacionais e para trocar
os desafios militares do passado pelos desafios econômicos do futuro".8
Aliás, essa é uma diferença entre os modernistas (sobretudo os economistas) e os
realistas. Os primeiros apontam para a interdependência econômica, para o processo da
chamada 'globalização', e, a partir daí, fazem suas análises e recomendações. Os últimos, por
6
Keohane e Nye, op. cit., p. 242.
7
Lester Thurow, Head to head: the coming economic battle among Japan, Europe and America (Nova York:
William Morrow and Co., Inc., 1992), p. 16.
8
Laura D'Andrea Tyson, Who's bashing whom? Trade conflict in high-technology industries (Washington,
D.C.: Institute for International Economics, 1992), p.296.

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sua vez, comportam-se como verdadeiros marxistas às avessas, ou seja, encaram as


correlações de poder e segurança militar como dado estrutural, e as mudanças no plano
econômico, como fenômenos superestruturais. Contrariam, assim, evidências irrefutáveis de
que, nas palavras de Gelson Fonseca Jr., "a economia deixa de ser comandada pelas
necessidades de segurança e passa a gerar pautas para a decisão política".9
De qualquer modo, não é propósito do presente trabalho aprofundar a análise das
divergências de ponto de vista entre correntes teóricas. O objetivo da descrição simplificada
dos dois modelos é reforçar a idéia, defendida por Keohane e Nye, de que a compreensão das
relações internacionais no mundo contemporâneo não invalida as concepções tradicionais,
baseadas no primado das relações de poder entre Estados, mas exige que sejam combinadas
com novas formulações, no centro das quais se encontra, com peso significativo, a noção de
interdependência, que não se limita à esfera econômica, e abrange todas as outras dimensões
da vida coletiva das sociedades.

Três temas da transição

Os eventos dos últimos anos fizeram com que mesmo os analistas mais céticos
reconheçam algum nível de mudança e que, em sua grande maioria, admitam estarmos
atravessando um período de transição no qual continuidades convivem com descontinuidades,
o velho, com o novo: em primeiro lugar, nem tudo mudou; em segundo, nem tudo muda no
mesmo ritmo. Nota-se, por exemplo, uma clara diferença de 'tempos'- enquanto as
transformações no âmbito político-estratégico ocorreram mais recentemente e foram
marcadas por acontecimentos de grande impacto efetivo e simbólico (queda do muro de
Berlim, extinção da URSS), na área econômica estão em curso processos (transnacionalização
e integração econômica, globalização, aumento do peso da Europa e Ásia-Pacífico, que
passam a ser vistos como novos 'pólos' das relações internacionais) que se vêm aprofundando
há mais de trinta anos e não tiveram marcos divisores tão nítidos.
Ainda assim, existe uma razoável coincidência de opiniões quanto às características
mais marcantes do período em que vivemos, as quais podem ser mais claramente visualizadas
se considerarmos, entre outros, os três aspectos mencionados na descrição dos modelos do
realismo e da interdependência complexa.

I - Papel do Estado

Falar em 'crise do Estado' tornou-se um verdadeiro clichê na última década. Os


diagnósticos e críticas vieram das fontes mais variadas: dos neoliberais conservadores, que
atacaram o welfare state; da esquerda, que continuou a reclamar o cumprimento das
obrigações sociais do setor público e a resistir à hegemonia neoliberal; dos 'pós-modernos'
(verdes, pacifistas, homossexuais, ONGs etc.), que introduziram novas reivindicações na
agenda política e não se satisfizeram com a resposta por parte do Estado; e da própria
burocracia estatal, que sofre com a crescente disparidade entre o volume de encargos e a
escassez de meios e anseia por modernizar-se.
Por outro lado, as sociedades tornaram-se mais complexas e, a cada dia, novos temas
demandam a ação do Estado. Nas palavras de Celso Lafer, "os governos não estão

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Extraído de texto não destinado a publicação.

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conseguindo mais processar as demandas que lhes chegam".10 No dizer de Nicos Poulantzas,
a legitimação do Estado passa a depender de uma 'racionalidade instrumental', ou seja, do
julgamento da eficiência de suas incursões no domínio da economia (para enfrentar
problemas, como a inflação e o desemprego, que não tem capacidade de resolver).11
Estaríamos, assim, bem próximos de uma situação de permanente crise de legitimidade.
Além dessas dificuldades na frente interna, é amplamente aceito que a
interdependência cada vez mais profunda na economia mundial, com a presença marcante de
entidades transnacionais, e a intensificação dos contatos e transações diretas através das
fronteiras nacionais condicionam, hoje, a posição do Estado como ator primordial das
relações internacionais. Há que reconhecer, portanto, o desconforto dessa posição: havendo
perdido progressivamente o poder de controlar os fluxos de dinheiro, de informação e de
mercadorias, o Estado continua a ser considerado responsável por missões internas e externas
que dependem fortemente da situação econômica nacional, a qual, por sua vez, está sujeita
aos efeitos de sua inserção no contexto global.12 Mas essa não é uma tendência unívoca, pois,
de outra parte, cada vez mais o comércio vem sendo 'administrado' pelos governos, que
também atuam intensamente na negociação de normas e 'regimes' internacionais. Aí está a
eleição de Bill Clinton (a perda de impulso da onda neoliberal) a indicar um desejo de volta
da 'mão visível' do governo no estabelecimento de políticas industriais e na promoção de
programas de competitividade. Essa demanda por um maior intervencionismo resulta, em boa
medida, da compreensível vontade - de setores, grupos ou empresas - de conter os custos da
globalização (concorrência de produtos estrangeiros, perda de terceiros mercados,
desemprego etc.) e, se possível, permitir melhores condições de participação no intercâmbio
global.
Em resumo, coexistem tendências de reforço e de condicionamento do papel do
Estado nas relações internacionais. Ao contrário do que muitas anunciaram nos anos ?0, as
empresas multinacionais não assumiram o controle do mundo e os vínculos privados e
informais entre movimentos, organizações e indivíduos não puseram em segundo plano as
formas tradicionais de relacionamento entre países. Embora, como dizem Keohane e Nye, as
sociedades estejam ligadas por múltiplos canais, o Estado permanece como o agente
fundamental das relações internacionais, ainda que opere num universo onde outros tipos de
atores têm presença cada vez mais importante e decisiva.

II - Poder militar e poder econômico

A imensa maioria dos analistas do mundo contemporâneo não tem dúvidas de que a
força militar perdeu espaço para a capacidade econômica como fonte e instrumento de poder:
o soft power tem um peso crescente, em detrimento, de certa forma, do hard power. Esse é um
fenômeno decorrente do extraordinário crescimento das relações econômicas internacionais,
mas também, em parte, do próprio potencial destrutivo dos arsenais acumulados desde a II
Grande Guerra, o qual, somado ao equilíbrio entre as superpotências, 'imobilizou' esse
poderio e levou a quase meio século sem confrontações armadas entre os principais atores da
cena mundial. Assim - e embora, em última instância, não se possa excluir a possibilidade de

10
Citado na Folha de S. Paulo, 11/07/93, p. 6-4.
11
Nicos Poulantzas, L'État, le pouvoir, le socialisme, 2ª ed. (Paris: Presses Universitaires de France, 1981), p.
238 e 243.
12
O argumento consta do artigo de Ignacio Ramonet, "Mondialisation et ségrégations", em Manière de voir 18 -
Le Monde diplomatique, maio 1993.

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uso, ou ameaça de emprego da força, e o significado crucial que o poderio militar ainda tem
nas relações internacionais - a determinação do status e do poder de cada país passa a
fazer-se, mais e mais, a partir de critérios econômicos.
Não se trata meramente de substituir uma medida por outra. Em primeiro lugar,
porque a capacidade econômica não é tão facilmente mensurável quanto o poderio militar. Se
este último pode ser expresso em número de homens, navios, tanques e ogivas nucleares
(ainda que tampouco essa transposição fosse automática e linear, como a própria
'imobilização' das armas nucleares confirmou), aquela tem um número muito maior de
indicadores, que precisam ser selecionados a partir de critérios, os quais, por seu turno,
também são variáveis. Que parâmetro deve ser escolhido: PIB (por qual processo), comércio
exterior, exportações/PIB, endividamento externo, abertura do mercado doméstico, taxa anual
de crescimento? Em segundo lugar, porque a 'tradução' que se fazia da força militar em poder
internacional não serve para aferir como a capacidade econômica se converte em
possibilidade de influência (que influência têm, por exemplo, alguns países médios da Ásia
que se destacam pelo desempenho exportador, pelos grandes superávits comerciais?), pois
esses dados estarão condicionados por outros (dimensão territorial e demográfica, situação
geográfica, posição no contexto regional etc.) nessa conversão. Em terceiro, porque a
interdependência progressiva na economia mundial limita o controle que os governos
nacionais têm condições de exercer sobre as transações internacionais (diariamente, por
exemplo, mais de US$ 500 bilhões passam pelos principais mercados de câmbio do mundo)13
e condiciona seu espectro de decisão.
Para concluir, pode-se recorrer a um trabalho mais recente de Nye: "As fontes do
poder jamais são estáticas e (...) continuam a mudar no mundo de hoje. Numa era de
economias baseadas na informação e de interdependência transnacional, o poder está-se
tornando menos fungível, menos tangível, e menos coercitivo. O século XXI dará um maior
papel ao poder 'informacional' e institucional, mas a força militar continuará a ser um fator
importante, assim como a escala econômica, tanto em termos de mercado como de recursos
naturais."14

III - Agenda e prioridades

Durante quase meio século, o conflito Leste-Oeste esteve no topo da agenda


internacional, não apenas porque, em última instância, havia a hipótese de uma confrontação
nuclear, mas também porque a própria natureza da guerra fria subordinava tudo mais à lógica
da bipolaridade. Essa precedência era cobrada pelas superpotências aos seus aliados,
sobretudo aos mais revelevantes estratégica ou economicamente. Nesse contexto, era natural
que os assuntos de segurança tivessem prioridade, muito embora as considerações de ordem
econômica já viessem ganhando espaço e, em certas circunstâncias, prevalecendo sobre os
primeiros.
Com o fim da guerra fria, confirma-se a avaliação de Keohane e Nye (mencionada
acima) de que a agenda não obedece a uma hierarquia clara e consistente e de que os temas de
segurança nem sempre predominam. Convém, no entanto, evitar a impressão de que estamos

13
Richard J. Barnet e John Cavanagh, "National interests and global realities", em Institute for Policy
Studies-Briefing Paper, Security Series, nº 2, janeiro 1992.
14
Joseph S. Nye, Bound to lead: the changing nature of American power (Nova York: Basic Books, Inc., 1990),
p. 33-34.

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diante de uma agenda aberta, livre. Em primeiro lugar a agenda das relações internacionais15
continua a refletir, quase sempre, a agenda internacional dos países mais importantes, a qual,
por sua vez, deriva geralmente de suas agendas nacionais. Em segundo lugar, consolida-se a
tendência, devida talvez ao afastamento da ameaça nuclear e às dificuldades enfrentadas pelas
principais economias do mundo, de atribuir-se prioridade às matérias que afetam direta e
imediatamente a qualidade de vida das sociedades mais desenvolvidas (comércio, imigração,
tráfico de drogas, terrorismo, AIDS etc.). Mesmo um problema como o do meio ambiente,
que desafia indiscriminadamente o conjunto do planeta e é um dos grandes símbolos da
interdependência, perde peso pelo fato de não haver convicção quanto à urgência de se
mobilizarem recursos para enfrentá-lo. Isto para não mencionar as questões que dependem
também da solidariedade, como direitos humanos, pobreza e fome; estas só entram na agenda
quando 'traduzidas' em ameaça à segurança das áreas prósperas da Terra (migrações,
epidemias, guerras etc.), ou quando a força de imagens e dados transmitidos pelos meios de
comunicação desencadeia uma motivação ético-humanitária para movimentos de mobilização
e pressão, e até para ações armadas (como ocorreu na Somália). A propósito, cabe mencionar
o debate sobre a tese de que, diante dessas situações, haveria um 'dever de ingerência' por
parte da comunidade internacional.
Mas se, por um lado, não estamos diante de uma agenda tão aberta quanto conviria,
por exemplo, aos países em desenvolvimento, por outro, não se pode negar que houve
algumas mudanças significativas:
— ao contrário do que ocorria com o marco ideológico da guerra fria, a prevalência do
econômico terá um efeito dispersivo16 (diversidade de temas e interesses nesse campo gera
dispersão entre países e dentro dos países, pois, enquanto as questões ideológicas e
estratégicas uniam e mobilizavam, mantendo alianças duradouras 'acima' desses interesses
mais específicos, as matérias econômicas ressaltam as diferenças e até divergências de
perspectiva, tanto no plano internacional, como no nacional - a vantagem comparativa de um
pode ser a desvantagem do outro; o negócio de uma empresa pode significar prejuízo para a
outra; um emprego aqui talvez produza um desempregado do outro lado da fronteira etc.);
— a transposição de boa parte das preocupações com segurança militar do plano
global para o regional, e a diversidade de interesses no terreno sócio-econômico dificulta a
conciliação das agendas nacionais e regionais num temário global (antes havia uma estrutura
mundial de segurança, a ordem da guerra fria, que fornecia a moldura para o 'jogo'
internacional; agora, com a tendência para a adoção de esquemas de segurança com ênfase
regional - o processo em curso de definição de uma 'arquitetura' européia de segurança, por
exemplo -, e a presença de apenas uma superpotência com interesses verdadeiramente
globais, torna-se mais difícil fazer com que a comunidade das nações tenha prioridades
coincidentes, além do domínio da retórica);
— a determinação da agenda e das prioridades passa a obedecer à influência crescente
de agentes não-governamentais (empresas, movimentos sociais, ONGs, imprensa etc.), entre
os quais existem, evidentemente, contrastes e contradições;
— em função do tema, tendem a formar-se coalizões 'de geometria variável', sob
lideranças igualmente variáveis, que convivem com outras coalizões, formadas, não a partir

15
Entende-se por 'agenda das relações internacionais' não a lista ampla das questões arroladas formalmente para
discussão nos organismos multilaterais, mas o conjunto dos assuntos que efetivamente mobilizam a atenção e os
esforços da comunidade das nações.
16
Gelson Fonseca Jr., "Aspectos da multipolaridade contemporânea (notas preliminares)", em Contexto
Internacional, ano 6/ nº 11, janeiro-junho 1990, p. 21.

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de questões específicas, mas de dados como vizinhança geográfica, semelhança de nível de


desenvolvimento etc.

Em síntese, como é típico do período de transição que vivemos hoje, também no que
se refere à agenda e às prioridades internacionais há elementos de continuidade e de mudança.
A propósito, valem algumas observações: primeiro, o avanço da globalização econômica e o
aprofundamento da interdependência em todos os campos fazem com que a solução dos
problemas nacionais de cada país passe cada vez mais pelo ajuste de seus vínculos
internacionais; torna-se, assim, mais importante ter acesso ou participar ativamente das
instâncias que definem a agenda das relações internacionais (tanto para buscar incluir temas e
prioridades do próprio interesse como para evitar inclusões e ênfases contrárias a tal
interesse); além disso, embora continuem a prevalecer a vontade dos 'fortes' e suas
preocupações (agora preferencialmente com questões passíveis de afetar-lhes a 'segurança
sócio-econômica'), novos espaços se abriram a partir da substituição da agenda da guerra fria
(na qual as prioridades e lideranças eram fixas, embora muitos considerem, por exemplo, que
os temas de interesse dos países em desenvolvimento tinham mais espaço naquela época do
que hoje) por outra que se transforma ao longo do tempo, sob lideranças também variáveis.
Cabe uma indagação final: se, por um lado, a dispersão causada pela prevalência da
economia sobre a segurança pode aumentar a diversidade e flexibilidade das alianças, da
agenda e das prioridades, por outro, talvez se justifique o temor de que essa mesma dispersão
de interesses e vontades (e o particularismo 'egoísta' dos cálculos fundados em perspectivas
exclusivamente individuais e nacionais, que deixam de lado considerações ideológicas e
estratégicas), além de dificultar a formação de alianças duradouras, acabe por impedir a
construção de consensos, sobretudo aqueles 'consensos ativos', que envolvam mobilização de
recursos humanos, materiais e políticos, indispensáveis para que a comunidade internacional
consiga resolver alguns de seus maiores problemas. A frustração das expectativas geradas
pela Conferência do Rio, a paralisia da Rodada Uruguai do GATT e o tratamento da crise na
ex-Iugoslávia são exemplos distintos e eloqüentes dessa dificuldade.

Realismo e interdependência

A observação desses três aspectos da realidade contemporânea - os mesmos três


empregados por Keohane e Nye para a caracterização do realismo e da interdependência
complexa - confirma que os dois modelos podem ser úteis para a compreensão das relações
internacionais nos dias de hoje. Porque nem tudo mudou, nem tudo vai mudar, o realismo
conserva sua atualidade. Porque muito já mudou, e muito ainda vai mudar, a visão da
interdependência, por refletir tendências que continuam a aprofundar-se, torna-se cada vez
mais essencial.
Para ilustrar de forma mais clara como o realismo e a interdependência podem
combinar-se, estabelecem-se daqui por diante três 'tipos' de atores: o das superpotências, que,
estritamente, corresponderia agora apenas aos EUA; o das grandes potências econômicas,
como Alemanha, Japão, e a própria Comunidade Européia; o dos países em desenvolvimento
de maior peso. Essa tipologia, evidentemente, deixa de fora, não apenas Estados que não
podem ser incluídos nessas categorias, como outros tipos de atores (organismos
internacionais, empresas transnacionais, entidades como o G-7 e OCDE, grupos regionais,

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ONGs etc.) que, cada vez mais, interagem entre si e com os Estados.17 Essa simplificação
justifica-se apenas por facilitar a exposição do raciocínio que o presente artigo pretende
explicitar.
Já se disse que a literatura tratada no presente artigo versa especialmente sobre a
situação dos EUA, ou seja, de uma superpotência. Neste caso, evidentemente, a proposta do
modelo da interdependência pretende 'temperar' as percepções do realismo, tentando fazer ver
à sociedade norte-americana que o mundo mudou e que essa mudança estabelece novos
parâmetros e limites para o exercício do poder, além de novos desafios internos e externos.
Sem entrar no debate entre os que percebem o declínio da posição relativa dos EUA e aqueles
que apontam seu reforço, trata-se de chegar a uma visão que sirva a quem ainda tem poder,
muito poder (com supremacia absoluta em termos de hard power e .liderança no que se refere
ao soft power como um todo, apesar da concorrência e até da vantagem do Japão ou
Comunidade Européia em certas áreas) numa era em que os parâmetros de poder se
transformam. Para o futuro, entre várias soluções, duas seriam mais evidentes para a
superpotência: ou atuar para que o hard power não se desvalorize tão rapidamente no jogo
internacional (tomando, por exemplo, iniciativas uni e multilaterais de emprego da força
militar, que assim continuaria presente e 'necessária' no cotidiano das nações), ou
concentrar-se no desenvolvimento da capacidade de vencer na competição do soft power, seja
pela modernização das estruturas econômicas e sociais, seja pelos caminhos nem sempre soft
do protecionismo, das retaliações unilaterais e do comércio administrado.18 Como os fatos
vêm indicando, também neste caso a escolha deverá ser a conciliação das várias
possibilidades, inclusive porque, na realidade, não existe essa divisão tão nítida entre hard
power e soft power: enquanto as nações e os indivíduos usarem a força uns contra os outros, a
maior capacidade de fazê-lo será sempre uma fonte de poder, assim como, no domínio da
economia, os diferenciais de riqueza e dependência também o serão. Além disso, o poder
militar poder servir a objetivos de poder econômico, e vice-versa.
No que se refere às grandes potências econômicas, pode-se dizer que a equação
anterior se inverte. Para elas, ao contrário do que ocorre com a superpotência, a
interdependência aponta o seu crescente peso relativo, enquanto o realismo serviria para
indicar os limites de seu poder. De certo modo, o cenário da interdependência é o habitat
ideal desse tipo de ator. Lester Thurow, por exemplo, chega a exagerar nesse sentido quando
diz que, ao negociar as regras para seu mercado comum e decidir como se relacionam com
parceiros de fora, os europeus estarão efetivamente escrevendo as regras do comércio comum
no próximo século.19 Isto para não citar as previsões de predomínio universal do Japão. Já
quando se passa para a chave' do realismo, o peso desses atores aparece mais qualificado,
sobretudo quando se pensa em termos de possível liderança de ações internacionais (até este
momento, somente os EUA têm funcionado como articulador e líder de grandes coalizões).
Em resumo, a situação seria a de quem tem algum poder (fortemente concentrado no soft
power), num mundo em que esse poder conta cada vez mais, embora o hard power ainda seja
o de última instância. Para o futuro, como no exemplo da superpotência, também se poderiam
aventar algumas hipóteses: as grandes potências podem continuar a investir prioritariamente

17
Nessa divisão, deixou-se também de incluir uma categoria que abarcasse atores fundamentais, sobretudo a
Rússia e a China, que continuam a ter, por razões cada vez mais distintas, importância crucial na definição do
futuro da ordem internacional.
18
É o que defendem Lester Thurow, Robert Reich e Laura Tyson (os dois últimos ocupam funções de primeira
linha no governo do presidente Bill Clinton, o primeiro como secretário do Trabalho e a segunda como chefe do
Council of Economic Advisers) nos recentes livros acima citados.
19
Lester Thurow, op. cit., p. 65-66.

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 149-161.


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no soft power econômico, centrando suas iniciativas políticas apenas na esfera regional e
mantendo uma postura cautelosa diante da 'cobrança' de um papel global mais ativo,
sobretudo em questões de segurança (esse caminho não exclui riscos de conflito decorrentes
da competição econômica, particularmente no triângulo EUA-Europa-Japão/Pacífico);
podem, por outro lado, partir para a conversão de seu soft power em hard power. Essa não é
uma escolha inteiramente livre, pois os países em questão poderiam ver-se obrigados, por
exemplo, a responder pela força a desafios de segurança em suas áreas, ou, por outro lado,
caso decidissem aumentar seu poderio militar, poderiam ser impedidos de fazê-lo, além de um
certo limite, pela atual superpotência, ou até pela 'ex-superpotência' (ou pelas duas juntas), ou
ainda pela impossibilidade de conciliar maiores despesas militares com equilíbrio
sócio-econômico interno. A propósito, como afirma J.A.Guilhon Albuquerque, os EUA são
hoje "a única potência ainda com capacidade de intervenção mundial, sem que isso implique
risco de desordem doméstica".20 Em síntese, os caminhos estarão balizados pela configuração
mundial do poder. Uma coisa, porém, é certa: o caminho a ser seguido por este conjunto de
atores terá importância decisiva para a configuração do cenário internacional no século XXI.
Para os países em desenvolvimento (PEDs) de maior relevo, finalmente, o exercício
especulativo aqui esboçado é bem mais complexo. Neste caso, ambos os modelos sempre
apontaram muito mais para os limites do que para as possibilidades: de um prisma realista,
ressalta-se a escassez relativa de poder, ao menos em termos de projeção mundial; da
perspectiva da interdependência, sobressai a assimetria dos vínculos com os principais atores
do cenário internacional. Mas também há possibilidades, a partir de ambos os pontos de vista:
na guerra fria, alguns países em desenvolvimento, sobretudo aqueles localizados em áreas de
maior significado estratégico, obtiveram ganhos pelo desempenho de papéis coadjuvantes em
esquemas de segurança (hoje em dia, os exemplos são raros); mais recentemente, outros (ou
os mesmos, em certos casos) têm conseguido benefícios no processo de globalização
econômica, ou seja, no aprofundamento da interdependência, fato que vem acentuando a
diferenciação entre os PEDs (diferenciação que sempre houve, é claro, mas que, no passado,
não dificultava tanto quanto hoje a convergência de posições entre eles). E com isso se
inverteria a ótica da 'dependência' (que aconselhava a busca de modelos mais autônomos de
desenvolvimento, e, portanto, menos integrados à economia internacional), já que atualmente
"o reforço da condição periférica parece ocorrer pelo afastamento, pelo enfraquecimento das
articulações centro-periferia".21 De qualquer forma, a situação é a de quem tem pouco poder
(quer hard power, quer soft power), num mundo que ainda é de poder, mas em que a força
militar vai perdendo espaço para a capacidade econômica. Em relação ao futuro, para
concluir, fazem-se, a seguir, algumas considerações. Se os atores incluídos nesta categoria
não quiseram, ou não puderam, afirmar-se pela via do hard power no passado, menos razões
teriam para tentar fazê-lo agora que esse tipo de poder serve cada vez menos para resolver os
seus verdadeiros problemas.
Haveria, pois, que explorar os espaços abertos pelas transformações políticas no
cenário internacional e pelo avanço do processo de globalização, e trabalhar no sentido de que
as oportunidades se multipliquem. Neste campo, enquanto a perspectiva da interdependência
indicaria o acirramento da disputa por investimentos e mercados, e ainda o fechamento da
maioria das 'portas concessionais' aos países em desenvolvimento, dando ênfase à melhora
das condições de participação mais intensa e proveitosa na economia mundial (capacitação

20
José Augusto Guilhon Albuquerque, "O fim da guerra fria e os novos conflitos internacionais", em O futuro
do Brasil, organizado por José Álvaro Moisés (São Paulo, EDUSP, 1992).
21
Fonseca, op. cit., p. 8

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 149-161.


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econômica e tecnológica, competitividade, atração de investimentos etc.), o realismo


ensinaria algumas coisas: primeiro, que os países em desenvolvimento, mesmo os mais
importantes, têm poder limitado para influir na definição e alteração das regras do jogo;
segundo, que, justamente por isso, é seu interesse prioritário que a globalização tenha regras
claras e universais, multilateralmente acordadas, para que não esteja sujeita às vontades
circunstanciais daqueles que, sim, já (ou ainda) têm poder; terceiro, que, tal como a
globalização, o regionalismo veio para ficar e, especialmente para os países em
desenvolvimento, é uma forma de aumentar sua capacidade de articulação, projeção e
influência no meio internacional; quarto, que alguns desses países em desenvolvimento de
maior relevo terão de vincular-se preferencialmente a um dos 'pólos' da economia global
(EUA, Comunidade Européia e Japão/Pacífico), enquanto outros, por suas dimensões, peso
político e/ou tradição de intercâmbio distribuído de modo equilibrado (sem parceiros com
predomínio absoluto em suas relações econômicas externas) não poderão, ou não terão
interesse em fazê-lo.
Como se vê, também no caso dos PEDs não existe um modelo único a seguir, nem
opções fechadas por esta ou aquela fórmula. O natural é que cada país busque realizar os seus
objetivos, os quais, sobretudo no caso de sociedades em desenvolvimento, deveriam dar
prioridade à superação da pobreza e das deficiências estruturais que as impedem de fruir
plenamente os benefícios do progresso da humanidade.

Conclusão

A interdependência não eliminou o dado do poder nas relações internacionais, mas vai
alterando progressivamente essa realidade. O status das nações na comunidade mundial
resulta cada vez mais da posição que ocupam na vasta e intricada malha dos intercâmbios
econômicos, embora a capacidade militar e a situação estratégica continuem a ser um fator
importante. O poder é hoje uma combinação de hard power e soft power, e não há qualquer
receita fixa para a mescla desses ingredientes. Haverá variações de acordo com o tema, com o
momento, com os interesses específicos dos atores. Dentro das possibilidades de cada um,
principalmente dos que procuram influir nas decisões internacionais, existirá alguma margem
de flexibilidade (talvez decrescente) na escolha de caminhos.
É necessário considerar, além disso, que a chamada interdependência não se limita
hoje à atividade econômica, e atinge praticamente todos os aspectos do cotidiano das
sociedades: o político, no qual a fronteira entre o externo e o interno se torna menos nítida; o
social, no qual o tratamento de questões como direitos humanos e meio ambiente tem uma
dimensão internacional que se acentua; o cultural, no qual os padrões 'globalizados' de
comportamento e de consumo de bens materiais e culturais se superpõem às diferenças
históricas. Como afirma Ignacio Ramonet: "Na história da humanidade, jamais as práticas
próprias a uma cultura se impuseram como modelos universais tão rapidamente. Modelos (...)
admitidos em todos os lugares como 'racionais' e 'naturais' e que participem, de fato, da
ocidentalização do mundo".22
Daí resulta, entre muitas outras, uma conseqüência essencial: num mundo em que as
distâncias geográficas contam cada vez menos, em que a democracia prevalece, em que as
economias nacionais se complementam e, ao mesmo tempo, competem entre si, em que se
torna mais transparente a ligação entre fatos externos e efeitos internos, em que os meios de

22
Ramonet, op. cit.

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comunicação permitem a divulgação imediata e ampla do dia-a-dia nacional e internacional,


terá que haver um vínculo, cada vez mais claro para o público em geral, entre política externa
e resultados concretos para as populações. Na medida em que os países tenham seus destinos
unidos por laços cada vez mais estreitos, seja de cooperação, seja de concorrência, as relações
internacionais tornam-se mais complexas e, sobretudo, mais delicadas, pois sua condução
dependerá crescentemente da difícil harmonização (ou simplesmente da frustração) de
interesses distintos, e muitas vezes opostos, articulados em escala local, nacional e
transnacional.
Não existem mapas para essa viagem. E preciso avançar ora com prudência, ora com
ousadia, sempre com equilíbrio e criatividade.

(Recebido para publicação em julho de 1993)

Marcos B. A. Galvão é diplomata, mestre em relações internacionais pela American


University (Washington, D.C.) e professor do Instituto Rio Branco.

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 149-161.

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