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Instituto de Psiquiatria e Psicoterapia de

Crianças e Adolescentes

Relato de Sessão de Uma Criança Enurética: baseada na


fundamentação teórica e metodológica da análise de crianças
no período da latência

Trabalho final apresentado a Disciplina de Técnica II –


Aspectos em Psicoterapia de Crianças e Adolescentes

Prof
a. Grazieta B M Peterle

Regiane de Quadros Glashan

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2009

Relato de Sessão de Uma Criança Enurética: baseada na


fundamentação teórica e metodológica da análise de crianças
no período da latência

Introdução

Grande parte dos estudos publicados nas últimas décadas,


mencionam a análise de crianças como sendo insipiente em relação a
adultos no que diz respeito ‘a opção do terapeuta. Para estes autores
algumas causas predispõem a este fato, tais quais: escasso número
de psicanalistas de crianças, dificuldade em lidar com os pais da
criança em processo terapêutico, grande e esterelizante discussão
sobre o valor das comunicações pré-verbais, na qual alguns autores
tratam de equipará-las com a livre associação do adulto e outros
negam-lhes este valor, e por último e não menos importante é a
capacidade da criança em desenvolver transferência (Soifer, 1992,
Aberastury, 1996, Luzuriaga, 2001).

Aberastury (1996) relata ainda que ao trabalhar com crianças,


são reativadas antigas fantasias inconscientes de roubar o filho dos
pais ou nos identificarmos com elas e revivermos nossa própria
história de vida. Por outro lado, a autora enfatiza que é possível
estabelecer condições do contrato analítico, tanto com os pais como
com a criança, sobre uma base de vínculo bi-pessoal e de absoluto
segredo. Não é descartado as informações e história da criança
colhida em entrevista com os pais, enfatizando o motivo do
tratamento, história detalhada de vida da criança, descrição de um
dia habitual da criança, ideologia dos pais, história dos pais e
familiares e comemorações familiares (aniversário, Natal e outros de
significância para a família).

O sigilo sobre as sessões são referendados pela maioria dos


autores e estes acreditam que a criança é capaz de dar informações
sobre o processo analítico e que apenas raramente ela própria incita
uma entrevista com os pais e quando isso acontece é uma expressão
de “acting-out” e como tal deve ser interpretado a ela (Klein, 1958,
Aberastury, 1996).

Alguns autores consideram a interferência dos pais como um


obstáculo na análise de crianças, e, portanto, enfatizam que a criança
é alguém que pensa, sente, percebe, compreende e pode expressar

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seu mundo interno, mesmo desde a idade mais tenra (cerca de 12
meses) - (Klein, 1958, Aberastury, 1996).

Por outro lado, Luzuriaga (1977) relata que na análise de


crianças os pais não devem ser evitados e que muitas vezes o
contato com eles é imprescindível, já que a participação da família no
processo é muito construtiva.

O mundo interno da criança pode ser acionado pelo brinquedo e


pelo desenho, conforme foi demonstrado por Morgensten (1935) e
Klein (1958). O brinquedo e o desenho representam o material que a
criança oferece naturalmente como comunicação, assim como o
adulto oferece a palavra e a linguagem não verbal ao seu analista.
Todavia este material nem sempre é muito claro e nesta situação
podem aparecer resistências como mecanismos de defesa.

Klein (1958) demonstra que a interpretação do material pré-


verbal da criança deve abranger a conduta total da criança durante a
sessão, levando-se em conta o modo como ela brinca, aquilo que ela
brinca, as ações que realiza, sua expressão facial e seu inter-jogo
corporal, as poucas palavras que acompanham suas atitudes, a
relação com o terapeuta, as reações frente as interpretações e
outros. O mais importante, deve-se interpretar dentro do contexto da
sessão.

Alguns autores enfatizam que o contrato é dual a semelhança


do adulto e que o foco do tratamento é a criança e não os pais. Muito
embora, se julgarmos necessário, os pais podem ser encaminhados
para um terapeuta ou para grupos de orientação de pais, de maneira
a serem ajudados a aceitarem o filho com menos ambivalência,
reduzindo culpas e trabalhando seus próprios conflitos inconscientes
(Aberastury, 1996).

Aberastury (1996) observou que as alterações proporcionadas


na análise de crianças eram capazes de modificar a dinâmica familiar,
sobretudo porque a melhora da criança reduzia a culpa dos pais.

Neste contexto, resolvemos descrever o relato de uma sessão


de uma criança enurética, baseada na análise de crianças no período
de latência, empregando a metodologia e a fundamentação teórica
que envolve esta faixa etária dentro da visão analítica.

Fundamentação teórica e metodológica de análise de crianças


no período de latência

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Bursztejn (1998), comenta em sua conferência no congresso de
psiquiatria e psicanálise na Espanha que Freud assinalou que a
latência era marcada especialmente pela repressão e pelo processo
de sublimação. Reforça ainda que é um período silencioso e que
durante essa fase a fantasia sexual e a atividade genital estão
presentes.

Nessa idade os motivos de consultas são muito variados e


podem ir desde a enurese até casos mais sérios de fobias e que
grande parte dos motivos tem a ver com os diferentes tipos de
dificuldades escolares: inibição ou fracasso da aprendizagem, os
quais desnudam conflitos familiares ou dos pais. A ausência de
sintoma nessa fase pode revelar a presença de um controle
agoniante dos movimentos pulsionais, favorecido pela educação mais
engessada, que mais tarde pode dar lugar, especialmente na
adolescência a patologias mais graves, tais como a neurose
obsessiva, anorexia entre outras (Bursztejn, 1998).

Aberastury (1996) considera o período de latência a faixa etária


que compreende entre os 6 aos 12 anos. Klein (1958) por sua vez,
amplia este período para a faixa dos 5 aos 12 anos.

Alguns autores se preocuparam em estudar as crianças no


período de latência e entre eles, Ana Freud em Introdução ‘a
psicanálise de crianças representa a primeira tentativa de
sistematizar um método de análise de crianças. Em sua obra, a
autora relata casos de crianças entre 6 a 12 anos, todas com
neuroses graves. Por meios desses casos, A. Freud estuda o alcance e
os limites da análise e suas dificuldades (Aberastury, 1996).

Outro autor também se dispôs a tratar crianças nesta faixa


etária, Milton Erickson (1941). O pesquisador salientou que o sonho
em crianças maiores pode ser interpretado como associações, pois,
geralmente a criança sonha repetindo um acontecimento do dia
anterior. Neste mesmo contexto, A. Freud assume importante papel a
interpretação dos sonhos diurnos e considera que o relato dessas
fantasias é um meio eficaz na análise de crianças e que a situação
psíquica da criança faz com que ela relate “seus desejos e
ansiedades” com mais facilidade que o adulto.

Ainda salientando a utilização do brinquedo na análise de


crianças, Klein difere de A. Freud no sentido de que Klein atribui ao
brinquedo de crianças o mesmo valor das associações livres no
tratamento analítico de adultos. Entretanto, o destacável neste artigo
é lembrar que ambas são pioneiras da psicanálise com crianças nas

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diversas faixas etárias, sendo A. Freud mais conservadora e Klein,
mais revolucionária (Aberastury, 1996).

Um ponto importante deste estudo, é enfatizar que a Obra de


Melanie Klein é teórica e prática, sendo que a primeira parte de seu
trabalho foi com crianças até 5 anos e depois se dedicou ao período
de latência, por ela considerado entre 5 a 12 anos (in Aberstury,
1996) e posteriormente a análise da adolescência.

Klein (1958) durante a hora de análise tinha a oportunidade de


observar o conteúdo das brincadeiras das crianças, o modo como ela
brincava, os meios que utilizava, as mudanças em suas brincadeiras,
a razão pela qual a criança deixava de brincar na sessão e o quanto
crianças maiores gostavam e brincar com a água e o fogo.

Por meio do brinquedo, a criança pode transformar uma


situação vivida passivamente, tornando-a ativa, como é a brincadeira
habitual de repetir uma situação traumática, como por exemplo, ir ao
dentista, ser a professora, etc., que pode ser vivida na brincadeira, na
qual a criança assume o papel do dentista, da professora, fazendo
então, com que o outro sofra a mesma emoção, tentando dessa
maneira, vencê-la. Isso configura uma modificação na mente da
criança e permite a ela mudar o resultado final da situação vivida, sua
angustias e ansiedades (Aberastury, 1996, Klein, 1958).

Muitas vezes a criança expressa em seus jogo e brincadeiras


uma simples satisfação de desejos, como em certos sonhos, mas em
outras, ela pode estar elaborando situações pouco prazerosas. Seria
uma forma que a criança encontraria de tentar descarregar uma
experiência não assimilada e que poderia estar atrapalhando sua
mente, assim como um corpo estranho pode incomodar o corpo
humano (Aberastury, 1996).

Naturalmente, a técnica do brinquedo deve ser completada pela


expressão falada da criança, principalmente no período de latência.
Assim sendo, um processo analítico não pode ser considerado findado
até que a criança empregue, dentro de seus meios, o máximo de
linguagem, pois a expressão oral/palavras significa maior adaptação
‘a realidade (Aberastury, 1996, Szejer, 1999)

Os autores fundamentados por Klein, durante a análise de


crianças, dirigem-se ao inconsciente delas e dali gradualmente,
entram em contato com o ego. Diferente da análise de adultos, que
de início o contato é com a área mais superficial do ego (Aberastury,
1996).

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Aberstury (1996), observou que na análise de crianças em
período de latência, que, muitas vezes, o tema central do conflito, era
dado pelas dificuldades de aprendizado seguida pela enurese
noturna. É comum nestas crianças o falar e associar quase como um
adulto e quando começam a melhorar, iniciam o brincar e no final da
análise, combinam uma e outra situação.

A análise no período de latência oferece dificuldades diferentes.


Nesse período, o predomínio da representação faz com que seja
limitada sua vida imaginativa. Suas experiências já estão
dessexualizadas e, além disso, a luta contra a masturbação origina
em certo sentido, as características de desconfiança e reserva das
crianças desta idade, o que as torna adversas a tudo aquilo que tenha
caráter de investigação sexual ou que se refira aos impulsos que
estão dominando com tanta dificuldade. Alem disso, seu ego ainda é
imaturo e todos esses fatos fazem com que o material oferecido pelas
crianças no período da latência seja aparentemente pobre. Não
brincam, como as crianças menores, poucas associações verbais
quando comparadas aos adultos e como dessexualizaram suas
experiências, manifestam-nas de um modo diferente do das crianças
pequenas (Aberastury, 1996).

Aberastury (1996) relata que assim como nas análises


precoces, o primeiro plano é ocupado pela cena primária, nas análises
de períodos de latência esse primeiro plano é ocupado pela diferença
de sexos e pela curiosidade sexual. Portanto lembrar que no trabalho
analítico, este pode se opor aos desejos conscientes da criança e por
isso, no começo da análise não devemos esperar muita ajuda do ego
consciente , mas sim, estabelecer, primeiro uma comunicação com o
inconsciente da criança e dali, de maneira gradual também ganhar a
ajuda de seu ego total e superego. Isso permite que a imaginação da
criança se torne mais livre e facilita a expressão de fantasias e sua
linguagem se tornará mais rica. É uma maneira da criança adquirir
noção do que é um trabalho analítico.

Bornstein (1945) aconselha seus seguidores analíticos a


interpretar os mecanismos de defesa que as crianças no período de
latência expressam e não suas tendências em realizá-los.

Técnicamente, Luzuriaga (2001) enfatiza alguns pontos


importantes durante a sessão analítica:, participação mais ativa,
maior capacidade e rapidez para interpretar (maior proximidade do
processo primário), capacidade para controlar suas próprias reações
físicas ante as agressões de uma criança, necessidade menor de

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controlar as ansiedades ante as possíveis atuações de seus pacientes
e a boa capacidade em se relacionar/lidar com os familiares.

Outro dado importante comentado pela autora é que em


crianças na latência, o enfoque é que devemos procurar atividades
que não a faça se sentir mais criança do que é, embora, durante a
análise haja uma regressão aos estados mais precoces de seu
desenvolvimento. Caso este detalhe não seja assegurado, a criança
pode se sentir ofendida. Seria como se lhe negássemos o
reconhecimento da existência de partes adultas de sua
personalidade. A interpretação deve apontar as minúcias do detalhe,
mas não deve interromper a composição de uma tarefa (Luzuriaga,
2001).

Objetivo

Empregar a técnica e a metodologia de análise de crianças no período


de latência aprendida durante o módulo de técnicas II e contrapô-las
com um fragmento de caso clínico (um relato de sessão) baseado nos
estudos de autores consultados em nossa referência bibliográfica.

Relato do caso clínico

- Dados de identificação

Criança do sexo feminino, 9 anos, estudante da 1ª série do


ensino fundamental de uma Escola Pública. Reside com os pais e uma
irmã mais velha de 13 anos em uma chácara no interior de São Paulo.
A mãe trabalha em casa, cursou o ensino médio e o pai está
concluindo o curso superior de advocacia na própria cidade onde
moram. É técnico em contabilidade, mas sua fonte de renda até o
momento é a chácara onde vivem.

- Motivo da Consulta

A criança apresenta enurese há 4 anos. Foi encaminhada ao


Ambulatório de Reabilitação do Assoalho Pélvico – Atendimento de
Enfermagem Especializado pelo setor de pediatria geral com
diagnóstico médico de enurese secundária monossintomática (CID-
10-F98.0). Seus exames clínicos não evidenciaram alterações
bioquímicas nos componentes sanguíneos, os exames de urinálise e
urocultura estavam dentro dos parâmetros normais e o ultra-som de
vias urinárias, estava em conformidade com a idade da criança.
Apresentava padrão evacuatório regular e o desenvolvimento
pondero-estatural era compatível com a idade (embora estivesse em
acompanhamento nutricional com profissional especializado). O

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pediatra que atendeu a criança e anotou em seu prontuário, o estudo
urodinâmico não foi solicitado, pois a criança não apresentava
alteração do padrão miccional diurno. Manteve um período de
continência noturna superior a seis meses e não havia queixa de
urgência miccional ou urge-incontinência até o momento do
encaminhamento. Assim sendo, encaminhou a criança e sua mãe
para serem submetidas ‘as orientações e intervenções com
enfermeira especializada.

A história clínica da criança (que aqui a identificaremos por Ana)


foi obtida em entrevista com a mãe e complementada pela criança.
Ela nasceu a termo e de parto normal. Foi amamentada até os 6
meses de idade e sempre foi uma criança saudável, com doenças
típicas da infância. Retirou a fralda diurna aos 15 meses de idade e
aos 24 meses a fralda noturna. Por volta dos três ou quatro anos
iniciou enurese noturna e com alguns períodos, não superior a 15 dias
de continência noturna. Segundo a mãe, ela é uma criança alegre,
carinhosa e adora viver grudada a ela. É muito ansiosa,
envergonhada e precisa manter uma luzinha acesa no quarto para
dormir. Costuma falar baixo e devagarinho como se estivesse
pensando para falar (observação do pesquisador). A relação familiar é
boa, segundo a mãe e a criança refere gostar muito da irmã mais
velha (10 anos), porém, “ela, `as vezes é chata e mandona”. O pai é
muito exigente, autoritário, bravo e valoriza muito o estudo da filha.
Ana refere que não entende muito bem o motivo de ter que ir a igreja
aos finais de semana, mas que o fato de ir não é desagradável. A mãe
conta que a menina é muito temerosa em relação ‘as figuras
masculinas, chegando a encobrir o rosto. Gosta muito de brincar de
escolinha (ela é sempre a professora), com bonecas “bebê” e com os
priminhos de 1 e 5 anos respectivamente.

Nunca dorme na casa da avó ou dos primos devido a enurese.


No âmbito escolar, a mãe refere que ela é muito aplicada, mantém
seu material sempre em ordem e seus deveres de casa também.
Nunca houve queixa da escola em relação ao comportamento da
criança, pelo contrário, todos gostam dela. Nos períodos de recreio
escolar não gosta de atividades que exijam muito esforço físico, para
não suar e ficar com “cheirinho de vencida”, pois na sala de aula não
há boa ventilação. Prefere ficar pulando corda com as “tias” do
refeitório: “elas batem corda e eu pulo – se eu errar não preciso sair
da brincadeira”.

- Possíveis fatores de interferência na continência urinária

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A mãe relata que houve necessidade de se afastar da criança
por 6 vezes, embora nunca tenha trabalhado fora do lar. A primeira
vez foi quando a criança tinha 6 meses de idade. Teve que
interromper abruptamente a amamentação, pois foi vítima de uma
gravidez ectópica e teve que permanecer hospitalizada por cerca de
10 dias. A segunda intercorrência foi quando a menina tinha 3 anos
de idade e sua irmã foi submetida ‘a hospitalização por uma
pneumonia, permanecendo com a filha na enfermaria por uma
semana. A terceira vez, a criança tinha cerca de 3,5 anos e foi devido
a uma patologia gástrica de sua irmã, na qual tiveram que ficar no
hospital por mais de 7 dias. Neste período a mãe achou melhor
colocar a criança na escolinha, para aliviar os cuidados com a casa e
promover recreação para a menina. Segundo a mãe a criança chorou
demais por mais de um mês por não querer desgrudar da mãe e ficar
na escola e por volta deste período começou a ter problemas com
apetite – “muito interesse pela comida” , anemia e ganho de peso
subseqüente, onde até a presente data mantém acompanhamento
com profissional nutricionista. Após um período de mais de um ano,
nova separação ocorreu, ou seja, a quinta vez, por nova gravidez
ectópica, tirando a mãe do convívio familiar por aproximadamente 10
dias. A última separação (sexta) se deu por uma crise de colelitíase,
permanecendo no hospital por 5 dias, seis meses após a última
hospitalização. Durante todos estes afastamentos, a pessoa requerida
para assistir o lar foi ‘a avó materna e os cuidados eram
complementados a noite pela figura do pai. A mãe relata que o pai é
afetuoso com as filhas, mas é muito exigente com tudo que é
relacionado a atividade escolar. É muito crítico com as meninas, exige
disciplina em casa e não gosta de barulho quando retorna a noite do
trabalho.

No que diz respeito ao manejo da enurese por parte da família,


a mãe conta que não há castigos físicos, embora percam a paciência
e brigam muito com ela, enfatizando que ela é teimosa, molenga, tem
má vontade em acordar a noite para usar o sanitário e faz de
propósito urinar na cama. Até o momento da coleta da história clínica,
o pai costumava obrigar a criança a fazer cópias de páginas dos livros
da irmã da 7ª série do ensino fundamental de temas diversos,
escrever em folhas de papel sulfite “não vou mais fazer xixi na
cama”, coletar as fezes do cachorro da família diariamente, lavar e
cuidar da própria roupa molhada pelo xixi, ignorar a presença da
criança na casa e olhá-la com desprezo. Já a mãe, ficava brava com a
criança nos períodos de enurese e dizia que ela urinava na cama
porquê a menina não gostava dela e queria que o pai não valorizasse
sua atuação como mãe zelosa.
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- Hipótese Diagnóstica

Tendência anti-social (dentro da visão Winnicottiana)

- Relato de uma sessão

Empregaremos as letras T para simbolizar a fala da terapeuta e C


para a criança.

A criança iniciou o tratamento bastante motivada há 2 meses.

Na 6ª sessão (1/semana) pude entender melhor os conflitos de Ana e


o motivo da enurese:

T: (Demonstro compreensão pela tristeza de Ana): O que houve com


você? Você parece triste hoje!

C: estou tendo pesadelos relacionados com a morte (Começa a


chorar).

T: morte?

C: sim, sonho que entrou um ladrão em casa e que sou obrigada a


escolher entre a vida da minha família ou a minha. Desde que sonhei
isso, eu estou dormindo com a minha irmã mais velha e fazendo xixi
na cama de novo.

T: realmente eu entendo o que está acontecendo e o quanto isso lhe


está apavorando. Percebo que talvez o ladrão esteja tentando roubar
algo muito bom que você estava podendo desfrutar com sua família e
que de repente foi lhe tirado.

“os pais nesse momento da terapia estavam menos rígidos e


punitivos com Ana em relação ‘a enurese, mas neste ínterim, Ana
tirou uma nota baixa na escola, a qual ela é bolsista integral.”

C: o pior é que meu pai voltou a ficar mal comigo. Me obrigou a fazer
cópias dos livros da escola da minha irmã (13 anos)novamente. Eu
tento caprichar, mas às vezes eu não entendo o que eu estou
escrevendo (o assunto, claro!) e meu pai fica muito bravo. Eu não
quero chateá-lo ou deixá-lo triste comigo (pega uma folha e começa a
rabiscar com forte pressão círculos ou formas ovaladas.

Interpretei para Ana como ela estava sentindo a situação, era como
andar e voltar sempre ao mesmo lugar, não importando o quanto ela
se esforce para demonstrar suas coisas boas.

T: você acha que alguma coisa mudou durante esses dias com você?

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C: claro, eu acho que não estou sendo muito legal com o meu pai.
Tem vezes que eu não quero fazer as coisas do jeito dele ou mesmo
pensar que nem ele e falo pra minha mãe e sabe o que ela faz?

T; não, o que?

C: ela conta tudo para ele. Parece a Dona Florinda.

(Dona Florinda é uma personagem do seriado de televisão, intitulado


“Chaves”. Ela é intrometida, fofoqueira e sedutora).

T: ...e porque ela faz isso?

C: por que meu pai diz que em casa não podem ter segredos.

T: não? Então você está querendo dizer que ninguém pode ocultar
nada de seus pais, mas eles podem omitir para sua família que você
molha a cama e que sua irmã já tirou uma nota vermelha. Será que
vocês têm que ser perfeitas ou serem uma família perfeita?

C: acho que sim. Mas eu tô de saco cheio disso. Queria poder ser eu
mesma. Eu estou sempre apertada, controlada. Eles me enchem
demais. Que saco!, que saco!

Ana pega algumas folhas de papel sulfite em branco e diz que quer
brincar de advogado e que eu sou sua secretária.

Começou a me dar ordens, pediu que eu fizesse 17 “pedições” em 1


hora e que depois eu digitasse no computador as ordens do Juiz e que
assim que eu terminasse isso eu fosse ao banco tirar dinheiro para
ela poder ir ao parque da Cidade junto as suas melhores amigas.

C: não quero rasura nos papeis, quando for preciso quero a letra
bonita e não esqueça de conferir para ver se você não trocou as
letras como é de costume. Quero serviço de gente, falô? Não quero
gente incompetente e poracá no meu escritório.

T: Ana, penso que você com todo esse trabalho que você está me
dando quer ser parecida com o papai e dar muitas ordens, não
admitir erros e nunca ser contrariada e que sujeira em sua casa não
pode ser vista. Assim como o xixi no lençol que você rapidamente tira
da cama quando molha.

C: eu não sou parecida com o meu pai e nem com a minha mãe. Eu
sou a cara da tia Alcina.

T: você está me dizendo que você não é mandona como seu pai e
que você não seria incompetente quanto a sua mãe que não educa

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você direito, ao ponto de você ainda fazer xixi na cama com quase
10 anos?

Nesse ínterim, Ana sente forte desejo em urinar e vai ao banheiro.


Quando retorna diz que está um pouco fididinha, porque molhou a
calcinha.

C: (Manteve-se quietinha olhando para uma lozinha mágica por 2


minutos): Esta brincadeira de escritório está muito chata, prefiro virar
o jogo. Eu sou a professora do Colégio Atibaia e você será a Mafê, a
menina mais tonta da sala. Ela é baixinha, tira nota baixa em
matemática e sempre leva a ficha amarela para casa. Ela não lava a
cabeça. Ta sempre ensebada.

T: tudo bem, e qual é a lição que eu tenho que fazer agora?

C: abra seu livro na página 35 e faça todos os exercícios do item a e


b.

T: professora, você não acha que é muita coisa? E se não der tempo?

C: você não viu nada. Após esta lição você fará mais ainda e se não
der tempo você ficará sem recreio. Quer que te chamem de Mafê?
Amanhã vê se solta o cabelo que eu quero ver se ele está lavado e
limpinho.

(meu cabelo estava preso)

T: penso que você está me dizendo o quanto você se sente


pressionada e cobrada com as atitudes de seu pai igual a professora
(você) está fazendo comigo e que na verdade ser parecida com a
Mafê é como ser a caçula de sua casa, onde todos mandam em você,
e seu xixi na cama é como a sujeira do cabelo da Mafê: fidido e ruim
de se ver. Você não pode falar e nem ser ouvida e é obrigada a
guardar toda essa sujeira dentro de você. Que pressão!

C: (Ana dá um sorrizinho de canto de boca e fica pensativa por uns 20


segundos). Quando eu crescer eu quero trabalhar muito. Quero ser
engenheira e construir muitos prédios. Eu não vou vender os
apartamentos – eu vou alugá-los para garantir minha velhice e não
ter que ficar morrendo de trabalhar até morrer. Terei um
apartamento no prédio só meu e só vai entrar quem eu quiser.

T: hum, parece que você quer realmente ser forte igual a seu pai. Ter
um prédio cheio de apartamentos, mandar em muita gente, controlar
os moradores (alugantes) e ter seus segredinhos.

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C: minha mãe faz tudo que meu pai manda. Ela nem parece
grandona.

(a mãe de Ana é alta e bem acima do peso)

T: parece que a mamãe faz tudo que ele quer. Não esconde o lençol
de xixi para ele não ver, deixando com que ele fique mal com você.
Ela não consegue ter segredinhos de mulher, é isso?

C: existem segredos do bem e do mal.

T: è, como assim?

C: segredo do bem é aquele de amigos que não prejudicam e segredo


do mal é aquele que pode ferir ou matar alguém.

T: como assim?

C: segredo do mal é tomar drogas, fumar escondido, tirar nota baixa


e não mostrar em casa. É ter namorado antes da hora.

T: deixa ver se eu entendi. Segredo bom é aquele que podemos


dividir com os amigos. Segredos estes que você gostaria de dividir
com sua mãe, sua irmã, suas amigas, pois seriam segredos que não
poderiam realmente te prejudicar. Segredos do mal seriam aqueles
que podem machucar agente, que fazem agente sofrer. Acho que
você está querendo dizer o quanto você gostaria de poder dividir
seus segredos com uma pessoa confiável. Acho que você está
tentando me dizer que você está com muita raiva de seus pais.

C: é, pode ser. Que bom que você não vive com eles.

Ana resolve guardar todo material antes mesmo de eu sinalizar os 5


minutos finais da sessão. Organizou nossa área de trabalho, limpou o
pó de borracha sobre a mesa e parte desse resto de borracha ela fez
uma bolinha e colocou no bolso da calça.

T: nossa, que pressa para ir embora!

C: sabe a história dos segredos?

T: sim e ai?

C: eu ia levar o resto da borracha sem falar nada para você, mas


agora eu mudei de idéia e tô te contando.

(Ana mantém o resto da bolinha de borracha no bolso)

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T: que bom que você pode falar de seus segredos para mim e sentir
que eu não vou lhe recriminar. Que bom saber que você sente que
pode vir aqui e dividir comigo suas coisas mais íntimas e não ter
medo que eu as confidencie a outra pessoa. Sinto que vir aqui deixa
você mais leve.

C: é, é mesmo!

Ana levanta da cadeira, pega sua bolsinha e vai em direção a porta e


logo depois se vira para mim e me beija e abraça.

“anteriormente a esta sessão, Ana nem sempre me beijava ao se


despedir”.

- Considerações e conclusões sobre o relato de sessão

Percebo que nesta sessão Ana tentou expressar sua angustia


por estar sendo muito pressionada por seu pai para que faça tudo
sempre certo. Ana encara esse pai como alguém muito poderoso e a
quem todos devem obediência, inclusive a irmã mais velha e a mãe.
Noto ainda como Ana gostaria de ver na mãe uma figura mais amiga,
que pudesse ser mais acolhedora e continente de seus sentimentos e
segredos (segredos bons e ruins) e o quão a amiga Mafê representa
para Ana toda sua carência de compreensão e de sua baixa auto-
estima.

Ana em nenhum momento da sessão desejou demonstrar seus


desejos hostis mexendo com água ou fogo, conforme Klein
mencionava em análise com crianças menores (1958). Entretanto,
assumiu uma forma mais racionalizada de lidar com seus
sentimentos, típicos da fase de latência, em relação ao seu pai e sua
mãe - brincando de advogada e de professora demonstrando seu
desejo de ser homem ou uma mulher que detém o poder de
comandar e de controlar as ações e o comportamento de seus
subalternos (família) – (Luzuriaga, 2001). Mostrou ainda o quanto é
difícil ser a irmã mais nova e ter que ser tão boa quanto a sua irmã
mais velha que além de seguir o “script” imposto pela família não faz
xixi na cama.

Este fragmento de sessão mostrou o quanto Ana se sente


inferiorizada por traz de uma atitude arrogante e autoritária
(advogada x secretária; professora x aluna).

Ana pode vivenciar alguns papeis (advogada, professora),


colocando-se num patamar superior e de certa forma experimentando
e reproduzindo sentimentos que até então estavam dentro dela e não

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eram nomeados ou evidentemente sentidos (raiva, inveja, ciúmes,
desamor, incompreensão, entre outros), conforme estudos elaborados
por Klein (1958) e Aberastury (1998).

Após algumas breves interpretações, Ana foi se desarmando e


ao final da sessão demonstrou o quanto precisava de alguém para
acolher seus “segredos” sem criticas ou rejeições, tal qual era seu
desejo em dividir seus segredos com sua mãe (mãe-terapeuta). Uma
mãe que seja acolhedora e continente de seus sentimentos e
emoções e que possa de alguma forma restituir algo bom que foi
perdido num dado momento em que tudo ia indo muito bem e que
por algum motivo se perdeu, conforme enunciado por Winnicott
(2000).

Na visão de Winnicott, a tendência anti-social manifesta-se


sempre por meio de comportamentos que atingem e incomodam o
ambiente, interferindo diretamente na criança. Esses
comportamentos vão desde as manifestações mais primitivas como a
avidez (voracidade), a enurese, a encoprese, entre outras, até as
mais tardias como o roubo, a mentira e a destrutividade. A forma
como esses comportamentos anti-sociais são manifestados é pelo
“acting-out” e esta é a maneira que o indivíduo tem de mostrar ao
ambiente, que sofreu a falta de algo bom (Winnicott, 2005).

Levando em conta o pensamento de toda uma linha de trabalho


efetuada por Winnicott (2000), este relata que a enurese está
associada a uma deficiente adaptação emocional perante as
dificuldades ambientais-familiares, que forçam a criança a regredir
ansiosamente as primeiras fases da infância. O controle do esfíncter
urinário demonstraria a capacidade que a criança adquiriu de
controlar suas pulsões e seus desejos, podendo esperar que eles
sejam satisfeitos num outro momento. Seria um marco da sublimação
das tendências autodestrutivas que em Ana ainda não estão
presentes.

Nesta teia de configurações emocionais o seguimento


terapêutico estará focado na resignificação de uma relação de
confiabilidade, onde a expressão da linguagem/palavra será
valorizada e rapidamente decodificada.

Referencias Bibliográficas

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Adolescente (S.E.P.Y.P.N.A.) que bajo el título “De la comprensión de
la psicopatología al tratamiento” se desarrolló en Sevilla (España) del
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