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CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA COMÉRCIO E

DESENVOLVIMENTO

SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

3.5 GATT 1994

NAÇÕES UNIDAS
Nova York e Genebra, 2003
NOTA

O Curso sobre Solução de Controvérsias em Comércio Internacional, Investimento


e Propriedade Intelectual consiste de quatro módulos.

Este módulo foi preparado por Stephanie Cartier a pedido da Conferência das Nações
Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). As visões e opiniões
expressadas neste módulo são da autora e não necessariamente aquelas das Nações
Unidas, WTO/OMC, WIPO/OMPI, ICSID, UNCITRAL ou do Advisory Centre em
Direito da OMC.

As designações utilizadas e a apresentação do material não implicam a expressão de


qualquer opinião por parte das Nações Unidas em relação ao status legal de qualquer
país, território, cidade ou áreas ou de suas autoridades, ou relativas à delimitação de
suas fronteiras.

As Nações Unidas detêm os direitos autorais deste documento. O curso também está
disponível em formato eletrônico no website da UNCTAD (www.unctad.org). Cópias
podem ser impressas gratuitamente, no entendimento de que elas serão utilizadas para o
ensino ou estudo e não para um propósito comercial. Requer-se referência apropriada à
fonte.

A versão deste módulo em língua portuguesa foi feita pelo Sr. Rabih Ali Nasser,
participante do Programa de Capacitação de Advogados da Missão Permanente do
Brasil junto às Nações Unidas e outros Organismos Internacionais em Genebra.

UNCTAD/EDM/Misc.232/Add.33

Copyright United Nations, 2003


Todos os direitos reservados

2
ÍNDICE

Nota
O que você vai aprender

1. GATT 1994: COMÉRCIO DE BENS


1.1 O que significa GATT?
1.2 Âmbito de aplicação do GATT 1994
1.3 Estrutura do GATT 1994
1.4 Dispositivos do GATT 1994
1.5 Instrumentos legais adotados sob o GATT 1994
1.6 Entendimentos e o Protocolo de Marrakesh
1.7 A relação entre o GATT 1994 e outros Acordos da OMC
1.7.1 A relação entre o GATT 1994 e os Acordos da OMC
1.7.2 A relação entre o GATT 1994 e outros Acordos no Anexo 1A ao Acordo da OMC
1.8 Teste sua compreensão

2. O PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO NO GATT 1994


2.1 Não discriminação: Definição
2.2 Obrigação do Tratamento da Nação Mais Favorecida : Artigo I:1
2.3 Quando há uma violação da Obrigação do Tratamento da Nação Mais
Favorecida?
2.3.1 Foi conferida uma “vantagem” a produtos importados ou exportados?
2.3.2 Os produtos são “similares”?
2.3.3 A vantagem foi conferida “imediata e incondicionalmente”?
2.4 Obrigação de Tratamento Nacional: Artigo III
2.5 Quando há uma violação da Obrigação de Tratamento Nacional sob o Artigo
III:2, primeira sentença?
2.5.1 Tributos internos foram aplicados?
2.5.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”?
2.5.3 Os produtos importados são tributados “a mais” em relação aos produtos
domésticos?
2.6 Quando há uma violação da Obrigação de Tratamento Nacional sob o Artigo
III:2, segunda sentença?
2.6.1 Tributos internos foram aplicados?
2.6.2 Os produtos importados e domésticos são “diretamente concorrentes ou
substituíveis entre si”?
2.6.3 Os produtos importados e os domésticos “não são tributados da mesma forma”?
2.6.4 A medida de tributação interna é aplicada “de forma a conferir proteção à
produção doméstica”?
2.7 Quando há uma violação da Obrigação de Tratamento Nacional sob o Artigo
III:4?
2.7.1 Foram aplicados leis, regulamentos ou requerimentos afetando a venda e o uso de
produtos?
2.7.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”?
2.7.3 O tratamento foi menos favorável?
2.8 Teste sua compreensão

3. O PRINCÍPIO DO ACESSO A MERCADOS NO GATT 1994


3
3.1 Barreiras ao acesso a mercado: definição
3.2 Tarifas
3.2.1 Concessões tarifárias em Listas
3.2.2 Interpretando concessões tarifárias
3.2.3 Ônus de esclarecer concessões tarifárias
3.2.4 Concessões tarifárias e o GATT 1994
3.3 Restrições Quantitativas
3.3.1 Proibição geral de restrições quantitativas
3.3.2 Exceções à proibição geral
3.3.3 Administração das restrições quantitativas
3.4 Outras obrigações e encargos financeiros
3.5 Outras barreiras não tarifárias
3.6 Publicação e administração de atos normativos relativos ao comércio
3.6.1 Execução apenas após publicação oficial de leis e regulamentos
3.6.2 Administração uniforme, imparcial e razoável de leis e regulamentos
3.7 Teste sua compreensão

4. EXCEÇÕES ÀS DISCIPLINAS DO GATT 1994


4.1 Quais são as exceções gerais ao GATT 1994?
4.1.1 Tipos de medidas enumeradas no Artigo XX
4.1.1.1 Medidas necessárias para proteger a vida e saúde humana, animal e vegetal
4.1.1.2 Medidas sob o Artigo XX(d)
4.1.1.3 Medidas relativas à conservação de recursos naturais esgotáveis
4.1.2 Requisitos do Caput do Artigo XX
4.1.2.1 Discriminação arbitrária ou injustificável
4.1.2.2 Restrição disfarçada ao comércio internacional
4.2 Quais são as exceções de segurança?
4.2.1 Exceções de segurança nacional
4.2.2 Ações sob o capítulo das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança
internacionais
4.3 Medidas de Salvaguarda
4.4 Integração Regional
4.5 Restrições de balança de pagamentos
4.6 Teste sua compreensão

5. PAÍSES-MEMBROS EM DESENVOLVIMENTO NO GATT 1994


5.1 Restrições de balança de pagamentos
5.2 Indústria Nascente
5.3 “Comércio e Desenvolvimento” (Parte IV do GATT 1994)
5.4 Integração Regional
5.5 Teste sua compreensão

6. ESTUDO DE CASO

7. LEITURA ADICIONAL
7.1 Livros e Artigos
7.2 Documentos e Informações

O QUE VOCÊ VAI APRENDER

4
O GATT 1947 está na origem do atual sistema da OMC. Seus princípios básicos,
aplicáveis ao comércio de bens, foram incorporados em outros acordos da OMC que
tratam de outras áreas de comércio, tais como comércio de serviços e comércio de
produtos de propriedade intelectual; e ele também trouxe os primeiros dispositivos
sobre solução de controvérsias, com base nos quais o Sistema de Solução de
Controvérsias da OMC foi construído. Apesar de o GATT 1994 ser apenas um dos
inúmeros acordos sobre “bens” da OMC, sua importância na história do GATT/OMC é
indiscutível. Este Módulo traz um panorama das obrigações contidas no GATT 1994
sobre comércio de bens.

O primeiro Capítulo deste Módulo define o GATT 1994 e seus elementos constitutivos.
O primeiro Capítulo também delimita o âmbito de aplicação do GATT 1994, e examina
sua relação com outros acordos da OMC.

O segundo Capítulo discute a pedra angular de todo o sistema multilateral de comércio,


qual seja o princípio da cláusula da nação mais favorecida no GATT 1994, e explora
suas duas facetas: a obrigação de tratamento da nação mais favorecida e a obrigação de
tratamento nacional.

O terceiro Capítulo trata das barreiras ao comércio de bens relacionadas ao acesso a


mercados e apresenta as obrigações relativas à publicação e administração dos atos
normativos relativos a comércio.

O quarto Capítulo trata das exceções às disciplinas do GATT 1994, quais sejam: as
exceções gerais, as exceções de segurança, e as exceções para a finalidade de aplicar
medidas de salvaguarda, restrições de balanço de pagamentos, e para a finalidade de
realizar acordos regionais de comércio.

Por fim, o quinto Capítulo analisa a posição dos países em desenvolvimento no GATT
1994.

5
1. GATT 1994: COMÉRCIO DE BENS

Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de:

• definir o GATT 1994 e seu âmbito de aplicação;


• listar os elementos constitutivos do GATT 1994; e
• explicar a relação entre o GATT 1994 e outros acordos da OMC.

1.1 O que significa “GATT”?

GATT – O acrônimo “GATT” significa “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio”. É


um acordo entre Estados objetivando eliminar a discriminação e reduzir tarifas e outras
barreiras ao comércio de bens.

Comércio de bens – O GATT estava originalmente, e continua até hoje, relacionado


apenas ao comércio de bens, apesar de seus princípios fundamentais aplicarem-se
atualmente também ao comércio de serviços e aos direitos de propriedade intelectual,
tal como tratados no Acordo Geral sobre Comércio de Serviços e no Acordo TRIPS,
respectivamente. O GATT é um acordo da OMC que trata exclusivamente do comércio
de bens, mas não é o único. Todos os acordos constantes do Anexo 1 A do Acordo de
Marrakesh que estabeleceu a Organização Mundial do Comércio (doravante “Acordo
da OMC”) relacionam-se a aspectos ou setores específicos do comércio de bens.

Os Acordos sobre “Bens” da OMC – Os chamados “acordos sobre bens” da OMC, no


Anexo 1 A do Acordo da OMC, consistem no seguinte1:

Acordo da OMC
Anexo 1
Anexo 1 A: Acordos Multilaterais sobre Comércio de Bens

Acordo sobre Agricultura


Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
Acordo sobre Têxteis e Vestuário
Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio
Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio
Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
1994 (também conhecido como Acordo Anti-Dumping)
Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio 1994 (também conhecido como Acordo sobre Valoração Aduaneira)
Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque
Acordo sobre Regras de Origem
Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações
Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias
Acordo sobre Salvaguardas

GATT 1947 – O GATT foi celebrado em 1947 e agora é chamado de GATT 1947. O
GATT 1947 foi alterado pela última vez em 1965. Mais tarde, disciplinas adicionais
foram acordadas em acordos laterais, tais como os acordos da Rodada Tóquio, que não

1
Favor ver Modulo 3.1, Capítulo 1.1. Vários desses acordos estão tratados em outros Módulos deste
curso.
6
constituíram aditivos ao GATT 1947, mas apenas obrigaram (vincularam) as Partes
Contratantes que se tornaram parte desses acordos laterais2. O GATT 1947 foi
encerrado em 1996. No entanto, todos os seus dispositivos, assim como todos os
instrumentos legais celebrados sob a sua vigência foram integrados ao GATT 1994,
sujeitos aos esclarecimentos trazidos pelos Entendimentos, que também são parte
integrante do GATT 1994.

Terminologia – O acrônimo “GATT” é usado às vezes de forma confusa para descrever


algumas coisas diferentes. Faz-se referência, às vezes, a “Disciplinas do GATT” ou
“Disputas do GATT” para designar obrigações ou disputas relativas a comércio de bens
em vigor atualmente no âmbito da OMC. Entretanto, também se pode fazer referência a
“GATT” para designar o velho sistema multilateral de comércio e/ou o Secretariado
anterior à OMC. Neste Módulo, “GATT” significa apenas as obrigações atualmente em
vigor no GATT 1994.

1.2 Âmbito de Aplicação do GATT 1994

Um acordo da OMC – O GATT 1994 é um dos acordos multilaterais anexados ao


Acordo da OMC. Trata-se de um tratado internacional que vincula todos os Membros
da OMC.

Âmbito de Aplicação – O GATT 1994 trata apenas de comércio de bens. O GATT 1994
busca maior liberalização do comércio de bens por meio de redução de tarifas e outras
barreiras ao comércio, bem como eliminação da discriminação.

GATT 1994 vs. GATS – Em EC-Bananas III, surgiu a questão sobre se o Acordo Geral
sobre Comércio de Serviços (doravante “GATS”) e o GATT 1994 eram acordos
mutuamente excludentes. O Órgão de Apelação afirmou:

“... O GATS não se destinava a tratar do mesmo tema substantivo que o GATT 1994. O
GATS estava destinado a tratar de um tema substantivo não coberto pelo GATT 1994,
qual seja o comércio de serviços. Assim, o GATS se aplica à prestação de serviços. Ele
estabelece, inter alia, tanto o tratamento da nação mais favorecida quanto o tratamento
nacional para serviços e fornecedores de serviços. Considerando o respectivo âmbito
de aplicação dos dois acordos, eles podem ou não se sobrepor, dependendo da
natureza das medidas em questão. Certas medidas poderiam se situar exclusivamente
no âmbito de aplicação do GATT 1994, quando elas afetarem o comércio de bens como
bens. Certas medidas poderiam se situar exclusivamente no âmbito de aplicação do
GATS, quando elas afetarem o fornecimento de serviços como serviços. Há ainda uma
terceira categoria de medidas, que poderiam se situar no âmbito de aplicação de
ambos o GATT 1994 e o GATS. Estas são medidas que envolvem um serviço relativo a
um bem em particular ou um serviço fornecido em conjunção com um bem em
particular. Em todos esses casos, pertencentes à terceira categoria, a medida em
questão poderia ser analisada sob ambos o GATT 1994 e o GATS. No entanto, apesar
da mesma medida poder ser analisada sob ambos os acordos, os aspectos específicos
da medida, examinados sob cada um dos acordos, poderiam ser diferentes. Sob o GATT
1994, o foco está em como a medida afeta os bens envolvidos. Sob o GATS, o foco está
em como a medida afeta o fornecimento de serviços ou os prestadores de serviço
envolvidos. Se determinada medida afetando o fornecimento de serviços relacionado a

2
Para maiores informações sobre a história do GATT, ver Módulo 3.1, Capítulo 1.1.
7
um bem específico será analisada sob o GATT 1994 ou o GATS, ou ambos, é uma
questão que só pode ser resolvida caso a caso.”3

1.3 Estrutura do GATT 1994

Elementos Constitutivos – O GATT 1994 é um acordo peculiar. Ele reúne dispositivos


legais de diferentes fontes. Ele é integrado por dispositivos do GATT 1947, por
instrumentos legais celebrados sob o GATT 1947, por Entendimentos celebrados
durante a Rodada Uruguai sobre a interpretação de dispositivos do GATT 1947, e pelo
Protocolo de Marrakesh sobre Concessões Tarifárias.

Acordo Estabelecendo a Organização Mundial do Comércio

Anexo 1

Anexo 1 A: Acordos Multilaterais sobre Comércio de Bens

GATT 1994:

• Dispositivos do GATT 1947


• Dispositivos de Instrumentos Legais celebrados sob o GATT 1947:
- protocolos e certificações relativas a concessões tarifárias;
- protocolos de acessão;
- derrogações conferidas sob o Artigo XXV do GATT 1947 e ainda em vigor na data de
entrada em vigor do GATT 1994;
- outras decisões das Partes Contratantes do GATT 1947.
• Entendimentos celebrados durante a Rodada Uruguai sobre a interpretação de
certos dispositivos do GATT 1947
• Protocolo de Marrakesh ao GATT 1994

O GATT 1994 incorporou os dispositivos do GATT 1947 na sua íntegra, mas esclarece
a natureza e extensão de algumas obrigações estabelecidas no GATT 1947 por meio dos
chamados “Entendimentos” e outros instrumentos legais, incluindo “outras decisões”
das Partes Contratantes do GATT, que também fazem parte do GATT 1994. Além
disso, altera a linguagem a ser utilizada para se referir às disposições do GATT 1947.
Por exemplo, a expressão “Partes Contratantes” no GATT 1947 agora deve ser lida
como “Membros”. Em particular, as “Notas Explicativas” do Parágrafo 2 estabelecem:

2. Notas Explicativas

(a) As referências a “parte contratante” nos dispositivos do GATT 1994 devem ser
lidas como “Membro”. As referências a “parte contratante menos desenvolvida” e
“parte contratante desenvolvida” serão lidas como “país Membro em
desenvolvimento” e “país Membro desenvolvido”. As referências a “Secretário
Executivo” serão lidas como “Diretor Geral da OMC”.
3
Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Regime para a Importação, Venda e
Distribuição de Bananas (“EC-Bananas III”), WT/DS27/AB/R, adotado em 25 de setembro de 1997,

8
1.4 Dispositivos do GATT 1994

Para. 1(a) GATT 1994 – O Parágrafo 1(a) da linguagem que incorporou o GATT 1994
ao Acordo da OMC estabelece que:

1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (“GATT 1994”) consistirá de:

(a) dispositivos do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, datado de 30 de Outubro de


1947, anexado à Ata Final Adotada no Encerramento da Segunda Sessão do Comitê
Preparatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego
(excluindo o Protocolo de Aplicação Provisória), tais como retificados, aditados ou
modificados pelos termos de instrumentos legais que tenham entrado em vigor antes da
entrada em vigor do Acordo da OMC;...

Os dispositivos do GATT 1947, agora dispositivos do GATT 1994, consistem de 30


artigos – numerados em algarismos romanos – divididos em quatro “partes”.

Parte I – A parte I do GATT 1994 contém o Artigo I, que estipula a obrigação de


tratamento da nação mais favorecida, e o Artigo II, que estabelece as obrigações
aplicáveis às Listas de Concessões de cada Membro da OMC.

Parte II – A parte II inclui os Artigos III a XXIII. O Artigo III estabelece a obrigação de
tratamento nacional. Os Artigos IV a XIX cobrem principalmente medidas não
tarifárias, tais como práticas de comércio desleais (dumping e subsídios à exportação),
restrições quantitativas, restrições por razões de balanço de pagamentos, empresas
comerciais estatais, assistência governamental ao desenvolvimento econômico e
medidas de salvaguarda emergenciais. Adicionalmente, esta parte também lida com
várias questões técnicas relacionadas à aplicação de medidas de fronteira. Os artigos
XX e XXI lidam com possíveis exceções ao GATT 1994, mais especificamente
exceções gerais e aquelas por motivos de segurança. Os Artigos XXII e XXIII tratam de
procedimentos para solução de controvérsias, os quais estão mais detalhados no
Entendimento sobre os Princípios que Governam a Solução de Controvérsias
(doravante “DSU”).

Parte III – A parte III do GATT 1994 consiste dos Artigos XXIV a XXXV. O Artigo
XXIV relaciona-se principalmente a uniões alfandegárias e áreas de livre comércio,
bem como à responsabilidade dos Membros pelos atos dos governos regionais e locais
existentes dentro do seu território. Os Artigos XXVIII e XXVIII (bis) tratam da
negociação e renegociação de concessões tarifárias.

Parte IV – Por fim, a Parte IV do GATT 1994 é intitulada “Comércio e


Desenvolvimento” e objetiva aumentar as oportunidades comerciais para os países
Membros em desenvolvimento, de diversas formas.

Outros Dispositivos – Os dispositivos que tratam da entrada em vigor, acessão,


alterações, retiradas, não-aplicação e ação conjunta não estão mais em vigor porque
foram derrogados pelos dispositivos relevantes similares do Acordo da OMC.

DSR 1997:II, 591, para. 221.


9
1.5 Instrumentos Legais Adotados sob o GATT 1947

Para. 1(b) GATT 1994 – O parágrafo 1(b) da linguagem que incorporou o GATT 1994
ao Acordo da OMC estabelece o seguinte:

1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (“GATT 1994”) consistirá de:

...

(b) dispositivos dos instrumentos legais referidos abaixo, que tiverem entrado em vigor
sob o GATT 1947 antes da data de entrada em vigor do Acordo da OMC:

(i) protocolos e certificações relativas a concessões tarifárias;


(ii) protocolos de acessão (excluindo os dispositivos (a) relacionados à aplicação
provisória e subtração da aplicação provisória e (b) que estabelecem que a Parte II do
GATT 1947 será aplicada provisoriamente na medida em que não seja incompatível
com a legislação existente na data do Protocolo);
(iii) decisões sobre derrogações conferidas sob o Artigo XXV do GATT 1947 e ainda
em vigor na data de entrada em vigor do GATT 1994;
(iv) outras decisões das Partes Contratantes do GATT 1947;...

O efeito da incorporação por referência dos dispositivos desses instrumentos legais no


GATT 1994 é o de manter o seu status anterior sob o GATT 1947, e vincular todos os
Membros da OMC.

Em US-FSC, o Órgão de Apelação afirmou:

“... A inclusão desses “instrumentos legais” no GATT 1947 reconhece que o caráter
jurídico dos direitos e obrigações das partes contratantes sob o GATT 1994 não está
completamente refletido no texto do GATT 1994 porque aqueles direitos e obrigações
estão condicionados por “protocolos”, “decisões” e outros “instrumentos legais” aos
quais o parágrafo 1(b) se refere.”4

Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação declarou que não era toda
decisão das Partes Contratantes do GATT 1947 que constituía uma “outra decisão” no
sentido empregado no parágrafo 1(b)(iv) da linguagem que incorporou o GATT 1994 ao
Acordo da OMC.5 Naquele caso, o Órgão de Apelação concluiu que relatórios de
painéis adotados não constituem “outras decisões”.6 Em US – FSC, o Órgão de
Apelação confirmou as conclusões do Painel de que “outras decisões” não incluíam a

4
Relatório do Órgão de Apelação, EUA – Tratamento fiscal para “Corporações para Vendas ao Exterior”
(“US-FSC”), WT/DS108/AB/R, adotado em 20 de março de 2000, para. 107.
5
Relatório do Órgão de Apelação, Japão – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Japan-Alcoholic
Beverages II”), WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R, adotado em 1º de novembro de
1996, pp. 12-15. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, US – FSC, para. 108.
6
Relatório do Órgão de Apelação, Japan-Alcoholic Beverages II, pp. 12-15. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, US – FSC, para. 108. O Órgão de Apelação justificou que os relatórios de painéis
adotados “não são obrigatórios, exceto em relação à solução da controvérsia entre as partes da disputa
específica”. O Órgão de Apelação afirmou, em última análise, que a decisão de adotar o relatório de um
painel não se destinava, para as Partes Contratantes do GATT 1947, a “caracterizar uma interpretação
definitiva dos dispositivos relevantes do GATT 1947.”
10
ação do Conselho adotando um relatório de painel, como resultado do acordo entre as
partes.7

1.6 Entendimentos e o Protocolo de Marrakesh

Paras. 1(c) e 1(d) GATT 1994 – Os parágrafos 1(c) e 1(d) da linguagem que incorporou
o GATT 1994 ao Acordo da OMC estabelecem:

1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (“GATT 1994”) consistirá:


...
(c) dos Entendimentos relacionados abaixo:

(i) Entendimento para a Interpretação do Artigo II:1(b) do Acordo Geral sobre Tarifas
e Comércio 1994;
(ii) Entendimento para a Interpretação do Artigo XVII do Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio 1994;
(iii) Entendimento sobre Dispositivos sobre Balanço de Pagamentos do Acordo Geral
sobre Tarifas e Comércio 1994;
(iv) Entendimento para a Interpretação do Artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas
e Comércio 1994;
(v) Entendimento a Respeito de Derrogações de Obrigações sob o Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio 1994;
(vi) Entendimento para a Interpretação do Artigo XXVIII do Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio 1994; e

(d) o Protocolo de Marrakesh ao GATT 1994.

Entendimentos – Os seis Entendimentos são documentos jurídicos que foram celebrados


durante a Rodada Uruguai com vistas a esclarecer algumas obrigações estabelecidas no
GATT 1947. Eles se relacionam a seis dispositivos específicos do GATT, quais sejam,
os relacionados às listas de concessões, a empresas comerciais estatais, a exceções
relativas a balanço de pagamentos, a acordos regionais de comércio, a derrogações e à
retirada de concessões.

Alguns desses entendimentos objetivam introduzir obrigações de maior “transparência”,


enquanto outros procuram refinar termos ou parágrafos do referido artigo do GATT. Por
exemplo, o Entendimento sobre o Artigo II:1(b) requer que a natureza e o nível de
quaisquer “outras taxas ou encargos” incidentes sobre itens com tarifa consolidada, tal
como referidos naquele dispositivo, sejam registrados na Lista de Concessões anexada
ao GATT 1994 ao lado do item tarifário ao qual se aplicam. O Entendimento sobre o
Artigo XVII (sobre empresas comerciais estatais) estabelece procedimentos de
notificação e prevê revisões subseqüentes. O Entendimento sobre Dispositivos de
Balanço de Pagamentos procura essencialmente esclarecer as obrigações existentes nos
dispositivos do GATT 1994, mas também dispõe sobre medidas de transparência e
obrigações de consulta. O Entendimento sobre o Artigo XXIV, relativo a acordos
regionais de comércio esclarece alguns dos sub-parágrafos do Artigo XXIV. O
Entendimento sobre Derrogações estabelece os elementos a serem incluídos no pedido
para obtenção de derrogação por um Membro. Finalmente, o Entendimento sobre o

7
Ver também Relatório do Órgão de Apelação, US – FSC, paras. 22 e 114. O articulado do Órgão de
Apelação consta dos parágrafos 107 a 113.
11
Artigo XXVIII (retirada de concessões) define a expressão “interesse principal no
fornecimento” do Artigo XXVIII do GATT 1994.

Protocolo de Marrakesh – Quanto ao Protocolo de Marrakesh ao GATT 1994, trata-se


do instrumento legal que incorpora ao GATT 1994 as Listas de Concessões e os
Compromissos sobre Bens negociados durante a Rodada Uruguai. Ele confirma a
autenticidade dos mesmos e estabelece suas modalidades de implementação.

1.7 A Relação Entre o GATT 1994 e Outros Acordos da OMC

Os dispositivos do GATT 1994 aplicam-se a uma medida sob discussão mesmo quando
os dispositivos de outros acordos da OMC são aplicáveis, na medida em que os
dispositivos do GATT 1994 não conflitarem com qualquer dos dispositivos dos outros
acordos da OMC aplicáveis. Em outras palavras, se não houver conflito, a medida em
questão deverá ser examinada de acordo com todos os dispositivos relevantes dos
diferentes acordos da OMC, incluindo o GATT 1994.

O Órgão de Apelação definiu o termo “conflito” em Guatemala – Cement I.8 Existe um


conflito quando a observância de um dispositivo conduzirá à violação de outro
dispositivo. Seguindo os termos do Órgão de Apelação, um intérprete deve identificar
uma incompatibilidade ou uma diferença entre os dispositivos examinados antes de
determinar qual dos dispositivos prevalecerá.9

No caso de um conflito, e na medida desse conflito, o GATT 1994 nunca prevalece. Os


outros Acordos da OMC sobre comércio de bens contidos no Anexo 1 A do Acordo da
OMC sempre prevalecem sobre o GATT 1994. Ademais, o Acordo da OMC sempre
prevalece sobre qualquer dos acordos multilaterais de comércio, incluindo o GATT
1994 e todos os outros acordos sobre comércio de bens incluídos no Anexo 1 A ao
Acordo da OMC.
1.7.1 A relação entre o GATT 1994 e o Acordo da OMC

Artigo XVI:3 WTO – A relação entre o GATT 1994 e o Acordo da OMC é regulada
pelo Artigo XVI:3 do Acordo da OMC, que prevê:

No caso de conflito entre um dispositivo do Acordo da OMC e um dispositivo de


qualquer dos Acordos Multilaterais de Comércio, o dispositivo do Acordo da OMC
prevalecerá na medida do conflito.

1.7.2 A relação entre o GATT 1994 e outros Acordos do Anexo 1 A ao Acordo da


OMC

Nota interpretativa genérica ao Anexo 1 A – O Anexo 1 A do Acordo da OMC, que


inclui todos os acordos multilaterais de comércio de bens, é introduzido por uma “Nota

8
Relatório do Órgão de Apelação, Guatemala – Investigação Anti-Dumping relativa ao Cimento Portland
do México (“Guatemala – Cement I”), WT/DS60/AB/R, adotado em 25 de novembro de 1998, para. 65.
Apesar de, neste caso, os dispositivos supostamente conflitantes constarem do DSU e do Acordo Anti-
Dumping, a análise do Órgão de Apelação é relevante para determinar se há um “conflito” entre
dispositivos do GATT e dispositivos de outros acordos da OMC.
9
Relatório do Órgão de Apelação, Guatemala –Cement I, para. 65.
12
interpretativa genérica” que confere prevalência aos outros acordos sobre comércio de
bens em relação ao GATT 1994, em caso de conflito, e na medida desse conflito.

Nota interpretativa genérica ao Anexo 1 A

No caso de um conflito entre um dispositivo do [GATT 1994] e um dispositivo de outro


acordo do Anexo 1 A do [Acordo da OMC], o dispositivo do outro acordo deverá
prevalecer na medida do conflito.

Algumas disputas levantaram a questão do conflito entre o GATT 1994 e outros acordos
multilaterais sobre o comércio de bens, constantes do Anexo 1 A do Acordo da OMC.10
Contanto que não haja conflito entre o GATT 1994 e o outro acordo sobre bens, a
medida em questão deve ser examinada à luz de ambos os dispositivos do GATT 1994 e
os dispositivos do outro acordo sobre bens.

1.8 Teste sua Compreensão

1. Qual é a diferença entre o GATT 1994 e o GATT 1947? O GATT 1994 se aplica ao
comércio de serviços?

2. Quais são os elementos constitutivos do GATT 1994?

3. Como um intérprete determina se há um conflito entre os dispositivos do GATT 1994


e os dispositivos de outros acordos da OMC? No caso de um conflito entre dispositivos
do GATT 1994 e aqueles de outros acordos da OMC, quais dispositivos devem
prevalecer?

10
Ver, por exemplo, Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 155; Relatório do Órgão
de Apelação, Argentina – Medidas de Salvaguarda na Importação de Calçados (“Argentina – Footwear
(EC)”), WT/DS121/AB/R, adotado em 12 de janeiro de 2000, paras. 81 e 83; e Relatório do Órgão de
Apelação, Brasil – Medidas Afetando Côco Ralado (“Brazil – Desiccated Coconut”), WT/DS22/AB/R,
adotado em 20 de março de 1997, p. 16.
13
2. O PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO NO GATT 1994

Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de:

• explicar o princípio da não-discriminação no direito do comércio


internacional;
• fazer a distinção entre a obrigação do tratamento da nação mais favorecida
e a obrigação de tratamento nacional;
• identificar e comparar os elementos da obrigação do tratamento da nação
mais favorecida e aqueles da obrigação de tratamento nacional.

2.1 Não-Discriminação: Definição

Não-discriminação – O princípio da não-discriminação, ou, em outras palavras, o


requisito de não tratar de maneira menos favorável quaisquer produtos em relação a
todos os produtos “similares”, independentemente de sua origem ou se eles são
importados ou produzidos localmente, é a pedra angular do sistema multilateral de
comércio da OMC. A obrigação de não-discriminação contribui para assegurar que as
relações comerciais internacionais sejam justas e previsíveis.

2.2 Obrigação de Tratamento da Nação Mais Favorecida: Artigo I:1

Obrigação de tratamento da NMF – A obrigação de tratamento da nação mais


favorecida, comumente conhecida como obrigação de tratamento da NMF, obriga os
Membros da OMC a não discriminar entre produtos originados em ou destinados a
diferentes países. De forma simples, o País A deve, por exemplo, tratar da mesma
forma, ou não discriminar entre o produto proveniente do País B e um produto
“equivalente” proveniente do País C.

Produto b
País B

País A:
Obrigação de não
discriminar entre os
produtos b e c
País C

Produto c

Artigo I:1 GATT 1994 – Mais especificamente, o Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece:

Artigo I

14
Tratamento da Nação Mais Favorecida

1. Com relação às tarifas alfandegárias e taxas de qualquer tipo aplicadas sobre ou em


conexão com a importação ou exportação ou impostas na transferência internacional
de pagamentos por importações ou exportações, e em relação ao método de incidência
de tais tarifas e taxas, e em relação a todas as regras e formalidades relacionadas à
importação e exportação, e em relação a todas as questões referidas nos parágrafos 2 e
4 do Artigo III,* qualquer vantagem, benefício, privilégio ou imunidade concedida
por qualquer [Membro] a qualquer produto originado em ou destinado a qualquer
outro país será conferido imediatamente e automaticamente aos produtos
equivalentes originados em ou destinados aos territórios de todos os outros
[Membros].

Objetivo – O objetivo da obrigação de tratamento da nação mais favorecida é assegurar


igualdade de oportunidades para importar de ou exportar para todos os Membros da
OMC.

2.3 Quando há uma Violação da Obrigação de Tratamento da Nação Mais


Favorecida?

Teste das três fases – O Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece um teste em três fases.
Para determinar se há ou não uma violação da obrigação de tratamento da NMF do
Artigo I:1, três questões devem ser respondidas. Primeiro, a medida em questão confere
uma “vantagem” aos produtos originados em ou destinados aos territórios de todos os
outros Membros? Segundo, os produtos em questão são “similares”? Terceiro, a
vantagem em questão foi concedida “imediata e incondicionalmente” a todos os
produtos similares?

2.3.1 Foi conferida uma “vantagem” a produtos importados ou exportados?

A obrigação de tratamento da NMF relaciona-se a qualquer vantagem conferida, por


meio de uma variedade de medidas, por um Membro a qualquer produto originado em
ou destinado a qualquer outro país. A obrigação de conceder tratamento de NMF não
está restrita a tarifas. O Artigo I:1 do GATT 1994 enumera medidas pelas quais uma
“vantagem” pode ser conferida aos produtos de um país. Elas incluem:

• tarifas e taxas de qualquer tipo impostas em conexão com importação e


exportação;
• o método de imposição dessas tarifas e taxas;
• regras e formalidades relacionadas a importação e exportação;
• tributos internos e taxas incidentes sobre bens importados;
• leis internas, regulamentos e requisitos que afetem as vendas.

“qualquer outro país” – É importante enfatizar que a obrigação de tratamento da NMF


não apenas leva em consideração vantagens conferidas a produtos que tenha origem em
ou sejam destinados para Membros da OMC, mas também vantagens concedidas a
“qualquer outro país”. Assim, se um Membro da OMC confere uma vantagem a
produtos originados em ou destinados a um país não-Membro, o Membro está obrigado
a outorgar a mesma vantagem a todos os Membros da OMC.
15
“vantagem” – Normalmente, dá-se uma definição ampla ao termo “vantagem”, e o
Artigo I:1 do GATT 1994 cobre uma grande variedade de medidas.11 Em especial, ela
inclui as regras e formalidades aplicadas a medidas compensatórias, e aquelas aplicáveis
à revogação de medidas compensatórias, por elas constituírem “regras e formalidades
impostas em conexão com importação”, tal como constantes do Artigo I:1.12 Taxas de
processamento de mercadorias são consideradas “taxas incidentes em ou relacionadas a
importação”, tal como constante do Artigo I:1.13 Regulamentos que condicionem a
suspensão de uma imposição relativa a importação à emissão de um certificado de
autenticidade também estão abrangidas pelo Artigo I:1.14

EC – Bananas III – Em EC – Bananas III, as Comunidades Européias mantiveram as


chamadas “regras da função da atividade” (activity function rules) que impunham
requisitos aos importadores de bananas de certos países, para fazerem jus a quotas
tarifárias que diferiam das aplicadas à importação de bananas de outros países. O Painel
considerou que os requisitos procedimentais e administrativos das “regras da função da
atividade” aplicáveis à importação de bananas de terceiros países e países não
tradicionais da ACP diferiam e iam muito além dos impostos para a importação de
bananas dos países tradicionais da ACP.15 O Órgão de Apelação, apoiando-se na análise
factual do Painel, concluiu que as Comunidades Européias agiram de forma
incompatível com o Artigo I:1 do GATT 1994 por meio de suas “regras da função da
atividade”, porque elas conferiam uma vantagem às bananas importadas de um grupo de
Estados (Estados da ACP), e não às bananas importadas de outros Membros da OMC,
tal como tratado no Artigo I:1.16

Canadá – Automóveis – Em Canada – Autos, o Canadá mantinha uma isenção de tarifa


de importação de veículos automotores, que beneficiava produtores de veículos
automotores que cumprissem certos requisitos relacionados à sua produção de veículos
automotores no Canadá. O Órgão de Apelação enfatizou que:

“O Artigo I:1 requer que ‘qualquer vantagem, benefício, privilégio ou imunidade


concedida por qualquer Membro a qualquer produto originado em ou destinado a
qualquer outro país será conferido imediatamente e automaticamente aos produtos
similares originados em ou destinado aos territórios de todos os outros Membros’.
(grifos nossos) As palavras do Artigo I:1 não se referem a algumas vantagens
garantidas ‘em relação aos’ temas que estão abrangidos pelo âmbito delimitado pelo
Artigo, mas sim a ‘qualquer vantagem’; não a alguns produtos, mas a ‘todo produto’; e
não a produtos similares de alguns outros Membros, mas a produtos similares
originados em ou destinados a ‘todos os outros’ Membros.”17

11
Ver Relatório do Painel, EUA – Negativa de Tratamento da Nação Mais Favorecida a Calçados do
Brasil que não sejam de borracha (“US - Non Rubber Footwear”), adotado em 19 de junho de 1992,
BISD 39S/128, para. 6.9; Relatório do Órgão de Apelação.
12
Relatório do Painel, US – Non Rubber Footwear, para. 6.8.
13
Relatório do Painel, EUA – Taxa do Usuário de Alfândegas (“US – Customs User Fee”), adotado em 2
de fevereiro de 1998, BISD 35S/245, para. 122.
14
Relatório do Painel, Comunidades Econômicas Européias – Importações de Carne Bovina do Canadá
(“EEC – Beef from Canada”), adotado em 10 de março de 1981, BISD 28S/92, paras. 4.2 e 4.3.
15
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 206.
16
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 206.
17
Relatório do Órgão de Apelação, Canadá – Certas Medidas Que Afetam a Indústria Automotiva
(“Canada – Autos”), WT/DS139/AB/R, WT/DS142/AB/R, adotado em 19 de junho de 2000, para. 79.
16
2.3.2 Os produtos são “similares”?

O Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece que uma vantagem conferida a um produto
originado em ou destinado a qualquer outro país será estendida a outros “produtos
similares” originados em ou destinados aos territórios de todos os outros Membros da
OMC.

A obrigação de tratamento de NMF apenas se aplica a “produtos similares”. A


discriminação entre os produtos importados apenas está proibida em se tratando de
produtos “similares”. Portanto, produtos que não são “similares” podem ser tratados de
maneiras diferentes.

Produtos Similares – O conceito de “produtos similares” também é encontrado em


inúmeros outros artigos do GATT 1994, quais sejam Artigos II:2(a), III:2, III:4, VI:1(a),
IX:1, XI:2(c), XIII:1, XV:4 e XIX:1. No entanto, o conceito de “produtos similares”
não está definido em nenhum lugar no GATT 1994. O significado desse conceito foi
examinado em vários relatórios do GATT e da OMC. Aceita-se, em geral, a idéia de
que o conceito de “produtos similares” tem diferentes significados dependendo do
contexto em que é encontrado. Em Japan - Alcoholic Beverages II, o Órgão de
Apelação comparou o conceito de “equivalência” a um acordeão:

“O acordeão da “equivalência” estica e encolhe em diferentes ocasiões, na medida em


que diferentes dispositivos do Acordo da OMC são aplicados. A largura do acordeão
em cada uma dessas ocasiões deve ser determinada pelo dispositivo específico em que
o termo “equivalente” é encontrado, assim como pelo contexto e pelas circunstâncias
que prevalecem em cada caso ao qual o dispositivo pode se aplicar.18”

Critérios – Em Spain – Unroasted Coffee, a questão perante o Painel era sobre se


diferentes tipos de café não-torrado eram “similares” no sentido do Artigo I:1 do GATT
1994. O Painel considerou as características dos produtos, seu uso final e os regimes
tarifários de outros Membros.19

O Painel examinou todos os argumentos que foram apresentados durante os


procedimentos para justificar um tratamento tarifário diferente para vários grupos e
tipos de café não-torrado. Ele observou que esses argumentos se relacionavam
principalmente a diferenças de características resultantes de fatores geográficos,
métodos de cultivo, o processamento da semente, e o fator genético. O Painel não
considerou que tais diferenças eram razão suficiente para um tratamento tarifário
diferente. Ele assinalou que não era incomum que, no caso de produtos agrícolas, o
gosto ou aroma do produto final variasse em função de um ou vários dos fatores acima
mencionados.
Além disso, o Painel considerou relevante para sua análise da questão que o café não-
torrado era principalmente, se não exclusivamente, vendido na forma de misturas,
combinando vários tipos de café, e que o café, no seu uso final, era universalmente
visto como um produto único e bem-definido, feito para ser bebido.

18
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 21.
19
Relatório do Painel, Espanha – Tratamento Tarifário do Café Não-torrado (“Spain – Unroasted
Coffee”), adotado em 19 de junho de 1981, BISD 28S/102, para. 4.11.
17
O Painel observou que nenhuma outra parte contratante aplicava seu regime tarifário
em relação ao café não-torrado e não-descafeinado de forma a submeter diferentes
tipos de café a diferentes tarifas.
Com base nisso, o Painel concluiu que os grãos de café não-torrado e não-
descafeinado listados na Tarifa Alfandegária Espanhola...deveriam ser considerados
como “similares”, no sentido constante do Artigo I:1.20

Finalmente, o Artigo I:1 aplica-se também a produtos que não estão sujeitos a
consolidação tarifária.21

2.3.3 A vantagem foi conferida “imediata e incondicionalmente”?

O Artigo I:1 do GATT 1994 exige que qualquer vantagem conferida por um Membro da
OMC a qualquer país seja estendida “imediata e incondicionalmente” a todos os outros
Membros da OMC. Isso significa que uma vez que um Membro da OMC tenha
conferido uma vantagem a um país, ele não pode impor a outros Membros da OMC
condições para que possam se beneficiar dessa mesma vantagem. O Membro da OMC
deve estender o benefício da vantagem a todos os Membros da OMC
incondicionalmente.

Em US – Non-Rubber Footwear, o Painel explicou:

“O Painel ... considerou que o Artigo I:1 não permite contrabalançar o tratamento
mais favorável em algum procedimento e o tratamento menos favorável em outros. Se
um tal balanceamento fosse aceito, isso possibilitaria a uma parte contratante eximir-
se da obrigação de nação mais favorecida em um caso, em relação a uma parte
contratante, com base na alegação de que ela confere tratamento mais favorável em
algum outro caso, em relação a outra parte contratante. Na visão do Painel, tal
interpretação da obrigação de nação mais favorecida do Artigo I:1 minaria o próprio
objetivo subjacente à incondicionalidade da obrigação.”22

Em Indonesia – Autos, o Painel considerou que sob os programas de automóveis da


Indonésia, os benefícios relativos a tarifas e impostos alfandegários eram condicionais à
obtenção de determinado conteúdo local no automóvel acabado. O Painel concluiu que
essas condições eram incompatíveis com os dispositivos do Artigo I:1, que determina
que vantagens tributárias e alfandegárias conferidas a produtos de um Membro (naquele
caso, a produtos da República da Coréia) sejam acordadas a produtos similares
importados de outros Membros “imediata e incondicionalmente”.23

Em Canada – Autos, o Órgão de Apelação considerou que:

“A medida mantida pelo Canadá confere uma isenção da tarifa de importação a certos
veículos automotores vindos de alguns países. Esses veículos automotores privilegiados
são importados por um número limitado de produtores identificados, que são obrigados

20
Relatório do Painel, Spain – Unroasted Coffee, paras. 4.11 ff.
21
Relatório do Painel, Spain – Unroasted Coffee, para. 4.3.
22
Relatório do Painel, US – Non-Rubber Footwear, para. 6.11.
23
Relatório do Painel, Indonésia – Certas Medidas que Afetam a Indústria Automobilística (“Indonesia –
Autos”), WT/DS54/R, WT/DS55/R, WT/DS59/R, WT/DS64/R e Corr.1, 2, 3, e 4, adotado em 23 de
julho de 1998, DSR 1998:VI, 2201, paras. 14.145-14.146.
18
a alcançar certos requisitos de performance. Na prática, essa medida não confere a
mesma isenção de tarifa de importação, imediata e incondicionalmente, aos veículos
automotores similares vindos de todos os outros Membros, tal como requerido pelo
Artigo I:1 do GATT 1994. A vantagem da isenção de tarifa de importação é conferida a
alguns veículos automotores provenientes de certos países, sem ser conferida a veículos
automotores similares vindos de todos os outros Membros. Dessa forma, concluímos
que essa medida não é compatível com as obrigações do Canadá sob o Artigo I:1 do
GATT 1994.”24

Em US – Certain EC Products, os EUA aumentaram os requisitos impostos sobre certos


produtos importados das Comunidades Européias para assegurar o pagamento das
tarifas adicionais de importação, impostas em retaliação pelo regime de importação de
bananas das CE. O Painel considerou que os requisitos adicionais impostos violavam a
obrigação de tratamento da nação mais favorecida do Artigo I:1 do GATT 1994, uma
vez que era aplicável somente a importações das Comunidades Européias, apesar de
produtos idênticos de outros Membros da OMC não serem sujeitos a tais requisitos
adicionais impostos. O Painel explicou, ainda, que a diferença na regulação (sobre se
um requisito adicional imposto era necessário ou não) não estava baseada em qualquer
característica do produto, mas dependia exclusivamente da origem do produto e visava
exclusivamente algumas importações das Comunidades Européias.25

2.4 Obrigação de Tratamento Nacional: Artigo III

Obrigação de TN – A obrigação de tratamento nacional, normalmente referida como a


obrigação de TN, determina que os Membros da OMC não discriminem produtos
importados após esses produtos terem entrado no mercado doméstico. Em outras
palavras, o País A não deve tratar os produtos importados dos Países B ou C menos
favoravelmente do que seus próprios produtos domésticos “similares”.

Produto b
País B

País A: Produto a
Obrigação de não
discriminar entre
produtos a, b e c

País C

Produto c

24
Relatório do Painel, Canada – Autos, para. 85.
25
Relatório do Painel, EUA – Certos Produtos das CE (“US – Certain EC Products”), WT/DS165/R,
adotado em 17 de julho de 2000, tal como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação,
WT/DS165/AB/R, para. 6.54.
19
Artigo III do GATT 1994 – O Artigo III do GATT 1994 dispõe, na parte relevante:

Artigo III*
Tratamento Nacional em Regulação e Taxação Interna

1. Os [Membros] reconhecem que tributos internos e outros encargos internos, e leis,


regulamentos e requisitos que afetem a venda interna, oferta para venda, compra,
transporte, distribuição ou uso de produtos, e regulamentações quantitativas internas
que requeiram a mistura, processamento ou uso de produtos em quantidades ou
proporções especificadas, não devem ser aplicados a produtos importados ou
domésticos de modo a conferir proteção à produção doméstica.*

2. Os produtos do território de qualquer [Membro] importados para o território de


qualquer outro [Membro] não serão sujeitos, direta ou indiretamente, a tributos
internos ou outros encargos internos de qualquer tipo superiores àqueles aplicados,
direta ou indiretamente, a produtos domésticos similares. Além disso, nenhum
[Membro] aplicará tributos internos ou outros encargos internos a produtos
importados ou domésticos de forma contrária aos princípios estabelecidos no
parágrafo 1.*

...

4. Aos produtos do território de qualquer [Membro] importados para o território de


qualquer outro [Membro] será dado um tratamento não menos favorável do que o
acordado a produtos similares de origem nacional em relação a todas as leis,
regulamentos e requisitos que afetem sua venda interna, oferta para venda, compra,
transporte, distribuição ou uso. O disposto neste parágrafo não impedirá a aplicação
de taxas internas diferenciadas de transporte baseadas exclusivamente na operação
econômica dos modos de transporte e não na nacionalidade do produto.

Objetivo – O Artigo III do GATT 1994 proíbe a discriminação entre produtos


domésticos e produtos importados similares, através de diversas medidas internas
enumeradas no Artigo III:1, em particular,

“... tributos internos e outras taxas internas, e leis, regulamentos e requerimentos que
afetem a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso dos
produtos internamente, bem como regulamentos quantitativos internos que requeiram a
mistura, o processamento ou uso de produtos em quantidades ou proporções
especificadas, ...”

O objetivo do Artigo III:1 é assegurar que tais medidas internas “não deveriam ser
aplicadas a produtos importados ou domésticos de forma a dar proteção à produção
doméstica (artigo III:1)”.26

Japan – Alcoholic Beverages II – Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de


Apelação enfatizou que o objetivo maior e fundamental do Artigo III é evitar o
protecionismo e que com esta finalidade,

26
Artigo III:1 do GATT 1994 e Relatório do Painel, US – Section 337, para. 5.10.
20
“... o Artigo III obriga os Membros da OMC a fornecer igualdade de condições
competitivas para produtos importados em relação a produtos domésticos.”27

Korea – Alcoholic Beverages – Ademais, em Korea – Alcoholic Beverages, o Órgão de


Apelação prosseguiu para explicar que o Artigo III objetiva:

“... evitar o protecionismo, requerendo igualdade de condições de concorrência e


protegendo expectativas de relações concorrenciais equilibradas.”28

Escopo do Artigo III – O Órgão de Apelação também deixou claro que o Artigo III do
GATT 1994, assim como o Artigo I, não está limitado a produtos sujeitos a concessões
tarifárias sob o Artigo II do GATT 1994.29 Entretanto, o Artigo III do GATT 1994 está
apenas relacionado a medidas internas e não a medidas de fronteira.

Medidas Internas X Medidas de Fronteira – O Artigo III apenas se relaciona a medidas


internas, ao passo que outros dispositivos do GATT tratam especificamente de medidas
de fronteira, tal como o Artigo II, sobre concessões tarifárias e o Artigo XX, sobre
restrições quantitativas. Quando a medida é aplicada no tempo ou no ponto de entrada
no país importador, pode ser difícil distinguir medidas de fronteira das medidas
internas. Ad Nota ao Artigo III especifica:

“Qualquer tributo ou outra taxa interna, ou qualquer lei, regulamento ou requisito do


tipo referido no parágrafo 1, que se aplica a um produto importado e ao produto
doméstico similar, e é coletado ou imposto, no caso do produto importado, no momento
ou no local da importação, deve ainda assim ser visto como um imposto ou outra taxa
interna, ou uma lei, regulamento ou requisito do tipo referido no parágrafo 1, e está
por conseqüência sujeito aos dispositivos do Artigo III.”

Por exemplo, o banimento de um produto na fronteira em função do desatendimento a


padrões de saúde pública cairia sob o Artigo III, e não sob o Artigo XI, apesar do fato
de o Artigo XI tratar especificamente de restrições quantitativas, incluindo o banimento
de importações. No entanto, pode haver violações de ambos os Artigos III e XI em um
mesmo conjunto de fatos.30

Artigos III:2 e III:4 do GATT 1994 – O princípio geral de não discriminação do Artigo
III:1 informa o restante do Artigo III. Os parágrafos seguintes do Artigo III estabelecem
obrigações específicas de não discriminação. O Artigo III:2 do GATT 1994 relaciona-se
especificamente à tributação interna, enquanto que o Artigo III:4 trata de
regulamentações internas. Uma distinção adicional deve ser feita. No Artigo III:2, a

27
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 16. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, Coréia – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Korea - Alcoholic Beverages”),
WT/DS75/AB/R, WT/DS84/AB/R, adotado em 17 de fevereiro de 1999, para. 119; Relatório do Órgão
de Apelação, Chile – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Chile – Alcoholic Beverages”),
WT/DS87/AB/R, WT/DS110/AB/R, adotado em 12 de janeiro de 2000, para. 67; Relatório do Órgão de
Apelação, Comunidades Européias – Medidas Afetando Asbestos e Produtos que Contêm Asbestos (“EC
– Asbestos”), WT/DS135/AB/R, adotado em 5 de abril de 2001, para. 97 e Relatório do Painel, Indonesia
– Autos, para. 14.108.
28
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120.
29
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 16-17.
30
Relatório do Painel, Índia – Medidas que Afetam o Setor Automobilístico (“India – Autos”),
WT/DS146/R, WT/DS175/R e Corr.1, adotado em 5 de abril de 2002, para. 8.1.
21
obrigação de não discriminação relativa à tributação interna aplica-se não apenas a
“produtos similares” (primeira sentença), mas também a “produtos diretamente
comparáveis ou substituíveis” (segunda sentença). Em contraste, a obrigação de não
discriminação relativa a regulamentações internas aplica-se apenas a “produtos
similares”.

Artigo III:1 do GATT 1994 – A relação entre os Artigos III:1, III:2 e III:4 do GATT
1994 foi examinada pelo Órgão de Apelação. O Artigo III:1 prevê o princípio geral de
que medidas internas não devem ser aplicadas de forma a dar proteção à produção
doméstica. Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação esclareceu que a
função desse “princípio geral” é de “informar o restante do Artigo III”. O Órgão de
Apelação prosseguiu afirmando que:

“O propósito do Artigo III:1 é estabelecer este princípio geral como um guia para o
entendimento e interpretação das obrigações específicas contidas no Artigo III:2 e nos
outros parágrafos do Artigo III, ao mesmo tempo respeitando, e não reduzindo de
nenhuma forma, o significado das palavras efetivamente usadas nos textos daqueles
outros parágrafos.”31

As Seções abaixo examinam mais detidamente as obrigações contidas nos Artigos III:2,
primeira sentença, Artigo III:2, segunda sentença, e Artigo III:4 do GATT 1994.

2.5 Quando Há uma Violação da Obrigação de Tratamento Nacional, sob o Artigo


III:2, primeira sentença?

Artigo III:2, primeira sentença, do GATT 1994 – O Artigo III:2, primeira sentença,
estabelece:

“Os produtos do território de qualquer [Membro] importados para o território de


qualquer outro [Membro] não estarão sujeitos, direta ou indiretamente, a tributos
internos ou outras taxas internas de qualquer tipo acima daqueles aplicados, direta ou
indiretamente, aos produtos domésticos similares.”

Teste de duas fases – Como afirmado anteriormente, o Artigo III:2 relaciona-se apenas
a “tributo interno ou outra taxa interna de qualquer tipo”. Uma vez que a medida em
questão é um “tributo interno ou outra taxa interna de qualquer tipo”, o Artigo III:2,
primeira sentença, estabelece um teste em duas fases, que significa que duas questões
devem ser respondidas para determinar se há uma violação do Artigo III:2, primeira
sentença:

(1) Se os produtos importado e doméstico são “produtos similares”; e


(2) Se a tributação dos produtos importados é superior à tributação dos produtos
domésticos.32

31
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p.18.
32
Tal como refletido nos relatórios do Painel e do Órgão de Apelação em Canada – Periodicals, p. 20.
22
Ausência de Conclusão Separada sob o Artigo III:1 – O Órgão de Apelação concluiu
que não é necessário verificar uma aplicação protetora da medida interna de tributação,
de acordo com o Artigo III:1, separadamente dos elementos ou requisitos específicos do
Artigo III:2, primeira sentença.33 Como o Órgão de Apelação explicou, isto não
significa que o princípio geral contra o protecionismo do Artigo III:1 não se aplica ao
Artigo III:2, primeira sentença, mas sim que o Artigo III:2 é, efetivamente, uma
aplicação do princípio geral contra o protecionismo.34 O Painel de Argentina – Hides
and Leather esclareceu que sempre que produtos importados do território de um
Membro estão sujeitos a tributos superiores àqueles aplicados aos produtos similares no
território de outro Membro, isto é considerado “uma proteção à produção doméstica”
nos termos do Artigo III:1.35

2.5.1 Tributos internos foram aplicados?

Tributos Internos – O Artigo III:2, primeira sentença, trata apenas de “tributos internos
e outras taxas de qualquer tipo” aplicadas “direta ou indiretamente” em produtos.
Tributos internos sobre produtos, tais como imposto de valor agregado (IVA), impostos
sobre vendas e impostos de consumo estão cobertos pelo Artigo III:2, primeira
sentença. No entanto, impostos sobre a renda ou impostos de importação não estão
cobertos pelo Artigo III:2, uma vez que não constituem tributos internos sobre produtos.
Se tributos internos são “aplicados direta ou indiretamente” sobre produtos, deve ser
entendido como significando se tributos internos foram aplicados “sobre ou em relação
a” produtos. O termo “taxas” indica um “ônus pecuniário” ou uma “obrigação de pagar
dinheiro imposta a uma pessoa”.36

Dispositivos impondo penalidades conjugados com requisito de conteúdo local podem


ser qualificados como “tributos internos ou outras taxas de qualquer tipo” nos termos do
Artigo III:2, primeira sentença.37 Depósitos de segurança não são medidas fiscais se não
forem aplicados a um requisito de compra.38 Ajustes em tributos de fronteira são
medidas fiscais pelas quais o país exportador abre mão ou reembolsa tributos e o país
importador impõe tributos de acordo com o princípio da destinação. Eles possibilitam
que os produtos exportados sejam desonerados de uma parte ou de todo o imposto
cobrado, no país exportador, em relação a produtos domésticos similares vendidos a
consumidores no mercado de origem. Eles também possibilitam que produtos
importados vendidos a consumidores sejam onerados com uma parte ou com todo o
imposto cobrado no país importador em relação a produtos domésticos similares. Esses
ajustes nos impostos de fronteira se inserem no âmbito de aplicação do Artigo III:2.39

Ausência de Teste sobre Objetivo e Efeito – O objetivo perseguido pelo governo que
impõe a medida tributária não é relevante para determinar se a medida constitui um
33
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 18-19.
34
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 18-19.
35
Relatório do Painel, Argentina – Medidas que Afetam a Exportação de Peles Bovinas e a Importação
de Couro Acabado (“Argentina – Hides and Leather”), WT/DS155/R e Corr. 1, adotado em 16 de
fevereiro de 2001, para. 11.137.
36
New Shorter Oxford English Dictionary, Vol. 1, Oxford (1993), p. 374.
37
Relatório do Painel, EUA – Medidas que Afetam a Importação, Venda e Uso do Tabaco, (“US -
Tobacco”), adotado em 4 de outubro de 1994, DS44/R, para. 82.
38
Relatório do Painel, Medidas da Comunidade Econômica Européia sobre Proteínas para Ração Animal
(“EEC – Animal Feed Proteins”), adotado em 14 de março de 1978, BISD 25S/49, para. 4.4.
39
Ver Relatório do Grupo de Trabalho, Ajuste de Impostos de Fronteira, adotado em 2 de dezembro de
1970, BISD 18S/97.
23
tributo interno nos termos do Artigo III:2. Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão
de Apelação afirmou que Membros podem perseguir qualquer objetivo por meio de suas
medidas tributárias, contanto que eles o façam de acordo com o disposto no Artigo III:2.

Medidas de Administração Tributária – Em Argentina – Hides and Leather, a Argentina


requisitava o pré-pagamento de certos impostos na importação de bens. O Painel
concluiu que tal “pré-pagamento” constituía um mecanismo para a coleta dos impostos
que também previa a imposição de taxas.40 O Painel concluiu que a medida tributária
não era destinada a atingir uma eficiente administração e coleta tributária, mas sim que
tomava a forma de uma “taxa interna” aplicada a produtos e, portanto, se enquadrava no
Artigo III:2, primeira sentença. Portanto, medidas de “administração tributária” não
estão sempre excluídas do Artigo III:2. Elas precisam ser examinadas de perto.41

2.5.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”?

Produtos Similares – A obrigação de tratamento nacional constante do Artigo III:2,


primeira sentença, apenas se aplica a “produtos similares”. O conceito de “produtos
similares” não está definido em nenhum lugar no GATT 1994, e ele não contém
nenhuma orientação sobre as características que devem ser consideradas ao se
determinar a “similaridade”. No entanto, inúmeros relatórios de solução de
controvérsias do GATT e da OMC examinaram e aplicaram o conceito de “produtos
similares” no Artigo III:2, primeira sentença.
Japan – Alcoholic Beverages II – Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de
Apelação examinou em detalhes o escopo do conceito de “produtos similares” nos
termos do Artigo III:2, primeira sentença. A questão era se shochu e vodka poderiam ser
considerados “produtos similares”. O Órgão de Apelação optou por uma interpretação
restritiva do conceito de “produtos similares” na primeira sentença do Artigo III:2:

“Pelo fato de a segunda sentença do Artigo III:2 estabelecer uma consideração


separada e distinta do aspecto protetor de uma medida ao examinar sua aplicação a
um conjunto mais amplo de produtos que não são “produtos similares” tal como
previsto na primeira sentença, nós concordamos com o Painel que a primeira sentença
do Artigo III:2 deve ser interpretada de forma restritiva, de forma a não condenar
medidas que seus termos estritos não se destinam a condenar. Consequentemente, nós
também concordamos com o Painel no sentido de que a definição de “produtos
similares” no Artigo III:2, primeira sentença, deve ser interpretada restritivamente.”42

O Órgão de Apelação também confirmou a forma básica de determinar “similaridade”


constante no Relatório do Grupo de Trabalho sobre Ajustes nas Tarifas Alfandegárias
(Border Tax Adjustments), de 1970.

“... a interpretação do termo deve ser examinada caso a caso. Isto permitiria uma
análise justa em cada caso dos diferentes elementos que constituem um produto
“similar”. Alguns critérios foram sugeridos para determinar, na base do caso a caso,
se um produto é “similar”: os usos finais do produto em determinado mercado; os

40
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.143.
41
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.144.
42
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
24
hábitos e gostos dos consumidores, que variam de país para país; as propriedades,
natureza e qualidade do produto.”43

Mesmo reconhecendo a utilidade desse método em Japan – Alcoholic Beverages, o


Órgão de Apelação enfatizou que o alcance de “produtos similares” no Artigo III:2,
primeira sentença, deveria ser mais restrito do que a variedade de produtos contemplada
em alguns outros dispositivos do GATT 1994 e outros Acordos Multilaterais de
Comércio do Acordo da OMC.44 O Órgão de Apelação também afirmou que determinar
se produtos são “similares” sempre envolve “um inevitável elemento de julgamento
discricionário, individual”.45 O Órgão de Apelação afirmou ainda que “nenhum método
de julgamento será apropriado para todos os casos. Os critérios em Ajustes de Tarifas
Alfandegárias devem ser examinados, mas não pode haver nenhuma definição precisa e
absoluta do que é “similar”.”46

Ausência de Teste sobre Objetivo e Efeito – Dois Relatórios de Painéis tentaram


introduzir o teste sobre objetivo e efeito para analisar a similaridade de produtos,
decidindo que para determinar se dois produtos sujeitos a tratamento diferenciado são
similares, é necessário considerar se a diferenciação de produto em questão estava
sendo feita “de forma a conferir proteção à produção doméstica”.47 Este método de
aproximação foi explicitamente rejeitado em 1996 pelo Painel em Japan – Alcoholic
Beverages II,48 e o Órgão de Apelação também confirmou, implicitamente, a rejeição do
teste sobre objetivo e efeito pelo Painel.49

Em Japan – Alcoholic Beverages, o Painel concluiu que shochu e vodka eram


“similares” com base no seguinte raciocínio:

Exemplo de Análise de Similaridade - “... O Painel notou que vodka e shochu


compartilhavam a maioria das características físicas. Na visão do Painel, exceto por
filtração, há praticamente identidade na definição dos dois produtos. O Painel notou
que a diferença na característica física do teor alcoólico de dois produtos não afasta
uma conclusão pela similaridade, especialmente porque bebidas alcoólicas são muitas
vezes ingeridas sob a forma diluída. O Painel observou, então, que essencialmente
chegou-se à mesma conclusão no Relatório do Painel de 1987, que

“... concordou com os argumentos apresentados a ele pelas Comunidades Européias,


Finlândia e Estados Unidos de que o shochu Japonês (Grupo A) e a vodka poderiam
ser considerados produtos “similares”, nos termos do Artigo III:2 porque eles eram

43
Relatório do Grupo de Trabalho, Ajustes de Tarifas Alfandegárias, para. 18 e Relatório do Órgão de
Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
44
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
45
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
46
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
47
Ver Relatório do Painel, Estados Unidos – Medidas Afetando Bebidas Alcoólicas e Maltadas (“US –
Malt Beverages”), adotado em 19 de junho de 2002, BISD 39S/206, paras. 5.25 e 5.26 e o Relatório de
Painel não adotado, Estados Unidos – Impostos sobre Automóveis (“United States – Automobile
Taxes”), circulado em 11 de outubro de 1994, DS31/R, paras. 5.8 ff.
48
Ver Relatório do Painel, Japão – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Japan – Alcoholic Beverages
II”), WT/DS8/R, WT/DS10/R, WT/DS11/R, adotado em 1o de novembro de 1996, tal como modificado
pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R, DSR 1996:1,
125.
49
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 16.
25
ambos destilados brancos/limpos, feitos de matérias primas similares, e os usos finais
eram praticamente idênticos”.

Após sua análise independente dos fatores mencionados no Relatório do Painel de


1987, o Painel concordou com essa declaração. ... [O Painel] observou que (i) vodka e
shochu estavam classificados sob o mesmo título nas tarifas Japonesas, (apesar de sob
a nova classificação do Sistema Harmonizado (SH), que entrou em vigor em 1o de
janeiro de 1996 e que o Japão planeja implementar, shochu aparece sob o título
tarifário 2208.90 e vodka sob o título tarifário 2208.60); e (ii) vodka e shochu estavam
cobertos pelo mesmo compromisso tarifário Japonês ao tempo da negociação. Dos
produtos em questão neste caso, apenas shochu e vodka têm a mesma tarifa aplicada a
eles no anexo tarifário Japonês (ver Anexo 1). O Painel notou que, com relação à
vodka, o Japão não ofereceu provas adicionais convincentes de que a conclusão a que
se chegou no Relatório de Painel de 1987 estava errada, e nem mesmo de que tinha
havido uma mudança nas preferências dos consumidores em relação a esse aspecto. ...
Consequentemente, à luz da conclusão do Relatório do Painel de 1987 e da sua análise
independente da questão, o Painel concluiu que vodka e shochu são produtos similares.
Na visão do Painel, apenas vodka poderia ser considerada como produto similar a
shochu uma vez que, além de comunidade de usos finais, ela compartilhava com shochu
a maioria das características físicas. Em termos de definição, a única diferença está na
meio usado para filtração. Diferenças substanciais notáveis, em relação a
características físicas, existem entre o restante das bebidas alcoólicas em disputa e
shochu, que os desqualificariam de serem vistos como produtos similares. Mais
especificamente, o uso de aditivos desqualificaria licores, gin e genever; o uso de
ingredientes desqualificaria o rum; finalmente, aparência (decorrente de processos de
fabricação) desqualificaria whisky e brandy...”50

Classificação tarifária e compromissos tarifários – No uso de classificação tarifária para


determinar “similaridade”, o Órgão de Apelação explicou, na apelação de Japan –
Alcoholic Beverages II, que uma classificação tarifária uniforme de produtos, se
suficientemente detalhada, pode ser relevante para determinar o que são “produtos
similares”. A classificação uniforme em nomenclaturas tarifárias baseadas no Sistema
Harmonizado (o “SH”) foi reconhecida na prática do GATT 1947 como fornecedora de
uma base útil para confirmar “similaridade” de produtos. No entanto, em relação a
compromissos tarifários, o Órgão de Apelação alertou:

“Há uma grande diferença entre nomenclatura de classificação tarifária e


compromissos ou concessões tarifárias feitas pelos Membros da OMC sob o Artigo II
do GATT 1994. Há riscos em usar compromissos tarifários muito amplos como uma
medida da “similaridade” entre produtos. Muitos dos países menos desenvolvidos
Membros da OMC apresentaram listas de concessões e compromissos, como anexos ao
GATT 1994, pela primeira vez, como requerido pelo Artigo XI do Acordo da OMC.
Muitos desses países menos desenvolvidos, assim como outros países em
desenvolvimento, têm compromissos em seus anexos que incluem ampla variedade de
produtos, que estão espalhados por vários títulos tarifários do SH. Por exemplo, muitos
desses países têm compromissos uniformes muito amplos em produtos não-agrícolas.
Isso não necessariamente indica similaridade dos produtos cobertos pelo
compromissos. Ao contrário, representa os resultados de concessões comerciais
negociadas entre os Membros da OMC.

50
Relatório do Painel, Japan – Alcoholic Beverages II, para. 6.23.
26
É verdade que há inúmeros compromissos tarifários que são, de fato, extremamente
precisos em relação à descrição de produto e que, portanto, podem fornecer orientação
significativa em relação à identificação de “produtos similares”. Claramente, essas
determinações precisam ser feitas na base do caso a caso. No entanto, compromissos
tarifários que incluem uma ampla gama de produtos não são um critério confiável para
determinar ou confirmar a “similaridade” de produtos sob o Artigo III:2.51

2.5.3 Os produtos importados são tributados “a mais” em relação aos produtos


domésticos?

O Artigo III:2, primeira sentença, estabelece que tributos internos sobre produtos
importados não devem ser “superiores aos” tributos internos aplicáveis a produtos
“similares” domésticos.

Ausência de Patamar Mínimo – Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de


Apelação julgou que “mesmo o menor valor a mais é muito”.52 O Órgão de Apelação
acrescentou que o Artigo III:2, primeira sentença, não requer que seja aplicado um
“teste de efeitos comerciais”, e tampouco estipula um padrão de minimis.53

Relação Concorrencial Igualitária – Com relação à ausência de um “teste de efeitos


comerciais”, o Órgão de Apelação afirmou:

“... é irrelevante que os “efeitos comerciais” do diferencial tributário entre produtos


importados e domésticos, tal como refletidos nos volumes de importações, sejam
insignificantes ou mesmo inexistentes; o Artigo III protege expectativas não de
qualquer volume de comércio em particular, mas sim da relação concorrencial
igualitária entre produtos importados e domésticos.”

Na ausência de um padrão de minimis, o Painel concluiu em US – Superfund:

Ausência de padrão de minimis – A alíquota do tributo aplicado aos produtos


importados é 3,5% por barril mais alta do que a alíquota aplicada aos produtos
domésticos similares ... O imposto sobre petróleo é ... incompatível com as obrigações
dos Estados Unidos sob o Artigo III:2.54

Em Argentina – Hides and Leather, o Painel rejeitou o argumento de que o diferencial


de ônus tributário entre os produtos importados e domésticos somente existiria por um
período de 30 dias e que, portanto, era de minimis.55 Naquele caso, a disputa dizia
respeito ao sistema Argentino de coleta de impostos, que exigia o pré-pagamento de
impostos em relação a todas as operações de importação, mas apenas em relação a
vendas internas realizadas por certas pessoas tributadas, denominadas “agentes de
percepción”. O Painel decidiu que a identidade e as circunstâncias das pessoas
envolvidas nas operações de venda não poderiam servir de justificativa para

51
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 21-22.
52
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 23.
53
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 23.
54
Relatório do Painel, Estados Unidos – Impostos sobre Petróleo e Determinados Produtos Importados
(“US – Superfund”), adotado em 17 de junho de 1987, BISD 34S/136, para. 5.1.1.
55
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.245.
27
diferenciações em relação ao ônus tributário.56 O Painel também sustentou que o Artigo
III:2, primeira sentença, requer a comparação dos ônus tributários efetivos.
Relembrando o propósito do Artigo III:2, primeira sentença, que é o de assegurar
igualdade de condições de concorrência entre produtos importados e os produtos
domésticos similares, o Painel explicou que esse Artigo preocupa-se com o impacto
econômico nas oportunidades concorrenciais dos produtos importados e domésticos
similares, e não com impostos ou taxas, por si só, ou com os objetivos de política
perseguidos com eles.57 Assim, na visão do Painel, ônus tributários impostos sobre os
produtos taxados deveriam ser objeto de comparação.58 O Painel afirmou:

“... Fosse diferente, os Membros poderiam facilmente fugir dessas disciplinas. Assim,
mesmo onde produtos importados e produtos domésticos similares estão sujeitos a
idênticas alíquotas de impostos, o ônus tributário efetivo pode, ainda assim, ser mais
pesado sobre os produtos importados. Isto poderia acontecer, por exemplo, nos casos
em que diferentes métodos de cômputo da base de incidência tributária levam a um
maior ônus tributário efetivo sobre os bens importados.59”

Deve-se notar que o Painel em EEC – Animal Feed Proteins determinou que uma
regulação interna que meramente expõe produtos importados a um risco de
discriminação constitui, por si só, uma forma de discriminação nos termos do Artigo
III.60

Em Argentina – Hides and Leather, o Painel também decidiu que o Artigo III:2,
primeira sentença, não permite aos Membros contrabalançar um tratamento tributário
mais favorável para produtos importados em alguns casos com um tratamento tributário
menos favorável em outros casos.61

Finalmente, em Indonesia – Autos, o Painel considerou que diferenças em impostos que


são baseadas apenas na nacionalidade dos produtores ou na origem de partes e
componentes contidas nos produtos são incompatíveis com a obrigação de tratamento
nacional do Artigo III:2, primeira sentença.

2.6 Quando Existe uma Violação da Obrigação de Tratamento Nacional, sob o


Artigo III:2, segunda sentença?

O Artigo III:2, segunda sentença, estabelece:

Artigo III:2, segunda sentença, GATT 1994 – “Ademais, nenhum [Membro] deverá de
outro modo aplicar taxas internas ou outros encargos internos para produtos
importados ou domésticos de maneira contrária aos princípios estabelecidos no
parágrafo 1.”

Como discutido anteriormente, o Artigo III:1 antecipa o princípio geral de que impostos
internos ou outros encargos internos:

56
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.220.
57
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.182.
58
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.182.
59
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.183.
60
Relatório do Painel, EEC – Animal Feed Proteins, paras. 5.57, 5.60 e 5.76.
61
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.260.
28
“... não deveriam ser aplicados a produtos importados ou domésticos de modo a
conferir proteção à produção doméstica.”

Além disso, Nota ao Artigo III estabelece que:

“[uma] taxa que se conforme aos requisitos da primeira sentença do parágrafo 2 seria
considerada como incompatível com as disposições da segunda sentença apenas em
casos onde a concorrência estaria envolvida entre, por um lado, o produto taxado e,
por outro lado, um produto diretamente concorrente ou substituível o qual não tenha
sido similarmente taxado.”

Ordem de análise – o Artigo III:2, segunda sentença, pode somente ser utilizado se a
medida em questão for incompatível com o Artigo III:2, primeira sentença. Portanto,
deve-se sempre aplicar primeiro o teste sob o Artigo III:2, primeira sentença. Se a
resposta à questão for negativa, então há uma necessidade de examinar mais adiante se a
medida é incompatível com o Artigo III:2, segunda sentença.62 O Órgão de Apelação
expressou em duas ocasiões que o Artigo III:2, segunda sentença, contempla uma
“categoria mais ampla de produtos” do que o Artigo III:2, primeira sentença.63

Teste de três fases – como constatado anteriormente, o Artigo III:2 envolve apenas
“taxa interna ou outro encargo interno de qualquer tipo”. Uma vez que a medida em
questão é uma “taxa interna ou outro encargo interno de qualquer tipo”, e depois que ela
foi determinada como não sendo incompatível com a primeira sentença do Artigo III, a
segunda sentença do Artigo III proporciona um teste diferente. Ele é um teste de três
fases, o que significa que três questões devem ser respondidas para determinar se há
uma violação do Artigo III:2, segunda sentença. Em Japan – Alcoholic Beverages, o
Órgão de Apelação expressou:

“Diferentemente do Artigo III:2, primeira sentença, a linguagem do Artigo III:2,


segunda sentença, invoca especificamente o Artigo III:1. O significado desta distinção
reside no fato de que enquanto o Artigo III:1 age implicitamente ao abordar as duas
questões que devem ser consideradas ao aplicar a primeira sentença, o mesmo Artigo
III:1 age explicitamente como uma questão inteiramente separada que deve ser
abordada junto com duas outras questões que são levantadas ao aplicar a segunda
sentença. Dando-se significado total ao texto e a este contexto, três questões em
separado devem ser abordadas para determinar se uma medida de taxação interna é
incompatível com o Artigo III:2, segunda sentença. Estas três questões são se:
(1) os produtos importados e os produtos domésticos são ‘produtos diretamente
concorrentes ou substituíveis’ que estão em concorrência entre si;
(2) os produtos importados e domésticos, diretamente concorrentes ou substituíveis,
‘não são similarmente taxados’; e
(3) a taxação não-similar dos produtos importados e domésticos, diretamente
concorrentes ou substituíveis, é ‘aplicada de modo a sustentar proteção à produção
doméstica’.

62
Relatório do Órgão de Apelação, Canadá – Certas Medidas Relativas a Periódicos (“Canada –
Periodicals”), WT/DS31/AB/R, adotado em 30 de julho de 1997, pp. 22-23.
63
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 25; Relatório do Órgão de
Apelação, Canada – Periodicals, p. 19.
29
Novamente, estas são três questões separadas. Cada uma deve ser estabelecida
separadamente pelo demandante a um Painel para constatar se uma medida de taxação
imposta por um Membro da OMC é incompatível com o Artigo III:2, segunda
sentença.”64

2.6.1 Taxas internas foram aplicadas?

Tanto a primeira como a segunda sentenças do Artigo III:2 envolvem “taxas internas ou
outros encargos internos”. Esta frase tem sido interpretada de modo consistente não
obstante a sua posição na primeira ou na segunda sentenças do Artigo III. O Capítulo
2.5.1 acima inclui a discussão sobre essa frase.

2.6.2 Os produtos importados ou domésticos são “diretamente concorrentes ou


substituíveis entre si”?

“diretamente concorrentes ou substituíveis” – A obrigação de tratamento nacional no


Artigo III:2, segunda sentença, aplica-se a “produtos diretamente concorrentes ou
substituíveis entre si”, que é uma categoria mais ampla do que “produtos similares” no
Artigo III:2, primeira sentença.

Substitutibilidade não-perfeita – Em Canada – Periodicals, o Órgão de Apelação


entendeu que produtos não precisam ser perfeitamente substituíveis entre si a fim de
serem “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”, pois um caso de
“substitutibilidade perfeita” cairia sob o Artigo III:2, primeira sentença.65

Primeira e segunda sentenças do Artigo III:2 – Sobre a relação entre o conceito de


“produtos similares” do Artigo III:2, primeira sentença, e o conceito de “diretamente
concorrentes ou perfeitamente substituíveis entre si” do Artigo III:2, segunda sentença,
o Órgão de Apelação expressou:

“Produtos ‘similares’ são um sub-sistema de produtos diretamente concorrentes ou


perfeitamente substituíveis entre si: todos os produtos similares são, por definição,
diretamente concorrentes ou perfeitamente substituíveis entre si, enquanto que nem
todos os produtos ‘diretamente concorrentes ou substituíveis’ são ‘similares’. A noção
de produtos similares deve ser construída estreitamente mas a categoria de diretamente
concorrentes ou substituíveis é mais ampla. Enquanto produtos perfeitamente
substituíveis caem sob o Artigo III:2, primeira sentença, produtos imperfeitamente
substituíveis podem ser avaliados pelo Artigo III:2, segunda sentença.”66

Korea – Alcoholic Beverages – Em Korea – Alcoholic Beverages, o Órgão de Apelação


expressou que ele considera produtos como “diretamente concorrentes ou perfeitamente
substituíveis entre si” quando eles são intercambiáveis ou se eles oferecem meios
alternativos de satisfazer uma necessidade ou um gosto particular.67 O Órgão de
Apelação também disse que, ao examinar se produtos são “diretamente concorrentes ou

64
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 24. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, pp. 24-25, e Relatório do Órgão de Apelação, Chile –
Alcoholic Beverages, par. 47.
65
Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, p. 28.
66
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 118.
67
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 114-116.
30
perfeitamente substituíveis entre si”, uma análise de demanda latente e existente é
requerida, uma vez que a “concorrência no mercado é um processo dinâmico e em
evolução”.68 Além disso, o Órgão de Apelação lembrou que Painéis anteriores
reconheceram que o comportamento do consumidor poderia ser influenciado por
taxação interna protecionista, e concluiu que isso poderia ser altamente relevante para
examinar demanda latente.69

Critérios – Quanto aos fatores a serem levados em consideração ao estabelecer se os


produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”, eles incluem, além de
suas características físicas, comunidade de usos finais e classificações tarifárias, a
natureza dos produtos comparados e as condições de concorrência no mercado
relevante.70

Korea – Alcoholic Beverages – Em Korea – Alcoholic Beverages, o Órgão de Apelação


considerou um exame das condições de concorrência no mercado, bem como a
elasticidade da demanda daquele mercado em função do preço, como um meio de
estabelecer se produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”.71
Estudos sobre elasticidade em função do preço tentam prever a mudança na demanda
que resultasse da mudança de preço de um produto, decorrente, inter alia, de uma
mudança em relativos encargos tarifários sobre produtos importados e domésticos.72
Contudo, o Órgão de Apelação esclareceu cuidadosamente que a elasticidade da
demanda por produtos em função do preço não é o critério decisivo para determinar se
esses produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”.73 O Órgão de
Apelação apoiou a ênfase do Painel sobre a “qualidade” ou “natureza” da concorrência
ao invés da “sobreposição quantitativa de concorrência”.74 O Órgão de Apelação
também compartilhou da relutância do Painel em valer-se das análises quantitativas de
relacionamento concorrencial. Em sua opinião, uma abordagem que focalizasse apenas
na sobreposição quantitativa de concorrência resultaria, na essência, em fazer da
elasticidade em função do preço o critério decisivo para decidir se produtos são
“diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”.75

O Órgão de Apelação considerou, em Korea – Alcoholic Beverages, que a situação do


mercado nos outros Membros deve ser levada em consideração ao determinar se
produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”. A situação dos
mercados nos outros Membros é particularmente relevante quando a demanda naquele
mercado foi influenciada por barreiras regulatórias ao comércio ou à concorrência, sob
a condição de que o outro mercado mostra características similares ao mercado em
questão. Como expressado pelo Órgão de Apelação, a determinação se produtos são
“diretamente concorrentes ou substituíveis entre si” pode apenas ser feita na base do
caso a caso, levando-se em conta todos os fatos relevantes.76

68
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120.
69
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120.
70
Ver Relatório do Órgão de Apelação in Japan – Alcoholic Beverages II, p. 24.
71
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 121.
72
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 121.
73
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134.
74
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134.
75
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134.
76
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 137.
31
Ao examinar se produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”, não é
sempre necessário examinar produtos item por item. Produtos podem ser agrupados
para o propósito deste exame. No entanto, conforme dito pelo Órgão de Apelação, se e
em que medida produtos podem ser agrupados é uma questão a ser decidida na base do
caso a caso.77

2.6.3 Os produtos importados e domésticos “não são similarmente taxados”?

Padrão de minimis – A fim de determinar se há uma violação do Artigo III:2, segunda


sentença, deve-se também julgar se os produtos em questão “não são similarmente
taxados”. Em oposição ao Artigo III:2, primeira sentença, que estabelece que mesmo
uma leve diferença de taxa é suficiente para julgar uma incompatibilidade com a OMC,
o Artigo III:2, segunda sentença, estabelece que a diferença de taxa deve ser mais do
que o de minimis a fim de sustentar uma conclusão de que a taxa interna imposta nos
produtos importados é incompatível com a OMC.

Japan – Alcoholic Beverages – Como dito pelo Órgão de Apelação em Japan –


Alcoholic Beverages II:

“Interpretar ‘a mais’ e ‘não similarmente taxados’ de forma idêntica negaria qualquer


distinção entre a primeira e a segunda sentenças do Artigo III:2. Portanto, em qualquer
caso dado, deve haver alguma quantidade de taxação sobre produtos importados que
pode muito bem estar ‘acima’ da taxa sobre ‘produtos similares’ domésticos, mas
podem não estar a ponto de forçar uma conclusão de que produtos importados e
domésticos ‘diretamente concorrentes ou substituíveis’ não estão similarmente taxados
para os propósitos do Artigo Aditivo ao Article III:2, segunda sentença. Em outras
palavras, deve haver uma quantidade de taxação excessiva que pode muito bem ser
mais um encargo sobre produtos importados do que sobre produtos domésticos
‘diretamente concorrentes ou substituíveis’, mas que no entanto pode não ser suficiente
para justificar uma conclusão de que tais produtos ‘não são similarmente taxados’
para os propósitos do Artigo III:2, segunda sentença. Nós concordamos com o Painel
que essa quantia de taxação diferencial deve ser mais do que o de minimis para ser
considerado ‘não similarmente taxado’ em qualquer caso dado. E, assim como o
Painel, nós acreditamos que se qualquer quantidade diferencial particular de taxação é
de minimis ou não é de minimis, isto deve, aqui também, ser determinado na base do
caso a caso. Logo, para não ser ‘similarmente taxado’, o encargo tarifário sobre
produtos importados deve ser mais pesado do que sobre produtos domésticos
‘diretamente concorrentes ou substituíveis’ e aquele encargo deve ser maior do que o
de minimis em qualquer caso dado.”78

Na hipótese de que apenas alguns produtos importados são similarmente taxados em


comparação com os produtos domésticos, enquanto outros produtos importados são
taxados similarmente, o Órgão de Apelação entendeu que tal taxação não-similar de
mesmo alguns produtos importados em comparação com produtos domésticos
diretamente concorrentes ou substituíveis entre si é incompatível com o Artigo III:2,
segunda sentença.79

77
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 143-144.
78
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 26-27.
79
Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals , pp. 25-29.
32
2.6.4 A medida de taxação interna é aplicada “de modo a conferir proteção à
produção doméstica”?

Exame em separado – O último requisito do teste sob o Artigo III:2, segunda sentença, é
se as taxas internas são aplicadas “de modo a sustentar proteção à produção doméstica”.
O Órgão de Apelação especificou que esse requisito é separado do requisito do “não
similarmente taxado”, e que, portanto, ele deve ser examinado separadamente. Logo, se
produtos domésticos e importados “não são similarmente taxados”, então uma
investigação mais a fundo deve ser feita a fim de determinar se a medida de taxação foi
tomada “de modo a sustentar proteção à produção doméstica”.80

Resultado e não intenção, resultado da intenção – Conforme dito pelo Órgão de


Apelação, o exame de se a taxa interna foi aplicada “de modo a sustentar proteção à
produção doméstica” não requer que se examine a intenção real do legislador ou
regulador de engajar-se em alguma forma de protecionismo.81 É o resultado da
aplicação da medida que importa sob o Artigo III:2, segunda sentença.82

Em particular, o elemento “de modo a sustentar proteção à produção doméstica” requer


uma análise abrangente e objetiva da estrutura e da aplicação da medida em questão
sobre produtos domésticos em comparação com produtos importados.83 Os critérios
fundadores utilizados em uma medida particular de taxação, sua estrutura, e sua
aplicação geral podem averiguar se ela é aplicada de modo que sustente a proteção à
produção doméstica.84 Ainda que o objetivo da mesma medida como tal não possa ser
facilmente encontrado, a aplicação protecionista da medida de taxação pode às vezes ser
discernida “do desenho, da arquitetura e da estrutura reveladora de uma medida”.85

Isso significa que se os parênteses mais baixos de uma medida de taxação cobrem quase
exclusivamente produtos domésticos, enquanto os parênteses mais altos cobrem quase
exclusivamente produtos importados, a medida de taxação pode ser considerada como
aplicada de modo a sustentar a proteção à produção doméstica. Tal análise não requer o
exame da intenção subjetiva do legislador ou do regulador, mas sim os critérios, a
estrutura e a aplicação geral da medida de taxação.

2.7 Quando Há Uma Violação da Obrigação de Tratamento Nacional, sob o Artigo


III:4?

A obrigação de tratamento nacional do Artigo III envolve leis internas e regulamentos,


bem como taxação interna. O Artigo III:4 lida especificamente com leis internas e
regulamentos.

80
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 27.
81
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 29-30.
82
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 29-30. Deve-se notar,
porém, que o Órgão de Apelação pareceu dar alguma importância aos relatos feitos pelos representantes
do Governo Canadense sobre os objetivos políticos da medida de tributação em questão. Ver Relatório do
Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, nota 20.
83
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 29.
84
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 29. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, Chile – Alcoholic Beverages II.
85
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 27. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, Chile – Alcoholic Beverages II.

33
O Artigo III:4 estabelece:

Artigo III:4, GATT 1994 – “Os produtos do território de qualquer [Membro]


importados para o território de qualquer outro [Membro] deverão receber tratamento
não menos favorável do que aquele concedido a produtos similares de origem nacional
em respeito a todas as leis, regulamentos e requisitos afetando sua venda interna,
oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso. As disposições deste
parágrafo não deverão impedir a aplicação de encargos diferenciais de transporte
interno que estão baseados exclusivamente na operação econômica dos meios de
transporte a não na nacionalidade do produto.”

Teste de três fases – a fim de determinar se há uma violação do Artigo III:4, três
questões devem ser respondidas:
(1) se a medida em questão é uma “lei, regulamento ou requisito afetando sua venda
interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso”;
(2) se os produtos importados e domésticos em questão são “produtos similares”;
(3) se o tratamento concedido aos produtos importados é “menos favorável” do que
aquele concedido a produtos similares domésticos.86

Sem exame em separado sob o Artigo III:1 – deve-se notar que o Artigo III:4 não faz
nenhuma referência específica ao elemento “de modo a sustentar a proteção à produção
doméstica” no Artigo III:1. Portanto, o Artigo III:4, assim como o Artigo III:2, primeira
sentença, não requer um exame em separado se a medida em questão é aplicada de
modo a sustentar a proteção à produção doméstica”.87

No entanto, o Artigo III:1 e o elemento “de modo a sustentar a proteção à produção


doméstica” fornecem um “significado contextual particular na interpretação do Artigo
III:4, uma vez que ele expõe o ‘princípio geral’ pretendido por aquela disposição”.88

2.7.1 As leis, regulamentos ou requisitos afetando a venda e uso de produtos foram


aplicados?

Medidas abrangidas – O Artigo III:4 aplica-se a “todas as leis, regulamentos e


requisitos afetando [a] venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição
ou uso [de produtos]”. Em termos gerais, a obrigação de tratamento nacional do Artigo
III:4 envolve o regulamento afetando a venda e uso de produtos.

“Afetando” – O escopo da aplicação do Artigo III:4 tem sido interpretado de forma


abrangente. O uso do termo “afetando” tem sido interpretado para significar que o
Artigo III:4 deveria cobrir não apenas leis e regulamentos que governam diretamente as
condições de venda ou compra, mas também quaisquer leis e regulamentos que
deveriam modificar adversamente as condições de concorrência entre os produtos
domésticos e importados nos mercados internos.89

86
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Coréia – Medidas que afetam as Importações de Carne Bovina
Fresca, Resfriada e Congelada (“Korea – Beef ”), WT/DS161/AB/R, WT/DS169/AB/R, adotado em 10
de janeiro de 2001, par. 133.
87
Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, par. 216.
88
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 93.
89
Relatório do Painel, Discriminação Italiana Contra Maquinário Agrícola Importado (“Italian
Agricultural Machinery”), adotado em 23 de outubro de 1958, BISD 7S/60, par. 12.
34
Leis e regulamentos processuais – Além disso, foi decidido que o Artigo III:4 abrange
leis, regulamentos e requisitos procedimentais assim como leis, regulamentos e
requisitos substanciais. O Painel em US – Section 337 explicou que procedimentos de
execução não podem ser separados das disposições substantivas para cuja execução se
destinam.90 O Painel também declarou que se disposições processuais de lei interna não
fossem abrangidas pelo Artigo III:4, os Membros da OMC poderiam escapar da
obrigação de tratamento nacional ao aplicar lei substantiva compatível através de
procedimentos incompatíveis menos favoráveis a produtos importados do que a
produtos nacionais.91

A jurisprudência do GATT refinou ainda mais o escopo da aplicação do Artigo III:4.


Por exemplo, ele especificou que o Artigo III:4 aplica-se aos requisitos de preço
mínimo aplicáveis às cervejas doméstica e importada92, às limitações a pontos de venda
para bebidas alcoólicas importadas93, à prática de limitar a listagem de cerveja
importada ao tamanho de seis pacotes94, ao requisito de cerveja e vinho importados
serem vendidos apenas através de atacadistas internos ou outros intermediários95, ao
banimento de todas as propagandas de cigarros96, aos requisitos adicionais de anotação
tais como uma obrigação de adicionar o nome do produtor ou do local de origem ou a
fórmula do produto97, e às práticas envolvendo transporte interno de cerveja98.

Relatórios da OMC também definiram o escopo de aplicação do Artigo III:4. Por


exemplo, o Órgão de Apelação concordou com o Painel em que o Artigo III:4 era
aplicável aos requisitos de licenciamento de importação da Comunidade Européia em
questão em EC – Bananas III. O Órgão de Apelação entendeu:

“O que está em disputa nesta apelação não é se algum requisito de licenciamento de


importação, como tal, está dentro do escopo do Artigo III:4, mas se os procedimentos
da CE e requisitos para a distribuição de licenças de importação para bananas
importadas entre operadores elegíveis dentro da Comunidade Européia estão dentro do
escopo desta disposição.... Essas regras vão bem além dos meros requisitos de
licenciamento de importação necessários para administrar a quota tarifária para
bananas de países terceiros e não-tradicionais da ACP ou dos requisitos da Convenção
de Lomé para a importação de bananas. Essas regras têm a intenção, entre outras
coisas, de dar subsídios cruzados a distribuidores de bananas da CE (e da ACP) e de
assegurar que maturadores de banana da CE obtenham uma parcela dos
arrendamentos de quota. Como tal, essas regras afetam ‘a venda interna, oferta para

90
Relatório do Painel, EUA – Seção 337 do Tariff Act de 1930 (“US – Section 337“), adotado em 7 de
novembro de 1989, BISD 36S/345, par. 5.10.
91
Relatório do Painel, US – Section 337, par. 5.10.
92
Relatório do Painel, Canadá – Importação, Distribuição e Venda de Determinadas Bebidas Alcoólicas
por Agências de Promoção Provinciais (“Canada – Provincial Marketing Agencies (1992)“), adotado em
18 de fevereiro de 1992, BISD 39S/27, par. 5.30.
93
Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 4.26.
94
Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 5.4.
95
Relatório do Painel, US – Malt Beverages, par. 5.32.
96
Relatório do Painel, Tailândia – Restrições à Importação de e Tributos Internos sobre Cigarros
(“Thailand – Cigarettes“), adotado em 7 de novembro de 1990, BISD 37S/200, par. 77.
97
Working Party Report, Certificates of Origin, Marks of Origin, Consular Formalities, adotado em 17 de
novembro de 1956, BISD 5S/102, par. 13.
98
Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 5.12; e Relatório do Painel,
US – Malt Beverages, par. 5.50.
35
venda, compra, ...’ nos termos do Artigo III:4, e portanto incluem-se no escopo dessa
disposição.”99

Em Canada – Autos, o Painel utilizou uma interpretação ampla do termo “afetando” ao


referir-se a medidas que possuem um efeito sobre mercadorias importadas. O Painel
entendeu que uma medida pode ser considerada uma medida afetando a venda interna
ou uso de produtos importados ainda que não seja demonstrado que sob circunstâncias
atuais a medida tem um impacto sobre as decisões de partes privadas para comprar
produtos importados.100

“Requisitos” – O Artigo III:4 também abrange “requisitos” que podem aplicar-se a


casos isolados. Embora a maioria dos casos lidando com o Artigo III:4 envolvam leis e
regulamentos, o Artigo III:4 abrange “requisitos” que podem aplicar-se apenas a casos
isolados. Contudo, deve-se notar que ambas as medidas que se aplicam em todos os
casos e medidas que se aplicam a casos isolados somente são abrangidos pelo Artigo
III:4.101 Ademais, um “requisito” nos termos do Artigo III:4 não precisa
necessariamente ser imposto pelo governo. A ação por uma parte privada pode
constituir um “requisito” sob o alcance do Artigo III:4, na medida em que haja um nexo
entre aquela ação e a ação de um governo tal que o governo deva ser visto como
responsável por aquela ação.102 Por exemplo, em Canada – Autos, o Painel teve de
decidir se compromissos assumidos por fabricantes de veículos motorizados
canadenses, em cartas endereçadas ao governo canadense, para aumentar o valor
agregado canadense na produção de veículos motorizados, qualificavam-se como
“requisitos” sob o Artigo III:4. O Painel declarou:

“Nós não acreditamos que tal nexo possa existir apenas se um governo assume
obrigações de partes privadas legalmente executáveis, como na situação considerada
pelo Painel em Canada – FIRA, ou se um governo condiciona a concessão de uma
vantagem a obrigações assumidas por partes privadas, como na situação considerada
pelo Painel em EEC – Parts and Components. Notamos a esse respeito que a palavra
‘requisito’ foi redefinida para significar ‘1. A ação de requerer algo; uma solicitação.
2. Algo requerido ou necessário, um querer, uma necessidade. Também a ação ou um
caso de necessitar ou querer algo. 3. Algo exigido ou demandado; uma condição que
deve ser preenchida.’ A palavra ‘requisitos’ em seu significado ordinário e à luz desse
contexto no Artigo III:4 claramente implica uma ação do governo envolvendo uma
demanda, pedido ou a imposição de uma condição, mas em nossa opinião esse termo
não carrega uma conotação particular com respeito à forma legal na qual tal ação de
governo é realizada. A esse respeito, nós consideramos que, ao aplicar o conceito de
‘requisitos’ do Artigo III:4 a situações envolvendo ações por partes privadas, é
necessário levar em conta que há uma ampla variedade de formas de ação de governo
que pode ser efetiva em influenciar a conduta de partes privadas.”103

99
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, par. 220.
100
Ver Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.80 e 10.84.
101
Ver Relatório do Painel, Canadá – Administração do Ato de Revisão de Investimentos Estrangeiros
(“Canada – FIRA”), adotado em 7 de fevereiro de 1984, BISD 30S/140, par. 5.5.
102
Ver Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.80 e 10.84.
103
Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.106-10.107.
36
2.7.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”?

“Produtos Similares” – A obrigação de não-discriminação no Artigo III:4 aplica-se


apenas a “produtos similares”, como nos Artigos I:1 e III:2, primeira sentença, ambos
discutidos acima.

EC – Asbestos – O Órgão de Apelação examinou a fundo o significado do conceito de


“produtos similares” do Artigo III:4 em EC – Asbestos. O Órgão de Apelação lembrou
que o conceito de “produtos similares” no Artigo III:2, primeira sentença, deve ser
construída “de modo restrito”.104 No entanto, o Órgão de Apelação era da opinião de
que o conceito de “produtos similares” no Artigo III:4 não sugere uma leitura
igualmente restrita de “similar” essencialmente porque o Artigo III:2 distingue
“produtos similares” de “produtos concorrentes e substituíveis”, enquanto o Artigo III:4
está apenas preocupado com “produtos similares”. Logo, o Órgão de Apelação concluiu
que dada a diferença textual entre os Artigos III:2 e III:4, o “acordeão” de
“similaridade” estende-se de uma maneira diferente no Artigo III:4.105

Artigo III:1 – quanto ao efeito do “princípio geral” contra protecionismo no Artigo III:1
sobre a interpretação do Artigo III:4, o Órgão de Apelação declarou que:

“… ao empenhar-se em assegurar ‘igualdade das condições de concorrência’, o


‘princípio geral’ no Artigo III visa impedir Membros de aplicar taxas internas e
regulamentos de maneira que afete a relação concorrencial, no mercado, entre os
produtos domésticos e importados envolvidos, ‘de modo a sustentar a proteção à
produção doméstica.’”106

O Órgão de Apelação afirmou, na seqüência:

“Uma vez que produtos que estão em uma relação concorrencial no mercado poderiam
ser afetados através do tratamento de importações ‘menos favoráveis’ do que o
tratamento considerado para produtos domésticos, segue que a palavra ‘similar’ no
Artigo III:4 deve ser interpretada para aplicar a produtos que estejam em tal relação
concorrencial. Portanto, uma determinação de “similaridade” sob o Artigo III:4 é,
fundamentalmente, uma determinação sobre a natureza e extensão de uma relação
concorrencial entre produtos.
... [Nós] [] concluímos que o escopo do produto do Artigo III:4, embora mais amplo do
que a primeira sentença do Artigo III:2, certamente não é mais amplo do que o escopo
combinado do produto das duas sentenças do Artigo III:2 do GATT 1994.
Reconhecemos que, ao interpretar o termo ‘produtos similares’ no Artigo III:4 desta
maneira, damos àquela disposição um escopo de produto relativamente amplo –
embora não mais amplo do que o escopo do produto do Artigo III:2.”107

104
Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 95. Ver Relatório do Órgão de Apelação,
Japan Alcoholic Beverages II, pp. 19-20 e Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, pp.
20-23.
105
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 94-96.
106
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 98.
107
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 97-100.
37
Critérios – Em EC – Asbestos, o Órgão de Apelação também enumerou critérios a
serem levados em conta para determinar se produtos são “similares” nos termos do
Artigo III:4. O Órgão de Apelação declarou:

“Como no Artigo III:2, nesta determinação, ‘nenhuma abordagem ... será apropriada
para todos os casos.’ Particularmente, uma avaliação utilizando ‘um inevitável
elemento de julgamento individual, discricionário’ deve ser feito em uma base de caso
a caso. O Relatório do Grupo de Trabalho sobre Border Tax Adjustments delineou uma
abordagem para analisar ‘similaridade’ que tem sido seguida e desenvolvida desde
então por alguns painéis e pelo Órgão de Apelação. Esta abordagem consistiu,
principalmente, em empregar quatro critérios gerais para analisar ‘similaridade’: (i)
as propriedades, natureza e qualidade dos produtos; (ii) os usos finais dos produtos;
(iii) gostos e hábitos dos consumidores – mais compreensivelmente chamados de
percepções e comportamento dos consumidores – a respeito dos produtos; e (iv) a
classificação tarifária dos produtos. Notamos que esses quatro critérios incluem quatro
categorias de ‘características’ que os produtos envolvidos podem dividir: (i) as
propriedades físicas dos produtos; (ii) a extensão em que os produtos são capazes de
servir aos mesmos ou similares usos finais; (iii) a extensão em que consumidores
percebem e tratam os produtos como meios alternativos de executar funções
particulares a fim de satisfazer um desejo ou demanda particular; e (iv) a classificação
internacional dos produtos para propósitos tarifários.”108

Lista não-exaustiva – contudo, deve-se notar que essa lista não é de modo nenhum
exaustiva. Esses critérios pretendem ser “simplesmente ferramentas para assistir na
tarefa de selecionar e examinar as evidências relevantes”.109 Isso significa que toda
evidência pertinente deve sempre ser examinada, e não apenas evidência relativa a
alguns desses critérios. Em EC – Asbestos, o Órgão de Apelação discordou com a
recusa do Painel em considerar os riscos à saúde postos por asbestos na sua
determinação de “similaridade”. O Órgão de Apelação declarou:

“... nem o texto do Artigo III:4, nem a prática dos painéis e do Órgão de Apelação
sugerem que qualquer evidência deveria ser excluída a priori do exame de
‘similaridade’ por um painel. Além disso, como dissemos, ao examinar a ‘similaridade’
de produtos, os painéis devem avaliar todas as evidências relevantes. Nós somos
fortemente da opinião de que evidência relativa a riscos à saúde associados a um
produto pode ser pertinente em um exame de ‘similaridade’ sob o Artigo III:4 do GATT
1994. Não consideramos, porém, que a evidência relativa aos riscos à saúde
associados a fibras de asbestos de crisotila precisa ser examinada sob um critério
separado, pois acreditamos que essa evidência pode ser avaliada sob os critérios
existentes de propriedades físicas, e de gostos e hábitos de consumidores, ...”110

Potencial cancerígeno ou toxicidade – Portanto, o Órgão de Apelação concluiu que as


propriedades de fibras de asbestos de crisotila incluem um potencial cancerígeno ou
uma toxicidade, e esse aspecto deve ser considerado ao determinar “similaridade” sob o
Artigo III:4. O Órgão de Apelação também declarou que “evidência relativa a riscos à

108
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 101.
109
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 102.
110
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 113.
38
saúde pode ser relevante ao avaliar a relação concorrencial no mercado entre produtos
supostamente ‘similares’”.111

Quanto aos usos finais e hábitos do consumidor, o Órgão de Apelação verificou em EC


– Asbestos:

“Evidência desse tipo é de particular importância sob o Artigo III do GATT 1994,
precisamente porque aquela disposição está preocupada com relações concorrenciais
no mercado. Se não há – ou poderia não haver – relação concorrencial entre produtos,
um Membro não pode intervir, através de taxação interna ou regulamento, para
proteger a produção doméstica. Logo, evidência sobre a extensão em que produtos
podem servir aos mesmos usos finais, e a extensão em que consumidores desejam – ou
desejariam – escolher um produto ao invés de outro para executar aqueles usos finais,
é evidência altamente relevante ao avaliar a ‘similaridade’ daqueles produtos sob o
Artigo III:4 do GATT 1994.
Consideramos que isso é especialmente assim em casos onde a evidência relativa às
propriedades estabelece que os produtos em questão são fisicamente bem diferentes.
Em tais casos, a fim de resolver essa indicação de que produtos não são ‘similares’, um
encargo maior é colocado sobre Membros demandantes para estabelecer que, apesar
das diferenças físicas pronunciadas, há uma relação concorrencial entre os produtos
tal que todas as evidências, juntadas, demonstram que os produtos são ‘similares’ sob
o Artigo III:4 do GATT 1994.”112

Quanto ao elemento dos gostos e hábitos dos consumidores, o Órgão de Apelação


declarou que eles são altamente relevantes com respeito a fibras de asbestos ou
substitutos, mesmo quando as partes comerciais, tais como fabricantes, estão
envolvidos, uma vez que os riscos à saúde associados a fibras de asbestos podem bem
influenciar sua decisão de utilizá-los ou não.113

Embora o conceito de “produtos similares” em EC – Asbestos tenha sido interpretado de


modo amplo, ele não é tão amplo a ponto de incluir fibras de asbestos de crisotila e
substitutos como “produtos similares”.

US – Gasoline – Em US – Gasoline, o Painel entendeu que gasolinas importada e


doméstica quimicamente idênticas eram “produtos similares” porque “gasolina
quimicamente importada e doméstica, por definição, possuem exatamente as mesmas
características físicas, usos finais, classificação tarifária e são perfeitamente
substituíveis”.114 O Painel não examinou os objetivos e o efeito da distinção reguladora
ao determinar “similaridade”.

111
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 115. Deve-se notar que um Membro do Órgão
de Apelação escreveu uma “opinião divergente” sobre essa questão, na qual ele discordou com os dois
outros Membros da Divisão de que a relação competitiva é decisiva na determinação de “similaridade” de
produtos sob o Artigo III:4.
112
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 117-118.
113
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 122.
114
Relatório do Painel, EUA – Padrões para Gasolina Reformulada e Convencional (“US – Gasoline”),
WT/DS2/R, adotado em 20 de maio de 1996, modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação,
WT/DS2/AB/R, DSR 1996:I, 29, para. 6.17.
39
US – Tuna – Finalmente, no relatório não-adotado de US – Tuna, o Painel entendeu que
diferenças no processamento e nos métodos de produção de produtos não são relevantes
ao determinar “similaridade”:

“O Artigo III:4 demanda uma comparação do tratamento de atum importado enquanto


um produto, com o tratamento de atum doméstico enquanto um produto. Regulamentos
acerca da captura incidental de golfinhos durante captura de atum não poderiam
possivelmente afetar o atum enquanto produto. O Artigo III:4, portanto, obriga os
Estados Unidos a conceder tratamento não menos favorável ao atum mexicano do que
aquele concedido ao atum dos Estados Unidos, independente de se a captura incidental
de golfinhos por navios mexicanos correspondiam àquela dos Estados Unidos.”115

Esta abordagem atraiu algumas críticas de professores e ambientalistas.116

2.7.3 O tratamento foi menos favorável?

A fim de determinar se a medida em questão é incompatível com o Artigo III:4, não


apenas deve-se distinguir “produtos similares”, como também deve-se conceder ao
produto importado similar “tratamento menos favorável” do que se concede ao grupo de
produtos domésticos similares.

Em US – Section 337, o Painel interpretou “tratamento não menos favorável” para


exigir “igualdade efetiva de oportunidades competitivas”. Os painéis e o Órgão de
Apelação têm utilizado consistentemente essa abordagem em relatórios mais recentes
do GATT e da OMC.117

Em US – Gasoline, o Painel entendeu que a medida em questão concedeu à gasolina


importada tratamento menos favorável do que à gasolina doméstica, com base no fato
de que os vendedores de gasolina doméstica estavam autorizados a utilizar uma base
individual, ao passo que vendedores de gasolina importada deveriam utilizar uma base
legal mais onerosa.118

Diferença Formal no Tratamento – Em Korea – Beef, a disputa envolveu um sistema de


distribuição de varejo para a venda de bife sob o qual o bife importado seria, entre
115
Relatório do Painel (não-adotado), EUA – Restrições à Importação de Atum (“US – Tuna/Dolphin“),
circulado em 3 de setembro de 1991, BISD 39S/155, para. 5.15.
116
Para uma discussão da distinção de processamento de produtos, favor referir-se a Robert E. Hudec,
“Chapter 12: The Product-Process Doctrine in the GATT/WTO Jurisprudence” in Marco Bronckers e
Reinhard Quick, New Directions in International Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson,
Kluwer Law International, 2000, p.187-218; e Robert Howse e Donald Regan, “The Product/Process
Distinction – An Illusory Basis for Disciplining ‘Unilateralism’ in Trade Policy”, European Journal of
International Law, Vol. 11, No. 2, 2000, p. 249-289.
117
Ver, entre outros, Relatório do Painel, Canadá – Importação, Distribuição e Venda de Determinadas
Bebidas Alcoólicas por Agências de Promoção Provinciais (“Canada – Provincial Liquor Boards (US)”),
adotado em 18 de fevereiro de 1992, BISD 39S/27, para. 5.12-5.14 e 5.30-5.31; Relatório do Painel, US -
Malt Beverages, para. 5.30; Relatório do Painel, US – Gasoline, para. 6.10; Relatório do Painel, Canada
– Periodicals, p. 75; Relatório do Painel, Comunidades Européias – Regime para a Importação, Venda e
Distribuição de Bananas – Demanda dos EUA (“EC – Bananas III (US)”), WT/DS27/R/USA, adotado
em 25 setembro de 1997, modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS27/AB/R, DSR
1997:II, 943, par. 7.179-7.180; e Relatório do Painel, Japão – Medidas que Afetam Filme e Papel
Fotográfico para Consumidor (“Japan – Film”), WT/DS44/R, adotado em 22 de abril de 1998, DSR
1998:IV, 1179, par. 10.379.
118
Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.10.
40
outros, vendido em lojas especializadas em vendas de bife importado, ou em seções
separadas em supermercados. O Órgão de Apelação entendeu que tal medida era
incompatível com as obrigações da República da Coréia sob o Artigo III:4 do GATT
1994. O Órgão de Apelação enfatizou que uma diferença formal no tratamento entre
produtos domésticos e importados não é necessária nem suficiente para uma violação do
Artigo III:4. O tratamento diferente de produtos importados de uma maneira formal não
necessariamente constitui tratamento menos favorável. Do modo contrário, a ausência
de diferença formal no tratamento não significa necessariamente que não haja
tratamento menos favorável. Como o Órgão de Apelação verificou naquele caso:

“Observamos ... que o Artigo III:4 exige apenas que uma medida conceda tratamento a
produtos importados que seja ‘não menos favorável’ do que aquele concedido a
produtos domésticos similares. Uma medida que forneça tratamento a produtos
importados que é diferente daquele concedido a produtos domésticos similares não é
necessariamente incompatível com o Artigo III:4, desde que o tratamento dado pela
medida não seja ‘menos favorável’. Conceder ‘tratamento não menos favorável’
significa, como dissemos anteriormente, conceder condições de competição não menos
favoráveis ao produto importado do que ao produto doméstico similar. ...
Para saber se produtos importados são tratados ‘menos favoravelmente’ do que
produtos domésticos similares, isto deve ser avaliado examinando se uma medida
modifica as condições de concorrência no mercado relevante em detrimento de
produtos importados.”119

Balanceamento não permitido – Em US – Gasoline, o Painel explicou que “[a] letra [do
Artigo III:4] não permite tratamento menos favorável dependente das características do
produtor e da natureza dos dados mantidos por ele”.120 O Painel também rejeitou o
argumento feito pelos Estados Unidos de que o regulamento em questão tratava
produtos importados “igualmente no geral” e, portanto, era compatível com o Artigo
III:2. O Painel notou que esse argumento chegava a afirmar que o tratamento menos
favorável de produtos importados particulares em alguns casos poderia ser compensado
ou balanceado pelo tratamento mais favorável de produtos particulares em outros.121
Contudo, sob os Artigos I:1, III:2 e III:4, tal “balanceamento” não é admissível.122

Na jurisprudência do GATT e da OMC, uma grande variedade de medidas foi julgada


como incompatível com a obrigação de tratamento nacional do Artigo III:2, exceto as
medidas em questão em US – Section 337, Korea – Beef e US – Gasoline. Elas incluem
requisitos de preço mínimo,123 regulamentos sobre transporte interno,124 o sistema de
alocação para a quota tarifária de bananas,125 e os requisitos de valor adicionado
canadenses para a indústria automobilística.126

2.8. Teste Sua Compreensão

119
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 135-137.
120
Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.11.
121
Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.14.
122
Ver Relatório do Painel, US – Section 337, par. 6.14.
123
Ver Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies.
124
Ver Relatório do Painel, US – Malt Beverages.
125
Ver Relatório do Painel, EC – Bananas III.
126
Ver Relatório do Painel, Canada – Autos.
41
1. Quais são os dois elementos do princípio de não-discriminação em direito do
comércio internacional? Qual é a diferença entre a obrigação de nação mais
favorecida e a obrigação de tratamento nacional?

2. Qual é o objetivo da obrigação de tratamento da nação mais favorecida?


Quando há uma violação da obrigação de tratamento da nação mais favorecida? O
conceito de “vantagem” está limitado a taxas internas, leis, regulamentos e
requisitos? O conceito de “produtos similares” é interpretado de modo compatível
nas diferentes disposições do GATT 1994? Quais são os critérios para determinar
se dois produtos são “similares” nos termos do Artigo I:1 do GATT 1994? Uma vez
que um Membro da OMC tenha concedido uma vantagem a um país, pode ele
impor condições a outros Membros da OMC para que estes se beneficiem daquela
mesma vantagem?

3. Qual é o objetivo da obrigação de tratamento nacional? A obrigação de


tratamento nacional está limitada a produtos sujeitos a concessões tarifárias sob o
Artigo II do GATT 1994? O Artigo II aplica-se apenas a medidas internas?

4. Quando há uma violação do Artigo III, primeira sentença? Podem medidas


administrativas de taxação qualificarem-se como “taxas internas ou encargos” nos
termos deste Artigo? Como se pode avaliar se produtos são “similares” nos termos
do Artigo III:2, primeira sentença? Qual é a quantidade mínima da taxa interna
ou encargo para o qual os produtos importados são considerados como taxados
“acima de” produtos domésticos? O Artigo III:2, primeira sentença, exige um
exame em separado para saber se a medida em questão é aplicada “de modo a
suportar a proteção à produção doméstica”?

5. Quando um interpretador pode considerar o Artigo III:2, segunda sentença?


Quando há uma violação do Artigo III:2, segunda sentença? Como o conceito de
“diretamente concorrente ou substituível” difere do conceito de “produtos
similares”? Qual é a quantidade mínima da taxa interna ou encargo para o qual os
produtos domésticos e importados são considerados “não similarmente taxados”?
O Artigo III:2, segunda sentença, exige um exame em separado para saber se a
medida em questão é aplicada “de modo a suportar a proteção à produção
doméstica”?

6. Quando há uma violação do Artigo III:4? A quais tipos de medidas aplica-se o


Artigo III:4? Em que medida difere o conceito de “produtos similares”
interpretado no Artigo III:4 em comparação com outras disposições do GATT?
Quais critérios precisam ser levados em consideração ao determinar se os produtos
são “similares” sob o Artigo III:4? O Artigo III:4 exige um exame em separado
para saber se a medida em questão é aplicada “de modo a suportar a proteção à
produção doméstica”?

42
3. O PRINCÍPIO DO ACESSO A MERCADOS NO GATT 1994

Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de:

• identificar as barreiras de acesso a mercados;


• fazer a distinção entre tarifas, restrições quantitativas, outras obrigações e
encargos financeiros e outras barreiras não tarifárias;
• listar as obrigações relacionadas à publicação e administração dos atos
normativos relativos a comércio.

3.1 Barreiras de Acesso a Mercados: Definição

Acesso a Mercados – É de extrema importância para os comerciantes saber quando e


sob quais condições os seus produtos possuem acesso a mercados em outros países. O
acesso a mercados de bens pode ser impedido ou restringido de diversas maneiras.

Barreiras em Acesso a Mercados – Barreiras em acesso a mercados incluem tarifas


(também referidas como tarifas aduaneiras), restrições quantitativas (incluindo quotas),
outras obrigações e encargos financeiros, e outras medidas não tarifárias, tais como
procedimentos aduaneiros, atos normativos técnicos, e medidas sanitárias e fito-
sanitárias. É notável que outras medidas não tarifárias poderão abranger medidas
internas, ao passo que tarifas, outras obrigações e encargos financeiros e restrições
quantitativas referem-se às medidas externas.

Regras em Acesso a Mercados – O GATT 1994 e outros acordos multilaterais de


comércio sustentam diferentes regras para diferentes barreiras. Com relação aos
normativos aplicáveis, este Capítulo abrange somente o GATT 1994, porém deve-se
notar que quase todos os Acordos no âmbito da OMC incluem disciplinas que fazem
referência às barreiras de acesso a mercados.127 Particularmente, este Capítulo examina
os atos normativos sobre tarifas e concessão de tarifas, regras sobre restrições
quantitativas, atos normativos sobre obrigações e encargos financeiros, atos normativos
sobre outras barreiras tarifárias, e finalmente, regras sobre publicação e administração
sobre atos normativos relativos a comércio.

3.2 Tarifas

Tarifas – Tarifas ou taxas alfandegárias128 são encargos financeiros que recaem sobre
bens no momento de sua importação. O acesso a mercados está condicionado ao
pagamento das tarifas aduaneiras. Estas podem ser tanto específicas (quantidade
baseada em peso, volume etc.), quanto ad valorem (quantidade baseada no valor). As
Tarifas aduaneiras Ad valorem têm sido mais comuns.

Recusa à proibição geral – De acordo com o GATT, as tarifas ou tarifas aduaneiras não
são proibidas. Isto está exatamente em contraste com a proibição geral de restrições
quantitativas prevista no artigo XI do GATT 1994. As normas da OMC/GATT têm
nítida preferência pelas tarifas aduaneiras.

127
Ver, por exemplo, o Acordo sobre Agricultura e o Acordo sobre Têxteis e Vestuário.
128
O GATT 1994 usa ambos os termos indistintamente.
43
O artigo XXVIII do GATT 1994 incita e apela aos membros da OMC para negociar a
redução de tarifas:

Artigo XXVIII

Negociações de tarifas

1. Os [Membros] reconhecem que as tarifas alfandegárias freqüentemente constituem


sérios obstáculos ao comércio; portanto as negociações com as vantagens da
reciprocidade e mutualidade, direcionadas à redução substancial dos níveis gerais de
tarifas e outros encargos sobre importações e exportações e em particular sobre a
redução destas elevadas tarifas que desestimulam a importação, até mesmo em
pequenas quantidades, e conduzidas de acordo com os objetivos deste Acordo e das
necessidades variáveis de cada um [Membros], são de grande importância para a
expansão do comércio internacional. Os [Membros] poderão, portanto, promover estas
negociações de tempo em tempo.

2. (a) As negociações sob este Artigo poderão ser conduzidas de modo seletivo produto
–por - produto ou sob a aplicação destes procedimentos multilaterais que poderão ser
aceitas pelas partes envolvidas. Estas negociações poderão ser dirigidas rumo à
redução de tarifas, relacionando as tarifas sob os níveis existentes ou comprometendo-
se que tarifas individuais ou as tarifas medianas das categorias específicas de produtos
não excedam níveis especiais. A obrigação contra o aumento das tarifas baixas ou das
tarifas aduaneira isentas deverá, em princípio, ser reconhecida, em termos de valor,
como concessão equivalente à redução de tarifas elevadas.

3. (b) Os [Membros] reconhecem que, no geral, o sucesso das negociações


multilaterais dependem da participação de todos [Membros] que conduzem uma
substancial proporção do seu comércio exterior com outros.

4.3. As negociações deverão ser conduzidas em uma base que proporcione


oportunidades adequadas que considerem:
(a) as necessidades de cada um [Membros] e cada indústria;
(b) as necessidades [dos países Membros em desenvolvimento] de utilização de tarifa
de proteção mais flexível para dar assistência ao seu desenvolvimento econômico e
necessidades especiais desses países em manter sua tarifas para fins arrecadatórios;
(c) todas as outras circunstâncias relevantes, incluindo o desenvolvimento fiscal,
estratégico e outras necessidades das partes contratantes envolvidas.

Rodadas de Negociação - No GATT 1947, estas negociações de redução de tarifas ou


tarifas aduaneiras foram realizadas em oito “Rodadas” sucessivas. As primeiras cinco
Rodadas (Genebra, Annecy, Torquay, Genebra, Dillon) foram exclusivamente voltadas
para negociação de redução de tarifas ou tarifas aduaneiras. As últimas três rodadas
(Kennedy, Tokyo e Uruguai) tiveram uma pauta mais ampla, apesar das negociações
sobre redução de tarifas permanecerem importantes129.

129
Para um estudo detalhado sobre cada uma das rodadas, favor verificar Anwarul Hoda, “Tariff
Negotiations and Renegotiation under the GATT and the WTO”, Cambridge University Press, 2001,
44
Resultado das Negociações – Estas oito rodadas de negociações tiveram bastante
sucesso no que se refere à redução de tarifas e tarifas aduaneiras. Nos últimos quarenta
anos, a média da tarifa sobre produtos industrializados era em torno de 40 por cento ad
valorem. Como resultado da Rodada do Uruguai e das Rodadas anteriores, a tarifa
média ficou em 3,9%. Muitos produtos hoje possuem a tarifa zero. Economistas,
freqüentemente, consideram que tarifas aduaneiras inferiores a 5 por cento são um
incômodo e não uma barreira. Entretanto, em mercados muito competitivos, ou em
comércio entre países vizinhos, uma tarifa/tarifa muito baixa poderá continuar a
constituir uma barreira. Além disso, muitos países em desenvolvimento possuem tarifas
elevadas em grupos específicos de produtos, como produtos agrícolas e têxteis.

NMF - Negociações de tarifas são conduzidas de forma bilateral, mas qualquer redução
em tarifa aduaneira irá beneficiar todos os outros Membros. Este é o resultado da não
discriminação das obrigações no GATT, mais particularmente, a obrigação de
tratamento da nação mais favorecida coberta pelo Capítulo 2. Como resultado da
obrigação de tratamento da nação mais favorecida, as negociações sobre redução de
tarifa aduaneira são, entretanto, consideravelmente complicada porque o país A irá
resistir na concessão de redução de tarifas a outros países, sem receber algo como
retorno. Assim, é plausível que irá retardar a sua negociação com o país B, até que este
seja capaz de oferecer algo em retorno de outros países. A obrigação de estender
qualquer concessão bilateral para todos os membros da OMC leva os membros a
negociarem a redução de tarifas de modo multilateral.130

Reciprocidade e não - reciprocidade - O princípio da “reciprocidade” é central para as


negociações e renegociações comerciais. Isto significa que durante as rodadas de
negociações de redução de tarifa, cada país irá fazer concessões equivalentes de tarifas.
Cada governo deve avaliar os benefícios e as vantagens econômicas das concessões
propostas. Porém, deve-se notar que a concepção de reciprocidade não se aplica às
negociações comerciais entre Países-Membros em desenvolvimento e países Membros
desenvolvidos. Isto é coberto pelo Capítulo 5. Não é de se esperar que os Países-
Membros em desenvolvimento, no curso de suas negociações comerciais, façam
concessões tarifárias incompatíveis com seus desenvolvimentos individuais,
necessidades financeiras e comerciais.

Tarifas e Produtos Agrícolas – As sucessivas rodadas de negociações obtiveram sucesso


na redução progressiva do nível de proteção tarifária de muitos países Membros da
OMC. As negociações de tarifas em relação aos produtos agrícolas irão permanecer
com extrema importância, uma vez que neste campo, todas as barreiras não tarifárias
foram eliminadas e substituídas por tarifas a níveis elevados em muitos casos.

Concessões Tarifárias - Os resultados das negociações estão dispostos na “Lista de


Concessões em Bens” de cada Membro. O Artigo II do GATT 1994 estipula as
obrigações referentes às concessões.131

Capítulo II: “Tariff Conferences and Rounds of Multilateral Trade Negotiations”, páginas 25-78, e para
práticas e procedimentos em renegociações, verificar Capítulo IV, páginas 83-110.
130
Ver John H. Jackson, A Jurisprudência do GATT e da OMC (“The Jurisprudence of GATT and the
WTO”), Cambridge Univesity Press, 2000, página 59, Capítulo 5: Igualdade e discriminação no direito
econômico internacional: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. (Equality and discrimination in
international economic law: the General Agreement on Tariffs and Trade”), páginas 57-68.
131
Verificar capítulo 3.2.1 deste Módulo
45
Renegociações de Tarifas – É possível aos Membros modificar ou retirar as concessões
tarifárias depois da negociação, com observância de condições específicas. É
comumente referida como renegociações de tarifas. O Artigo XXVIII do GATT 1994
regula a renegociação de concessões de tarifas. A modificação ou retirada de
concessões de tarifas só é possível perante Membros com quem inicialmente houve
negociações ou com os Membros que estejam voltados ao fornecimento. Também
devem ser realizadas consultas aos Membros que tiverem interesse substancial nas
referidas concessões. É de se esperar do Membro que estiver buscando modificação ou
retirada das concessões tarifárias a compensação em outros produtos. Se um Membro
não cumprir um acordo, os Membros envolvidos terão o direito de retirar as suas
concessões negociadas inicialmente com o Membro que fizer as modificações
tarifárias.132

3.2.1. Concessões Tarifárias em Listas

Concessões Tarifárias – Um dos principais objetivoS do GATT 1994 é a redução de


tarifas. Como visto acima, o resultado das negociações tarifárias foi que os Membros da
OMC se comprometeram a estabelecer o nível máximo das tarifas aduaneiras aplicáveis
a certos produtos. Sendo assim, os Membros da OMC “criaram” as tarifas para esses
produtos. As tarifas criadas constituem as "concessões tarifárias". Isto é feito na
chamada “Lista de Concessões em Bens".

Listas de Concessões – Todo Membro da OMC é obrigado por uma “Lista de


Concessões de Bens”, que forma uma parte integral do GATT 1994. Cada lista
incorpora todas as concessões feitas pelo Membro envolvido na Rodada Uruguai e
negociações anteriores.

Artigos II:1 GATT 1994 – Os Artigos II:1(a) e II:1(b) do GATT 1994 prevêem regras
relacionadas às concessões previstas nas listas de concessões tarifárias e estabelecem:

Artigo II

Lista de Concessões

1. (a) Cada [Membro] deverá conferir ao comércio de outro [Membro] tratamento não
menos favorável do que aquele estabelecido na Lista apropriada anexada a este
Acordo.

(b) Os produtos descritos na Parte 1 da Lista relacionada a qualquer [Membro], que


são produtos do território de outros [Membros], deverão, na importação ao território
que a Lista compreende, e sujeitos aos termos, condições ou qualificações previstas na
Lista, estar isentos de tarifas aduaneiras que excedam as tarifas estipuladas na referida
Lista. Estes produtos também deverão estar isentos de todas as outras tarifas ou
encargos de qualquer natureza impostos ou em conexão com a importação que estiver

132
Para maiores informações sobre renegociações de tarifas, verificar Rodada Anwarul, Negociações e
Renegociações de Tarifas no GATT e na OMC (“Anwarul Hoda, Tariff Negotiations and Renegotiation
under the GATT and the WTO”, Cambridge University Press, 2001, Chapter II: “Tariff Conferences and
Rounds of Multilateral Trade Negotiations”, páginas 11-18.
46
prevista na data deste Acordo ou aqueles requeridos diretamente ou obrigatoriamente
para serem impostos pela legislação que estiver em vigor no território importador.

O Artigo II: 1(a) estipula que os Membros deverão concordar com o tratamento
comercial menos favorável de outros Membros do que aquele conferido à parte
apropriada da Lista anexa a este Acordo. O Artigo II;1(b), em sua primeira sentença,
estipula que os produtos descritos na Parte I da Lista de qualquer Membro deverão, na
importação, ser isentos de tarifas aduaneiras ordinárias superiores àquelas previstas na
referida Lista. Isto significa que os produtos não estarão sujeitos às tarifas aduaneiras
acima das concessões tarifárias.

“Argentina – Textiles and Apparel” – Em “Argentina – Têxteis and Apparel”, o Órgão


de Apelação julgou que a aplicação de um tipo de tarifa diferente do tipo previsto na
Lista de um Membro era incompatível com o Artigo II:1(b), primeira sentença, do
GATT 1994, na medida em que ela resultasse em uma tributação superior àquela
prevista na Lista daquele Membro.133

“Outras obrigações e encargos”- Todas as taxas aplicadas sobre a importação, além das
tarifas que não estão em conformidade com o Artigo VIII do GATT 1994 sobre “taxas e
procedimentos”(Ver capítulo 3.4) são consideradas como “outras obrigações e
encargos” com o significado do Artigo II:1(b) do GATT 1994, que estabelece que os
produtos mencionados nas listas de concessões “deverão estar isentos de outras
obrigações e encargos de qualquer natureza que excederam aquelas aplicadas ao tempo
em que a concessão foi feita.”

Compreensão do Artigo II:1(b) – O Entendimento sobre a interpretação do Artigo


II:1(b) do GATT 1994 requer que a natureza e o nível de qualquer outra "obrigação ou
encargo" aplicada em itens tarifários consolidados a partir de 15 de abril de 1994 sejam
registrados nas Listas de concessões anexadas ao GATT 1994. Qualquer "obrigação ou
encargo" não acordado dessa maneira tinha que ser eliminado.

3.2.2. Interpretando as Concessões Tarifárias

As regras para interpretar as concessões tarifárias foram examinadas pelo Órgão de


Apelação no casoEC – Computer Equipment.

Intenções Comuns das Partes - Como julgado pelo Órgão de Apelação no caso EC –
Computer Equipment, as regras aplicáveis para interpretar o significado de uma
concessão são as regras gerais de interpretação estabelecidas na Convenção de Viena
sobre Direito dos Tratados – “Vienna Convention on the Law of Treaties”, com o
propósito de assegurar os interesses comuns das partes.134 Neste sentido, o Órgão de
Apelação também deixou claro que os interesses comuns não podem ser assegurados
com base subjetiva unilateral e “expectativas” unilateralmente determinadas por cada
uma das partes do tratado.135 Similarmente, o Órgão de Apelação julgou que a prática
por somente uma das partes poderá ser relevante, mas é de valor mais limitado do que
133
Relatório do Órgão de Apelação, Argentina – Medidas que afetam importação de calçados, têxteis,
vestimentas e outros itens. (“Argentina – Textiles and Apparel”)
134
Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Classificação de tarifas de certos
equipamentos de computadores (“EC – Computer Equipment”), WT/DS62/AB/R, WT/DS67/AB/R,
WT/DS68/AB/R, adotado em 22 de Junho de 1998, parágrafo 84.
135
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 84.
47
aquela praticada por todas as partes.136 O Órgão de Apelação acrescentou que o Sistema
Harmonizado, incluindo suas notas explicativas, e decisões da Organização Mundial de
Tarifas – “World Customs Organization” (“WCO”) poderão ser relevantes para
interpretar as concessões tarifárias na Lista LXXX.137 O Órgão de Apelação afirmou
que a prática de um membro da OMC durante a Rodada Uruguai poderá constituir
“circunstâncias da conclusão” do Acordo da OMC e poderão ser usadas como formas
suplementares de interpretação no sentido constante do Artigo 32 da Convenção de
Viena.138 Finalmente, o Órgão de Apelação estatuiu que a prática de classificação
anterior poderá ser freqüentemente significante, porém a prática desta classificação
incompatível não poderá ser relevante para interpretar o significado da concessão de
tarifa.139

3.2.3. O Ônus de Esclarecer as Concessões de Tarifas

Esclarecimento das Concessões – Como afirmado pelo Órgão de Apelação na questão


dos Equipamentos de Computadores, o ônus de esclarecer o escopo e a definição das
concessões de tarifas durante as negociações não é meramente incumbência do Membro
que estiver fazendo a concessão, é uma tarefa para todas as partes interessadas:

... Negociações de tarifas são um processo recíproco de concessões e demandas, de


“dar e receber”. Somente é normal que Membros importadores definam suas ofertas (e
suas obrigações subsequentes) sob termos que atendam às suas necessidades. Por outro
lado, Membros exportadores devem assegurar que seus direitos correspondentes sejam
descritos nas Listas de Membros importadores, de maneira que seus interesses de
exportar, como acordado nas negociações, sejam garantidos. Na Rodada Uruguai,
houve um acordo específico neste sentido. Para este propósito, houve um processo de
verificação de listas de tarifas de 15 de fevereiro a 25 de março de 1994, que autorizou
os participantes da Rodada Uruguai a verificarem e controlarem, mediante consultas
com as partes negociantes, o escopo e definição das concessões de tarifas. Deveras, o
fato das Listas dos Membros integrarem o GATT 1994 indica que, enquanto cada Lista
representa o comprometimento tarifário feito por um Membro, elas representam o
acordo comum entre todos os Membros.
Por essas razões estatuídas acima, concluímos que o Painel equivocou-se ao decidir
que “os Estados Unidos não foram requeridos a esclarecer o escopo das concessões
tarifárias em [LAN equipment] da Comunidade Européia. Consideramos que o
esclarecimento do escopo das concessões tarifárias, que podem ser requeridas durante
as negociações, é uma tarefa para todas as partes interessadas.140

3.2.4. Concessões Tarifárias e o GATT 1994

A relação entre as concessões de tarifas e o GATT 1994 foi explorada em alguns casos,
e a regra geral que surgiu de cada um desses casos é a seguinte: um Membro poderá

136
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 93.
137
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 89-90.
138
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 92.
139
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 95.
140
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafos 109-110.
48
renunciar aos seus próprios direitos e garantir benefícios a outros Membros, mas não
poderá reduzir unilateralmente suas próprias obrigações.141

EC – Poultry – Mais particularmente em EC – Poultry, o Órgão de Apelação afirmou:

Em Estados Unidos – Restrições na Importação de Açúcar, o painel declarou que o


Artigo II do GATT permite às partes contratantes incorporar nas suas Listas atos
renunciando aos seus direitos no âmbito do GATT, mas sem agir de forma a diminuir
obrigações sob este Acordo. Do nosso ponto de vista, isto é em respeito ao princípio da
não –discriminação dos Artigos I e XIII do GATT 1994. Em EC – Bananas,
confirmamos o princípio de que um Membro poderá renunciar a direitos, mas não
diminuir obrigações, e concluímos que é igualmente válido para as concessões de
acesso a mercados e os compromissos para os produtos agropecuários contidos na
Lista anexa ao GATT 1994. O sentido do termo “concessões” sugere que um Membro
poderá renunciar aos seus próprios direitos e conceder benefícios para outros
Membros, porém não poderá unilateralmente reduzir suas obrigações. Esta
interpretação é confirmada pelo parágrafo 3 do Protocolo de Marrakesh, que prevê:

A implementação das concessões e compromissos contidos nas listas anexas a este


Protocolo estatui que, mediante requerimento, estará sujeita a exame multilateral dos
Membros, sem prejuízo dos direitos e obrigações dos Membros previstos no Anexo 1A
do Acordo da OMC.

Assim, a concessão prevista na Lista LXXX referente à alíquota da tarifa para carne de
frango congelada deverá estar de acordo com os Artigos I e XIII do GATT 1994.142

3.3. Restrições Quantitativas

Restrições Quantitativas - Restrições Quantitativas (RQs) são medidas que proíbem ou


restringem a quantidade de um produto que poderá ser importado. Um exemplo típico
de restrição quantitativa seria uma medida permitindo a importação de somente 10.000
objetos. Esta restrição quantitativa é também conhecida como quota.

Quota tarifária - Uma quota tarifária, entretanto, não é uma quota e não é considerada
como uma restrição quantitativa. Uma quota tarifária é uma quantidade que poderá ser
importada sob uma determinada tarifa. Por exemplo, um Membro poderá permitir a
importação de 5000 objetos a 10 por cento ad valorem e qualquer objeto importado
acima desta quantidade, a 20 por cento ad valorem. As quotas tarifárias não são
restrições quantitativas uma vez que não proíbem ou restringem a importação. Elas
somente submetem as importações a tarifas variáveis.

3.3.1. Proibições Gerais às Restrições Quantitativas

141
Verificar relatório do Painel, EUA – Restrições à Importação de Açúcar (“US – Sugar Headnote”),
adotado em 22 de Junho de 1989, BISD 36S/331, parágrafo 5.2; Relatório do Órgão de Apelação, EC –
Bananas III, para. 154-155; e Relatório do Órgão de Apelação, EC – Poultry, para. 98.
142
Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Medidas que afetam a importação de
determinados produtos de frango (“EC – Poultry”), WT/DS69/AB/R, adotado em 23 de julho de 1998,
paras. 98-99.
49
Artigo XI do GATT 1994 – O GATT 1994 dispõe sobre uma proibição geral de
restrições quantitativas. Um dos principais objetivos do GATT 1994 é proteger a
indústria doméstica somente com tarifas. O Artigo XI:1 do GATT 1994 estabelece:

Artigo XI

Eliminação Geral de Restrições Quantitativas

1. Nenhuma proibição ou restrição que não seja tarifária, tributária ou que envolva
outros encargos, quando adotadas por quotas, licenças de importação e exportação ou
outras medidas, deverá ser instituída ou mantida por qualquer [Membro] na
importação de qualquer produto de território de outro [Membro] ou na exportação ou
venda para exportação de qualquer produto destinado ao território de qualquer outro
[Membro].

As únicas restrições permitidas no comércio são as tarifas, taxas e outros encargos, e


não proibições, quotas ou licenças. Essa regra geral não está livre de exceções, como se
verá no capítulo abaixo.

3.3.2. Exceções à Proibição Geral

Exceções – Restrições quantitativas poderão ser aplicadas, temporariamente, para evitar


carências de gêneros alimentícios, visando atender a escala de commodities ou produtos
agrícolas ou de pesca.143

RQs em outros Acordos da OMC - Alguns outros Acordos da OMC contêm previsões
que regulam a redução gradativa das restrições quantitativas das suas respectivas áreas
de interesse. Isto é ilustrado no Módulo 3.11 sobre têxteis e vestuários, por exemplo.

Outras exceções - Existem outras exceções à proibição geral de restrições quantitativas.


O próprio GATT 1994, nos Artigos XII, XVIII, XIX, XX e XXI, contém exceções, por
exemplo, nos motivos da balança de pagamentos, medidas emergenciais de salvaguarda,
ou para proteção da saúde publica e segurança nacional. Estas exceções serão
examinadas no Capítulo 4.

3.3.3. Administração de Restrições Quantitativas

Artigo XIII do GATT 1994 - O GATT 1994 prevê que as restrições quantitativas, como
proibição de importação, por exemplo, quando aplicadas, devem ser administradas com
fundamento não discriminatório. Desta forma, restrições quantitativas, quando
aplicadas, devem abranger todos os membros igualmente. Isto é conhecido como a regra
da “restrição similar”. O Artigo XIII:1 do GATT 1994 estipula:

Artigo XIII

Administração Não-discriminatória das Restrições Quantitativas

143
Artigo XI:2 do GATT 1994.
50
1. Nenhuma proibição ou restrição deverá ser aplicada por qualquer [Membro] na
importação de qualquer produto do território de outro [Membro] ou na exportação de
qualquer produto destinado para o território de qualquer outro [Membro], salvo se a
importação do produto de um terceiro país ou a exportação de um terceiro país seja
igualmente proibida ou restrita.

Artigo XIII: 2 do GATT 1994 – Na aplicação de restrições quantitativas, os Membros


devem sempre visar a distribuição comercial de forma mais próxima àquela participação
que os países fornecedores teriam alcançado se não tivessem essas restrições.

Artigo XIII:4 do GATT 1994 – O GATT 1994 prevê que, se as negociações para
alocação da divisão de quotas não forem bem sucedidas, as alocações deverão ser feitas
de acordo com a respectiva proporção dos países fornecedores no comércio, durante o
período de representação anterior.144

Com base na não – discriminação prevista no Artigo XIII do GATT 1994, o Órgão de
Apelação enfatizou em EC – Bananas III que a igualdade de tratamento dos produtos é
a essência da não – discriminação, independentemente de sua origem.
Consequentemente, neste caso, a condição da não discriminação aplicável a todas as
importações de bananas, independe de quando e como um Membro categoriza ou
subdivide essas importações para fins administrativos ou quaisquer outras razões. O
Órgão de Apelação esclarece que se um Membro poderia evitar a aplicação da não
discriminação desses produtos diante de outro Membro, por meio da escolha de uma
base legal diferente, o Membro poderia, assim, muito facilmente dissimular a previsão
de não - discriminação do GATT 1994 no caso da previsão desses atos normativos
aplicarem-se somente a este Membro.145

3.4. Outras Obrigações e Encargos Financeiros

Artigo II:1 (b) do GATT 1994 – O Artigo II:1(b) do GATT 1994, na segunda sentença,
prevê:

Os produtos descritos na Parte I da Lista relacionada a qualquer parte contratante,


que são produtos dos territórios de outras partes contratantes, deverão, na importação
para o território a que a Lista se refere, e sujeitos aos termos, condições ou
qualificações previstas nessa Lista, estar isentos das tarifas aduaneiras que excederem
aqueles previstos aqui. Estes produtos também deverão estar isentos de todas as outras
tarifas ou encargos de qualquer natureza impostos ou em conexão com a importação que
estiver prevista na data deste Acordo ou aqueles requeridos diretamente ou
obrigatoriamente para serem impostos pela legislação que estiver em vigor no território
importador.

Esta previsão estipula que com relação aos produtos em que há uma concessão tarifária,
nenhuma outra obrigação ou encargo financeiro poderá ser imposto além daqueles
impostos em 1948 ou em qualquer momento de ingresso no GATT ou OMC, ou
estabelecidos em legislação em vigor em qualquer das referidas datas. O Entendimento
para Interpretação do Artigo II:1(b) prevê a obrigação de registrar todas as outras

144
Artigo XIII:4 f do GATT 1994.
145
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 190.
51
obrigações e encargos na Lista do Membro da OMC. Somente quando estiverem
devidamente registradas, podem “outras obrigações e encargos” ser impostas.

Artigo II: 2(c) do GATT 1994 – Por outro lado, o Artigo II do GATT 1994 prevê uma
exceção permitindo a imposição de taxas ou outros encargos:

Nada neste Artigo impedirá qualquer parte contratante de impor a qualquer momento,
na importação de qualquer produto:
....
taxas ou outros encargos proporcionais ao custo dos serviços prestados.

Artigo VIII: 1(a) do GATT 1994 – O Artigo VIII: 1(a) do GATT 1994 prevê que todas
as taxas e encargos (exceto tarifas) impostos sobre a importação ou exportação deverão
ser limitados ao custo aproximado dos serviços prestados, e não deverão constituir
proteção indireta dos produtos nacionais ou taxação para fins fiscais. Os Membros
também reconhecem a necessidade de reduzir o número e a diversidade de taxas e
encargos.146

3.5. Outras Barreiras Não Tarifárias

Esta é uma categoria muita ampla. Muitas barreiras não tarifárias aplicam-se a produtos
nacionais e importados. Incluem-se procedimentos aduaneiros, atos normativos
técnicos, medidas sanitárias e fitossanitárias, encargos equivalentes às taxas nacionais,
anti-dumping e medidas de salvaguarda sobre serviços prestados. Informações
adicionais sobre outras barreiras não tarifárias estão no Capítulo 3.4 acima, Módulo 3.9
em medidas sanitárias e fitossanitárias e, Módulo 3.10 em barreiras técnicas ao
comércio.

Não há regras gerais no âmbito da OMC sobre barreiras não tarifárias, porém há regras
sobre barreiras específicas. Por exemplo, em relação a formalidades aduaneiras, os
Membros reconhecem a necessidade de minimizar a incidência e a complexidade das
formalidades de importação e exportação para diminuir e simplificar os documentos de
importação e exportação requeridos.

Muitas medidas não tarifárias estão sob as previsões da Parte II do GATT 1994 (Artigo
III do Artigo XXIII do GATT 1994). Estes artigos tratam do tratamento nacional em
relação à taxação interna e suas regras, às quotas de exibição de filmes
cinematográficos, ao trânsito livre, a anti-dumping e direitos alfandegários
compensatórios, às avaliações para fins alfandegários, às taxas e formalidades, às
marcas de origem, às restrições quantitativas, aos subsídios, às restrições impostas por
razões de balança de pagamentos e ao auxílio governamental para desenvolvimento
econômico. Na parte II há maiores disposições sobre exceções gerais de segurança.

Muitos outros acordos da OMC tratam de barreiras não tarifárias, mais especificamente
o Acordo TRIMS, o Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque (Agreement on Preshipment
Inspection), o Acordo sobre Compras Governamentais (Agreement on Government
Procurement), e o Acordo TRIPs (TRIPs Agreement).

3.6. Publicação e Administração de Regulamentos de Comércio


146
Artigo VIII:1(b) do GATT 1994.
52
O Artigo X do GATT 1994 enuncia dois princípios gerais. Primeiramente, os atos
normativos relativos a comércio não podem entrar em vigor antes de publicação oficial.
Segundo, atos normativos relativos a comércio deverão ser administrados de modo
uniforme, imparcial e razoável.

3.6.1. Aplicação apenas após publicação oficial das leis e regulamentos

Todos os atos normativos, decisões judiciais, atos administrativos etc. referentes a


importações e exportações devem ser publicados. Eles não poderão entrar em vigor
antes de sua publicação oficial.

Artigos X:1 e 2 do GATT 1994 – Em particular, os Artigos X:1 e X:2 prevêem:

Artigo X

Publicação e Administração de Regulamentos de Comércio

1. Leis, regulamentos, decisões judiciais e atos administrativos de aplicação geral,


referentes à classificação ou avaliação de produtos para fins aduaneiros, alíquotas de
tarifas, taxas ou outros encargos, requerimentos, restrições ou proibições sobre
importações, exportações ou transferências de pagamentos, distribuição, transportes,
seguros, inspeção de armazéns, exibição, processamento, associação, deverão ser
publicados previamente, de maneira que permitam a governos e comerciantes estarem
informados a respeito deles. Acordos envolvendo política comercial internacional que
estão em vigor entre o governo ou agência governamental de qualquer [Membro]
também deverão ser publicados. Os dispositivos deste parágrafo não deverão requerer
que algum Membro revele informação confidencial que poderia impedir a execução de
lei ou de qualquer forma contrariar interesse público ou que poderia prejudicar os
interesses comerciais legítimos de empreendimentos particulares e públicos.
2. Nenhuma medida de aplicação geral adotada por qualquer [Membro] que
altere a alíquota de tarifa ou qualquer outro encargo sobre importações sob uma
prática fixada e uniforme, uma nova imposição ou solicitação onerosa, restrição ou
proibição de importações, ou transferência de pagamentos, poderá ser executada sem
que a medida tenha sido oficialmente publicada.

3.6.2. Administração Uniforme, Imparcial e Razoável de Leis e Regulamentos

A Administração de atos normativos relacionados a comércio deverá ser uniforme,


imparcial e razoável. Juízo independente, árbitro ou instâncias administrativas deverão
ser instituídos para revisão imediata e correção de atos incompatíveis com este
princípio.

Artigo X:3 do GATT 1994 - O Artigo X:3 do GATT 1994 prevê:

3. (a) Cada [Membro] deverá administrar seus atos normativos descritos no


parágrafo 1 deste Artigo, de modo uniforme, imparcial e razoável.

53
(b) Cada [Membro] deverá manter, ou instituir assim que possível, juízo, árbitros,
tribunais administrativos ou procedimentos para este fim, inter alia, para a revisão
imediata e correção de atos administrativos relacionadas às matérias aduaneiras. Estes
tribunais ou procedimentos deverão ser independentes em relação às agências
envolvidas na execução administrativa, e suas decisões deverão ser implementadas
pelas agências a não ser que um recurso tenha sido interposto para uma corte ou
tribunal de jurisdição superior dentro do prazo previsto aos importadores; desde que a
administração central desta agência possa adotar medidas para obter uma revisão da
matéria em outro procedimento, tendo bons fundamentos para sustentar que a decisão
foi inconsistente em relação aos princípios estabelecidos por lei ou fatos.

(c) As previsões do subparágrafo (b) deste parágrafo não deverão requerer a


eliminação ou substituição de procedimentos em vigor no território de um [Membro]
na data deste Acordo que determine uma revisão objetiva e imparcial de atos
administrativos, até mesmo se estes procedimentos não forem totalmente ou
formalmente independentes em relação às agências administrativas encarregadas da
execução administrativa. Qualquer [Membro] que adote estas medidas deverá,
mediante requerimento, fornecer aos [Membros] informações completas, de modo que
possam determinar se estes procedimentos estão em conformidade com os requisitos
deste subparágrafo.

3.7 Teste sua compreensão

1. Quais tipos de medidas podem impedir ou restringir o acesso a mercado para


bens?

2. O GATT 1994 proíbe tarifas? Como as negociações e renegociações tarifárias


são conduzidas? Como o princípio da reciprocidade se aplica a negociações
tarifárias? O que são “listas de concessões”? Qual é a relação entre concessões
tarifárias e o GATT 1994?

3. O GATT 1994 proíbe restrições quantitativas?

4. O GATT 1994 proíbe “outras obrigações e encargos [financeiros]”?

5. O que são outras barreiras não-tarifárias?

6. Quais são as obrigações relativas à publicação e administração de regulamentos


de comércio?

54
4. EXCEÇÕES ÀS DISCIPLINAS DO GATT 1994

Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de:

• Listar as possíveis exceções às disciplinas do GATT 1994;


• Diferenciar entre os elementos das exceções específicas contidas no Artigo
XX do GATT 1994;
• Enumerar as possíveis exceções por razões de segurança;
• Identificar as condições nas quais os Membros de um acordo regional
podem se eximir das disciplinas do GATT; e
• Apreciar situações nas quais as restrições de balanço de pagamentos podem
ser aplicadas e explicar as regras aplicadas.

4.1 Quais são as Exceções Gerais ao GATT 1994?

O GATT 1994 permite aos Membros da OMC eximirem-se das disciplinas do GATT a
fim de protegerem valores sociais sob certas condições específicas.

Artigo XX do GATT 1994 – O Artigo XX do GATT 1994 estabelece, na parte


relevante:

Artigo XX

Exceções Gerais

Sujeito aos requisitos de que tais medidas não sejam aplicadas de maneira que possam
constituir arbitrária ou injustificada discriminação entre países onde as mesmas
condições prevaleçam, ou disfarçada restrição ao comércio internacional, nada neste
Acordo poderá ser interpretado de forma a evitar a adoção ou aplicação por qualquer
parte contratante de medidas:

(a) necessárias para proteger a moral pública;


(b) necessárias para proteger a vida ou saúde humana, animal ou vegetal;
...
(d) necessárias para assegurar o cumprimento de leis ou regulações que não sejam
incompatíveis com as disposições deste Acordo, incluindo aquelas relacionadas à
aplicação de alfândega, aplicação de monopólios regulados pelo parágrafo do artigo II
e artigo XVII, a proteção de patentes, marcas e direitos autorais, e a prevenção de
práticas enganosas;
(e) relacionadas aos produtos do trabalho em prisões;
(f) impostas para proteção de tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou
arqueológico;
(g) relacionadas à conservação de recursos naturais esgotáveis se tais medidas forem
efetuadas conjuntamente com restrições à produção e ao consumo domésticos;
...
Início da Análise - Antes de examinar quando a medida pode ser justificada sob as
exceções do Artigo XX, é necessário determinar se tal medida é incompatível com
qualquer outro dispositivo do GATT 1994. Se a medida em questão não é incompatível
com nenhum dispositivo do GATT, não há necessidade de justificá-la sob o Artigo XX.

55
Equilíbrio - Sobre a relação entre o Artigo XX e os demais dispositivos do GATT, o
Órgão de Apelação mencionou no US - Gasoline que alguma forma de equilíbrio é
necessária: os dispositivos do Artigo XX “não devem ser lidos tão expansivamente de
forma a subverter seriamente o propósito e o objeto” de outros dispositivos do GATT.
Nem se pode dar a outros dispositivos do GATT 1994 “um alcance tão amplo a ponto
de macular” os dispositivos do Artigo XX e as políticas e interesses nele
incorporados.147 O Órgão de Apelação concluiu que a relação entre “as exceções gerais”
do Artigo XX deve ser examinada caso a caso, “através do escrutínio cuidadoso do
contexto factual e legal de determinada disputa, considerando as palavras de fato usadas
pelos Membros da OMC para expressar suas intenções e propósitos”.148

Teste em duas fases - A abordagem geral para determinar se uma medida em apreço
configura uma exceção válida nos termos do Artigo XX é a aplicação do teste dos dois
níveis:

1) A medida em questão configura uma das exceções específicas?


2) A medida em questão satisfaz as condições requeridas no caput do Artigo XX?149

Ordem da Análise - A ordem da análise é importante e deve ser respeitada. Conforme


dito pelo Órgão de Apelação no caso US-Shrimp:

A seqüência dos passos indicados acima para análise dos pedidos de justificação nos
termos do Artigo XX reflete não uma escolha inadvertida ou aleatória, mas sim, pelo
contrário, a estrutura fundamental e lógica do Artigo XX...

A tarefa de interpretar o caput a fim de evitar o abuso ou o emprego incorreto das


exceções específicas previstas no Artigo XX torna-se muito difícil, se é que continua
possível, onde o intérprete (como o Painel neste caso), de início não identificou e
examinou a exceção específica ameaçada de abuso. ... O que é apropriadamente
caracterizada como ‘discriminação arbitrária’ ou ‘discriminação injustificada’, ou
como uma ‘restrição disfarçada ao comércio internacional’ em relação a uma
categoria de medidas, não necessariamente será para outro grupo ou tipo de medidas.
O padrão de ‘discriminação arbitrária’, por exemplo, nos termos do caput pode ser
diferente para uma medida que pretende ser necessária para proteger a moral pública
do que quando aplicada a uma medida relacionada a produtos do trabalho em
prisional.150

As Seções seguintes examinarão os elementos que precisam ser satisfeitos para


justificar medidas que, não fosse por isso, seriam incompatíveis com o GATT, nos
termos de cada exceção específica do Artigo XX e nos termos do próprio caput do
Artigo XX.

4.1.1 Tipos de Medidas Enumeradas no Artigo XX

147
Órgão de Apelação Report, US – Gasoline, p. 16-17.
148
Órgão de Apelação Report, US – Gasoline, p. 16-17.
149
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, p. 22.
150
Relatório do Órgão de Apelação, Estados Unidos – Proibição à importação de certos camarões e
produtos à base de camarão (“US - Shrimp”), WT/DS58/AB/R, adotado em 6 de novembro de 1998,
paras. 119-120.
56
Várias exceções específicas estão contempladas no Artigo XX , parágrafos (a) a (j),
para medidas que seriam, em princípio, incompatíveis com as disposições do GATT
1994. Essas exceções reconhecem que os Membros têm o direito de adotar e
implementar legítimas políticas governamentais que podem entrar em conflito com a
liberalização comercial. Tais políticas governamentais podem objetivar a proteção de
valores sociais e interesses legítimos tais como vida ou saúde humana, animal e vegetal,
recursos naturais esgotáveis, tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou
arqueológico e valores morais.

Para os propósitos deste Curso, somente trataremos das exceções específicas que já
foram cuidadosamente consideradas em diferentes relatórios do GATT e da OMC, ou
seja, as exceções específicas previstas nos Artigos XX(b), XX(d) e XX(g).

4.1.1.1 Medidas necessárias para proteger a vida humana, animal ou vegetal, ou a


saúde

Artigo XX(b) do GATT 1994 – O Artigo XX(b) estabelece:

“... nada neste Acordo deverá ser interpretado de forma a impedir a adoção ou
aplicação, por qualquer parte contratante, de medidas:
...
(b) necessárias para proteger a vida humana, animal ou vegetal, ou a saúde;”

Teste de duas fases – O Artigo XX(b) prevê um teste de duas fases para determinar se
uma medida é justificada sob aquela disposição, antes de examinar se ele também
satisfaz os elementos do caput do Artigo XX. A parte invocando o Artigo XX(b) deve
estabelecer:

1) que a política relativa às medidas para as quais o dispositivo foi invocado inclui-
se no espectro de políticas destinadas a proteger a vida ou saúde humana, animal ou
vegetal;
2) que as medidas incompatíveis para as quais a exceção está sendo invocada são
necessárias para cumprir o objetivo da política.151

Saúde Pública e Políticas Ambientais – O primeiro elemento do teste envolve políticas


de saúde pública assim como políticas ambientais. Essa condição é relativamente fácil
de preencher. Por exemplo, em Thailand – Cigarretes, a Tailândia procurou justificar
suas restrições à importação de cigarros ao dizer que ela visava proteger o público de
ingredientes danosos de cigarros importados, e reduzir o consumo de cigarros na
Tailândia. O Painel reconheceu que fumar constituía um sério risco à saúde humana e
que, conseqüentemente, medidas visando reduzir o consumo de cigarros incluíam-se no
âmbito de políticas consideradas sob o Artigo XX(b).152 Em EC – Asbestos, a França
impôs uma proibição a produtos de cimento de crisotila e invocou o Artigo XX(b) ao
alegar que tais produtos colocavam riscos à vida humana e à saúde.153

Elemento da “necessidade” – O segundo elemento – o requisito da “necessidade” – é


mais difícil de estabelecer. O Painel em Thailand – Cigarettes estabeleceu que uma

151
Ver Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.20.
152
Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 73.
153
Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 162.
57
medida é “necessária” nos termos do Artigo XX(b) apenas quando não há medidas
alternativas compatíveis com o GATT, ou menos incompatíveis com ele, cujo emprego
poderia razoavelmente ser esperado pelo Membro demandado, para alcançar seu
objetivo.154 À luz desse padrão, o Painel em Thailand – Cigarettes conduziu a seguinte
avaliação da “necessidade” das restrições à importação da Tailândia alegadamente
estabelecidas para proteger a saúde pública:

“O Painel então examinou se as preocupações tailandesas com a qualidade dos


cigarros consumidos na Tailândia poderiam ser alcançadas com as medidas
compatíveis, ou menos incompatíveis, com o Acordo Geral. Ele notou que outros países
tinham introduzido uma rotulagem rigorosa e não-discriminatória bem como
regulamentos de divulgação de ingredientes que permitiam aos governos controlarem o
conteúdo dos cigarros e ao público se informar sobre ele. Uma regulação não-
discriminatória implementada com base no tratamento nacional de acordo com o
Artigo III:4 exigindo a divulgação completa de ingredientes, acoplado a uma proibição
de substâncias insalubres, seria uma alternativa compatível com o Acordo Geral. O
Painel considerou que se poderia razoavelmente esperar da Tailândia a tomada de
medidas para tratar dos objetivos da política de qualidade que ela agora busca através
de uma proibição à importação de todos os cigarros quaisquer que fossem seus
ingredientes.

O Painel então considerou se as preocupações tailandesas com a quantidade dos


cigarros consumidos na Tailândia poderiam ser alcançadas com medidas
razoavelmente disponíveis para isso e compatíveis, ou menos incompatíveis, com o
Acordo Geral. Uma proibição da propaganda de cigarros tanto de origem doméstica
como estrangeira normalmente alcançaria os requisitos do Artigo III:4 [ou] teria de
ser considerada como inevitável e, portanto, necessária nos termos do Artigo XX(b),
pois direitos adicionais de propaganda seriam um risco de estimular a demanda por
cigarros. ...

Em suma, o Painel considerou que havia várias medidas compatíveis com o Acordo
Geral que estavam razoavelmente à disposição da Tailândia para controlar a
qualidade e quantidade de cigarros fumados e que, colocadas juntamente, poderiam
alcançar os objetivos da política de saúde que o governo tailandês busca ao restringir
a importação de cigarros de modo incompatível com o Artigo XI:1. O Painel entendeu,
portanto, que a prática da Tailândia de permitir a venda de cigarros domésticos
enquanto não permitia a importação de cigarros estrangeiros era uma
incompatibilidade com o Acordo Geral não ‘necessária’ nos termos do Artigo
XX(b).”155

No Relatório não-adotado em United States – Tuna/Dolphin, o Painel conduziu a


seguinte avaliação para determinar se a proibição de atum de albacora capturado com
técnicas que são danosas aos golfinhos poderia ser justificada sob o Artigo XX(b).

“O Painel considerou que as medidas dos Estados Unidos, mesmo que o Artigo XX(b)
fosse interpretado de forma a permitir a proteção extrajurisdicional da vida e da saúde,
não alcançariam o requisito de necessidade previsto nesta disposição. Os Estados
Unidos não demonstraram ao Painel – como exigido pela parte invocando uma exceção

154
Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 74-75.
155
Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 73-81.
58
do Artigo XX – que eles exauriram todas as opções razoavelmente disponíveis para
isso, para perseguir os objetivos de proteção aos golfinhos através de medidas
compatíveis com o Acordo Geral, em particular através da negociação de arranjos de
cooperação internacional, que pareceriam desejáveis à luz do fato de que golfinhos
vagam pela águas de muitos Estados e pelo alto-mar. Ademais, ainda que se assumisse
que uma proibição à importação fosse o único recurso razoavelmente disponível aos
Estados Unidos, a medida particular escolhida pelos Estados Unidos poderia, na
opinião do Painel, não ser considerada como necessária nos termos do Artigo XX(b).
Os Estados Unidos ligaram a taxa máxima de captura incidental de golfinhos que o
México tinha de alcançar durante um período particular a fim de poder exportar atum
aos Estados Unidos, com a taxa de captura realmente registrada para os pescadores
dos Estados Unidos durante o mesmo período. Conseqüentemente, as autoridades
mexicanas não poderiam saber se, em um dado momento, suas políticas conformavam-
se aos padrões de proteção a golfinhos dos Estados Unidos. O Painel considerou que
uma limitação ao comércio baseada em tais condições imprevisíveis não poderia ser
considerada como necessária para proteger a saúde ou a vida de golfinhos.”156

Em US – Gasoline, o Painel enfatizou que o Artigo XX(b) não requer a avaliação do


objetivo da política ser “necessário”, mas da medida em disputa ser “necessária” para
alcançar o objetivo da política em questão.157

Nível de Proteção – em EC – Asbestos, a disputa entre o Canadá e a Comunidade


Européia envolvia a proibição francesa de asbestos e produtos de asbestos. O Órgão de
Apelação entendeu que os Membros da OMC possuem o direito de determinar o grau de
proteção à saúde que eles consideram apropriado em uma dada situação.158 Isso
significa que outros Membros da OMC não podem desafiar o grau de proteção
selecionado pelo Membro reclamado, mas apenas argüir que a medida em disputa não é
“necessária” para alcançar aquele grau de proteção.

Alternativas Compatíveis do GATT Razoavelmente Disponíveis – Em EC – Asbestos, o


Órgão de Apelação ainda refinou o teste de “necessidade” usado primeiro em Thailand
– Cigarettes, que estabeleceu que não deveria haver nenhum método alternativo
compatível, ou nenhum menos incompatível, com a medida em disputa que poderia se
esperar razoavelmente que o Membro empregasse. Naquele caso, o Canadá argüiu que
“uso controlado” constituía uma alternativa razoavelmente disponível para a proibição
francesa à importação de asbestos. O Canadá argüiu que uma medida alternativa
somente pode ser excluída como “razoavelmente disponível” se a implementação
daquela medida for “impossível”. Valendo-se de sua interpretação de “necessidade” no
Artigo XX(d) em Korea – Beef, o Órgão de Apelação declarou que um aspecto do
“processo de pesagem e balanceamento... compreendido na determinação de se uma
medida alternativa compatível com a OMC” está razoavelmente disponível é a extensão
em que a medida alternativa “contribui para a realização do fim perseguido”159; e que
“quanto mais vitais ou importantes os interesses comuns ou valores” perseguidos, mais
fácil seria estabelecer que as medidas em disputa são “necessárias” para alcançar esses
fins.160 O Órgão de Apelação então concluiu:

156
Relatório do Painel, US – Tuna/Dolphin, par. 5.25-5.28.
157
Ver Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.22.
158
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 168.
159
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 166 e 163.
160
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 162.
59
“Nesse caso, o objetivo visado pela medida é a preservação da vida humana e da saúde
através da eliminação, ou redução, dos bem conhecidos, e ameaçadores, riscos à saúde
colocados pelas fibras de asbestos. O valor almejado é tanto vital como importante no
nível mais alto. A questão restante, então, é se há uma medida alternativa que
alcançaria o mesmo fim e que é menos restritiva ao comércio do que uma proibição. ...

Em nossa opinião, não se poderia razoavelmente esperar que a França empregasse


qualquer medida alternativa se aquela medida envolvesse uma continuação do mesmo
risco, o qual o Decreto procura ‘parar’. Tal medida alternativa impediria, com efeito, a
França de alcançar seu escolhido grau de proteção à saúde. Com base nas evidências
científicas sobre isso, o Painel entendeu que, em geral, a eficácia do ‘uso controlado’
ainda precisa ser demonstrada. Além disso, mesmo em casos onde prática de ‘uso
controlado’ é aplicada ‘com grande certeza’, as evidências científicas sugerem que o
graul de exposição pode, em algumas circunstâncias, ser ainda suficientemente alto
para haver um ‘risco residual significante de desenvolver doenças relacionadas a
asbestos.’ O Painel entendeu também que a eficácia do ‘uso controlado’ é
particularmente duvidoso para a indústria de construção e para entusiastas do ‘faça
você mesmo’, que são os usuários mais importantes de produtos baseados em cimento
contendo asbestos de crisotila. Dadas essas constatações factuais do Painel,
acreditamos que o ‘uso controlado’ não permitiria à França alcançar o grau escolhido
de proteção à saúde ao impedir a disseminação dos riscos à saúde relacionados a
asbestos. ‘Uso controlado’ não seria, portanto, uma medida alternativa que alcançaria
o fim buscado pela França.”161

Meios Suficientes de Prova – Quanto aos meios suficientes de prova para justificar uma
medida de outro modo incompatível com o GATT sob o Artigo XX(b), o Órgão de
Apelação declarou em EC – Asbestos, que um Membro pode valer-se, de boa-fé, de
fontes científicas que, naquele momento, podem representar uma opinião divergente,
mas qualificada e respeitada. O Órgão de Apelação expressou:

“Um Membro não está automaticamente obrigado, ao determinar a política de saúde, a


seguir o que, em um dado momento, pode constituir uma opinião científica majoritária.
Portanto, um painel não precisa, necessariamente, alcançar uma decisão sob o Artigo
XX(b) do GATT 1994 com base no peso ‘preponderante’ da evidência.”162

4.1.1.2 Medidas sob o Artigo XX(d)

Artigo XX(d) do GATT 1994 – o Artigo XX(d) estabelece:

“... nada neste Acordo deverá ser interpretado para impedir a adoção ou
implementação por qualquer parte contratante de medidas:
...
(d) necessárias para assegurar a obediência a leis ou regulamentos que não são
incompatíveis com as disposições deste Acordo, incluindo aqueles relativos à
161
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 174.
162
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 178.
60
implementação de aduanas, a implementação de monopólios operados sob o parágrafo
4 do Artigo II e do Artigo XVII, a proteção de patentes, marcas registradas e direitos
autorais, e a prevenção de práticas enganosas;”

Teste de duas fases – Duas questões precisam ser respondidas a fim de determinar se
medidas de outro modo incompatíveis com o GATT podem ser justificadas
provisoriamente sob o Artigo XX(d), antes de determinar se as medidas também
satisfazem os requisitos sob o caput do Artigo XX. O ônus de demonstrar que esses dois
elementos estão presentes reside no Membro que invoca o Artigo XX(d) como
justificativa.163

(1) A medida deve ser destinada a “assegurar obediência” a leis ou regulamentos


que não são eles mesmos incompatíveis com alguma determinação do GATT 1994.
(2) A medida deve ser “necessária” para assegurar tal obediência.164

Primeiro elemento – Quanto ao primeiro elemento, qual seja, “assegurar obediência às


leis e regulamentos [compatíveis com o GATT]”, o Painel em US – Gasoline expressou:

“... a manutenção da discriminação entre gasolina importada e doméstica contrária ao


Artigo III:4, sob os métodos de estabelecimento de uma base, não ‘asseguram
obediência’ com o sistema de base. Esses métodos não eram um mecanismo de
implementação. Eles eram simplesmente regras para determinar as bases individuais.
Como tais, eles não eram o tipo de medidas com as quais o Artigo XX(d) estava
preocupado.”165

Elemento de “necessidade” – Quanto ao segundo elemento, qual seja, o teste de


“necessidade”, o Órgão de Apelação em Korea – Beef declarou:

“Em suma, a determinação de se uma medida, que não é ‘indispensável’, pode não
obstante ser ‘necessária’ dentro da contemplação do Artigo XX(d), envolve em todo
caso um processo de pesar e balancear uma série de fatores que incluem, de forma
proeminente, a contribuição feita pela medida de obediência para a implementação da
lei ou regulamento em questão, a importância dos interesses ou valores comuns
protegidos por aquela lei ou regulamento, e o impacto da lei ou regulamento associado
às importações ou exportações.”166

4.1.1.3 Medidas Relativas à Conservação de Recursos Naturais Esgotáveis

Artigo XX(g) do GATT 1994 – O Artigo XX(g) estabelece:

“... nada neste Acordo deverá ser interpretado para impedir a adoção ou
implementação por qualquer parte contratante de medidas:
...
(g) relativas à conservação de recursos naturais esgotáveis se tais medidas forem
aplicadas em conjunção com restrições à produção ou consumo domésticos;”

163
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 157.
164
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 157.
165
Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.33.
166
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 164.
61
Teste de três fases – Três questões precisam ser respondidas sob o Artigo XX(g) para
avaliar se a medida em disputa é provisoriamente justificada sob o Artigo XX, antes de
determinar se ela também satisfaz os elementos do caput do Artigo XX;

• se a medida relaciona-se à conservação de recursos naturais esgotáveis;


• se a medida relaciona-se à conservação de recursos naturais esgotáveis;
• se a medida é aplicada em conjunção com restrições sobre a produção ou consumo
domésticos.

“conservação de recursos naturais esgotáveis” – o elemento de “conservação de


recursos naturais esgotáveis” inclui tanto espécies vivas como não-vivas. O Órgão de
Apelação adotou uma interpretação “evolucionária” do Artigo XX(g):

“... nós não acreditamos que recursos naturais ‘esgotáveis’ e recursos naturais
‘renováveis’ sejam mutuamente excludentes. Uma lição que as ciências biológicas
modernas nos ensinam é que espécies vivas, embora em principio capazes de
reprodução e, nesse sentido, ‘renováveis’, são realmente em certas circunstâncias
suscetíveis de depleção, exaustão e extinção, freqüentemente devido a atividades
humanas. Recursos vivos são tão ‘finitos’ quanto petróleo, minério de ferro e outros
recursos não-vivos.
As palavras do Artigo XX(g), ‘recursos naturais esgotáveis’, na verdade foram
elaboradas há mais de 50 anos. Elas devem ser lidas por um interpretador de tratados
à luz das preocupações contemporâneas da comunidade de nações acerca da proteção
e conservação do meio-ambiente. Apesar do Artigo XX não ter sido modificado na
Rodada Uruguai, o preâmbulo anexado ao Acordo da OMC mostra que os signatários
daquele Acordo estavam, em 1994, totalmente cientes da importância e legitimidade da
proteção ambiental como objetivo da política nacional e internacional. O preâmbulo do
Acordo da OMC – que informa não apenas o GATT 1994, mas também os outros
acordos abrangidos – reconhece explicitamente ‘o objetivo do desenvolvimento
sustentável...’; ...
Da perspectiva incorporada no preâmbulo do Acordo da OMC, notamos que o termo
genérico ‘recursos naturais’ no Artigo XX(g) não é ‘estático’ no seu conteúdo ou
referência, mas ‘por definição, evolucionário’. É pertinente, portanto, notar que as
convenções e declarações internacionais modernas fazem freqüentes referências aos
recursos naturais como abrangendo tanto recursos vivos como não-vivos. ... Ademais,
dois relatórios do painel do GATT 1947 adotados julgaram anteriormente que peixes
são um ‘recurso natural esgotável’ nos termos do Artigo XX(g).”167

Em US – Gasoline, os Estados Unidos procuraram assegurar que a poluição da


combustão de gasolina não excedesse os níveis de 1990 e que poluentes nos maiores
centros populacionais fossem reduzidos.168 O Órgão de Apelação entendeu que o
objetivo da medida incluía-se no âmbito do Artigo XX(g), mas que ele não satisfazia os
requisitos do caput do Artigo XX. Em US – Shrimp, os Estados Unidos visaram
proteger tartarugas marinhas ao proibir importações de camarões capturados com redes

167
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 128-131.
168
Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline. O Órgão de Apelação entendeu que a medida
“da gasolina” dos Estados Unidos incluía-se nos termos do Artigo XX(g), mas o Órgão de Apelação
concluiu que ela não satisfazia os requisitos do caput do Artigo XX do GATT 1994.
62
que eram danosas a tartarugas marinhas.169 Novamente, o Órgão de Apelação entendeu
que o objetivo da medida incluía-se no escopo do Artigo XX(g), mas também entendeu
que a medida falhava ultimamente em preencher o requisito do caput do Artigo XX.

“relaciona-se à” – Para satisfazer o segundo elemento que exige que medida “relacione-
se” à conservação de recursos naturais esgotáveis, a medida em questão deve
“primariamente visar a conservação”.170

Em US – Shrimp, o Órgão de Apelação adicionou que, não apenas a medida deve


“primariamente visar a conservação”, mas também sua relação com a política ambiental
deve ser “visivelmente próxima e real”. Aplicando-se os padrões aos fatos do caso, o
Órgão de Apelação declarou:

“Em seu desenho e estrutura gerais, portanto, a Seção 609 não é uma proibição
simples e abrangente da importação de camarão, imposta sem considerar as
conseqüências (ou a falta delas) do modo de colheita empregado na captura incidental
e na mortalidade de tartarugas marinhas. Focalizando no desenho da medida aqui em
jogo, parece-nos que a Seção 609, com linhas gerais de implementação, não é
desproporcionalmente ampla no seu escopo e alcance em relação ao objetivo da
política de proteção e conservação das espécies de tartarugas marinhas. Os meios são,
em princípio, razoavelmente relacionados aos fins. A relação de meios e fins entre a
Seção 609 e a política legítima de conservar uma espécie esgotável e, de fato, em
perigo, é visivelmente uma relação próxima e real. ...”171

“imparcialidade” – Finalmente, quanto ao terceiro elemento do teste sob o Artigo


XX(g) que exige que as medidas sejam aplicadas em conjunção às restrições sobre a
produção ou consumos domésticos, o Órgão de Apelação explicou em US – Gasoline
que esse é um requisito de “imparcialidade” na imposição de restrições a produtos
importados e domésticos, em nome da conservação.172 O Órgão de Apelação aplicou
aquele padrão ao caso da seguinte forma:

“Na presente apelação, as regras de estabelecimento de uma base afetam tanto a


gasolina doméstica como a importada, possibilitando – genericamente falando – bases
individuais para refinadores e misturadores domésticos e bases estatutárias para
importadores. Logo, restrições ao consumo ou à depleção de ar limpo através da
regulação da produção doméstica de gasolina ‘suja’ são estabelecidas juntamente com
as restrições correspondentes com respeito à gasolina importada. ...”173

4.1.2 Requisitos do Caput do Artigo XX

169
Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp: o Órgão de Apelação entendeu que a medida dos
Estados Unidos incluía-se nos termos do Artigo XX(g), mas o Órgão de Apelação concluiu que ela não
satisfazia os requisitos do caput do Artigo XX do GATT 1994.
170
Relatório do Painel, Canadá – Medidas que Afetam as Exportações de Arenque e Salmão Não
Processados (“Canada – Herring and Salmon ”), adotado em 22 de março de 1988, BISD 35S/98, par.
4.4-4.6.
171
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 141.
172
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22.
173
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22.
63
O Artigo XX prevê um teste de duas fases para determinar se uma medida de outro
modo incompatível com o GATT pode ser justificada. Ele requer primeiro, que a
medida satisfaça os elementos de uma exceção particular, e segundo, que a mesma
medida satisfaça os requisitos do caput do Artigo XX.

Caput do Artigo XX – Com respeito às medidas provisoriamente justificadas sob uma


das exceções específicas do Artigo XX, o caput do Artigo XX estabelece:

“Sujeito à exigência de que tais medidas não sejam aplicadas de uma maneira que
constituiria um meio de discriminação arbitrária ou injustificada entre países onde as
mesmas condições prevalecem, ou uma restrição disfarçada ao comércio
internacional...”

Objetivo – Quanto ao objetivo do caput do Artigo XX, o Órgão de Apelação em US –


Gasoline entendeu que o caput trata não tanto da medida em questão, mas da maneira
pela qual aquela medida é aplicada, e que seu propósito e objeto são de prevenir o abuso
das exceções do Artigo XX que resultariam na derrota e frustração dos objetivos do
GATT 1994.174

Além disso, em US – Shrimp, o Órgão de Apelação explicou que o caput do Artigo XX


é uma emanação do princípio geral de boa-fé no direito internacional.175

4.1.2.1 Discriminação Arbitrária ou Injustificada

Discriminação – A aplicação de medidas visando serem eximidas das disciplinas do


GATT através do Artigo XX não deve constituir “discriminação” “arbitrária” e
“injustificada”. Em outras palavras, se a discriminação não é arbitrária ou injustificada,
ela pode ser autorizada segundo o caput do Artigo XX. Nesse sentido, o conceito de
“discriminação” sob o Artigo XX difere daqueles contidos em outras disposições do
GATT.176

A fim de determinar se a aplicação de medidas em questão constitui discriminação


arbitrária ou injustificada, três elementos devem ser satisfeitos;

• a aplicação da medida deve resultar em discriminação;


• a discriminação deve ter natureza arbitrária ou injustificada;
• a discriminação deve ocorrer entre países onde as mesmas condições prevalecem.177

Quanto ao terceiro elemento, deve-se notar que tal discriminação poderia ocorrer não
apenas entre diferentes Membros exportadores, mas também entre Membros
exportadores e o Membro importador envolvido.178

Em US – Gasoline, o Órgão de Apelação articulou o seguinte:

174
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22.
175
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 156-159.
176
Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 23-24. Ver também Relatório do Órgão de
Apelação, US – Shrimp, par. 150.
177
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 150.
178
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 23-24.
64
“Nós localizamos acima duas omissões por parte dos Estados Unidos: explorar
adequadamente os meios, incluindo particularmente a cooperação com os governos da
Venezuela e do Brasil, de mitigar os problemas administrativos usados como
justificativa pelos Estados Unidos para rejeitar bases individuais para refinadores
estrangeiros; e contar os custos para refinadores estrangeiros que resultariam da
imposição de bases estatutárias. Em nossa opinião, essas duas omissões vão bem além
do que era necessário para o Painel determinar que uma violação do Artigo III:4
ocorreu em primeiro lugar. A discriminação resultante deve ter sido prevista, e não foi
meramente inadvertida ou inevitável. À luz do exposto acima, nossa conclusão é que as
regras de estabelecimento de bases na Regra da Gasolina, em sua aplicação,
constituem ‘discriminação injustificada’ e uma ‘restrição disfarçada ao comércio
internacional.’ Mantemos, em suma, que as regras de estabelecimento de bases,
embora nos termos do Artigo XX(g), não servem para justificar a proteção conferida
pelo Artigo XX como um todo.”179

Ao aplicar o teste de três fases descrito acima, o Órgão de Apelação fez as seguintes
observações e conclusões em US – Shrimp:

“... Deve ser bastante aceitável que um governo, ao adotar e implementar uma política
doméstica, adote um padrão único aplicável a todos os cidadãos daquele país. No
entanto, não é aceitável, nas relações do comércio internacional, que um Membro da
OMC utilize um embargo econômico para ‘exigir que outros Membros adotem
essencialmente o mesmo programa regulador abrangente, alcancem um certo objetivo
político, como aquele em vigor dentro do território daquele Membro, sem levar em
consideração as diferentes condições que podem ocorrer nos territórios daqueles
outros Membros.’
... Nós acreditamos que a discriminação resulta não apenas de quando países nos quais
as mesmas condições prevalecem são diferentemente tratados, mas também de quando
a aplicação da medida em questão não permite nenhuma investigação sobre se aquele
programa é apropriado às condições prevalecendo naqueles países exportadores.
... A Seção 609, em sua aplicação, impõe um requisito único, rígido e firme de que
países candidatando-se a uma certificação... adotem um programa regulador
abrangente que é essencialmente o mesmo programa dos Estados Unidos, sem
investigar se aquele programa é apropriado para as condições prevalecentes nos
países exportadores. Além disso, há pouca ou nenhuma flexibilidade sobre como
oficiais fazem a determinação para certificação segundo essas disposições. Em nossa
opinião, essa rigidez e inflexibilidade também constituem ‘discriminação arbitrária’
nos termos do caput.”180

4.1.2.2 Restrição Disfarçada ao Comércio Internacional

Relação Entre os Dois Elementos do Caput do Artigo XX - Quanto ao requisito de que a


medida não constitua uma “restrição disfarçada ao comércio internacional” para se
beneficiar das exceções do Artigo XX, e no que toca à sua relação com o requisito de
que a medida não seja ainda “discriminação arbitrária e injustificada”, o Órgão de
Apelação explicou o seguinte em US – Gasoline:

179
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 28-29.
180
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 164-165, 177.
65
“‘Discriminação Arbitrária’, ‘discriminação injustificada’ e ‘restrição disfarçada’ ao
comércio internacional podem, portanto, ser lidas lado-a-lado; eles transmitem
significado um ao outro. É claro para nós que ‘restrição disfarçada’ inclui
discriminação disfarçada no comércio internacional. É igualmente claro que a
restrição ou discriminação oculta ou não-anunciada ao comércio internacional não
esgota o significado de ‘restrição disfarçada’.
Consideramos que ‘restrição disfarçada’, o que quer mais que ela cubra, pode ser lida
apropriadamente como a adoção de restrições equivalentes à discriminação arbitrária
ou injustificada ao comércio internacional, assumidas sob a aparência de uma medida
formalmente nos termos de uma exceção listada no Artigo XX. Colocados de uma
maneira de certo modo diferente, os tipos de considerações pertinentes ao decidir se a
aplicação de uma medida em particular equivale a ‘discriminação arbitrária ou
injustificada’ podem também ser levados em conta ao determinar a presença de uma
‘restrição disfarçada’ ao comércio internacional. O tema fundamental será encontrado
no propósito e objeto de evitar abuso ou uso ilegítimo das exceções às regras
substantivas disponíveis no Artigo XX.”181

4.2 Quais são as Exceções de Segurança?

As “exceções de segurança” permitem aos Membros tomar medidas que partem das
disciplinas do GATT para alcançar objetivos de “segurança”, nos termos do Artigo
XXI.182

Artigo XXI do GATT 1994 – O Artigo XXI do GATT 1994 estabelece:

Artigo XXI

Exceções de segurança

Nada neste Acordo deverá ser interpretado de modo a


(a) exigir que qualquer [Membro] forneça qualquer informação cuja revelação ele
considere contrária aos seus interesses essenciais de segurança; ou
(b) impedir qualquer [Membro] de realizar qualquer ação que ele considere necessária
para a proteção de seus interesses essenciais de segurança
(i) relativos a materiais fissionáveis ou aos materiais dos quais são derivados;
(ii) relativos ao tráfico de armas, munição e utensílios de guerra e ao tráfico de outros
bens e materiais executado com o propósito de, direta ou indiretamente, suprir um
estabelecimento militar;
(iii) assumidos em tempo de guerra ou outra emergência em relações internacionais;
ou
(c) para impedir qualquer [Membro] de realizar qualquer ação conforme suas
obrigações sob a Carta das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança
internacionais.

4.2.1 Exceções de Segurança Nacional

181
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, p. 25.
182
Vale notar que o Artigo XIV bis do GATS e o Artigo 73 do Acordo TRIPS contêm disposições
similares ao Artigo XXI do GATT 1994.
66
Artigos XXI(a) e XXI(b) do GATT 1994 – os Artigos XXI(a) e XXI(b) do GATT 1994
estabelecem:

Artigo XXI

Exceções de Segurança

Nada neste Acordo deverá ser interpretado de modo a


(a) exigir que qualquer [Membro] forneça qualquer informação cuja revelação ele
considere contrária aos seus interesses essenciais de segurança; ou
(b) impedir qualquer [Membro] de realizar qualquer ação que ele considere necessária
para a proteção de seus interesses essenciais de segurança
(i) relativos a materiais fissionáveis ou os materiais dos quais são derivados;
(ii) relativos ao tráfico de armas, munição e utensílios de guerra e ao tráfico de outros
bens e materiais executado com o propósito de, direta ou indiretamente, suprir um
estabelecimento militar;
(iii) assumidos em tempo de guerra ou outra emergência em relações internacionais;
...

O Artigo XXI(a) confere aos Membros o direito de recusar a revelação de informações


baseado em fundamentos de segurança. O Artigo XXI(b) dá o direito aos Membros de
“realizar qualquer ação”, tal como embargos unilaterais, sujeita aos critérios contidos
nos parágrafos (i) a (iii). Na prática, este Artigo tem sido raramente invocado.

4.2.2 Ações sob a Carta das Nações Unidas para a Manutenção da Paz e Segurança
Internacionais

Artigo XXI(c) do GATT 1994 – O Artigo XXI(c) do GATT 1994 estabelece:

Artigo XXI

Exceções de Segurança

Nada neste Acordo será ser interpretado de modo a


...
(c) impedir qualquer [Membro] de realizar qualquer ação conforme suas obrigações
sob a Carta das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança internacionais.

Sanções Econômicas – O Artigo XXI(c) permite aos Membros tomarem medidas de


segurança que possam afetar as relações do comércio internacional, desde que tais
medidas sejam exigidas pelo Conselho de Segurança agindo sob a Carta das Nações
Unidas para a manutenção da paz e segurança internacionais. Em virtude do Artigo 25
da Carta das Nações Unidas, os Membros das Nações Unidas não têm outra escolha a
não ser aceitar e cumprir as decisões do Conselho de Segurança a respeito da paz e
segurança internacionais. Tais medidas podem incluir sanções econômicas.183 Falando
mais amplamente, o Artigo XXI(c) simplesmente reconhece a supremacia da Carta das

183
Ver Artigo 41 da Carta das Nações Unidas.
67
Nações Unidas sobre outros acordos internacionais na ocasião de um conflito, como
estipulado no Artigo 103 da Carta das Nações Unidas.

Na prática, isso significa que os Membros não estão violando suas obrigações do GATT
ao implementarem sanções econômicas impostas pelo Conselho de Segurança das
Nações Unidas, como foi o caso dos anos 80 quando sanções econômicas foram
assumidas contra a África do Sul para protestar contra seu regime de apartheid. Os
Membros geralmente notam seus recursos às sanções da ONU quando notificam seus
sistemas de licenciamento de importação.184

4.3 Medidas de Salvaguarda

É possível aos Membros derrogarem as disciplinas do GATT se, como resultado de


desenvolvimentos imprevistos e do efeito das obrigações do GATT, incluindo a
concessão de tarifas, qualquer produto esteja sendo importado em tais quantidades
crescentes e sob tais condições de modo a causar ou ameaçar um sério dano aos
produtores domésticos de produtos similares ou diretamente concorrentes. Sob
condições estritas, o Membro pode então suspender a obrigação do GATT no todo ou
em parte ou retirar ou modificar a concessão, na medida e pela duração necessárias para
prevenir ou remediar tal dano.

O Artigo XIX do GATT 1994 e o Acordo de Salvaguardas regulam o uso dessa


exceção. O Módulo 3.8 examina em detalhes essa exceção às obrigações do GATT.

4.4 Integração Regional

Padrões aplicáveis – O GATT 1994 permite algumas derrogações sob certas condições
estritas a fim de que grupos de Membros da OMC alcancem uma integração mais
próxima de suas economias por meio de acordos voluntários conhecidos como “acordos
regionais de comércio” estabelecendo “uniões aduaneiras” ou “áreas de livre
comércio”.185

A pedra angular do Acordo da OMC é o princípio da não-discriminação. A obrigação de


tratamento da nação mais favorecida requer que os Membros da OMC concedam
incondicionalmente aos produtos de cada Membro qualquer benefício que afete taxas de
alfândega, encargos, regras e procedimentos que eles conferem aos produtos originários
ou destinados a qualquer outro país. Em contraste, partes de acordos regionais de
comércio oferecem tratamento mais favorável no comércio para seus membros do que
para outros Membros da OMC. A OMC permite tal derrogação ao princípio da não-
discriminação para acordos regionais de comércio, contanto que eles se conformem a
certos critérios previstos nos:

• Artigo XXIV do GATT 1994, a ser lido em conjunção com o Entendimento sobre a
Interpretação do Artigo XXIV do GATT 1994, sendo que ambos fornecem regras para
uniões aduaneiras e áreas de livre comércio no que toca ao comércio de bens;
• Decisão sobre Tratamento Diferenciado e Mais Favorável, Reciprocidade e Ampla
Participação de Países em Desenvolvimento (a chamada “Cláusula Habilitadora”) do

184
Índice Analítico do GATT, Art. XXI, 6ª. ed., 1995, p. 605.
185
Artigo XXIV:4, primeira sentença, do GATT 1994.
68
GATT, de 1979, que envolve preferências no comércio de bens concedidas entre países
em desenvolvimento.

Artigo XXIV:4 do GATT 1994 – O princípio básico no Artigo XXIV:4 do GATT 1994
é que o propósito das áreas de livre comércio ou uniões aduaneiras deveria ser o de
facilitar o comércio entre os territórios constituintes e não levantar barreiras ao
comércio de territórios não-constituintes.186

Artigo XXIV:8 do GATT 1994 – uniões aduaneiras e áreas de livre comércio são
definidas no Artigo XXIV:8 que estabelece:

8. Para os propósitos deste Acordo:


(a) uma união aduaneira deverá ser entendida como a substituição de um único
território aduaneiro por dois ou mais territórios aduaneiros, de modo que
(i) taxas e outros regulamentos restritivos de comércio (exceto, onde
necessário, aqueles permitidos sob os Artigos XI, XII, XII, XIV, XV e XX) são
eliminados com respeito substancialmente a todo o comércio entre os territórios
constituintes da união ou ao menos com respeito substancialmente a todo o comércio de
produtos originários de tais territórios, e,
(ii) sujeito às disposições do parágrafo 9, substancialmente as mesmas taxas e
outros regulamentos de comércio são aplicados por cada um dos membros da união ao
comércio dos territórios não incluídos na união;
(b) Uma área livre de comércio deverá ser entendida como um grupo de dois ou mais
territórios aduaneiros nos quais as taxas e outros regulamentos restritivos de comércio
(exceto, onde necessário, aqueles permitidos sob os Artigos XI, XII, XII, XIV, XV e XX)
são eliminados para substancialmente todo o comércio entre os territórios constituintes
em produtos originários de tais territórios.

Em essência, as taxas e outros regulamentos restritivos de comércio serão eliminados


com respeito a “substancialmente todo o comércio” entre os membros de uma união
aduaneira ou uma área de livre comércio. Quanto às uniões aduaneiras, há o requisito
adicional de que seus membros deveriam aplicar “substancialmente as mesmas taxas e
outros regulamentos restritivos de comércio” ao comércio com não-membros e,
portanto, terão uma política comercial comum incluindo uma tarifa externa comum.

Artigo XXIV:5 do GATT 1994 – As condições aplicáveis para um acordo regional de


comércio se beneficiar de uma derrogação das disciplinas do GATT estão contidas no
Artigo XXIV:5 do GATT 1994. O Artigo XXIV:5(a) estipula que as taxas e outros
regulamentos de comércio impostos sobre não-membros na formação da área de livre
comércio ou, um acordo temporário levando a uma área de livre comércio não deveriam
ser mais altos ou mais restritivos do que aqueles existentes antes de sua formação.
Quanto à união aduaneira ou um acordo temporário levando a uma união aduaneira, o
Artigo XXIV:5(b) estabelece que as taxas e outros regulamentos de comércio não
podem ao todo serem mais altos ou mais restritivos do que a incidência geral das taxas e
outros regulamentos de comércio aplicados antes de seu estabelecimento.

No que toca às tarifas impostas sobre terceiras partes, o Entendimento sobre a


Interpretação do Artigo XXIV do GATT 1994 estabelece que o grau de proteção deveria
ser comparado com base em uma avaliação geral da média ponderada das tarifas
186
Artigo XXIV:4, segunda sentença, do GATT 1994.
69
aplicadas antes da, e no momento da, instituição da união aduaneira ou o acordo
temporário levando à união aduaneira.

O Artigo XXIV:5(c) estabelece que um acordo temporário deve incluir um plano e um


cronograma para a formação de uma união aduaneira ou uma área de livre comércio
dentro de “um período razoável de tempo”. Este período razoável de tempo não deveria
exceder 10 anos exceto em circunstâncias excepcionais.187

Finalmente, no que toca à renegociação tarifária, o Artigo XXIV:6 obriga os Membros


que propõem aumentar qualquer tarifa consolidada no contexto da formação de uma
união aduaneira, a seguirem os procedimentos normais para renegociação tarifária
previstos no Artigo XXVIII do GATT 1994. O Entendimento traz mais clarificações
sobre essa questão.

Áreas de livre comércio e uniões aduaneiras são revistas pela OMC para determinar sua
compatibilidade com os Acordos da OMC. O Entendimento também modifica o
procedimento de revisão para uniões aduaneiras e áreas de livre comércio. Desde 1996,
o Comitê sobre Acordos Regionais de Comércio está encarregado dessas questões.

4.5. Restrições de Balança de Pagamentos

Os Membros da OMC possuem o direito de restringir a quantidade ou valor da


mercadoria que pode ser importada, ao impor restrições quantitativas, a fim de
salvaguardar suas posições financeiras externas e suas balanças de pagamentos. As
disposições relevantes do GATT 1994 estão contidas nos Artigos XII e XVIII. O Artigo
XII do GATT 1994 é aplicável a todos os Membros da OMC. Uma disposição em
separado, o Artigo XVIII, lida com restrições para os propósitos da balança de
pagamentos em relação a países em desenvolvimento (favor referir ao Capítulo 5.1).

Artigo XII do GATT 1994 – Conforme o Artigo XII, o Membro aplicando medidas para
balança de pagamentos deve estar visando “salvaguardar [sua] posição financeira
externa e assegurar um nível de reservas adequado para a implementação de seu
programa de desenvolvimento econômico” e ele deve precisar “restaurar o equilíbrio em
uma base sólida e duradoura”. O objetivo do Artigo XII é de “evitar o emprego não-
econômico de recursos”. O Artigo XII, segundo parágrafo, estabelece que as restrições
à importação “não deverão exceder aquelas necessárias (i) para antecipar a ameaça
iminente de, ou parar, um sério declínio em suas reservas monetárias” ou “(ii)... no caso
de um [Membro] com reservas monetárias muito baixas, para atingir uma taxa razoável
de aumento nas suas reservas”. O Artigo XII requer que os Membros relaxem
progressivamente as restrições assim que as condições melhorarem e as eliminem
quando as condições não mais justificarem tal manutenção. Finalmente, o Artigo XII
prevê notificação e requisitos de consultas com Membros mantendo restrições de
balança de pagamentos.

Declaração de Tóquio de 1979 – A Declaração de Tóquio sobre Medidas de Comércio


Tomadas para Propósitos de Balança de Pagamentos de 1979 estabelece que todas as
medidas tomadas para propósitos de balança de pagamentos, e não apenas restrições
quantitativas, incluem-se nos requisitos de notificação e consulta. Essa Declaração
também adicionou condições para a aplicação de medidas de balança de pagamentos.

187
Entendimento sobre a Interpretação do Artigo XXIV do GATT 1994, para. 3.
70
Primeiro, a preferência deveria ser dada a medidas compatíveis com o GATT que
possuem “o efeito menos perturbador sobre o comércio”. Segundo, a aplicação
simultânea de mais do que uma medida comercial para propósitos de balança de
pagamentos deveria ser evitada. Terceiro, “quando quer que seja aplicável, [os
Membros] deverão anunciar publicamente um cronograma para a remoção das
medidas”. Ela também esclarece que as medidas não deveriam ser tomadas para o
propósito de proteger uma indústria ou um setor particulares.

Entendimento sobre Disposições sobre Balança de Pagamentos – O Entendimento sobre


Disposições sobre Balança de Pagamentos do GATT 1994 incorpora algum dos
princípios da Declaração de Tóquio e, entre outros, encoraja a adoção de “medidas
baseadas em preços” tais como sobrecargas de importação, requisitos de depósito de
importação, ou outras medidas equivalentes de comércio com um impacto no preço de
bens importados.

Na prática, os países mais desenvolvidos não têm utilizado medidas comerciais para
propósitos de balança de pagamentos. Medidas que lidam com problemas de balança de
pagamentos têm sido majoritariamente baseadas em preços. É geralmente aceito que
medidas restritivas de comércio são meios geralmente ineficientes de manter ou
restaurar a balança de pagamentos.

4.6 Teste sua Compreensão

1. Quais são as possíveis exceções às disciplinas no GATT 1994?

2. Qual é o objetivo do Artigo XX? Quando se pode recorrer ao Artigo XX do


GATT 1994? Quais são as exceções específicas do Artigo XX?

3. Quais são os elementos constituintes do Artigo XX(b)? Os Membros possuem o


direito de determinar o grau de proteção à saúde que eles consideram apropriado
em uma dada situação, segundo o Artigo XX(b)? Quais é o padrão de prova
aplicável aos Membros que invocam uma exceção específica do Artigo XX(b) para
justificar uma medida que, não fosse por isso, seria incompatível com o GATT?

4. Quais são os elementos constituintes do Artigo XX(d)?

5. Quais são os elementos constituintes do Artigo XX(g)? O elemento “conservação


de recursos naturais esgotáveis” no Artigo XX(g) inclui tanto espécies vivas como
não-vivas? A medida deve ser “necessária” para a conservação de recursos
naturais esgotáveis para se qualificar para a aplicação do Artigo XX(g)? Quais são
os requisitos do caput do Artigo XX?

6. Quais são os requisitos do caput do Artigo XX?

7. Quais são as exceções de segurança?

8. Sob que condições é possível aos Membros da OMC derrogarem a obrigação de


tratamento da nação mais favorecida para o propósito de criar uniões aduaneiras
ou áreas de livre comércio com vistas a facilitar o comércio entre os territórios

71
constituintes? Como são definidas as “uniões aduaneiras” e “áreas de livre
comércio” no GATT 1994?

9. Sob que condições é possível para os Membros da OMC aplicarem restrições


quantitativas de outro modo proibidas a fim de salvaguardar suas posições
financeiras externas e balança de pagamentos?

72
5. PAÍSES-MEMBROS EM DESENVOLVIMENTO NO GATT 1994

Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de:

• identificar as condições sob as quais as restrições à balança de pagamentos estão


disponíveis aos Países-Membros em desenvolvimento;
• explicar como Países-Membros em desenvolvimento podem promover o
estabelecimento de uma determinadaindústria “nascente”;
• enumerar as regras especiais e diferenciais contidas na Parte IV do GATT 1994
para o benefício de Países-Membros em desenvolvimento;
• explicar o princípio da não-reciprocidade aplicável aos Países-Membros em
desenvolvimento no curso de suas negociações comerciais com Países-Membros
desenvolvidos;
• identificar as condições sob as quais Países-Membros em desenvolvimento podem
estabelecer “arranjos” comerciais.

Os acordos da OMC, e o GATT 1994 em particular, conferem um certo grau de


flexibilidade para Países-Membros em desenvolvimento no uso de instrumentos de
política econômica e comercial que não estão disponíveis, ou disponíveis em termos
menos favoráveis, a Países-Membros em desenvolvimento. O GATT 1994 visa
essencialmente aumentar as oportunidades de comércio para Países-Membros em
desenvolvimento de várias maneiras. O GATT 1994 permite aos Países-Membros em
desenvolvimento tomarem medidas de balança de pagamentos, fornecerem assistência
do governo para promover uma indústria nascente com vistas a aumentar o padrão de
vida de seu povo, e protegerem a si mesmos da reciprocidade integral nas negociações
comerciais entre Países-Membros desenvolvidos e em desenvolvimento.

Este Capítulo está apenas preocupada com as medidas favoráveis aos Países-Membros
em desenvolvimento no GATT 1994. O Módulo 3.1 e os módulos lidando com Acordos
específicos fornecem uma visão abrangente de todos os tipos de benefícios conferidos a
Países-Membros em desenvolvimento em vários acordos da OMC.

O sistema da OMC divide seus Membros em quatro grupos: os Países-Membros


desenvolvidos, os Países-Membros em desenvolvimento, os Países-Membros menos
desenvolvidos e as economias em transição. Além disso, outro grupo de Membros foi
reconhecido na Conferência Ministerial de Genebra, a saber, “certas economias
pequenas” dentro do grupo geral de países em desenvolvimento.188 Os países “menos
desenvolvidos” identificados pelo sistema das Nações Unidas também são tratados
como tais sob o sistema da OMC. No entanto, não há critérios precisos para identificar
os grupos restantes. Os “Países-Membros em desenvolvimento” são aqueles que se
auto-elegem como tal. Países da Europa Central e Oriental e a ex-União Soviética, que
estão atualmente liberalizando seus mercados, são tratados como economias em

188
A Declaração Ministerial da Conferência de Genebra declara, entre outros, que “Nós continuamos
profundamente preocupados com a marginalização dos países menos desenvolvidos e certas economias
pequenas e reconhecemos a necessidade urgente de lidar com essa questão que tem sido combinada com
problemas crônicos de dívida externa que muitos deles enfrentam”. Ver também Business Guide to the
World Trading System, 2ª. ed., International Trade Centre / Commonwealth Secretariat, 1999, pp. 13-14.
73
transição. Os Países-Membros restantes são considerados como Países-Membros
desenvolvidos.189

5.1 Restrições de Balança de Pagamentos

O Artigo XVIII do GATT 1994 é intitulado “Assistência do Governo para o


Desenvolvimento Econômico”. Ele permite aos Países-Membros em desenvolvimento
“tomarem medidas de proteção ou outras medidas que afetem as importações” a fim de
implementarem seus programas e políticas de desenvolvimento econômico. O Capítulo
B envolve restrições de balança de pagamentos, examinadas neste Capítulo. Os
Capítulos A, C e D lidam com a exceção de indústria nascente, examinada no Capítulo
seguinte.

Capítulo B do Artigo XVIII do GATT 1994 – O Capítulo B do GATT 1994 dá aos


Países-Membros em desenvolvimento o direito de impor restrições quantitativas sobre
importações para controlar o nível geral de importações a fim de salvaguardar suas
posições financeiras externas e de assegurar um nível adequado de reservas para a
implementação de seus programas de desenvolvimento econômico. A exceção de
balança de pagamentos também está disponível aos Países-Membros em
desenvolvimento sob o Artigo XII do GATT 1994, mas sob termos menos favoráveis.

O Capítulo B do Artigo XVIII refere-se à necessidade de “salvaguardar a posição


financeira externa [do Membro] e assegurar um nível adequado de reservas para a
implementação de seu programa de desenvolvimento econômico” e à necessidade de
“restaurar o equilíbrio em uma base sólida e duradoura”.190 O Capítulo B do Artigo
XVIII visa “assegurar um emprego econômico dos recursos produtivos”, enquanto o
Artigo XII sobre a exceção de balança de pagamentos disponível aos Países-Membros
desenvolvidos refere-se ao objetivo de “evitar o emprego não-econômico de recursos”.

O Artigo XVIII:9 estabelece que restrições à importação não deverão exceder aquelas
necessárias:

(a) para se antecipar à ameaça de, ou parar, um sério declínio em suas reservas
monetárias, ou
(b) no caso de um [Membro] com reservas monetárias inadequadas, para atingir uma
taxa razoável de aumento nas suas reservas.

O Capítulo B do Artigo XVIII permite aos Países-Membros em desenvolvimento


recorrerem a restrições de balança de pagamentos sob condições mais flexíveis do que
aquelas previstas no Artigo XII, disponíveis a todos os Membros da OMC. O Capítulo
B do Artigo XVIII não requer uma ameaça “iminente” e, melhor do que nível “muito
baixo” de reservas, ela refere-se ao nível “inadequado” de reserva. O termo “adequado”
é definido como o seguinte: “adequado para a implementação de seu programa de
desenvolvimento econômico”.

Finalmente, o Artigo XVIII:11 estabelece que os Membros

189
Ver Business Guide to the World Trading System, 2ª. ed., International Trade Centre / Commonwealth
Secretariat, 1999, pp. 13-14.
190
Artigo XVIII:9 do GATT 1994.
74
deverão relaxar progressivamente quaisquer restrições aplicadas sob este capítulo
[i.e., Artigo XVIII:B] assim que as condições melhorarem, mantendo-as somente na
medida necessária sob os termos do parágrafo 9 desse Artigo [XVIII] e deverão
eliminá-las quando as condições não mais justificarem sua manutenção.

Entendimento sobre Disposições sobre Balança de Pagamentos – o Entendimento sobre


Disposições sobre Balança de Pagamentos do GATT 1994 encoraja todos os Membros,
incluindo os Países-Membros em desenvolvimento, a adotarem “medidas baseadas em
preços” tais como sobretaxas de importação, exigências de depósito de importação, ou
outras medidas comerciais equivalentes com um impacto no preço de bens importados,
ao contrário das restrições quantitativas. Mais precisamente, o Entendimento convoca
todos os Membros a “procurarem evitar a imposição de novas restrições quantitativas
para propósitos de balança de pagamentos a menos que, devido a uma situação crítica
de balança de pagamentos, medidas baseadas em preços não possam interromper uma
deterioração aguda na posição de pagamentos externos”. O Entendimento também
confirma o compromisso dos Membros em anunciar publicamente, o quanto antes,
cronogramas para a remoção de medidas restritivas de importação tomadas para
propósitos de balança de pagamentos.

Consultas com o Comitê BDP – Segundo os Artigos XII e o Capítulo B do Artigo


XVIII do GATT 1994, tanto Países-Membros desenvolvidos como em desenvolvimento
que aplicam novas restrições ou intensificam os existentes estão obrigados a realizarem
consultas com o Comitê sobre Restrições de Balança de Pagamentos (o “Comitê BDP”)
imediatamente após realizarem a ação ou antes de fazê-la se uma consulta prévia é
praticável.191 Um Membro que mantenha tais restrições deve realizar consultas
anualmente192 ou bienalmente.193 Consultas podem também ser iniciadas por um
Membro afetado adversamente pelas restrições mantidas por outro, se elas são aplicadas
de maneira incompatível com as disposições relevantes sobre restrições de balança de
pagamentos.194

India – Quantitative Restrictions – Em India – Quantitative Restrictions, a Índia


mantinha restrições quantitativas à importação de produtos agrícolas, têxteis e
industriais e invocava a justificativa de balança de pagamentos de acordo com o
Capítulo B do Artigo XVIII do GATT 1994, e notificava essas restrições quantitativas
ao Comitê BDP. Seguindo às consultas com o Comitê BDP, a Índia propôs eliminar
suas restrições quantitativas em um período de sete anos. Alguns dos Membros do
Comitê BDP, incluindo os Estados Unidos, eram da opinião de que as restrições de
balança de pagamentos da Índia poderiam ser retiradas em um período mais curto do
que aquele proposto pela Índia. Como resultado, o consenso sobre a proposta da Índia
não pôde ser alcançado.195 Os Estados Unidos subseqüentemente questionaram as
restrições quantitativas em um painel.
191
Artigos XII:4(a) e XVII:12(a) do GATT 1994.
192
Artigo XII:4(b) do GATT 1994.
193
Artigo XVIII:12(b) do GATT 1994.
194
Artigos XII:4(d) e XVIII:12(d) do GATT 1994.
195
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Índia – Restrições Quantitativas às Importações de Produtos
Agrícolas, Têxteis e Industriais (“India – Quantitative Restrictions ”), WT/DS90/AB/R, adotado em 22
de setembro de 1999, par. 2.
75
O Painel entendeu, entre outros, que a Índia não possuía reservas inadequadas e que não
havia um sério declínio ou uma ameaça de um sério declínio nas reservas monetárias da
Índia, nos termos dos Artigos XVIII:9(a) e XVIII:9(b) e, que portanto a Índia não
poderia manter suas medidas de balança de pagamentos.196 O Painel conduziu a
seguinte investigação sobre se a Índia possuía reservas monetárias inadequadas:

“... Ao analisar a situação da Índia nos termos do Artigo XVIII:9(a), é importante ter
em mente que a questão é se a Índia estava enfrentando ou era ameaçada por um sério
declínio nas suas reservas monetárias. Se um declínio de um dado tamanho é sério ou
não, isso deve estar relacionado com o estado inicial e a adequação das reservas. Um
grande declínio não precisa necessariamente ser um declínio sério se as reservas são
mais do que adequadas. Conseqüentemente, é apropriado considerar a adequação das
reservas da Índia para os propósitos do Artigo XVIII:9(a), assim como os do Artigo
XVIII:9(b).
Em conexão com isso, lembramos que o FMI relatou que as reservas da Índia em 21 de
novembro de 1997 eram de US$ 25.1 bilhões e que um nível adequado de reservas
àquela data seria de US$ 16 bilhões. Enquanto o Reserve Bank da Índia não
especificou um nível preciso do que constituiria adequação, ele concluiu apenas três
meses antes, em agosto de 1997, que as reservas da Índia estavam ‘bem acima da
regra-padrão de adequação de reserva’ e, embora o Reserve Bank não aceitasse a
regra-padrão como a única medida de adequação, ele também entendeu que ‘por
quaisquer critérios, o nível de reservas de troca estrangeira parece confortável’. Ele
também declarou que ‘as reservas seriam adequadas para resistir tanto a choques
cíclicos como não-antecipados’.
Também consideramos os quatro métodos alternativos de avaliação da adequação de
reservas citada pela Índia. Notamos que a Índia concorda que suas reservas de US$
25.1 bilhões teriam sido adequadas sob duas das alternativas (a e b). Sob uma terceira
alternativa (d), as reservas de US$ 25.1 bilhões estavam em um ponto mais alto de uma
escala entre os níveis de reservas mínimos (US$ 16 bilhões) e desejáveis (US$ 28
bilhões). Sob o quarto método (c), as reservas de US$ 27 bilhões seriam consideradas
adequadas. Enquanto ela possa seguir uma abordagem prudente ao sugerir o método
(c), a Índia não explica porque ele deveria ser superior ao método do FMI ou às três
outras alternativas indianas sob as quais as reservas poderiam ser consideradas
adequadas. Ademais, as alternativas da Índia não parecem compatíveis com a
abordagem do Reserve Bank da Índia citada acima.
Tendo pesado as evidências à nossa frente, notamos que apenas um dos quatro métodos
sugeridos pela Índia para medir a adequação de reservas sustenta um entendimento de
que as reservas da índia são inadequadas, e mesmo sob aquele método, a questão é
bem próxima (US$ 25.1 bilhões v. US$ 27 bilhões, ou menos do que uma diferença de
10 por cento). No todo, somos da opinião de que a qualidade e o peso das evidências
são fortemente em favor da proposição de que as reservas da Índia não são
inadequadas. Em particular, essa posição é apoiada pelo FMI, pelo Reserve Bank da
Índia e por três dos quatro métodos sugeridos pela Índia. Conseqüentemente,

196
Na apelação, o Órgão de Apelação concluiu que o Painel fez uma avaliação objetiva da questão, e
manteve todos os entendimentos e interpretações legais do Painel. Ver Relatório do Órgão de Apelação,
India – Quantitative Restrictions, par. 153.
76
entendemos que as reservas da Índia não eram inadequadas em 18 de novembro de
1997.”197

5.2 Indústria Nascente

As Seções A, C e D do Artigo XVIII, intitulados “Assistência do Governo ao


Desenvolvimento Econômico”, constituem as chamadas seções de “indústria nascente”,
e permitem, sob certas condições, que Países-Membros em desenvolvimento
modifiquem ou retirem concessões tarifárias ou, tomem outras medidas incompatíveis
com o GATT a fim de promover o estabelecimento de uma indústria em particular.

Artigo XVIII:7 do GATT 1994 – Segundo o Artigo XVIII:7 do GATT 1994, Países-
Membros em desenvolvimento podem renegociar (modificar ou retirar) concessões
tarifárias do GATT 1994 a fim de promover o estabelecimento de uma indústria em
particular. Exige-se que o País-Membro em desenvolvimento notifique os Membros de
sua intenção de renegociar as concessões tarifárias e ele deve entrar em negociações
com os Membros que possuem direitos iniciais de negociação, assim como aqueles com
interesse substancial.

Artigo XVIII:13 do GATT 1994 – sob o Artigo XVIII:13 do GATT, Países-Membros


em desenvolvimento podem tomar medidas incompatíveis com o GATT a fim de
promover o estabelecimento de uma indústria em particular. O Parágrafo 13 do Capítulo
C estabelece:

“Se um Membro vindo dentro do escopo do parágrafo 4(a) deste Artigo entende que a
assistência governamental é exigida para promover o estabelecimento de uma indústria
em particular, com vistas a aumentar o padrão geral de vida de seu povo, mas que
nenhuma medida compatível com outras disposições deste Acordo é praticável para
atingir aquele objetivo, ele pode ter recurso às disposições e procedimentos previstos
neste Capítulo.”

Em essência, as “disposições e procedimentos” deste capítulo requerem que o Membro


em questão notifique os outros Membros das dificuldades especiais que ele encontra no
estabelecimento de uma indústria em particular e indique as medidas afetando bens
importados que ele propõe introduzir para aliviar tais dificuldades.198

Nos casos onde o produto não está sujeito à concessão tarifária, e se outros Membros
não objetam ou exigem consultas, então o Membro em questão pode se desviar das
disposições relevantes do GATT na medida necessária para aplicar a medida
proposta.199 Se outros Membros pedirem consultas, o Membro em questão deve realizar
consultas com eles “para fins da medida proposta, para as medidas alternativas que
podem estar disponíveis sob este GATT, e para o possível efeito da medida proposta
sobre os interesses comerciais e econômicos de outros [Membros].”200

197
Relatório do Painel, India - Quantitative restrictions, par. 5.73-5.76. O Painel também entendeu que a
Índia não estava enfrentando um sério declínio, ou ameaça de sério declínio, das suas reservas. Ver
Relatório do Painel, India – Quantitative restrictions, par. 5.77-5.180.
198
Artigo XVIII:14 do GATT 1994.
199
Artigo XVIII:15 do GATT 1994.
200
Artigo XVIII:16, primeira sentença, do GATT 1994.
77
Se, como resultado de tal consulta, os Membros concordam que não há medida
compatível com outras disposições deste Acordo que seja praticável a fim de atingir o
objetivo delineado no parágrafo 13 deste Artigo, e que coincida com a medida proposta,
o Membro em questão pode ser liberado de suas obrigações sob as disposições
relevantes do GATT 1994 na medida necessária para aplicar aquela medida.201 Nos
casos onde a medida envolva o enfraquecimento de uma concessão tarifária, uma
cooperação prévia do Conselho Geral é necessária, além de consultas prévias com
Membros interessados. Em ambas as situações, a aderência aos limites estritos de tempo
é exigida.

Decisão de 1979 – A Decisão de 1979, intitulada “Ação de Salvaguarda para Propósitos


de Desenvolvimento”, estabelece regras para casos urgentes e renuncia aos requisitos de
consulta prévia com os Membros afetados, à cooperação prévia do Conselho Geral e à
aderência a quaisquer limites de tempo, e permite aos Países-Membros em
desenvolvimento tomarem medidas provisórias imediatamente após notificação.202

Na prática, como relatado no Índice Analítico do GATT, tais liberações foram


concedidas sob o Capítulo C do Artigo XVIII a Cuba, ao Haiti, à Índia e ao Sri Lanka.
A Grécia, a Indonésia e a Malásia também notificaram certos regulamentos de
importação tomados para propósitos de desenvolvimento sob o Capítulo C do Artigo
XVIII.203

5.3 “Comércio e Desenvolvimento” (Parte IV do GATT 1994)

A Parte IV do GATT 1994, que foi adicionada ao GATT 1947 em 1965, é intitulada
Comércio e Desenvolvimento, e estabelece regras especial e diferenciais para Países-
Membros em desenvolvimento.

Artigo XXXVI do GATT 1994 – O Artigo XXXVI prevê os princípios e objetivos do


GATT 1994 na contribuição para o desenvolvimento de Países-Membros em
desenvolvimento. Eles incluem o aumento dos padrões de vida e o desenvolvimento
progressivo das economias de todos os Membros, e o Artigo XXXVI enfatiza que a
consecução desses objetivos é particularmente urgente para os Países-Membros em
desenvolvimento.204 Ele reconhece que a ação individual e conjunta é essencial para
levar adiante o desenvolvimento das economias de Países-Membros em
desenvolvimento e para realizar um rápido avanço nos padrões de vida desses países.205
Ele nota finalmente que os Membros podem autorizar Países-Membros em
desenvolvimento a utilizarem medidas especiais para promover seu comércio e
desenvolvimento.206

O Artigo XXXVI:4 reconhece a “dependência contínua”, por muitos Países-Membros


em desenvolvimento, da exportação de uma variedade limitada de produtos primários, e
enfatiza que há necessidade de estabelecer, na maior medida possível, condições mais
201
Artigo XVIII:16, segunda sentença, do GATT 1994.
202
Ver Índice Analítico do GATT, p. 509.
203
Ver Índice Analítico do GATT, pp. 508-509.
204
Artigo XXXVI(a) do GATT 1994.
205
Artigo XXXVI(d) do GATT 1994.
206
Artigo XXXVI(e) do GATT 1994.
78
favoráveis e aceitáveis de acesso a mercados mundiais para esses produtos. Com vistas
a diversificar a produção de Países-Membros em desenvolvimento, o Artigo XXXVI:5
acentua a necessidade de um aumento no acesso, na maior medida possível, a mercados
sob condições favoráveis para produtos processados e manufaturados atualmente ou
potencialmente de particular interesse de exportação para Países-Membros em
desenvolvimento.

Mais importante, o Artigo XXXVI:8 da Parte IV do GATT 1994 incorpora no direito da


OMC o princípio da não-reciprocidade nas negociações comerciais entre Países-
Membros desenvolvidos e em desenvolvimento. Mais particularmente, isso significa
que Países-Membros desenvolvidos não podem buscar, nem se exige que Países-
Membros em desenvolvimento as façam, concessões que sejam incompatíveis com as
necessidades desenvolvimentistas, financeiras e comerciais destes últimos. Esta
disposição estabelece:

“Os Países-Membros desenvolvidos não esperam reciprocidade para os compromissos


feitos por eles em negociações comerciais, para reduzir ou remover tarifas e outras
barreiras ao comércio de Países-Membros em desenvolvimento.”

Nota Interpretativa ao Artigo XXXVI – a Nota Interpretativa ao Artigo XXXVI


estabelece no parágrafo 8:

“Está entendido que a frase ‘não esperam reciprocidade’ significa, de acordo com os
objetivos apresentados neste Artigo, que não se espera que os [Países-Membros em
desenvolvimento], no curso das negociações comerciais, façam contribuições que
sejam incompatíveis com suas necessidades individuais desenvolvimentistas,
financeiras e comerciais, levando-se em consideração desenvolvimentos comerciais no
passado.
...”

Esse princípio de não-reciprocidade aplica-se a negociações, assim como a


renegociações de concessões tarifárias.207

Cláusula Habilitadora – A Decisão de Tratamento Diferenciado e Mais Favorável, mais


amplamente conhecida como a Cláusula Habilitadora, leva adiante o aprimoramento das
disposições da Parte IV do GATT 1994.208 A Cláusula Habilitadora permite que Países-
Membros desenvolvidos abandonem a obrigação de tratamento da nação mais
favorecida nas suas relações comerciais com países em desenvolvimento e concedam a
esses países um “tratamento diferenciado e mais favorável”. A Cláusula Habilitadora
estabelece em parte relevante:

“Não obstante as disposições do Artigo I do Acordo Geral, os Membros poderão


conceder tratamento diferenciado e mais favorável aos países em desenvolvimento, sem
conceder tal tratamento aos outros Membros.”

207
Para uma explicação mais detalhada do impacto do conceito de não-reciprocidade para Países-
Membros em desenvolvimento, ver Anwarul Hoda, Tariff Negotiations and Renegotiations under the
GATT and the WTO, Cambridge University Press, 2001, p. 9 e p. 56-65.
208
BISD 26S/203.
79
A liberação da obrigação de tratamento da nação mais favorecida, sob essas
disposições, estende-se a todos os Países-Membros desenvolvidos para o propósito de
permitir que eles apliquem tratamento tarifário preferencial apenas aos Países-Membros
em desenvolvimento.209 Como explicado no Módulo 3.1, a maioria dos Países-Membros
desenvolvidos o fez sob o Sistema Geral de Preferências (o “SGP”), primeiramente
adotado como uma política pela UNCTAD em 1968. O Parágrafo 6 da Cláusula
Habilitadora também prevê disposições especiais para os países menos desenvolvidos:

“Considerando as dificuldades econômicas especiais e as necessidades


desenvolvimentistas, financeiras e comerciais particulares dos países menos
desenvolvidos, os países desenvolvidos deverão exercer a máxima moderação ao
procurar quaisquer concessões ou contribuições para compromissos feitos por eles
para reduzir ou remover tarifas e outras barreiras ao comércio de tais países, e não se
deverá esperar que os países menos desenvolvidos façam concessões ou contribuições
que sejam incompatíveis com o reconhecimento de sua situação e problemas
particulares.”

Artigo XXXVII do GATT 1994 – o Artigo XXXVII é intitulado “Compromissos” e


sugere medidas que Países-Membros desenvolvidos podem tomar a fim de promover o
desenvolvimento. Segundo o Artigo XXXVII:1, os Membros da OMC devem “na maior
medida possível” dar alta prioridade à redução e eliminação de barreiras ao comércio de
produtos atualmente ou potencialmente de particular interesse de exportação para
Países-Membros em desenvolvimento, e abster-se de impor barreiras tarifárias ou não-
tarifárias mais elevadas ao comércio com Países-Membros em desenvolvimento.210

Segundo o Artigo XXXVII:3, exige-se que os Países-Membros desenvolvidos envidem


“todos os esforços” para manter as margens de comércio em níveis justos quando um
governo determina o preço de revenda de produtos totalmente ou principalmente
produzidos em Países-Membros em desenvolvimento. Os Países-Membros
desenvolvidos são convocados a dar “ativa consideração” à adoção de outras medidas
favoráveis ao desenvolvimento de importações vindas de Países-Membros em
desenvolvimento. Ao aplicar outras medidas permitidas sob o GATT 1994, os Países-
Membros desenvolvidos devem ter “consideração especial” aos interesses comerciais de
Países-Membros em desenvolvimento. Países-Membros desenvolvidos devem também
explorar todas as possibilidades de remédios construtivos antes de aplicarem medidas
que afetariam interesses essenciais de Países-Membros em desenvolvimento.

Segundo o Artigo XXXVII:4, os Países-Membros em desenvolvimento estão obrigados


a realizar ações para o benefício do comércio de outros Países-Membros em
desenvolvimento “na medida em que tal ação seja compatível com suas necessidades
desenvolvimentistas, financeiras e comerciais individuais, presentes e futuras, levando
em conta os desenvolvimentos comerciais no passado, assim como os interesses
comerciais dos [Países-Membros em desenvolvimento] como um todo”.

Portanto, o Artigo XXXVII articula responsabilidades tanto de Países-Membros


desenvolvidos como em desenvolvimento em direção a outros Países-Membros em

209
Ver John H. Jackson, The Jurisprudence of GATT and the WTO, Cambridge University Press, 2000,
pp. 65-66 in Chapter 5: “Equality and discrimination in international economic law: the General
Agreement on Tariffs and Trade”, pp. 57-68.
210
Ver Módulo 3.1, Seções 3 e 5.
80
desenvolvimento, e fornece argumentos adicionais para Países-Membros em
desenvolvimento ao negociarem com Países-Membros desenvolvidos.

Artigo XXXVIII do GATT 1994 – O Artigo XXXVIII do GATT 1994 impõe


obrigações positivas a todos os Membros de cooperarem com vistas a levar adiante os
objetivos previstos no Artigo XXXVI. Em particular, exige-se que os Membros
realizem ações para fornecer condições melhoradas e aceitáveis de acesso a mercados
mundiais de produtos primários de particular interesse dos Países-Membros em
desenvolvimento, ao designar medidas, por exemplo, de alcançar preços estáveis, justos
e remunerativos para a exportação de tais produtos. Os Membros são encorajados a
colaborar na análise de planos e políticas de desenvolvimento de Países-Membros em
desenvolvimento individuais e no exame do comércio e das relações de ajuda, com
vistas a idealizar medidas para promover as exportações de Países-Membros em
desenvolvimento. Exige-se também que os Membros mantenham sob contínua revisão o
desenvolvimento do comércio mundial, com referência especial à taxa de crescimento
do comércio de Países-Membros em desenvolvimento, e façam recomendações onde for
apropriado. Além disso, os Membros são chamados a colaborar na busca de métodos
viáveis para expandir o comércio para o propósito de desenvolvimento econômico,
através da harmonização internacional e do ajuste das políticas e regulamentos
nacionais, através de padrões técnicos e comerciais que afetam a produção, o transporte
e a comercialização, e através da promoção das exportações por meio do
estabelecimento de instalações para o aumento do fluxo de informação comercial e para
o desenvolvimento de pesquisas de mercado. Finalmente, exige-se que os Membros
busquem a colaboração em questões de política comercial e de desenvolvimento com as
Nações Unidas e sua agência especializada, a Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento.

O Acordo da OMC prevê explicitamente um Comitê sobre Comércio e


Desenvolvimento. Esse Comitê já foi estabelecido antes da conclusão do acordo da
OMC conforme o Artigo XXXVIII:2(f) do GATT 1994, mas sua área de competência
ampliou-se com a conclusão do Acordo da OMC, que inclui mais disposições relativas
ao tratamento especial e diferencial de Países-Membros em desenvolvimento.

Embora o Artigo XXXVIII preveja “linhas gerais” de ação, estas linhas são fontes de
obrigações e, como tais, elas foram examinadas por um Painel do GATT, que
determinou que houve uma violação deste Artigo. Em European Communities –
Refunds on Exports of Sugar – Complaint by Brazil,211 o Brasil argüiu que ao manter
seu sistema de subsídio ao açúcar, que resultava em maiores exportações e importações
reduzidas, e ao recusar-se a participar do Acordo Internacional do Açúcar (o “AIA”), a
Comunidade Européia agiu de forma incompatível com o Artigo XXXVIII:1, 2, 2(a) e
2(e).212 O Painel considerou que o Artigo XXXVIII fornece “linhas gerais” para uma
ação conjunta para levar adiante os objetivos previstos no Artigo XXXVI e que o
Brasil, sendo um país em desenvolvimento, poderia esperar usufruir os benefícios de
acordo com essas disposições. O Painel concluiu declarando que:

211
Relatório do Painel, Comunidades Européias – Reembolsos sobre Exportações de Açúcar –
Reclamação do Brasil (“EC – Sugar Exports (Brazil)”), adotado em 10 de novembro de 1980, BISD
27S/69.
212
Relatório do Painel, EC – Sugar Exports (Brazil), par. 4.30.
81
“O aumento das exportações de açúcar através do uso de subsídios na situação
particular do mercado de 1978 e 1979, e onde Países-Membros em desenvolvimento
realizaram passos dentro da estrutura do AIA para melhorar as condições no mercado
mundial de açúcar, inevitavelmente reduziu os efeitos dos esforços feitos por esses
países. Para este período de tempo e para este campo particular, a Comunidade
Européia não colaborou, portanto, com os outros [Membros] para levar adiante os
princípios e objetivos previstos no Artigo XXXVI, em conformidade com as linhas
gerais no Artigo XXXVIII.”213

5.4 Integração Regional

A Cláusula Habilitadora também possibilita o tratamento diferenciado e mais favorável


com respeito às medidas não-tarifárias e permite aos Países-Membros em
desenvolvimento entrarem em “arranjos” regionais ou globais entre si para a redução ou
eliminação mútua de tarifas e, sob certas condições, de barreiras não-tarifárias ao
comércio.214 O princípio básico é previsto no parágrafo 3 da Cláusula Habilitadora: os
“arranjos” abrangidos por esta cláusula “deverão ser desenhados para facilitar e
promover o comércio de países em desenvolvimento e não para levantar barreiras ou
criar dificuldades indevidas” para o comércio de qualquer outro Membro. Ademais, tais
arranjos “não deverão constituir um impedimento para a redução ou eliminação de
tarifas e outras restrições ao comércio com base na nação mais favorecida”. Esses
requisitos permitem a troca de preferências sobre um sub-sistema de produtos e a
redução parcial, antes do que a eliminação, de barreiras ao comércio. Eles não exigem
que os “arranjos” lidem com “substancialmente todo o comércio” para justificar uma
derrogação do princípio de tratamento da nação mais favorecida, diferentemente das
uniões aduaneiras e áreas de livre comércio no Artigo XXIV do GATT 1994. Portanto,
as disposições aplicáveis aos “arranjos” na Cláusula Habilitadora são mais flexíveis do
que aquelas aplicáveis aos “acordos regionais de comércio” no Artigo XXIV do GATT
1994 e seu Entendimento, como discutido no Capítulo 4.4 acima.

5.5 Teste sua Compreensão

1. Sob que condições as restrições de balança de pagamentos estão disponíveis aos


Países-Membros em desenvolvimento, em comparação com outros Membros da
OMC?

2. Como Países-Membros em desenvolvimento podem promover o estabelecimento


de uma indústria “nascente”?

3. Quais são os objetivos da Parte IV do GATT 1994? O princípio da não-


reciprocidade é aplicável aos Países-Membros desenvolvidos em suas negociações
tarifárias com outros Países-Membros desenvolvidos?

4. Quais são os “compromissos” com respeito a comércio e desenvolvimento?

5. Que formas de cooperação o GATT 1994 contempla para levar adiante o


desenvolvimento?

213
Relatório do Painel, EC – Sugar Exports (Brazil), par. (h).
214
Claúsula de Habilitação, parágrafo 2(c).
82
6. Sob que condições podem os Países-Membros em desenvolvimento estabelecer
“arranjos” comerciais?

83
6. ESTUDO DE CASO

Phobia e a Importação de Vinho

Phobia é um País-Membro em Desenvolvimento na OMC, com uma grande mas


ineficiente indústria vinicultora. Phobia impõe as seguintes taxas aduaneiras ad valorem
sobre vinho e cerveja:

• vinho tinto: 50 por cento


• vinho branco: 30 por cento
• cerveja: 20 por cento

Phobia nunca realizou uma concessão tarifária sobre vinho mas, durante a Rodada
Uruguai, ele vinculou suas taxas aduaneiras sobre cerveja a 25 por cento ad valorem.

Além disso, Phobia limita sua importação de vinho a 50.000 hectolitros e a importação
de cerveja a 100.000 hectolitros por ano. Phobia alega que essas restrições quantitativas
sobre a importação de vinho e cerveja são necessárias para salvaguardar sua balança de
pagamentos e para promover o desenvolvimento de sua indústria vinicultora.

Vinho e cerveja de Nearland, um país vizinho em desenvolvimento com quem Phobia


forma uma união aduaneira, estão isentos de todas as taxas aduaneiras e restrições
quantitativas.

Vinho e cerveja de Farland, um país desenvolvido com quem Phobia possui fortes
ligações econômicas e políticas, também está livre de taxas e quotas de importação em
Phobia.

Phobia impõe uma taxa de vendas sobre vinho tinto de 30 por cento, sobre vinho branco
de 20 por cento e sobre cerveja de 10 por cento. Essas taxas de vendas aplicam-se tanto
a produtos importados como domésticos. No entanto, vinho produzido por micro-
vinícolas está isento de taxas de venda.

Phobia impõe uma taxa de reciclagem de um por cento sobre vinho e cerveja importada.
Ele não impõe esta taxa sobre vinho e cerveja domésticos porque os produtores de
vinho e cerveja domésticos participam de um esquema nacional de reciclagem de “latas
e garrafas”.

Finalmente, Phobia proíbe a venda de vinho em supermercados. Como parte de sua luta
contra o alcoolismo, especialmente entre jovens, ele exige que vinho seja vendido
apenas em lojas de vinho especializadas. Cerveja e outras bebidas alcoólicas, porém,
podem ser vendidas em supermercados.

Utopia, um País-Membro desenvolvido da OMC, é o maior produtor e exportador


mundial de vinho tinto. Você trabalha como consultor legal na Missão Permanente de
Utopia na OMC e foi solicitado a preparar um relatório resumido sobre a
compatibilidade com o GATT das regras de Phobia sobre a importação, taxação e
comercialização de vinho.

7. LEITURA ADICIONAL
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7.1 Livros e Artigos

• International Trade Centre UNCTAD/WTO (ITC) and Commonwealth Secretariat,


Business Guide to the World Trading System, 2ª. ed., 1999.

• Hoda, Anwarul, Tariff Negotiations and Renegotiations under the GATT and the WTO
(Cambridge University Press, 2001) 9, 11-18, 25-78, 83-110.

• Howse, Robert and Regan, Donald, “The Product/Process Distinction – An Illusory


Basis for Disciplining ‘Unilateralism’ in Trade Policy”, European Journal of
International Law, 2000, 249-289.

• Hudec, Robert E., “Chapter 12: The Product-Process Doctrine in the GATT/WTO
Jurisprudence” in Bronckers, Marco and Quick, Reinhard (Eds.), New Directions in
International Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson (Kluwer Law
International, 2000) 187-218.

• Jackson, John H., The Jurisprudence of GATT and the WTO (Cambridge University
Press, 2000), 57-68.

• Jackson, John H., The World Trading System: Law and Policy of International
Economic Relations, 2ª. ed., The MIT Press, 1997.

• Josling, T. E. “Developing Countries and the World Trade Organization. An


Opportunity for Concerted Action”, Stanford Journal of International Relations, 2001,
13.

• McRae, Donald M., “GATT Article XX and the WTO Órgão de Apelação” in
Bronckers, Marco and Quick, Reinhard (Eds.), New Directions in International
Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson (Kluwer Law International, 2000)
249-289.

• Olivares, Gustavo, “The Case for Giving Effectiveness to GATT/WTO Rules on


Developing Countries and LDCs”, Journal of World Trade, 2001, 545-551.

• Van den Bossche, Peter, The Law and Policy of the World Trade Organization: Text,
Cases and Materials (Cambridge University Press, a ser lançado).

• WTO Secretariat, Analytical Index: Guide to GATT Law and Practice, 6ª. Edição
(1995), Volumes 1 e 2.

7.2 DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES

Para informações sobre as atividades da OMC, ver www.wto.org. Documentos oficiais


da OMC podem ser obtidos ao procurar nos documentos on-line da OMC

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