BELO HORIZONTE, QUINTA - FEIRA, 9/4/2009 HOJE EM DIA - minas@hojeemdia.com.
br
Dependentes se recuperam em clínica de tratamento de uma instituição filantrópica, no Sul de Minas
las, áreas de lazer, esporte e conví-
vio. “Podemos lembrar, também,
a falta de oportunidades para em-
pregos e cursos profissionalizan-
tes, falta de informações, gla-
mour da mídia em torno das subs-
tâncias psicoativas e até o não
acesso ao tratamento de transtor-
nos mentais (jovens com depres-
são ou ansiedades podem come-
çar a usar drogas para aliviar os
sintomas)”, diz.
O psiquiatra afirma que “a
mídia, muitas vezes, passa uma
imagem glamourizada do uso des-
sas substâncias e não investe na
conscientização e educação da
população em relação ao álcool e
ao tabaco”. Ele ressalta que as dro-
gas, na maioria das vezes, provo-
cam, além do prazer, diversos pro-
blemas de saúde ocupacionais e
sociais. “O consumo de substân-
cias psicoativas sempre existiu na
humanidade. Porém, situações
ou fatores que facilitem ou incen-
tivem o consumo devem ser me-
lhor pesquisados. Devem ser pro-
postas intervenções adequadas a
cada contexto individual ou so-
cial. Não podemos responsabili-
zar só o individuo pelo consumo,
mas políticas públicas bem plane-
jadas podem agir em pontos cru-
ciais, vide a experiência recente
da Lei Seca”, salienta.
O patologista Marcelo Caliari,
chefe do Departamento de Patolo-
gia do Instituto de Ciências Bioló-
gicas da UFMG e coordenador do
“Projeto de extensão ao uso de
drogas” do Museu de Ciências
Morfológicas da instituição, diz
que os efeitos do crack são devas-
tadores. “Alguns dos efeitos com-
portamentais do crack são indife-
rença à dor e ao cansaço, ansieda-
de, taquicardia, agressividade (ge-
ra violência), insônia, psicose pa-
ranoica e extrema labilidade emo-
cional (comportamento imprevi-
sível). A longo prazo, irá produzir
depressão, fadiga e sonolência.
Além disso, o crack pode provo-
car hemorragia nasal, perda do ol-
fato e perfuração do septo nasal.
Outros efeitos são a cardio-
miopatia dilatada, que leva à insu-
ficiência cardíaca, hipertensão, is-
quemia e infarto do miocárdio,
acidente vascular cerebral (AVC),
hemorragias no sistema nervoso
central, necrose do músculo es-
quelético, convulsões, parada
cardiorrespiratória, anorexia e
perda de peso”, relata.
De acordo com Caliari, na zo-
na rural, dispondo de poucos re-
cursos médicos, as lesões e doen-
ças provocadas pelo crack podem
se agravar, levando à morte. O de-
pendente só poderá alcançar a re-
CRISTIANO COUTO/ENVIADO ESPECIAL
cuperação para se livrar do vício
se realmente tiver força de vonta-
de. Segundo o patologista, o uso
contínuo dessa droga pode provo-
car transtornos que afetam a rela-
ção do usuário com o mundo à
sua volta, sobretudo na escola, ge-
rando desinteresse pelas coisas
da vida real, como trabalho, estu-
do e família.
Autoridades
desconhecem
avanço na roça
O secretário nacional de Políti-
cas sobre Drogas, general Paulo
Roberto Uchôa, admite que não
existem no Brasil estudos a respei-
to da expansão do uso do crack.
Questionado sobre o avanço des-
sa droga em direção às pequenas
comunidades rurais e seu uso por
lavradores, mais uma vez reco-
nhece não ter dados a respeito.
No entanto, justificou o proble-
ma enfrentado no país. “O aumen-
to do uso de cocaína e de crack no
Brasil se deve ao aumento da ofer-
ta e, consequentemente, da pro-
dução, principalmente na Bolí-
via. Mas, no Brasil, grande parte
da droga é de pasta-base, da qual
os produtos de ‘segunda catego-
ria’ (crack e merla) são fornecidas
para os usuários. É muito difícil
controlar a entrada de droga no
país, por causa da extensão da
fronteira. Temos perto de 9 mil
quilômetros de fronteiras com
Colômbia, Bolívia, Peru e Para-
guai. Não há dúvida de que orga-
nizações criminosas manipulam
essa situação. Se países com fron-
teiras muito menores têm dificul-
dade de controlar a entrada, o
que dizer do Brasil? Os Estados
Unidos, por exemplo, têm cerca
de 3 mil quilômetros de fronteira
com o México e enfrentam dificul-
dades”, alega.
Na avaliação do secretário, o
crack não merece uma política es-
pecífica de estudos, porque está
incluído entre as demais drogas,
como a cocaína, da qual é deriva-
da. “Mas sabemos que se há um
aumento na oferta do crack, isso
se deve ao aumento da produção
de cocaína. A Polícia Federal tem
feito um bom trabalho de apreen-
sões e prisões, mas essa situação
vai merecer uma política de saú-
de. “Essas são duas, entre outras,
Minas 23.
Y ÚLTIMA DE UMA SÉRIE
Unifesp Ronaldo Laranjeira desta-
cou a morte de muitos usuários
por assassinato. Ele afirmou que
um estudo que acompanhou 131
usuários apontou que 10% ha- Para a pesquisadora e médica
viam sido assassinados por poli- Zila Sanchez, do Departamento
ciais ou traficantes. “O mundo do de Psicobiologia da Unifesp,
crack é muito violento, e os danos “muitos usuários estão conse-
cerebrais tornam a vida do usuá- guindo a reabilitação total pela re-
rio bastante limitada”, disse. ligião”. Ela destacou que evangéli-
Os pesquisadores abordaram cos, espíritas e católicos têm con-
também a falta de qualificação po- seguido bons resultados na recu-
licial em vários estados para traba- peração de drogados, proporcio-
lhar com usuários de drogas, co- nando a participação em ativida-
nhecidos como “craqueiros”. Os des lúdicas e religiosas, ao lado de
debatedores levantaram a neces- centenas de pessoas, permitindo
sidade da preparação de médicos contatos sociais. “Grande parte
e atendentes de saúde, além de fa- dos usuários é de pessoas caren-
miliares e amigos de viciados, pa- tes e capazes de reabilitação”, dis-
ra melhorar o nível de comunica- se.i
ção com os dependentes, com vis-
tas na recuperação. Para a maio- Você leú na série que começou no domingo: Droga
ria dos participantes do congres- invade a roça em Minas; Lavradores evitam
so, as pessoas não gostam de falar denunciar traficantes; Aliançãs dos pais trocadas por
sobre o assunto, o que limita o droga e Patrulha Rural tenta conter´ o tráfico.
acesso de usuários à recuperação.
das vertentes importantes de
atuação do Governo contra as dro-
gas. Um dos grandes problemas
do Brasil é que as drogas estão pre-
sentes em outros crimes, como os
tráficos de armas, de mulheres e
de órgãos, a pedofilia, e muitos
outros. Por isso, as drogas são res- Abelardo Flores
ponsáveis por grande parte da vio-
lência no nosso país. O que não
acontece em países mais desen- HOJE - Qual é a realidade do crack no seu país?
volvidos”, observa. ABELARDO - O uso de drogas ilegais é o problema de maior
General Uchôa aponta cami- impacto entre a juventude salvadorenha, principalmente após
nhos para, ao lado da repressão se- os 13 anos. O impacto se deve ao fato de que o consumo e os
vera, melhorar as condições so- meios empregados para se conseguir a droga geram muita
ciais diante do problema da ex-
pansão das drogas, principalmen-
te do crack. Ele afirma que só o la-
violência. Ao mesmo tempo, a disputa pelos territórios de tráfico
gera conflitos. A preocupação é constante, porque o crack é uma
droga cujo consumo aumenta muito. Em toda a América
do repressor não resolve, porque
fica na consequência. “Acredito
ser fundamental que os municí-
Central, o crack é a segunda droga consumida, depois da
maconha.
Lavradores salvadorenhos também estão expostos ao tráfico
pios implantem conselhos sobre
drogas, com participação de líde-
res regionais e muita participa-
de drogas?
Historicamente, as sociedades da América Central são
constituídas por 50% de populações urbanas e 50% de rurais.
ção popular, inclusive de morado- Análises em corpos de trabalhadores rurais mortos em conflitos
res das zonas rurais. A partir daí, mostram que existem evidências do consumo de drogas
devem existir campanhas com derivadas da cocaína.
muitas informações para a popu- O que o governo de El Salvador tem feito para conter o tráfico
lação, principalmente para crian- e recuperar jovens usuários de drogas?
ças. O importante é que a mesma O principal problema em meu país é o uso do álcool, como
linguagem usada pelos crimino- acontece na maioria dos países, além do crack e da maconha.
sos se volte contra eles, para uma Mas o governo tem mantido e apoiado um programa de
política de prevenção e recupera- prevenção com adolescentes e crianças nas escolas,
ção”, avalia. principalmente. Há também uma campanha forte junto aos
A expansão do crack no país pais. Também tem ampliado um programa de tratamento,
mereceu dezenas de debates du- melhorando a capacidade física instalada e capacitando o
rante o congresso “Crack - últi- pessoal do atendimento.
mos 20 anos, 1º Fórum Internacio- A imprensa salvadorenha participa desse processo com
nal”, realizado nos dias 26 e 27 do denúncias e alertas sobre o tráfico de drogas?
mês passado, no Teatro Marcos Acredito que os meios de comunicação são vitais para apoiar os
Lindenberg, na Universidade Fe- esforços para conter a incidência e mostrar os danos provocados
deral de São Paulo (Unifesp), com pelas drogas. Emissoras e jornais têm mostrado as deficiências
cobertura do HOJE EM DIA. Fi- do Estado com relação ao assunto, enquanto orientam as
cou comprovado nas mesas re- pessoas sobre onde e como conseguirem apoio e tratamento.
dondas que o avanço da droga no O que o senhor pode falar sobre a expansão do tráfico de
interior dos estados ainda não crack na América Central?
tem a devida atenção. Os estudos apontam que o crack é uma droga em expansão.
Essa realidade é desconheci- Apareceu em El Salvador em 1996 e dois anos depois existiam
da por médicos, pesquisadores e 280 pessoas em tratamento. Em 2007, os usuários de drogas
interessados no tema das drogas, ultrapassaram 8 mil em tratamento, metade por causa do
que não têm dados a respeito. Os crack. Isso representa uma epidemia e um problema de
temas propostos e apresentados segurança, porque quando a pessoa não tem como comprar o
abordaram temas médicos liga- crack, pensa em roubar. Ao roubar para conseguir dinheiro,
dos ao uso do crack, à atualidade mata. Temos nos perguntado, na América Central, como uma
do tráfico e dos usuários em São droga que antes se mostrava elitista, como a cocaína,
Paulo e outros grandes centros ur- rapidamente se converteu em uma droga popular.
banos, além da assistência aos
usuários. O congresso teve partici-
pação de psiquiatras, psicólogos
e especialistas de diversos esta-
dos brasileiros e países da Améri-
ca Latina.
Os debatedores concordaram Abelardo é
que um dos grandes riscos de dis- membro do
seminar doenças envolvendo os Centro de
usuários é o uso indiscriminados Investigación
de cachimbos, latas de cervejas, y Desarrollo
copos e garrafas de plástico, que Institucional
são improvisados para fumar o de El Salvador
crack e utilizados por várias pes-
soas ao mesmo tempo.
A psiquiatra da Unifesp Solan-
ge Nappo ressaltou o envolvimen-
to de mulheres com a droga, mui-
tas delas prostituídas a ponto de
trocarem o corpo por pedras de
crack.
O professor de Psiquiatria da