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Fergus Kilpatrick era um líder irlandês que planejava uma rebelião contra o domínio britânico. No entanto, ele foi revelado como um traidor. Para não prejudicar a causa, um plano foi elaborado para que Kilpatrick fosse assassinado publicamente de uma maneira que inspirasse o povo. Assim, sua morte foi encenada como um drama com cenas copiadas de obras de Shakespeare, com centenas de atores, culminando em seu assassinato no palco alguns dias depois.
Fergus Kilpatrick era um líder irlandês que planejava uma rebelião contra o domínio britânico. No entanto, ele foi revelado como um traidor. Para não prejudicar a causa, um plano foi elaborado para que Kilpatrick fosse assassinado publicamente de uma maneira que inspirasse o povo. Assim, sua morte foi encenada como um drama com cenas copiadas de obras de Shakespeare, com centenas de atores, culminando em seu assassinato no palco alguns dias depois.
Fergus Kilpatrick era um líder irlandês que planejava uma rebelião contra o domínio britânico. No entanto, ele foi revelado como um traidor. Para não prejudicar a causa, um plano foi elaborado para que Kilpatrick fosse assassinado publicamente de uma maneira que inspirasse o povo. Assim, sua morte foi encenada como um drama com cenas copiadas de obras de Shakespeare, com centenas de atores, culminando em seu assassinato no palco alguns dias depois.
Whirls out new right and wrong, Whirls in the old instead; All men are dancers and their tread Goes to the barbarous clangour of a gong.
W. B. YEATS: The Tower.
Sob o notrio influxo de Chesterton (que narra e adorna elegantes mistrios) e do conselheiro ulico Leibniz (que inventou a harmonia preestabelecida), imaginei este argumento, que escreverei talvez e que j de algum modo me justifica, nas tardes inteis. Faltam pormenores, retificaes, ajustes; h reas da histria que no me foram reveladas ainda; hoje, 3 de janeiro de 1944, assim a vislumbro.
A ao transcorre num pas oprimido e tenaz: Polnia, Irlanda, a repblica de Veneza, algum Estado sul-americano ou balcnico... Ou melhor, transcorreu, pois embora o narrador seja contemporneo, a histria contada por ele ocorreu em meados ou nos princpios do sculo XIX. Digamos (para comodidade narrativa) Irlanda; digamos 1824. O narrador chama-se Ryan; bisneto do jovem, do herico, do belo, do assassinado Fergus Kilpatrick, cujo sepulcro foi misteriosamente violado, cujo nome ilustra os versos de Browning e de Hugo, cuja esttua preside um morro cinzento entre lodaais vermelhos.
Kilpatrick foi um conspirador, um secreto e glorioso capito de conspiradores; semelhana de Moiss que, da terra de Moab, divisou e no pde pisar a terra prometida, Kilpatrick pereceu na vspera da rebelio vitoriosa que havia premeditado e sonhado. Aproxima-se a data do primeiro centenrio de sua morte; as circunstncias do crime so enigmticas; Ryan, dedicado redao de uma biografia do heri, descobre que o enigma ultrapassa o puramente policial. Kilpatrick foi assassinado num teatro; a polcia britnica no descobriu nunca o assassino; os historiadores declaram que esse fracasso no empana seu bom crdito, j que, talvez, o tenha mandado matar a prpria polcia. Outras facetas do enigma inquietam Ryan. So de carter cclico: parecem repetir ou combinar fatos de remotas regies, de remotas idades. Assim, ningum ignora que os esbirros que examinaram o cadver do heri acharam uma carta fechada que lhe avisava do risco de comparecer ao teatro, nessa noite; tambm Jlio Csar, ao se encaminhar ao lugar onde o aguardavam os punhais de seus amigos, recebeu uma carta que no chegou a ler, na qual ia declarada a traio, com os nomes dos traidores. A mulher de Csar, Calprnia, viu em sonhos derrubada uma torre que lhe tinha erigido por decreto o Senado; falsos e annimos rumores, na vspera da morte de Kilpatrick, divulgaram em todo o pas o incndio da torre circular de Kilgarvan, fato que pde parecer um pressgio, pois ele havia nascido em Kilgarvan. Esses paralelismos (e outros) da histria de Csar e da histria de um conspirador irlands induzem Ryan a supor uma secreta forma do tempo, um desenho de linhas que se repetem. Pensa na histria decimal que ideou Condorcet; nas morfologias que propuseram Hegel, Spengler e Vico; nos homens de Hesodo, que degeneram do ouro at o ferro. Pensa na transmigrao das almas, doutrina que causa horror s letras clticas e que o prprio Csar atribuiu aos druidas britnicos; pensa que antes de ser Fergus Kilpatrick, Fergus Kilpatrick foi Jlio Csar. Desses labirintos circulares, salva-o uma curiosa comprovao que depois o abisma em outros labirintos mais inextricveis e heterogneos: certas palavras de um mendigo que conversou com Fergus Kilpatrick no dia de sua morte foram prefiguradas por Shakespeare na tragdia de Macbeth. Que a histria tivesse copiado a histria j era suficientemente assombroso; que a histria copie a literatura inconcebvel... Ryan averigua que em 1814 James Alexander Nolan, o mais antigo dos companheiros do heri, tinha traduzido ao galico os principais dramas de Shakespeare; entre eles, Jlio Csar. Tambm descobre nos arquivos um artigo manuscrito de Nolan sobre os Festspiele da Sua; vastas e errantes representaes teatrais, que requerem milhares de atores e que reiteram episdios histricos nas mesmas cidades e montanhas onde ocorreram. Outro documento indito lhe revela que, poucos dias antes do fim, Kilpatrick, presidindo o ltimo conclave, havia firmado a sentena de morte de um traidor, cujo nome foi apagado. Essa sentena no condiz com os piedosos hbitos de Kilpatrick. Ryan investiga o assunto (essa investigao um dos hiatos do argumento) e consegue decifrar o enigma.
Kilpatrick foi morto num teatro, mas de teatro fez tambm a inteira cidade, e os atores foram legio, e o drama coroado por sua morte abarcou muitos dias e muitas noites. Eis o que aconteceu:
Em 2 de agosto de 1824, reuniram-se os conspiradores. O pas estava maduro para a rebelio; algo, no obstante, falhava sempre: algum traidor havia no conclave. Fergus Kilpatrick havia encomendado a James Nolan a descoberta desse traidor. Nolan executou sua tarefa: anunciou em pleno conclave que o traidor era o prprio Kilpatrick. Demonstrou com provas irrefutveis a verdade da acusao; os conjurados condenaram morte seu presidente. Este assinou sua prpria sentena, mas implorou que seu castigo no prejudicasse a ptria.
Ento Nolan concebeu um estranho projeto. A Irlanda idolatrava Kilpatrick; a mais tnue suspeita de sua vileza teria comprometido a rebelio; Nolan props um plano que fez da execuo do traidor o instrumento para a emancipao da ptria. Sugeriu que o condenado morresse pelas mos de um assassino desconhecido, em circunstncias deliberadamente dramticas, que se gravassem na imaginao popular e que apressassem a rebelio. Kilpatrick jurou colaborar nesse projeto, que lhe dava ocasio de redimir-se e que sua morte rubricaria.
Nolan, premido pelo tempo, no soube inventar inteiramente as circunstncias da mltipla execuo; teve de plagiar outro dramaturgo, o inimigo ingls William Shakespeare. Repetiu cenas de Macbeth, de Jlio Csar. A pblica e secreta representao compreendeu vrios dias. O condenado entrou em Dublin, discutiu, agiu, rezou, reprovou, pronunciou palavras patticas, e cada um desses atos que refletiria a glria fora prefixado por Nolan. Centenas de atores colaboraram com o protagonista; o papel de alguns foi complexo; o de outros, momentneo. As coisas que disseram e fizeram perduram nos livros histricos, na memria apaixonada da Irlanda. Kilpatrick, arrebatado por esse minucioso destino que o redimia e que o perdia, mais de uma vez enriqueceu com atos e palavras improvisadas o texto de seu juiz. Assim foi desdobrando-se no tempo o populoso drama, at que em 6 de agosto de 1824, num palco de funerrias cortinas que prefigurava o de Lincoln, um balao almejado entrou no peito do traidor e do heri, que mal pde articular, entre duas efuses de repentino sangue, algumas palavras previstas.
Na obra de Nolan, as passagens imitadas de Shakespeare so as menos dramticas; Ryan suspeita que o autor as tenha intercalado para que uma pessoa, no futuro, desse com a verdade. Compreende que ele tambm participa da trama de Nolan... Ao fim de tenazes cavilaes, decide silenciar a descoberta. Publica um livro dedicado glria do heri; tambm isso, talvez, estivesse previsto.