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Este texto discute a proibição da maconha no Brasil, iniciando por
uma visão histórica do uso do cânhamo desde o Paleolítico até os
primeiros livros impressos e as Grandes Navegações. Em seguida,
são abordadas as leis penais brasileiras e suas transformações ao
longo das condições da Colônia, Reino Unido, Império e República,
enfatizando a marca racista que séculos de regime escravocrata
deixam no imaginário social. Após a abolição da escravatura e a
proclamação da República, concomitantemente à imigração europeia
e ao desejo de 'embranquecer' a sociedade brasileira, o racismo
passou a se sustentar sobre as bases pseudocientíficas do
pensamento Lombrosiano, que chegaram através de autores
Positivistas. Finalmente, são reportados os fatos mais marcantes do
proibicionismo em relação às drogas e as mudanças no campo legal
ao longo dos séculos XX e XXI, relacionando-os ao relevante papel
das Marchas da Maconha no Brasil e no mundo.
Este texto discute a proibição da maconha no Brasil, iniciando por
uma visão histórica do uso do cânhamo desde o Paleolítico até os
primeiros livros impressos e as Grandes Navegações. Em seguida,
são abordadas as leis penais brasileiras e suas transformações ao
longo das condições da Colônia, Reino Unido, Império e República,
enfatizando a marca racista que séculos de regime escravocrata
deixam no imaginário social. Após a abolição da escravatura e a
proclamação da República, concomitantemente à imigração europeia
e ao desejo de 'embranquecer' a sociedade brasileira, o racismo
passou a se sustentar sobre as bases pseudocientíficas do
pensamento Lombrosiano, que chegaram através de autores
Positivistas. Finalmente, são reportados os fatos mais marcantes do
proibicionismo em relação às drogas e as mudanças no campo legal
ao longo dos séculos XX e XXI, relacionando-os ao relevante papel
das Marchas da Maconha no Brasil e no mundo.
Este texto discute a proibição da maconha no Brasil, iniciando por
uma visão histórica do uso do cânhamo desde o Paleolítico até os
primeiros livros impressos e as Grandes Navegações. Em seguida,
são abordadas as leis penais brasileiras e suas transformações ao
longo das condições da Colônia, Reino Unido, Império e República,
enfatizando a marca racista que séculos de regime escravocrata
deixam no imaginário social. Após a abolição da escravatura e a
proclamação da República, concomitantemente à imigração europeia
e ao desejo de 'embranquecer' a sociedade brasileira, o racismo
passou a se sustentar sobre as bases pseudocientíficas do
pensamento Lombrosiano, que chegaram através de autores
Positivistas. Finalmente, são reportados os fatos mais marcantes do
proibicionismo em relação às drogas e as mudanças no campo legal
ao longo dos séculos XX e XXI, relacionando-os ao relevante papel
das Marchas da Maconha no Brasil e no mundo.
Proibio da maconha no Brasil e suas razes histricas
escravocratas Andr Barros 1 e Marta Peres 2
Resumo: Este texto discute a proibio da maconha no Brasil, iniciando por uma viso histrica do uso do cnhamo desde o Paleoltico at os primeiros livros impressos e as Grandes Navegaes. Em seguida, so abordadas as leis penais brasileiras e suas transformaes ao longo das condies da Colnia, Reino Unido, Imprio e Repblica, enfatizando a marca racista que sculos de regime escravocrata deixam no imaginrio social. Aps a abolio da escravatura e a proclamao da Repblica, concomitantemente imigrao europeia e ao desejo de 'embranquecer' a sociedade brasileira, o racismo passou a se sustentar sobre as bases pseudocientficas do pensamento Lombrosiano, que chegaram atravs de autores Positivistas. Finalmente, so reportados os fatos mais marcantes do proibicionismo em relao s drogas e as mudanas no campo legal ao longo dos sculos XX e XXI, relacionando-os ao relevante papel das Marchas da Maconha no Brasil e no mundo.
Palavras-chave Maconha; poder punitivo; Histria do Brasil; racismo; direito penal
Marijuana Prohibition in Brazil and Slavery Historical Roots
Abstract: The subject of this paper is marijuana prohibition in Brazil. It begins with an overall view of the use of hemp from the Paleolithic to the early printed books and Great Navigations seafaring. Then, we discuss Brazilian penal law and its changes during Colony, Portuguese United Kingdom, Empire and Republic, pointing out the racist mark on Brazilian social imaginary after centuries of slavery practices. With the abolition of slavery and the proclamation of Republic, while European immigration was stimulated as a way of whitening Brazilian society, racism was supported by the pseudoscientific ideas of Lombroso, brought by Positivist thinkers. Finally, recent facts in this field are reported including penal law changes during the XX and XXI centuries pointing out the relevance of National and Global Marijuana March Movement in this process.
1 Advogado criminalista, Mestre em Cincias Penais (UCAM). 2 Professora Adjunta da Escola de Educao Fsica e Desportos, UFRJ. Doutora em Sociologia (UnB). Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
Keywords Marijuana; punitive power; History of Brazil; racism; criminal law
No passado era legal A poltica criminalizadora de condutas relacionadas produo, distribuio e ao consumo de determinadas substncias psicoativas e matrias primas para sua produo, ocultando a identidade essencial em todas as substncias psicoativas e a artificialidade da distino entre drogas lcitas e ilcitas, , hoje, a mais organizada, mais sistemtica, mais estruturada, mais ampla e mais danosa forma de manifestao do proibicionismo a nvel mundial. (Karam, 2009:1).
Ao apontar a artificialidade inerente distino entre as chamadas drogas lcitas e ilcitas, a juza Maria Lucia Karam demonstra o carter de construo social do proibicionismo nesse campo, tema desenvolvido ao longo deste texto, em especial, sob uma perspectiva histrica. De fato, embora tenha sido tornada uma droga ilcita no sculo passado, anteriormente, a maconha era no somente legalizada, como consistia num relevante insumo econmico na Europa, utilizado desde os tempos do paleoltico. Escrita com as mesmas sete letras, a palavra maconha um anagrama de cnhamo, matria-prima de grande importncia no Renascimento. Gutenberg utilizou papel de cnhamo para produzir as 135 primeiras Bblias impressas do mundo, localizando-se um desses exemplares no acervo da Biblioteca Nacional, na Cinelndia, Rio de Janeiro. Na Renascena, a maconha era um dos principais produtos agrcolas da Europa. Prova de sua grande influncia na mudana de mentalidades que, alm das pginas de papel de cnhamo dos primeiros livros impressos, artistas pintavam em telas feitas com suas fibras. Tanto que a palavra Canvas, usada em vrias lnguas para designar tela, uma corruptela holandesa do latim 'cannabis': da dizer-se 'oil on canvas' (leo sobre tela)'. Revista Periferia Volume III, Nmero 2
Desde a antiguidade, gregos e os romanos usaram velas e cordas de cnhamo nos navios. No sculo XV, cultivado nas regies de Bordus e da Bretanha, na Frana, em Portugal e na frica, o cnhamo era destinado confeco de cordas, cabos, velas e material de vedao dos barcos, que inundavam com frequncia em longas navegaes. O produto obtido de suas fibras, dotado de rigidez e elasticidade, proporcionava s caravelas uma enorme velocidade. Incluindo velame, cordas e outros materiais, havia 80 toneladas de cnhamo no barco comandado por Cristvo Colombo, em 1496 (Robinson, 1999). O cultivo de cnhamo em terras lusas tornou-se massivo poca das Grandes Descobertas, pois fornecia o material das embarcaes portuguesas. Decreto do rei D. Joo V, de 1656, comprova que o incentivo produo de maconha era uma poltica de Estado. Tendo chegado graas s velas de cnhamo de suas embarcaes, a histria oficial diz que foi Pedro Alvares Cabral que descobriu o Brasil. Como j viviam milhes de nativos aqui, chamados pelos portugueses de ndios, pois imaginavam estar chegando s ndias, ningum descobriu nada! Ou ento, podemos dizer que a maconha descobriu o Brasil.
Poder Punitivo no Brasil
A fim de enfocar a questo do poder punitivo, saltamos alguns sculos, para o momento em que a Coroa Portuguesa fugiu das tropas de Napoleo, em novembro de 1807. Ao chegarem ao Brasil, os cerca de 15 mil portugueses assustaram-se com a ideia de viver numa cidade cuja maioria da populao era formada de escravos. Alm do mbito da segurana pessoal e coletiva, o intendente de polcia, figura importada da metrpole, era responsvel pelas obras pblicas e pela garantia de abastecimento de gua e iluminao da cidade, atividades economicamente relacionadas. Na qualidade de Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
supervisor de obras, o intendente tinha nos presos um fluxo contnuo de mo-de-obra, que ele podia transferir da cadeia ou pelourinho para as obras da estrada (Idem:53). Com a funo de manter a tranquilidade da ordem pblica e o patrulhamento da cidade, em 1809, foi criada a Guarda Real de Polcia. medida que seus truculentos membros passavam paulatinamente a substituir os antigos capites-do-mato, sua atuao relacionava-se polcia de costumes, ou seja, represso de festas com cachaa, msica afro-brasileira e, evidentemente, maconha. Ataques a quilombos situados nos morros eram uma das principais atividades repressivas. Consta que o policial Miguel Nunes Vidigal, clebre pelo terror que espalhava entre os vadios e ociosos, na maioria, escravos que iam aos batuques, prendeu certa vez mais de 200 pessoas, dentre homens, mulheres e crianas, num quilombo do Morro de Santa Teresa (Idem Ibidem:46-7) 3 . Tendo surgido oficialmente em 1808, no contexto da vinda da famlia real, a polcia brasileira foi constituda sem qualquer limite legal, j que uma lei penal propriamente dita somente entrou em vigor em 1830. Nesta poca, conviviam elementos ideolgicos contraditrios, medida que o Brasil, desde o sculo anterior, passava a representar um papel importantssimo para a economia portuguesa. Sob um aparente liberalismo da metrpole, aumentava a opresso sobre a colnia. De fato, uma srie de reformas inspiradas no despotismo esclarecido tornou o controle portugus mais penetrante, eficiente e opressivo para o nativismo brasileiro emergente (Holloway, 1997:44). Enquanto na metrpole, onde fora criada a Intendncia, vigorava o despotismo esclarecido e j se podia identificar alguma
3 Esses ataques brutais eram chamados de 'ceias de camaro', aluso necessidade de descascar o crustceo para se chegar sua carne cor-de-rosa. Em vez do sabre militar comum, o equipamento normal de Vidigal e seus granadeiros era um chicote de haste longa e pesada, com tiras de couro cr em uma das extremidades, o qual podia ser usado como cacete ou chibata (Idem Ibidem: 49).
Revista Periferia Volume III, Nmero 2
ateno aos Direitos Individuais, o mesmo no ocorreu aqui: ao contrrio, na colnia, as Reformas Pombalinas traduziam-se num aumento da fiscalizao e da represso. At a partida de Dom Joo VI em 1821, as leis criminais que vigoravam no Brasil eram as do Livro V das Ordenaes Filipinas. No entanto, as leis eram editadas pela polcia sob um regime totalmente absolutista. Para se ter uma ideia da brutalidade das normas no Brasil, emblemtica a comparao com um relatrio do estado de Virgnia, Estados Unidos, em 1825, onde o maior castigo a um escravo consistia em 39 aoites pelo furto de um par de botas:
As penas eram brutalmente severas, por menores que fossem as infraes, at mesmo pelo padro das dcadas seguintes e em comparao com a escravido urbana em outros lugares. Contrastando com a norma de aplicar 100 a 300 aoites por pequenos crimes no Rio de Janeiro, no raro seguidos de vrios meses de trabalho forado em grilhes, vem do sul dos Estados Unidos o seguinte relatrio de crimes e castigos de escravos em Richmond, Virgnia, em 1825: Furto de trs dlares, 20 aoites; trs cobertores, 15, quatro dlares, 25; vestido de algodo, 15 aoites; par de botas, 39; leito de pernas, 10. Se a escravido no Brasil patrimonial e catlico era mais branda do que nos Estados Unidos capitalista e protestante, tal diferena dificilmente se estenderia aos castigos impostos aos escravos urbanos por pequenos crimes. (op. cit.:55)
Observa-se que, antes do Cdigo Criminal do Imprio (1830), eram aplicados entre 100 a 300 aoites para pequenos crimes, pelo Intendente da Polcia e pela Guarda Real. Alm disso, no Brasil, os castigos chegavam a assumir o risco de matar o escravo. Encerradas as guerras napolenicas, em 1820, intimado a retornar a Lisboa, o rei deixou como regente seu primeiro filho, Pedro de Bragana e Bourbon. Logo em seguida, Dom Pedro I decretou que ningum poderia ser preso seno em flagrante ou por ordem judicial, que as acusaes deveriam ser propostas at 48 horas aps a priso e que ningum seria encarcerado seno por deciso do Tribunal, o que foi considerado um grande avano. Alm disso, Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
proibiu o uso de grilhes, correntes e tortura como punio, embora escravos no gozassem de tais direitos. A crise entre os partidos brasileiro e portugus, junto influncia de ideias liberais, desembocou no Grito do Ipiranga, proclamado por Dom Pedro em 7 de setembro de 1822. Em 1824, D. Pedro I outorgava o primeira Constituio do Brasil, curiosamente denominada liberal, porm, outorgada. Nela, j estavam insculpidos os Direitos Humanos de Primeira Gerao 4 , mas interessante observar que tenha convivido com o Cdigo Criminal de 1830: legislaes com princpios antagnicos. Deste, pode ser citada a crueldade das penas de gals, em que os rus eram sujeitados a andar de calcete no p e corrente de ferro. O artigo 46 determinava o trabalho forado dentro das prises. Deste modo, os direitos individuais garantidos pela Constituio de 1824, como o princpio da reserva legal, eram apenas fachada, medida que se mantinham antigas formas de punir. Em especial, no que diz respeito s duas condies do escravo, simultaneamente considerado coisa e ru. Deste modo, identificamos que as razes da criminalizao da maconha no Brasil esto indiscutivelmente ligadas dispora africana. A violncia at hoje nutrida contra tal hbito dos negros compreendida se considerarmos que, no Brasil, a escravido foi to brutal que, com toda sua crueldade, ainda assim, o Cdigo Criminal de 1830, primeira lei penal brasileira, foi considerada um avano, ao ter estabelecido que o escravo que cometesse um pequeno delito deveria receber, por dia, no mximo, 50 chicotadas, j que antes, como citado acima, eram entre 200 a 400:
Art. 60 Se o ro fr escravo, e incorrer em pena que no seja a capital ou de gals, ser condemnado na de aoutes, e, depois de os soffrer, ser entregue a seu senhor, que se obrigar trazl-o
4 Os Direitos Humanos so classificados segundo a primeira gerao, baseada na ideia de cidado, segunda, nos aspecto moral e social, terceira, na soberania nacional, e quarta, ligada ecologia, minorias, respeito s diferenas (Bobbio, 1992:62) Revista Periferia Volume III, Nmero 2
com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar. O nmero de aoutes ser fixado na sentena; e o escravo no poder levar por dia mais de concoenta.
No mesmo ano em que este cdigo entrou em vigor, o Brasil foi o primeiro pas do mundo a editar uma lei contra a maconha: em 4 de outubro de 1830, a Cmara Municipal do Rio de Janeiro penalizava o `pito de pango`, denominao da maconha, no 7 da postura que regulamentava a venda de gneros e remdios pelos boticrios:
proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservao dele em casas pblicas. Os contraventores sero multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em trs dias de cadeia. (Mott in Henman e Pessoa Jr., 1986).
Fim da escravido e entrada do pensamento lombrosiano
Embora tivessem apoiado o movimento da Independncia, por se preocuparem com a manuteno da estabilidade e da paz social, as elites brasileiras no desejavam uma ruptura com os moldes da sociedade colonial. Sem dvida, temiam a ameaa representada pelo grande contingente populacional de negros. Em defesa de uma suposta 'ordem pblica', historicamente, as elites colocavam-se como vtimas da violncia urbana. Embates nas ruas da capital culminaram com a criao da Guarda Municipal e Nacional, em 1831. Bastava possuir alguma renda e no ser um ex-escravo para poder se alistar em tais instituies paramilitares. Com o fim da figura do capito-do-mato, seus representantes passaram a integrar as novas instituies oficiais ou a fazer parte da estrutura informal de represso enquanto jagunos. Chamamos ateno aqui para os aspectos ideolgicos que embasam a elaborao de leis. Segundo Michel Foucault, com a passagem dos regimes monrquicos para os republicanos, o centro das preocupaes do poder punitivo deixou de focalizar na figura do Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
rei e voltou-se para a proteo do corpo social. Buscando a assepsia 5 da sociedade, modificavam-se as respectivas formas de segregar os excludos, pela adoo de novas medidas de controle social. Princpios bsicos da Repblica, essas receitas teraputicas para a sociedade incluam a eliminao dos doentes, o controle dos contagiosos, a excluso dos delinquentes (Foucault, 1979:37). No Brasil, a implantao dessas medidas fundamentou-se no pensamento positivista, que aqui chegou junto a valores que desembocaram na Abolio da Escravatura e na Proclamao da Repblica. Tanto que se faz presente no lema da bandeira: Ordem e Progresso. Enfraquecia-se a oligarquia escravocrata, enquanto aliavam-se militares com ideais positivistas e setores economicamente emergentes ainda excludos de participao poltica no Brasil Imperial da segunda metade do sculo XIX. A primeira Constituio republicana teve como modelo a Constituio dos Estados Unidos da Amrica, introduzindo o presidencialismo e o federalismo, consagrando o regime representativo de eleies diretas, embora exclusse analfabetos, mulheres, soldados, integrantes de ordens religiosas e menores. Fortemente relacionado ao pensamento de Lombroso (1835-1909) 6 , o positivismo influenciou o Direito Penal. Imediatamente aps a Abolio da Escravatura (1888) 7 , essas ideias caram como uma luva no Brasil. Com suas bases supostamente cientficas, o etnocentrismo se vestia com uma nova forma de dominao, mais sutil, porm
5 Assepsia: Conjunto das medidas adotadas para evitar a chegada de germes a local que no os contenha (Ferreira, 1986:184). Limpeza.
6 Criminologista italiano cujas teorias buscavam relacionar traos fsicos das pessoas a seus aspectos mentais e de comportamento. Inspirado em estudos genticos e evolutivos no final do sculo XIX, afirmava que os criminosos possuam evidncias fsicas de um "atavismo" (reapario de caractersticas de ascendentes distantes) hereditrio, reminiscente de estgios mais primitivos da evoluo humana, anomalias em termos de formas do crnio e mandbula, face e outras partes do corpo. Posteriormente, estas associaes foram consideradas inconsistentes ou inexistentes.
7 Foi grande a presso da Inglaterra, desejosa de conquistar novos mercados consumidores, cujos tratados com Portugal, em 1810, 1815 e 1817, previam breve fim para a escravido no Brasil. Deciso unilateral inglesa, o Aberdeen Act (1845) permitia que navios ingleses atacassem navios negreiros at mesmo em portos brasileiros.
Revista Periferia Volume III, Nmero 2
muito violenta. Se os castigos aplicados no tempo da escravido no seriam mais oficialmente admitidos, no alvorecer do sculo XX, cresceu a preocupao com as leis e sua cientificidade. Assim, desde a Proclamao da Repblica (1889) ao incio da Era Vargas (1930), a criminologia sustentava origens etiolgicas para o crime. Em outras palavras, referia-se existncia de razes biolgicas, atvicas e at climticas (calor, no caso) para que determinados tipos de pessoas no respeitassem a ordem. Caractersticas tais como o tamanho da mandbula forneciam dados psicopatologia criminal. Apesar de inconsistentes, suas teorias influenciaram criminologistas, juristas e mdicos, brasileiros e europeus. O positivismo apresenta diagnsticos e solues para casos isolados, culpabilizando o indivduo e no o sistema social, gerando um pensamento racista e sensacionalista que muito agrada s classes privilegiadas. Ao explicar a origem dos revolucionrios, bandidos, alcolatras, desempregados, mendigos, prostitutas e maconheiros por meio de caractersticas atvicas, o discurso lombrosiano visava a assepsia da sociedade que deveria ser protegida desses (maus) elementos. Alm disso, naquele momento, o pas tinha que se adaptar, ainda que na condio de periferia, ao Sistema Capitalista Industrial. O discurso liberal e racional veio junto com novas relaes de produo e com a busca de mercados, pois escravos no poderiam consumir como os assalariados. Contudo, prova de que as condies escravocratas permaneceram, que, at mais tarde, no Cdigo Penal de 1940, ainda era necessrio criminalizar a escravido. De um lado, parecia que uma moderna Repblica no admitia conviver com tal selvageria e brutalidade. Entretanto, esta realidade no se extinguiu totalmente com a Repblica, como ainda se faz presente at hoje. Apesar da presso inglesa, tambm contribuiu para o fim da escravido a ameaa da sociedade pela continuidade da vinda de Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
escravos e pelas rebelies da senzala. O medo da africanizao por parte das elites consistia num risco para a segurana pblica e afastava o Brasil das rotas da civilizao 8 . O desequilbrio entre a populao brasileira livre e cativa era enorme, j que, entre 1500 e 1822, enquanto vieram cerca de um milho de portugueses, vieram trs milhes de africanos. Apesar da historiografia oficial ter procurado camuflar a maioria de africanos como povoadores forados do territrio brasileiro, o fato que os lderes e as elites percebiam esse predomnio e alertavam para o risco das rebelies escravas. Medidas abolicionistas comearam a ser adotadas pelo governo brasileiro por volta de 1850, quando subia o preo dos escravos, de modo que tornava-se menos oneroso importar mo-de-obra excedente da Europa. Parte do dinheiro dos fazendeiros empregado anteriormente no trfico negreiro passou a ser investido na imigrao 9 . O medo da sociedade brasileira desses inimigos domsticos somado necessidade de trabalhadores para a agricultura, estimulou a vinda dos imigrantes europeus (Del Priore e Venncio, 2001:225-9). No final do sculo XIX, o desemprego e as ms-condies de vida no campo consistiam em problemas serssimos na Europa, de modo que governo brasileiro e fazendeiros paulistas aproveitaram para promover uma poltica de estmulo imigrao, no intuito de embranquecer o Brasil. Defensores da imigrao europia achavam que, assim, aprimorariam a sociedade.
8 Em 1835, a Revolta dos Mals, em Salvador, Bahia, aterrorizou os brancos, ao descobrirem planos, escritos em rabe, que previam a morte de todos os brancos imediatamente aps a conquista do poder pelos escravos.
9 Os avanos do transporte internacional, o medo das revoltas dos escravos e a carncia de mo-de- obra para a lavoura de caf motivaram a imigrao, principalmente de italianos, simultaneamente expanso da lavoura cafeeira, na virada dos sculos XIX para o XX. Pode-se argumentar que no havia carncia de mo-de-obra, j que havia milhares de escravos libertados sem trabalho. No entanto, com o trauma, assim que libertados, aliviados da brutal represso, em busca de liberdade, os negros abandonavam as fazendas e procuravam terrenos baldios em que pudessem plantar milho e mandioca para comer (Campos,2005:41-2). Simultaneamente, buscava-se construir uma 'nao homogeneizada', sobre padres culturais europeus, o negro ex-escravo no fazia parte deste projeto, mas queria viver. No houve qualquer poltica humanitria, nem para os imigrantes europeus, tampouco para os afro- descendentes.
Revista Periferia Volume III, Nmero 2
O desejo de liberdade dos ex-escravos era considerado falta de vontade de trabalhar: chamados de vagabundos, por meio da convivncia como os estrangeiros europeus, os negros aprenderiam o esprito do homem livre e trabalhador. Recordamos que a poltica criminal implantada pelo Estado at meados do sculo XIX era de extermnio dos indgenas e escravido para os negros. Transformaes de um pas at ento eminentemente rural, o processo de embranquecimento e o incio da industrializao trouxeram necessidades diferentes ao novo sistema, que precisava mascarar a poltica punitiva e de fortes razes escravocratas com novas roupagens.
Proibio da maconha no Brasil
Conforme mencionado, a psiquiatria lombrosiana chegou ao Brasil em meados do sculo XIX. Ao defender que determinadas raas carregavam caractersticas naturais dos criminosos, seu discurso pseudo cientfico criminalizou os negros, sua religio, sua cultura e, obviamente, o hbito de fumar maconha. Prova de que esse hbito foi trazido da frica pelos escravos que uma das mais conhecidas denominaes da maconha era fumo de Angola. Deste modo, seu consumo era considerado um impulsionador da prtica de condutas penais e seus consumidores, tidos como criminosos de antemo. Com a Abolio da Escravatura, esse pensamento viria auxiliar a controlar e reprimir a liberdade, de maneira que antigos escravos e seus descendentes foram criminalizados. Observem que a escravido foi abolida em 1888, a Repblica foi proclamada em 1889 e a sua Constituio entrou em vigor em 1891. Um ano antes mesmo de ser promulgada sua lei maior, a Repblica tratou de instaurar dois instrumentos de controle dos negros em 1890: o Cdigo Penal e a "Seo de Entorpecentes Txicos e Mistificao", a fim de combater Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
cultos de origem africana e ao uso da cannabis, utilizada em rituais do Candombl, considerado baixo espiritismo. Alguns anos depois, o psiquiatra Rodrigues Dria 10 (1857-1958) teve grande influncia na criminalizao da maconha, chegando a associ-la a uma espcie de vingana de negros selvagens contra brancos civilizados que os haviam escravizado. Vejamos um fragmento de seu texto etnocntrico, discriminando a cultura, a religio e o maravilhoso dilogo rimado da diversidade cultural brasileira dos negros, nativos e pobres:
... possvel que um individuo j propenso ao crime, pelo efeito exercido pela droga, privado de inibies e de controle normal, com o juzo deformado, leve a prtica seus projetos criminosos . () Entre ns a planta usada, como fumo ou em infuso, e entra na composio de certas beberragens, empregadas pelos feiticeiros, em geral pretos africanos ou velhos caboclos. Nos candombls - festas religiosas dos africanos, ou dos pretos crioulos, deles descendentes, e que lhes herdaram os costumes e a f empregada para produzir alucinaes e excitar os movimentos nas danas selvagens dessas reunies barulhentas. Em Pernanmbuco a herva fumada nos atimbs - lugares onde se fazem os feitios, e so frequentados pelos que vo a procurar a sorte e a feliciadade. Em Alagoas, nos sambas e batuques, que so danas aprendidas dos pretos africanos, usam a planta, e tambm entre os que porfiam na colcheia, o que entre o povo rstico consistem em dilogo rimado e cantado em que cada rplica, quase sempre em quadras, comea pela deixa ou pelas ltimas palavras de contendor (Henman e Pessoa Jr, 1986).
Como podemos ver, psiquiatras brasileiros elaboraram uma srie de teses criminalizando negros, nativos, mulheres, capoeiristas, sambistas, maconheiros, prostitutas, macumbeiros, cachaceiros, explorando certo tipo de discurso que estigmatizava todos que no fossem supostamente brancos puros, prximo daquele que viria a originar tambm ideias fascista e nazista da superioridade de raas.
10 Professor de Medicina Pblica de Direito da Bahia, presidente da Sociedade de Medicina Legal, ex- presidente do Estado de Sergipe, Revista Periferia Volume III, Nmero 2
J nos anos 1940, embora Filinto Muller, influente chefe da polcia poltica de Getlio Vargas, declarasse que a Umbanda no fazia mal a ningum, invadia e quebrava todos os terreiros que insistiam no uso da maconha. Como havia o desejo da Umbanda, que estava se estruturando, ser reconhecida como religio, subtraiu-se o uso da maconha de suas prticas para obter esse reconhecimento. Identifica-se a um trao de embranquecimento, ainda que forado, da Umbanda. Ao mesmo tempo em que eram descriminalizadas as religies de origem africana, a capoeira e o samba, a maconha foi criminalizada pelo artigo 281 do Cdigo Penal de 1940.
Proibio da Maconha no Brasil e no Mundo
() vale acrescentar ( conceituao de proibicionismo) a mais bem humorada traduo dada pelo Professor Charles Whitebread ideia de proibio, definindo-a como a utilizao da lei penal para criminalizar condutas que grande parte de ns parece querer praticar... (Karam, 2009 ;2)
A primeira ao internacional no sentido de promover uma proibio coordenada produo, distribuio e ao consumo de determinadas substncias psicoativas e suas matrias primas foi sistematizada na Conveno Internacional sobre o pio, organizada pela Liga das Naes, em Haia, no ano de 1912 (Karam, 2009 : 3). A referida conveno recomendava aos Estados signatrios que examinassem a possibilidade de criminalizao da posse de pio, morfina, cocana e seus derivados. Inspirada nela, em 1921, entrou em vigor, no Brasil, o Decreto nmero 4294, que punia to somente o comrcio de substncia de qualidade entorpecente. Na II Conferncia Internacional do pio, em Genebra, 1925, vale destacar a afirmao de Dr. Pernambuco, para delegaes de 45 outros pases: a maconha mais perigosa que o pio. Cabe destacar que, apesar da cocana e da morfina j haverem sido Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
includas desde a anterior, ambas as convenes tinham como objetivo o combate ao pio. Considerando que esta erva no constava da recomendao de 1912, esse mdico, indiscutivelmente, influenciou a criminalizao da maconha em todo o mundo. Em outras palavras, foi baseada nas ideias racistas e escravocratas presentes no discurso de um psiquiatra brasileiro, que a criminalizao da maconha viria a ser internacionacionalizada. Em 1931, foi realizada a Conveno de Genebra, que regulamentaria as duas convenes internacionais anteriores. Nela, a criminalizao no chegou a ser imposta, mas j avanava no sentido de uma ideologia proibicionista. Em 1932, entrou em vigor, no Brasil, o decreto 2930 que passava a penalizar tambm o usurio, porm, diferenciando-o do traficante. Merece destaque o Decreto-Lei 891/38 que estabeleceu a toxicomania como doena compulsria, tratando de internao civil e interdio dos toxicmanos. Em 1940, entrou em vigor um novo Cdigo Penal, que apenava a conduta de traficar, em seu famoso artigo 281, inclusive mencionado em cano do saudoso Bezerra da Silva. Trs convenes da ONU dirigidas contra as drogas tornadas ilcitas expressaram-se acerca da matria: a Conveno nica sobre entorpecentes (1961), o Convnio sobre substncias psicotrpicas (1971) e a Conveno das Naes Unidas contra o trfico ilcito de entorpecentes e substncias psicotrpicas (Viena, 1988). Em 1968, em plena ditadura militar, por meio do Decreto-Lei 385 e alterao do artigo 281 do Cdigo Penal, o usurio foi equiparado ao traficante, sendo-lhes atribudas penas idnticas. Em 29/10/1971, foi editada a lei 5726, que mantinha esta equiparao e trazia medidas ainda mais profundamente repressivas, tais como o oferecimento de denncia mesmo sem qualquer substncia, ou seja, sem existncia de prova material. Esta situao de exceo era Revista Periferia Volume III, Nmero 2
anloga ao que o regime militar tambm fazia por meio da Lei de Segurana Nacional, pela qual qualquer policial, sem ordem judicial, podia prender uma pessoa e deix-la incomunicvel com sua famlia ou advogado por trinta dias, renovveis atravs apenas de uma comunicao ao juiz, por mais trinta. Em 1976, entrou em vigor a histrica lei 6368, que distinguia o traficante - tipificado no artigo 12 - do usurio, tipificado no artigo 16 tendo vigorado em parte at 2002, quando FHC sancionou a lei 10409/2002, a qual sofreu tantos vetos que se tornou absolutamente sem sentido. Embora tenha se reunido recentemente s trincheiras dos ativistas pr-legalizao, durante seu mandato na Presidncia do Brasil, Fernando Henrique Cardoso nada mudou sobre a legislao de drogas, medida que afirmou-se da Lei 10.409/2002 estar apenas trocando seis por meia dzia. Seu sucessor, Lula, embora no tenha se posicionado publicamente sobre o tema, em meio ao processo de sua reeleio, em agosto de 2006, sancionou a Lei 11343, que acabou com a pena de priso para os usurios de substncias ilegais e para quem plantar pequena quantidade de maconha para uso prprio. Na realidade, os artigos 12 e 16 da Lei 6368/76 vigoraram at 2006 quando foram finalmente revogados pelo Lei 11343/2006. Pois FHC fez tantos vetos a sua prpria Lei 10409/2002, que tais artigos criminalizadores continuaram em vigor.
Hoje
Em 2009, foi encaminhada uma representao Procuradoria- Geral da Repblica, noticiando decises judiciais que proibiam as Marchas da Maconha em cidades brasileiras. Impulsionada pela mesma, a Procuradora Debora Macedo Duprat de Britto Pereira props a Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental n 187, que o Supremo Tribunal Federal julgou procedente, por Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
unanimidade, no dia 15 de junho de 2011, baseado no relatrio e voto memorvel do Ministro Celso de Mello. At ento, passaram-se anos de luta, tendo mais de 100 pessoas sido presas dentre os que convocavam e participavam das Marchas. Aps a histrica Marcha de So Paulo, o Supremo julgou procedente a ao, de modo que o protesto de ativistas na rua acarretou o reconhecimento da legalidade democrtica do movimento e a ilegalidade das recentes medidas judiciais repressivas. Em maio de 2012, por deciso da maioria do seu Plenrio, o Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus n 104339, declarou incidentalmente inconstitucional parte do artigo 44 da Lei 11343/2006, que proibia a concesso de liberdade provisria em caso de trfico de entorpecentes. A regra o direito de responder a uma acusao criminal em liberdade. Para decretar a provisria priso preventiva, o Juiz precisa apresentar fatos e elementos que demonstrem a presena de seus requisitos, que so: de ordem pblica, quando h provas de que em liberdade o indiciado poder praticar outros crimes; para garantia da instruo criminal, quando o acusado estiver coagindo alguma testemunha; ou para assegurar a aplicao da lei penal, pois o denunciado pode fugir da cidade. Tratam-se de alguns exemplos para se tirar, excepcionalmente, a liberdade de algum. O STF assegurou, assim, a necessidade da anlise dos requisitos da priso preventiva para a medida excepcional. O Juiz no pode mais decretar a priso de uma pessoa argumentando a vedao da lei liberdade provisria, pois a Suprema Corte declarou sua inconstitucionalidade. Tal medida importantssima, pois bem mais da metade dos presos no Brasil - constituda de primrios, de bons antecedentes, com residncia fixa, desarmados no momento do crime, sem pertencer qualquer organizao criminosa, e, pior, sem obrigar ningum a comprar dele a droga tornada ilcita - est na cadeia por Revista Periferia Volume III, Nmero 2
trfico. O senso comum leva a crer que os presos so poderosos traficantes, mas esses so franca minoria. Os verdadeiros traficantes so milionrios e bilionrios que agem no sistema bancrio em aplicaes financeiras, compras de imveis, mas esses nunca sero presos, porque a cadeia serve, com rarssimas excees, para punir e controlar os pobres. Mas no se deve pensar que no existe tipificao de crime para os financiadores. Apesar de no podermos dar a conhecimento um caso concreto, cabe destacar o artigo 36 da Lei 11343/2006, que, por incrvel que parea, est em vigor: Art. 36. Financiar ou custear a prtica de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e 1 o , e 34 desta Lei: Pena - recluso, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. A pena real para os verdadeiros traficantes e corruptos seria a perda dos bens, que est na Constituio, mas no est regulamentada em lei infraconstitucional, mesmo vigorando o inciso XLVI do seu artigo 5 da Carta Poltica: Art. 5.... XLVI - a lei regular a individualizao da pena e adotar, entre outras, as seguintes: a) privao ou restrio da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestao social alternativa; e) suspenso ou interdio de direitos;
No final de 2011, o Supremo Tribunal Federal j havia decidido, atravs de seu Plenrio Virtual, que um caso de porte de maconha na cadeia tinha repercusso geral. Isto significa que o STF pode decidir, nesse caso, que a criminalizao do consumo de drogas tornadas ilcitas inconstitucional, por diversos motivos: primeiro, porque fere o princpio da igualdade, ao criminalizar consumidores de drogas ilcitas, enquanto descriminalizado o consumo de drogas lcitas; Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
segundo, porque viola o princpio da lesividade, quando criminaliza uma conduta que no atinge terceira pessoa, mas apenas o prprio usurio, que atinge somente sua sade e jamais a sade pblica; terceiro, pois a criminalizao ataca a racionalidade do discurso iluminista do Imprio da Lei, ao desrespeitar as garantias republicanas da intimidade e vida privada. Leis no podem violar essas garantias individuais, pois o Estado no pode intervir na escolha individual do que consumido nem controlar o direito de cada um dispor de sua prpria vida. A auto-leso, assim como o suicdio, no crime. De fato, ningum pode ser processado por tentativa de suicdio e muito menos por suicdio! Este ano foi apresentado ao Senado, por uma Comisso de Juristas, projeto do novo Cdigo Penal, que exclui o crime para quem estiver portando quantidade equivalente a cinco dias de consumo. Alm disso, um anteprojeto de lei, apresentado e divulgado na mdia pela OnG Viva Rio, prope a descriminalizao do porte de uma quantidade equivalente a dez dias de consumo. Outro fato que vem sendo debatido o Plano Nacional de Segurana Pblica proposto pelo presidente Mujica do Uruguai, a fim de combater a violncia e o consumo de crack. Neste projeto, o Estado venderia quarenta baseados - cigarros de maconha a um usurio por ms. Aqui, no Brasil, ao levarmos em considerao as mudanas nos nveis judicial e legal, fundamental ressaltar que as Marchas da Maconha influenciaram estes avanos. A rua um importantssimo palco da poltica, garantido pelo artigo 5, inciso XVI, da Constituio Federal/1988: todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao pblico, independentemente de autorizao, desde que no frustrem outra reunio anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prvio aviso autoridade competente. Deste modo, adeptos e simpatizantes participam das Revista Periferia Volume III, Nmero 2
Marchas da Maconha, mostrando sua fora para legalizar a maconha no Brasil e no mundo. Estamos caminhando para a legalizao, mas a reao dos punitivos proibicionistas notria. Delegados, Promotores e Juzes no aplicam a lei e condenam milhares de jovens consumidores como traficantes, numa espcie de vingana pelos avanos de dispositivos libertrios, como o fim da pena de priso para consumidores e plantadores de pequena quantidade previstos no artigo 28 da Lei 11343/2006. Um fato que exemplifica esta reao que, mesmo garantida pelo Supremo Tribunal Federal, a Marcha da Maconha de 2012 foi brutalmente reprimida em Ipanema. Em breve, provavelmente, a Suprema Corte julgar a inconstitucionalidade da criminalizao do consumo e do porte para uso prprio, pois, por todas as razes apresentadas, trata-se de grave violao s garantias republicanas dos Direitos Humanos de Primeira Gerao.
Referncias Bibliogrficas
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Proibio da Maconha no Brasil Andr Barros e Marta Peres
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