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HISTÓRIA E HISTÓRIAS DA
POLITICA EXTERNA BRASILEIRA

Na diplomacia, o traço todo da vida,


de Mário Gibson Barboza. Rio de Janeiro, Record, 1992.

Lembranças de um empregado do Itamaraty,


de Ramiro Saraiva Guerreiro. São Paulo, Siciliano, 1992.

Alexandra de Mello e Silva

Os historiadores e estudiosos da política exterior do Brasil foram brindados


recentemente com o lançamento de duas obras relevantes, ambas de autoria de ex-ministros
das Relações Exteriores. - De fato, existem notáveis convergências entre os livros de Gibson
Barboza e Saraiva Guerreiro, baseadas no fato de os dois serem diplomatas de carreira,
pertencentes a uma mesma geração de nossa diplomacia, formada dentro do espírito
profissionalizante imposto pela progressiva institucionalização burocrática do Itamarati.
Como fica sugerido pelos títulos, os autores imprimem um caráter de memórias pessoais às
obras, sem contudo pretender realizar uma autobiografia exaustiva, tendo em vista que o fio
condutor das narrativas é a evolução de sua carreira diplomática e as experiências e
percepções vivenciadas a partir daí. O resultado, portanto, é a construção de um rico painel da
História da política externa brasileira a partir do pós-guerra, em que episódios históricos se
mesclam às reminiscências pessoais e à intimidade da convivência com personalidades
marcantes de nossa história política e diplomática. Cyro de Freitas Valle, Raul Fernandes,
Juscelino Kubitschek, Gilberto Amado, San Tiago Dantas, João Goulart, o general Médici são
alguns dos "personagens" que povoam estas narrativas, revelados ora em episódios pitorescos,
ora em momentos dramáticos.
Naturalmente, o ponto forte dos dois livros centra-se na análise detalhada das gestões
dos dois diplomatas à frente do Ministério das Relações Exteriores, marcadas também por um
elemento de convergência: ambas ocorreram durante o regime militar inaugurado em 1964,
quando a política exterior brasileira enfrentou um período de sucessivas reorientações e
definições. Assim, Mario Gibson assumiu a chancelaria durante o governo Médici
(1969-1974), um período de plena afirmação do regime militar, enquanto Saraiva Guerreiro
ocupou o mesmo cargo durante o governo Figueiredo (1979-1985), já em pleno processo de
abertura política.
Apesar das convergências, os relatos de Gibson e Guerreiro apresentam grande
diversidade em sua estrutura narrativa. O livro de Gibson faz menção explícita à longa
entrevista de história de vida concedida pelo autor ao Programa de História Oral do CPDOC.
De fato, a organização temática e cronológica do livro segue de perto a de seu depoimento,
ainda que o ministro advirta que se trata de "produtos" diferentes. Assim, a parte inicial é
dedicada às reminiscências de episódios históricos de nossa política externa, como a atuação
(e decepção) brasileira na Conferência de São Francisco; os entendimentos JK/Frondizi no
quadro da Operação Pan-Americana; e ainda a participação bastante próxima do autor, como
chefe de gabinete do então chanceler San Tiago Dantas, nos processos de formulação e

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execução da `política externa independente", já durante o governo João Goulart. Gibson


caracteriza a orientação diplomática desse período como a de uma "potência emergente" que
deveria romper com "alinhamentos automáticos" e pautar-se pela defesa do interesse nacional
seria a "independência possível". Não por acaso, essa caracterização apresenta notável
semelhança com a linha de política externa que o ministro estabeleceria durante sua gestão.
Outro momento decisivo de sua carreira foi o curto período em que esteve à frente da
embaixada brasileira em Assunção (1966-1967), quando se viu às voltas com o explosivo
problema da disputa de fronteiras entre Brasil e Paraguai na região de Sete Quedas. A adoção
de uma estratégia destinada a traçar uma "teia de interesses" bilaterais terminou por anular a
disputa territorial, abrindo caminho para a assinatura, em 1973, do tratado constitutivo da
Itaipu Binacional.
Contudo, a questão estava apenas parcialmente resolvida, pois os entendimentos entre
Brasil e Paraguai implicaram a abertura de um novo e prolongado contencioso, desta vez com
a Argentina, que se arrastaria por mais de dez anos. No período em que Gibson esteve à frente
do ministério, a atuação brasileira pautou-se pela rejeição sucessiva das teses argentinas do
"prejuízo sensível" e da "consulta prévia" para recursos naturais compartilhados. Para o
ministro, a renitente oposição do país vizinho ao empreendimento hidrelétrico tinha por base
as desconfianças, aparentemente infundadas, quanto a possíveis pretensões brasileiras de
"dominação regional". Não obstante, uma análise já consagrada sobre a atuação do Brasil no
episódio aponta para a adoção de uma estratégia de hegemonia, mediante a imposição
unilateral de que os planos argentinos, mais difusos (hidrelétrica de Corpus), se ajustassem ao
projeto brasileiro, em fase bem mais adiantada de execução.1 O próprio Gibson revela que a
base para a não aceitação da tese argentina sobre a necessidade de compatibilização entre
Corpus e Itaipu se apoiava no argumento de que a primeira era apenas uma "aspiração".
No debate historiográfico mais recente quanto às linhas de continuidade e ruptura da
política externa dos governos militares, tem havido um razoável consenso quanto à
localização de elementos de ruptura já no governo Costa e Silva, marcando o fim do curto
período de inflexão "alinhada" do governo Castelo Branco. Assim, tanto o conteúdo
"terceiro-mundista" da diplomacia da prosperidade de Costa e Silva, quanto o projeto de
`Brasil potência" do governo Médici assinalariam momentos ainda difusos de mudança, que
se realizariam plenamente no `pragmatismo responsável" ou "ecumênico" perseguido pelas
administrações Geisel/Figueiredo.2 De fato, a exposição das grandes linhas de política externa
adotadas pela gestão Gibson, seja em suas definições genéricas ou nos contornos concretos,
parece corroborar plenamente aquela argumentação.
O projeto de "potência emergente" emerge com clareza dos pronunciamentos
ministeriais, através da recusa em aceitar mecanismos que impliquem a "estratificação" do
poderem nível internacional; e da defesa enfática de que o Brasil tenha seus interesses
"reconhecidos" e "respeitados" no concerto das nações. Nesse sentido, uma das linhas
prioritárias da política exterior de Gibson foi a "correção de rumos" nas relações com os
EUA, visando a colocá-las em bases mais "realistas", de modo que os eventuais conflitos de
interesses fossem encarados com a naturalidade que marca o relacionamento entre Estados
soberanos na defesa de seus interesses nacionais. De fato, ao contencioso iniciado pela recusa
1
Ver Maria Regina Soares de Lima, "A economia política da política externa brasileira: uma proposta de
análise", Contexto Internacional, ano 6, nº 12, jul/dez 1990.
2
A esse respeito, ver as análises de Carlos Estevam Martins, "A política externa brasileira na década 64-74",
Estudos CEBRAP, nº 12, 1975; Gerson Moura e Maria Regina Soares de Lima, "A trajetória do pragmatismo:
uma análise da política externa", Dados, vol. 25, nº 3, 1982; e Celso Lafer, Paradoxos e possibilidades (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1982)

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brasileira em assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, herdado ainda do governo


anterior, a gestão de Gibson acrescentaria novos focos de conflito. O principal deles foi sem
dúvida a decisão do Brasil de decretar unilateralmente sua soberania sobre o mar territorial de
200 milhas, obedecendo, segundo o ministro, a imperativos de ordem econômica, tendo em
vista as atividades pesqueiras predatórias de países desenvolvidos como EUA e Japão.
A segunda linha mestra da política exterior do período Gibson dizia respeito à
convergência de interesses entre o Brasil e os países em desenvolvimento, a partir da
plataforma comum de reformulação das estruturas internacionais e redução das disparidades
econômicas entre pobres e ricos. Isso não deveria implicar, contudo, qualquer definição
"imobilista" ou "fatalista" do subdesenvolvimento -"um estágio de passagem" - que
condenasse os países do Terceiro Mundo à marginalização perene. Também neste caso, fica
evidente que as relações com o Terceiro Mundo se ajustavam coerentemente ao projeto de
"potência emergente": alianças estratégicas em temas de interesse comum - comércio,
tecnologia, desarmamento -, mas manutenção de uma "porta aberta" à entrada brasileira no
concerto dos grandes, que se vislumbrava como viável.
Por outro lado, foi justamente por intermédio dessa linha de aproximação com os
países em desenvolvimento que se revelou a dimensão mais inovadora da política exterior do
período, consubstanciada na política de abertura para a África. A percepção de que os
interesses brasileiros na região seriam crescentes levou à uma planejada e prolongada viagem
de Gibson a nove países da costa atlântica africana, a maioria deles recebendo pela primeira
vez a visita de um chanceler brasileiro. O caráter pioneiro dessa viagem pode ser bem medido
pelo nível de resistências e pressões que a cercaram, oriundas da sociedade civil (pressões do
lobby português) e, principalmente, de dentro do próprio governo. Gibson relata em detalhes
as resistências intraburocráticas, localizadas na Petrobrás (à época, sob a presidência do
general Geisel) e no Ministério da Fazenda, sob o comando do todo poderoso Delfim Neto,
que tinham por base a percepção de que seria melhor para o Brasil associar-se a Portugal na
exploração de oportunidades econômicas nas colônias portuguesas africanas. Por fim,
prevaleceu a posição do Itamarati, respaldada pela intervenção da Presidência da República,
num movimento que, por sinal, também se repetiria em outros aspectos da diplomacia que
despertaram divergências entre agências burocráticas, o que talvez possa revelar um
determinado padrão no processo de tomada de decisões.
Mas a outra face da inovadora política africana era a manutenção do apoio ao
colonialismo português num momento em que este já se encontrava em seus estertores, uma
"hipoteca" que continuava a pesar sobre nossa diplomacia. Segundo Gibson, a posição
brasileira neste campo se justificava pela "responsabilidade histórica" do Brasil de
desempenhar a difícil (senão impossível) "missão" de buscar uma solução negociada para a
retirada portuguesa de suas colônias.
Já o livro de Saraiva Guerreiro se caracteriza por uma narrativa bastante fragmentada,
em que o encadeamento temático prevalece sobre a ordem cronológica. De fato, o leitor segue
ao sabor dos ziguezagues da memória do diplomata, em que se mesclam reminiscências
pessoais, relatos históricos e digressões sobre aspectos gerais da política externa e das
relações internacionais.
Guerreiro estabelece uma ponte explícita entre a política externa independente e o
pragmatismo responsável, considerando a primeira como "uma tentativa de aggiornamento"
que só pôde se realizar 13 anos depois. Nas palavras do ministro, tratava-se de "reconhecer os
fatos do mundo", avaliando a realidade e agindo sobre e a partir dela. Tais pressupostos
pragmáticos teriam plena continuidade durante sua gestão, com a diferença de que os
"rótulos" foram substituídos pela a adoção de "vetores" tais como "universalismo", "dignidade

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nacional" e "boa convivência". A adoção de princípios tão genéricos visaria à preservação da


coerência da política externa, deixando ao país a maior margem de manobra possível para
adaptar-se às realidades cambiantes da política internacional.
Os últimos capítulos do livro são dedicados a uma análise detalhada das principais
iniciativas de nossa diplomacia durante o governo Figueiredo, algumas das quais ainda se
apresentavam como repercussões de medidas adotadas durante a gestão de Gibson, como é o
caso da resolução definitiva do conflito Brasil-Argentina na Bacia do Prata através da
assinatura, em 1979, do acordo tripartite Itaipu/Corpus. Do relato detalhado do ministro
acerca dos vaivéns nas negociações entre os dois países, que incluíram também o Paraguai,
podemos detectar uma clara inversão na postura inicial do Brasil: agora, o que prevalecia era
a vontade política de chegar a uma solução negociada do conflito, mesmo que esta implicasse
a aceitação de perdas marginais impostas pela concessão brasileira em abrir mão da instalação
de duas novas turbinas que aumentariam o potencial energético de Itaipu.
A resolução do contencioso em torno do rio Paraná abriu caminho para uma etapa
totalmente nova nas relações Brasil-Argentina, com repercussões evidentes sobre o contexto
sub-regional tendo em vista o peso dos dois países dentro da América do Sul. É, portanto,
dentro desse contexto que se deve entender o enorme desafio lançado à diplomacia brasileira
pela eclosão, em 1982, da guerra das Malvinas. Como ressalta Guerreiro, o Brasil se movia
sob uma tênue linha, com estreitas margens de manobra. De um lado, devia prestar seu apoio
à histórica reivindicação da Argentina de soberania sobre as ilhas; de outro, o "silêncio"
quanto à ocupação militar argentina deveria ser interpretado como "uma forma suave de
dessolidarização", determinada pela necessidade de preservar as relações de confiança com o
país vizinho.
Quanto às relações com os país industrializados, pode-se observar que, durante a
gestão Guerreiro, estas estiveram fortemente marcadas por um contexto externo cada vez
mais adverso ao Brasil: recessão mundial, elevação dos preços do petróleo, acirramento do
protecionismo, crise da dívida, tudo isso redundando em crescentes dificuldades domésticas
na balança comercial e no balanço de pagamentos. Assim, é significativo que, como assinala
Guerreiro, as questões de ordem político-estratégica que haviam dominado a agenda das
relações Brasil-EUA no governo anterior (acordo nuclear Brasil-Alemanha, política dos
direitos humanos da administração Carter) adquirissem importância decrescente, cedendo
lugar aos temas econômicos. Também no caso das relações com a Europa Ocidental,
observa-se, a partir de 1982, um progressivo esvaziamento dos contatos realizados através das
freqüentes trocas de visitas presidenciais e ministeriais, tendo em vista a ausência de uma.
agenda política significativa e o decréscimo das relações comerciais e financeiras.
Ao mesmo tempo, ao low profile assumido pelas relações com o Norte correspondeu
um considerável incremento no perfil das relações com o Sul. É o que se pode depreender do
grande impulso dado às relações com a América Latina, que transcende a mera intensificação
dos contatos bilaterais e passa a incorporar iniciativas multilaterais como a aproximação ao
Pacto Andino, um apoio mais firme aos esforços de retomada da integração comercial, via
criação da ALADI, e ainda o impulso à cooperação técnica e econômica com os vizinhos da
fronteira Norte através da implementação do Tratado de Cooperação da Bacia Amazônica.
No caso da política africana, as iniciativas mais significativas haviam se dado na
gestão anterior - da qual Guerreiro participou ativamente, na qualidade de secretário geral do
Itamarati durante a gestão de Azeredo da Silveira - , com a polêmica decisão de
reconhecimento imediato da independência das colônias portuguesas. Neste caso, Guerreiro
deu plena continuidade ao movimento de estreitamento de laços políticos e econômicos com
países africanos.

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Evidentemente, os pontos aqui destacados não esgotam todos os múltiplos aspectos e


iniciativas assumidos pela diplomacia brasileira nos períodos em que Mario Gibson e Saraiva
Guerreiro estiveram à frente do Itamarati. Entretanto, eles são suficientes para demonstrar os
traços de continuidade na evolução contemporânea de nossa política exterior, evidenciando
também diferentes padrões de articulação entre fatores internos e externos. No governo
Médici, a associação entre milagre econômico e autoritarismo político parece ter produzido
uma percepção da atuação externa que reforçava as capacidades do poder nacional, diante de
um contexto internacional favorável. Já no governo Figueiredo, a ênfase recai sobre as
vulnerabilidades e o progressivo estreitamento da margem de manobra do país, enquanto
domesticamente enfrenta-se o esgotamento político e econômico do ciclo militar.

Alexandra de Mello e Silva é pesquisadora do CPDOC e professora da Universidade Estácio


de Sá.

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