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Este documento resume uma conferência de Éric Laurent sobre o trauma na perspectiva da psicanálise lacaniana. Apresenta duas vertentes para o trauma em Lacan: 1) o trauma como furo no simbólico, onde o analista recobre o furo com sentido; 2) a linguagem fazendo furo no real, onde o analista ajuda a reinventar um Outro perdido. Conclui que a psicanálise mantém juntos o direito e o avesso do trauma, levando o analista a abordar a civilização e seu trauma.
Este documento resume uma conferência de Éric Laurent sobre o trauma na perspectiva da psicanálise lacaniana. Apresenta duas vertentes para o trauma em Lacan: 1) o trauma como furo no simbólico, onde o analista recobre o furo com sentido; 2) a linguagem fazendo furo no real, onde o analista ajuda a reinventar um Outro perdido. Conclui que a psicanálise mantém juntos o direito e o avesso do trauma, levando o analista a abordar a civilização e seu trauma.
Este documento resume uma conferência de Éric Laurent sobre o trauma na perspectiva da psicanálise lacaniana. Apresenta duas vertentes para o trauma em Lacan: 1) o trauma como furo no simbólico, onde o analista recobre o furo com sentido; 2) a linguagem fazendo furo no real, onde o analista ajuda a reinventar um Outro perdido. Conclui que a psicanálise mantém juntos o direito e o avesso do trauma, levando o analista a abordar a civilização e seu trauma.
Conferncia proferida em 2002, ainda sob o impacto do recm-acontecido ataque s torres gmeas, evento que inaugurou uma nova perspectiva em relao ao que at ento se vivia, pelo menos no ocidente. Publicado originalmente em Ornicar digital, nmero 204, e em portugus em Papis de Psicanlise, vol. 1, n. 1., este texto de Laurent figura entre as principais referncias sobre a questo do traumatismo por oferecer orientaes tericas precisas sobre o tema.
Laurent faz uma introduo em torno do que chama a generalizao do trauma. Podemos considerar traumticos os eventos que excedem os comentrios que podemos fazer deles. Isso implica que o termo trauma ou traumtico designa aquilo que se situa na interface entre a descrio cientfica do mundo e um fenmeno cultural que a excede e ganha notoriedade numa poca em que nos beneficiamos de uma melhor descrio do mundo. Se, por uma lado, contamos com o avano tcnico cientfico para explicar o mundo, por outro, temos como resposta o aumento da chamada sndrome do estresse ps-traumtico. Tudo o que escapa da programao se torna traumtico. (pp. 21 e 22)
Laurent comenta que eventos que faziam parte da vida ordinria ganham, com o tempo, estatuto de trauma, como, por exemplo, o estupro que deixa de ser um delito do direito comum e passa a ser reconhecido como trauma, provocando consequncias subjetivas de longa durao.
A psicanlise fundou-se no abandono do trauma como contingncia, relacionado seduo, para encontrar na prpria sexualidade a causa necessria do mal-estar. Vinte e cinco anos depois, no final da primeira guerra, Freud encontrou um novo sentido nos eventos traumticos e nas doenas a ele associadas, localizando a o fracasso do princpio do prazer e a manifestao da pulso de morte.
Laurent prope pensar de que forma podemos retomar o que estava em jogo para Freud na repetio em sonho da cena traumtica em traumatizados de guerra que, diferentemente da repetio neurtica, denotava justamente o seu fracasso, o fracasso das defesas, um fracasso do escudo de paraexcitao. A questo agora como reler essas metforas energticas freudianas. A questo do trauma constitui uma pedra de toque. Ela parece, com efeito, ser, por excelncia, o lugar da energia, da quantidade de efrao (p. 23). Para Freud, a neurose se assentava sobre uma perda primordial, a perda do objeto materno, configurando-se como o modelo de todos os traumas (p. 24). Portanto, o objeto nunca encontrado, mas sempre reencontrado, como ele afirma em 1925 no texto sobre A negativa.
Lacan retomou essa perda primordial luz da lingustica e situou o trauma na linguagem. Reformulou a tese de Freud da seguinte maneira: ns viemos ao mundo com um parasita que ele chama de inconsciente (p. 24). Uma vez que entramos na linguagem experimentamos algo que vive diferente do vivente. Se no somos excessivamente esmagados pelo mal-entendido de sua prpria estrutura, conseguimos falar, mas experimentamos o fato de nunca mais sairmos da linguagem. Nesse ponto do ensino de Lacan, a prevalncia do simblico empurrava o real para suas bordas e, com ele, os fenmenos que se situavam fora do sentido. A situou o traumatismo.
Para pensar o lugar lgico do trauma em seu ensino, Lacan prope o recurso de um espao particular, o toro, forma tridimensional que permite unir, em uma nica regio, a exterioridade perifrica e a exterioridade central. Dessa forma possvel abordar logicamente a distncia psquica em relao ao trauma. Essa abordagem permite incluir num mesmo espao, o que Freud teve dificuldades em aproximar, ao tentar localizar o trauma entre o evento contingente e o que intrnseco sexualidade. (pp. 24 e 25)
Desde a perspectiva da linguagem inscrita no toro, Laurent aponta duas vertentes para o trauma em Lacan: a primeira, o trauma como furo no simblico, relacionada ao primeiro ensino e, a segunda, a linguagem fazendo furo no real, o trauma ao avesso, que encontramos no ltimo ensino de Lacan.
Na primeira vertente, o simblico tomado como o sistema das vorstellungen atravs das quais o sujeito quer encontrar a presena de um real. O sintoma figura a em sua envoltura formal. Tambm se inclui no simblico, o real como esse ponto na exterioridade perifrica, exterior representao. Ele (o toro) permite figurar o real em excluso interna ao simblico (p. 25). O sintoma a resposta do sujeito ao real traumtico por ser impossvel ao simblico absorv- lo em seu campo de representaes. A angstia em seu sentido geral se refere a isso.
Laurent observa que desse modelo tomado em separado de seu avesso. se deduz o seguinte tratamento: recobrir o furo com o sentido. (...) no acidente mais contingente, a restituio da trama de sentido, da inscrio do trauma na particularidade inconsciente do sujeito, fantasma e sintoma, curativa. (p. 25) Decorre da tambm o lugar do analista como o de um heri hermenutico, um doador de sentido. Se o trauma tem por efeito arrebatar o sujeito dos discursos nos quais ele est imerso, o analista, nesse caso, opera devolvendo o sujeito ao seu lugar nesses discursos. Laurent afirma que nesse caso, a psicanlise toma o inconsciente como um dispositivo que produz sentido libidinal (p. 25). Se, por um lado, preserva o sujeito de sua inscrio em categorias, garantindo sua particularidade, no deixa de ser um meio de produzir reconhecimento, portanto, sentido, negando de certa forma que o inconsciente emerge sempre em sua dimenso de ruptura com o sentido estabelecido.
Na segunda vertente, o traumatismo do real entendido como h simblico no real. A linguagem parasita o vivente. As regras que compem o Outro do lao social nos so inacessveis. Seguimos o que aprendemos com os outros, mas o sentido dessas regras inventado a partir de um ponto fora do sentido, dando consistncia ao Outro, este que no existe.
Nessa perspectiva, depois de um trauma, preciso reinventar um Outro que no existe mais. preciso causar um sujeito para que ele reencontre as regras de vida com um Outro que foi perdido. No se reaprende a viver com um Outro perdido dessa forma. Inventa-se um caminho novo causado pelo traumatismo. sobretudo pela via do insensato do fantasma e do sintoma que essa via se traa. por meio do que excede todo sentido possvel na causa libidinal que essa via possvel. (p. 26)
Porm, essa inveno se d a partir de uma regra que falta, que est no centro da linguagem, e que a torna traumtica: a relao sexual que no existe. Isso permite a Lacan afirmar que o trauma sexual. Nessa vertente, o lugar do analista o lugar do objeto perdido. Se ele pode ajudar um sujeito a reencontrar a palavra depois de um traumatismo, porque ele consegue estar, ele prprio, no lugar do trauma. O analista traumtico, assim como a prpria linguagem. (p.26) O analista sabe que a linguagem, no fundo, permanece fora de sentido, e ao traumatizar o discurso comum faz advir o discurso inconsciente. A propsito, Laurent evoca o ttulo da cano da performingartist Laurie Anderson, A linguagem um vrus. (p. 26).
Ele prope pensarmos a anlise em duas vertentes: a anlise como narrao, na via do sentido, e a anlise como instalao, que se aproximaria das instalaes com as quais nos deparamos nos museus hoje em dia. Uma instalao precria. Toma como exemplo a instalao do artista John Leaos que reconstituiu em sua obra uma pseuso-exposio arqueolgica intitulada 'Remembering castration' dedicada cultura Asteca (http://leanos.net/projects/castration/index.html#), que tinha a castrao ritual em seu centro. Para Laurent, quando a castrao no aporta mais nada de trgico, resta brincar com ela. A instalao inteira uma espcie de operao frgil sobre o que nos resta de sentido em torno do falo. Mais vale conceber a anlise assim, do que como uma metfora narrativa cheia de sentido. O analista, nessa segunda posio, se situa alm ou aqum de uma concepo teraputica do sentido (p. 27).
Segundo Laurent, embora a linguagem faa parte dos cdigos que codificam a experincia vivente, ela no tem como referncia ltima o mundo comum e compartilhado. Pelo contrrio, justamente o traumatismo linguageiro que nos comum e faz obstculo constituio de um mundo comum e compartilhado. A no existncia da relao sexual comum ao falasser, e nessa falha que se inscrevem os objetos fragmentados do gozo. A originalidade da psicanlise, afirma Laurent, poder manter juntos o direito e o avesso do trauma, perspectiva que leva o analista a passar do mal-estar na civilizao para abordar a civilizao e seu trauma (pp. 27 e 28).
Referncias
Laurent, . (2004) O trauma ao avesso. Papis de psicanlise, vol. 1, n. 1, pp. 21-28.
Freud, S. (1969). A negativa (1925). Obras Completas, vol XIX, pp. 295-307.