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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

RAFAEL PESSI

O SUBLIMINAR NA ESTRUTURA E NOS PRODUTOS


AUDIOVISUAIS DA INDÚSTRIA CULTURAL:
FORMAS SUTIS DE REPRODUÇÃO DA ORDEM CAPITALISTA

Palhoça – SC
2009
RAFAEL PESSI

O SUBLIMINAR NA ESTRUTURA E NOS PRODUTOS


AUDIOVISUAIS DA INDÚSTRIA CULTURAL:
FORMAS SUTIS DE REPRODUÇÃO DA ORDEM CAPITALISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso


de Graduação em Comunicação Social – Jornalismo, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharel em
Comunicação Social – Habilitação Jornalismo.

Orientadora: Profª. Rosane Porto

Palhoça – SC
2009
RAFAEL PESSI

O SUBLIMINAR NA ESTRUTURA E NOS PRODUTOS


AUDIOVISUAIS DA INDÚSTRIA CULTURAL:
FORMAS SUTIS DE REPRODUÇÃO DA ORDEM CAPITALISTA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado


adequado à obtenção do título de Bacharel em
Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, e
aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação
em Comunicação Social da Universidade do Sul de
Santa Catarina.

Palhoça, 02 de dezembro de 2009.

______________________________________________________
Professor e orientador Rosane Porto, MSc.
Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________
Professor Elizio Eluan, MSc.
Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________
Professor Dagoberto Bordin, MSc.
Universidade do Sul de Santa Catarina
AGRADECIMENTOS

À minha esposa, Fernanda, pelo suporte durante a realização deste trabalho.


RESUMO

Este trabalho acadêmico busca compreender as formas pelas quais se estabeleceram, nas
sociedades capitalistas, por meio da Indústria Cultural, formas subliminares de controle
social, as quais operam de forma inconsciente sobre o público, tendo como consequência
maior a perpetuação das relações de dominação na ordem capitalista, tanto as materiais
quanto as simbólicas. Com base na Teoria Crítica, e em outros estudos sobre as condições de
produção da televisão, do jornalismo e do âmbito geral da Indústria Cultural, será
demonstrado como ocorre na sociedade atual um efeito subliminar coletivo, estrutural, de
perpetuação das relações de dominação material e simbólica. Além do efeito coletivo, ocorre
um efeito subliminar individual, em complemento ao primeiro, obtido por meio de várias
técnicas subliminares empregadas na concepção de obras de arte comerciais, encontradas
também em coberturas esportivas veiculadas na televisão e em produções cinematográficas,
como será demonstrado no estudo dos objetos selecionados.

Palavras-chave: Capitalismo. Jornalismo. Publicidade. Indústria Cultural. Subliminar. The


Wall. Futebol.
ABSTRACT

The objective of this study is to understand the ways in which subliminal forms of domination
were created and established in capitalist societies. This subliminal, unconscious domination,
on the public, results in the perpetuation of the power relations typical of the capitalist order.
Based on critical theory, and other studies on the conditions of television production,
journalism and the general framework of the Cultural Industry, will be shown by what means,
in today's society, a structural and collective subliminal effect is operated, perpetuating
relations of material and symbolic domination. This effect is complemented by other, that
takes place in every individual‟s mind, obtained through a variety of subliminal techniques
used in the design of artistical products, conceived and consumed in a global market,
techniques also found in broadcast sports coverage on television, as demonstrated in the study
of selected contents.

Keywords: Capitalism. Journalism. Advertising. Cultural Industry. Subliminal. The Wall.


Football.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1. INTRODUÇÃO
Figura 1.1 – Imagens da partida Brasil e Itália pela Copa das Confederações, em 21/06/2009............................ 11
Figura 1.2 – Imagem do filme The Wall (1982) .................................................................................................... 13

3. A PERSUASÃO PELO INCONSCIENTE


Figura 3.1. Exemplo de fechamento segundo o princípio da Gestalt.................................................................... 23
Figura 3.2. Fórmula básica que define a mensagem subliminar input (Calazans, 2006, p. 49) ........................... 27
Figura 3.3. Frames do vídeo da campanha de Bush, veiculado nos EUA em setembro de 2000......................... 28
Figura 3.4. Fórmula básica que define a mensagem subliminar output (Calazans, 2006, p. 114) ....................... 29
Figura 3.5. Estampa de camiseta com iconeso input e subtexto subliminar output.............................................. 30
Figura 3.6. Processo de codificação de iconeso (input) com síntese subliminar (output) ................................... 31

4. AS MARCAS ENTRAM EM CAMPO


Figura 4.1. Imagens do jogo Brasil X Itália, em 21/06/2009................................................................................ 36
Figura 4.2. Imagens do jogo Brasil X Itália, em 21/06/2009................................................................................ 37
Figura 4.3. Imagens do jogo Brasil X Itália, em 21/06/2009................................................................................ 37
Figura 4.4. Imagens do jogo Brasil X Itália, em 21/06/2009................................................................................ 38

5. THE WALL, O FILME: APENAS MAIS UM TIJOLO NA PAREDE?


Figura 5.1 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserções subliminares de Coca-Cola e 7 Up............... 41
Figura 5.2 – Imagem selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar da marca 7 Up.............................. 42
Figura 5.3 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar da marca Coca-Cola..................... 43
Figura 5.4 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar da marca Coca-Cola..................... 43
Figura 5.5 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserções subliminares da marca Budweiser................ 44
Figura 5.6 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserções subliminares de rosto.................................... 45
Figura 5.7 – Imagens selecionadas do filme The Wall – fusões subliminares com anamorfose.......................... 46
Figura 5.8 – Imagens selecionadas do filme The Wall – fusões subliminares com anamorfose.......................... 47
Figura 5.9 – Imagens selecionadas do filme The Wall – fusões subliminares com anamorfose.......................... 49
Figura 5.10 – Imagens selecionadas do filme The Wall – animação com anamorfose e iconeso........................ 50
Figura 5.11 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar de imagem de Adolf Hitler........ 51
Figura 5.12 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar da palavra hate (ódio) ............... 52
Figura 5.13 – Imagens selecionadas do filme The Wall – alegoria do sistema escolar como fábrica da morte... 53
LISTA DE TABELAS

4. AS MARCAS ENTRAM EM CAMPO


Tabela 1 – Contagem de exposição de logotipos durante o jogo Brasil X Itália (16 minutos) e projeção do total
de exposições para 96 minutos............................................................................................................................... 34
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 9
2 A SUBLIMINARIDADE ESTRUTURAL ..................................................................... 14
2.1. O IMPÉRIO DO EFÊMERO: O PERCEBIDO OCULTA O NÃO PERCEBIDO .......... 17
3 A PERSUASÃO PELO INCONSCIENTE .................................................................... 21
3.1 DEFININDO A SUBLIMINARIDADE ........................................................................... 24
3.2 A MECÂNICA DO SUBLIMINAR INPUT ..................................................................... 26
3.3 O OUTPUT SUBLIMINAR .............................................................................................. 29
4 AS MARCAS ENTRAM EM CAMPO .......................................................................... 33
5 THE WALL, O FILME: APENAS MAIS UM TIJOLO NA PAREDE? ..................... 40
5.1 TERROR E SEXO ............................................................................................................. 46
5.2 DE VOLTA AO TERCEIRO REICH ............................................................................... 48
6 CONSIDERAÇÕES ......................................................................................................... 55
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 57
9

1 INTRODUÇÃO

O tema da subliminaridade, objeto deste trabalho de monografia, foi escolhido


pelo autor por duas razões principais. Primeiro, pela curiosidade em relação aos mecanismos
que permitem a manipulação do público, tanto em nível coletivo, pelas características
estruturais da Indústria Cultural, como em nível individual, pelo emprego de técnicas
específicas de inserção de mensagens não percebidas de forma consciente nos produtos
distribuídos pelas mídias de massa, cuja percepção, no entanto, se dê individualmente.
Complementando este propósito de autoesclarecimento, há uma necessidade
percebida pelo autor de contribuir para os estudos da subliminaridade. Para cumprir com este
objetivo, partindo de uma revisão bibliográfica, foram selecionados conteúdos dos meios de
comunicação de massa, cuja análise permitirá evidenciar de que maneira os efeitos
subliminares coletivos e individuais se entrelaçam, reforçando-se mutuamente, tendo como
conseqüência um cenário social no qual prevalece uma dominação silenciosa, não percebida
de forma consciente pelo público em geral, caracterizada por um apelo permanente ao
consumo e por um esvaziamento do debate político.
Para contextualizar e problematizar os efeitos da subliminaridade, é preciso
estudar as condições de produção existentes na Indústria Cultural, no atual estágio de
desenvolvimento do sistema capitalista, marcadas pela segmentação da produção cultural em
duas funções complementares, a publicidade comercial e a propaganda ideológica. Conforme
poderemos analisar, a própria reprodução do sistema capitalista depende do estabelecimento
de uma estrutura invisível, constituída em um ambiente de circulação de informações que
opera um efeito inconsciente, tênue porém consistente, que atua tanto sobre os produtores
como sobre os consumidores de informação, ainda que aqueles detenham certo conhecimento
da lógica do sistema.
O termo Indústria Cultural foi cunhado no âmbito da Teoria Crítica, notadamente
no trabalho de Horkheimer e Adorno, com mais força a partir da publicação de A dialética do
esclarecimento, coletânea de ensaios publicada em 1947. Os trabalhos de Marcuse e
Benjamin (com O Caráter afirmativo da cultura, de 1937, e A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica, de 1936, respectivamente), que também figuram entre os principais
teóricos da chamada Escola de Frankfurt, juntamente com a contribuição de Habermas,
desenvolvida posteriormente, ampliaram o escopo dos estudos sobre a anexação da produção
cultural ao modo de vida capitalista.
10

É com base na Teoria Crítica, nos desdobramentos decorrentes das visões


divergentes entre seus teóricos e, também, dos efeitos inconscientes da pressão econômica
sobre a produção jornalística, estudados por Pierre Bordieu em Sobre a Televisão e a
Influência do Jornalismo, que este trabalho pretende evidenciar a ocorrência de uma
subliminaridade estrutural. Esta é entendida como coletiva no seu efeito de ocultar o debate
sobre as relações de dominação da sociedade capitalista. Esta parte do trabalho ocupa o
capítulo 2.
O capítulo 3 trata das técnicas para inserções subliminares, empregadas em
diversos suportes, de maneira mais flagrante no meio audiovisual. Com base nas pesquisas de
Flavio Calazans e de Wilson Bryan Key sobre esta temática, é apresentada uma categorização
das principais técnicas, buscando compreender como se dão as percepções inconscientes,
situando esse estudo no campo da psicologia analítica e da teoria da Gestalt.
Neste ponto, convém referir que, segundo Calazans (2006), a psicologia define
subliminar como qualquer estímulo abaixo do limiar da consciência, estímulo que, mesmo
tênue, produz efeitos na atividade psíquica. Segundo Calazans, cerca de 90% dos estudos e
pesquisas realizados na área de percepção subliminar referem-se à comunicação visual. Para
Key e Calazans, o fator principal que determina a eficácia das inserções subliminares é a
velocidade de exposição. Utilizando os conhecimentos sobre a percepção humana
sistematizados também por meio de pesquisas neurofisiológicas, é possível acompanhar o
desenvolvimento das técnicas para obter a percepção de mensagens de forma inconsciente
pelo público.
Por repercutirem objetivamente no público consumidor de informação, como
sustentam os autores citados, se faz necessário evidenciar a existência destas técnicas. Para
tanto, foram estudados dois conteúdos distintos, selecionados de forma a permitir um recorte
na ampla gama de utilização das técnicas para inserções subliminares.
No capítulo 4, como exemplo da função publicidade da Indústria Cultural, será
analisado um jogo de futebol transmitido pela televisão, a partida entre Brasil e Itália pela
Copa das Confederações disputada em 21 de junho de 2009. Por se tratar de uma partida entre
duas das mais importantes seleções de futebol do mundo, a transmissão deste jogo, realizado
na cidade de Pretória, na África do Sul, teve assegurada uma audiência de milhões de pessoas
em todo o mundo, sendo excelente oportunidade para veicular anúncios.
Em qualquer jogo oficial realizado em estádios, é comum a venda de espaços
publicitários em dezenas de pontos diferentes, nas laterais do campo, nos placares e nas
11

laterais das goleiras, por exemplo. Atualmente, até o próprio uniforme dos jogadores traz
logotipos de empresas patrocinadoras, que pagam para ter sua imagem associada à dos clubes.
Na transmissão do jogo pela televisão, a exposição das marcas se multiplica, pois
são muitos close-ups, cortes e enquadramentos diversos, além das inserções feitas diretamente
no vídeo pela emissora que detém os direitos de transmissão. Dessa forma, a publicidade em
jogos transmitidos pela TV, pela exposição massiva de marcas, é uma forma de técnica
subliminar, enquadrando-se nas tipologias apresentadas pelos pesquisadores Calazans e Key.
Com base nas pesquisas sobre a inserção de publicidade em programas
televisivos, prática que no Brasil ganhou o nome de merchandising, foi feita uma contagem
do número de marcas de patrocinadores que podem ser visualizadas na tela da televisão
durante a partida analisada. Imagens estáticas retiradas da transmissão serão apresentadas para
ilustrar as proposições do autor.

Figura 1.1 – Imagens da partida Brasil e Itália pela Copa das Confederações em 21/06/2009

Antecipando brevemente a análise, verificou-se que os jogos internacionais da


Fédération Internationale de Football Association (FIFA) empregam um sistema digital
rotativo para a exposição de anúncios nas laterais do campo, e a elevada proporção de marcas
projetadas na tela da televisão por minuto de jogo caracteriza a ocorrência de subliminaridade
do tipo input, conforme definido pelos autores citados.
No capítulo 5, como exemplo da função propaganda da Indústria Cultural, será
analisado o filme The Wall, criação de Roger Waters, líder da banda inglesa Pink Floyd, em
12

associação com o diretor Alan Parker e o ilustrador Gerald Scarfe. A escolha deste filme, uma
versão cinematográfica do álbum homônimo lançado em 1979, deu-se por diferentes razões.
Em primeiro lugar, porque The Wall entrou para a história da cultura pop pelo
gigantismo de sua produção, o sucesso atingido e a influência que exerceu sobre o mundo do
rock. Tal influência perdura até hoje, com o relançamento da obra em formatos digitais. Em
1982, época do lançamento do filme, o Pink Floyd já era um dos grupos de maior sucesso
comercial da história do rock’n’roll. Esse sucesso foi um catalisador para o roteiro da versão
cinematográfica do disco, que tomou forma a partir do desencantamento de Waters com a sua
condição de rock star, e com a relação alienada entre ele e o público, traduzida na
irracionalidade que ele percebia existir no endeusamento dedicado aos astros da música,
refletido no comportamento obsessivo de uma parte dos fãs.
Dessa forma, o conjunto álbum/filme realiza uma crítica aos efeitos subliminares
massificadores do modo de produção da Indústria Cultural, tal como serão estudados no
capítulo 2, à luz da Teoria Crítica. No conjunto, também se percebe uma crítica ao Estado e
seus mecanismos de dominação, especialmente ao serviço militar e ao modelo educacional
homogeneizador, como fica evidente no verso emblemático da música título (we don’t need
no education, we don’t need no thoughts control – não precisamos de educação, não
precisamos de controle dos pensamentos). Essa crítica se dirige ao que Habermas denominou
de “integração sistêmica”, decorrente da aplicação de uma racionalidade técnica que, para ele,
exclui o diálogo na sociedade. Tal característica torna The Wall um exemplo do que Benjamin
imaginou ser uma obra de arte passível de ser empregada como instrumento de politização,
rompendo assim com o determinismo de Adorno, que considerava todo produto cultural como
desprovido de dimensão crítica, segundo Freitag (2004).
Chama atenção especialmente o fato de que The Wall, enquanto produto cultural
de consumo massivo e grande sucesso comercial (portanto necessariamente desauratizado,
segundo Adorno), conquistou um caráter mítico, permanecendo até hoje como referência de
desencantamento social e de crítica ao universo da cultura pop, possuindo assim uma inegável
aura de „obra de arte‟. Para o autor deste estudo, existe um consenso subliminar de que obras
com esse status devem ser contempladas de forma acrítica, o que, por si só, justifica a análise
do filme como objeto de estudo deste trabalho.
Em segundo lugar, o estudo do filme é importante para este trabalho pelo fato de
nele existir uma ambigüidade. Ao mesmo tempo em que possui a dimensão crítica comentada
acima, o filme possui diversas inserções subliminares de marcas comerciais, utilizando as
técnicas estudadas no capítulo 3, para veicular publicidade em um contexto de crítica social,
13

obtendo dessa forma um efeito inconsciente de associação dessas marcas com a contestação
ao sistema, de forma subliminar. Veremos ainda que, como será evidenciado pelo recorte de
quadros individuais em cenas selecionadas, as técnicas subliminares são empregadas no filme
também com sentido crítico em relação aos regimes totalitários europeus do período anterior à
Segunda Guerra Mundial, gerando um caráter fusional que mistura consumo e ideologia de
uma forma singular, pelo que novamente se justifica o estudo da obra no contexto deste
trabalho.
Imagens estáticas retiradas do filme serão apresentadas para ilustrar as
proposições do autor.

Figura 1.2 – Imagem do filme The Wall (1982)

No capítulo 6, serão desenvolvidas as conclusões elaboradas pelo autor sobre a


questão da subliminaridade, dentro da problemática definida.
Assim, apresentada a problemática, definido o escopo do estudo e os objetos de
estudo, é pela abordagem do surgimento da Indústria Cultural, de sua consolidação e das suas
relações de produção, que este trabalho se inicia.
14

2 A SUBLIMINARIDADE ESTRUTURAL

Antes de proceder ao estudo das diferentes técnicas subliminares audiovisuais, é


preciso compreender o macro ambiente no qual as mensagens que se utilizam dessas técnicas
são produzidas, em particular no âmbito da Indústria Cultural. Ocorre que as técnicas de
inserção subliminar, tanto quando empregadas na publicidade de produtos comerciais como
para propaganda ideológica de reprodução do sistema, são empregadas na maioria das vezes
como forma de reforço de um efeito subliminar maior e permanente, construído à medida que
o sistema capitalista foi se desenvolvendo.
O conceito de Indústria Cultural foi empregado pela primeira vez em 1941, no
ensaio de Horkheimer, Arte e a cultura de massa, durante a primeira fase da Teoria Crítica,
que sistematiza o trabalho dos teóricos da Escola de Frankfurt1. Essa fase compreende o
período entre 1923, com a fundação do Instituto de Pesquisa Social, ligado à Universidade de
Frankfurt, até o final da Segunda Guerra Mundial, com o retorno de Horkheimer e Adorno
para a Alemanha2.
Dentre os três temas principais da Teoria Crítica, a dialética da razão iluminista
(1)3; a dupla face da cultura e a Indústria Cultural (2); e a questão do Estado e suas formas de
legitimação (3), o segundo é o mais relevante para escopo deste trabalho.
As condições históricas do surgimento da Indústria Cultural são marcadas pela
superação de uma fase do capitalismo na qual a sociedade burguesa era dividida em dois
mundos, o da reprodução material da vida – civilização – e o mundo espiritual das idéias,
artes e sentimentos – a esfera da cultura. Essa separação permitia justificar e manter a
exploração das classes dominadas pela promessa de um amanhã idealizado, jogando para o
futuro a possibilidade de uma vida melhor, já desfrutada pelas classes dominantes, que tinham

1
O termo designa a institucionalização dos trabalhos de um grupo de intelectuais marxistas, não ortodoxos, que
publicaram estudos nas publicações do Instituto de Pesquisa Social, fundado em 1923 junto à Universidade de
Frankfurt, na Alemanha. O instituto foi fechado pelo regime nazista em 1933, mas a maior parte dos membros do
grupo já havia emigrado do país.
2
A partir da publicação em 1947, por Adorno e Horkheimer, da coletânea de ensaios A dialética do
esclarecimento, rompeu-se a confiança de ambos na possibilidade de a humanidade chegar a realizar um
processo emancipatório que conduziria à autonomia e à autodeterminação. Passada a Segunda Guerra Mundial, o
nazismo, e o período de exílio nos Estados Unidos, que então materializavam a expressão máxima do
desenvolvimento capitalista, a onipotência do sistema capitalista, consolidada no mito da modernidade, estaria
narcotizando a racionalidade dos indivíduos, que passariam ser incorporados ao sistema sem capacidade de
autodeterminação e resistência crítica (Freitag, 2004).
15

acesso exclusivo aos bens culturais.


Como analisado por Marcuse em O caráter afirmativo da Cultura (1937), nessa
fase do desenvolvimento do capitalismo, a arte exercia a função de seduzir os dominados para
se contentarem com promessas ou expectativas de felicidade no mundo não material, sem que
houvesse uma mobilização coletiva para transformar essas expectativas em reivindicações de
melhora nas condições de vida das classes proletárias.
Dentro da perspectiva marxista4 que então permeava o trabalho de Marcuse e de
outros estudiosos, chegou um momento em que, para manter o controle da ordem social pelo
Estado e as empresas capitalistas, se tornou necessário mudar os padrões de organização,
absorvendo gradativamente a esfera cultural no modo de produção de bens materiais.
Para Marcuse, se houvesse uma reorganização da produção material em moldes
socialistas, com uma conseqüente realização das expectativas de felicidade diretamente no
mundo do trabalho, na esfera material, a arte perderia sua função de alienação das classes
dominadas, tornando-se assim desnecessária a universalização do acesso à produção cultural
com o caráter redentor que ocupava anteriormente.
Pela forma como se deu a ampliação do acesso aos bens culturais, pelo consumo e
pelo estabelecimento de um novo tipo de valor (valor de uso), realidade tornada possível com
a reprodutibilidade técnica da obra de arte (Benjamin), operou-se uma falsa universalização,
que traiu o ideal de felicidade, humanidade e justiça contido na esfera da cultura. Foi este
processo que marcou o surgimento da Indústria Cultural.
Segundo Freitag (2004, p. 72),

“A indústria cultural é a forma sui generis pela qual a produção artística e cultural é
organizada no contexto das relações capitalistas de produção, lançada no mercado, e
por este consumida. Numa sociedade em que todas as relações sociais são
mediatizadas pela mercadoria, também a obra de arte, idéias, valores espirituais se
transformam em mercadoria, relacionando entre si artistas, pensadores, moralistas
através do valor de uso do produto”.

A produção cultural organizada nesses moldes vem cumprir a função dispersiva


que antes pertencia à arte burguesa, ocupando o tempo que resta aos trabalhadores, destinado
ao lazer, para o consumo de obras reproduzidas em massa, eliminando uma dimensão crítica e

3
Horkheimer, em seu artigo Teoria Tradicional e Teoria Crítica (1937), ao contrapor a filosofia de Descartes
(teoria tradicional) ao pensamento de Marx, denuncia o caráter sistêmico e conservador do primeiro, sublinhando
enfaticamente a dimensão humanística e emancipatória do segundo.
16

utópica que existia na realidade anterior, completando assim, de forma subliminar, a


dominação já exercida no mundo material da produção. Em lugar de liberdade autêntica, se
vivencia a liberdade de escolher entre uma infinidade de produtos lançados incessantemente
no mercado.
Ainda no âmbito da Teoria Crítica, é preciso observar que os quatro autores
citados, segundo Freitag (2004, p. 77), “são unânimes em atribuir à cultura em geral, e à obra
de arte em especial, uma dupla função, a de representar e consolidar a ordem existente e ao
mesmo tempo a de criticá-la, denunciá-la como imperfeita e contraditória. [...] A dimensão
conservadora e emancipatória da cultura e da obra de arte encontram-se, pois, de mãos
dadas”. Voltaremos a estudar mais detalhadamente esta potencialidade emancipatória da
cultura de massa no capítulo 5, na análise do filme The Wall, conforme exposto na introdução
deste trabalho.
O surgimento dos meios de comunicação de massa consolidou um ambiente de
circulação de informações para a produção da Indústria Cultural:

“O fato é que o capital e o Estado criam uma massa com a qual se comunicam.
Criam-na para com ela comunicar-se, mas não o fazem em geral, diretamente, senão
que por meio de um elemento de mediação: a Indústria Cultural. Esta, pela
mobilização de um tipo especial de trabalho, tem a capacidade de constituir uma
audiência composta de indivíduos cuja consciência é a massa que o capital e o
Estado tratarão de moldar, de acordo com seus próprios interesses” (Bolaño, 2001,
p. 94).

No desenvolvimento desses meios de massa, ocorreu uma segmentação entre as


formas publicidade e propaganda da informação. Do ponto de vista da coesão social, a
informação adquire a forma de propaganda, sendo monopolizada pelo Estado e pelos setores
capitalistas que controlam os meios de comunicação de massa. Do ponto de vista da
acumulação do capital ela adquire a forma de publicidade, a serviço da concorrência
capitalista.
Neste ponto Habermas, herdeiro e importante colaborador da Teoria Crítica, traz
uma contribuição relevante para a compreensão do que denominou de “integração sistêmica”,
à qual a Indústria Cultural presta serviço por meio de uma fusão dos planos da realidade com
suas formas de representação, gerando um efeito subliminar.
Em sua Teoria da Ação Comunicativa, Habermas estabelece uma separação entre
a “esfera sistêmica” e o mundo vivido. Na esfera sistêmica ocorre a produção e a circulação

4
Baseada na divisão do trabalho, na produção da mercadoria e da troca no mercado, marcada pela organização
do poder e a repressão do Estado, além da luta de classes.
17

de bens que asseguram o bem-estar material da sociedade. Ela possui dois subsistemas, o
econômico, regido pelo dinheiro, e o político, regido pelo poder, ambos operados pelo que
denomina de razão instrumental ou sistêmica.
O mundo vivido (Lebenswelt, em alemão) é a esfera social e da cultura, na qual
ocorrem todas as atividades humanas não ligadas à reprodução do sistema, regido pelo que
Habermas chama de razão comunicativa. A colonização do mundo vivido pela racionalidade
técnica se dá pela lógica da produtividade e pela circulação do dinheiro, tornado linguagem
universal: “A validade dessa linguagem não precisa ser questionada, já que o sistema
funciona na base de imperativos automáticos que jamais foram objeto de discussão dos
interessados” (Freitag, 2004, p. 61).
Para Habermas, é a anexação da esfera social pela esfera sistêmica a responsável
pela perda de liberdade no mundo vivido, cabendo à razão comunicativa, preservada em
alguns grupos minoritários da sociedade, reconquistar algum grau de autonomia e
descolonizar o mundo vivido, submetido pelo determinismo econômico e político, rompendo
assim a dominação subliminar.
Até aqui, com base nas proposições de diferentes pensadores da Teoria Crítica,
acompanhamos o processo de estabelecimento da Indústria Cultural. Pelos processos que
serão analisados a seguir, iremos estudar como os meios de comunicação de massa, com seu
fluxo permanente de distrações e apelos ao consumo, operam na atualidade para legitimar e
reproduzir essa colonização do universo mental, de forma subliminar.

2.1. O IMPÉRIO DO EFÊMERO: O PERCEBIDO OCULTA O NÃO PERCEBIDO

Analisando as condições de produção atuais do jornalismo, especialmente do


televisivo, Pierre Bourdieu oferece uma contribuição que permite delinear como a lógica
comercial opera hoje de forma subliminar no âmbito da Indústria Cultural, criando uma
espécie de filtro, pelo qual devem passar todos os conteúdos que almejarem atingir o grande
público, ou a massa, conforme definida anteriormente.
Em Sobre a Televisão e a Influência do Jornalismo, Bourdieu vê uma hierarquia,
por meio da qual o jornalismo e a televisão, por ele entendida como sendo o veículo de massa
com maior poder de influência sobre a ordem social, estabelecem uma estrutura invisível,
18

orientada por uma lógica que determina, de forma não percebida conscientemente pelo
público, critérios para a produção em todas as esferas culturais.
A estrutura percebida por Bourdieu estabelece uma relação que pode ser
visualizada como uma pirâmide invertida. O nível mais amplo é a esfera sistêmica definida
por Habermas, a da produção material, que por meio da sua lógica comercial exerce um peso
sobre a televisão, o veículo de massa com maior capacidade de criar um efeito de real: “ela
pode fazer ver e fazer crer no que faz ver. Esse poder de evocação tem efeitos de
mobilização” (1997, p. 28).
A televisão, regida pelo índice de audiência e pela urgência do tempo, exerce por
sua vez uma pressão sobre o campo da produção jornalística:

“O universo do jornalismo é um campo, mas que está sob a pressão do campo


econômico por intermédio do índice de audiência. E esse campo muito heterônomo,
muito fortemente sujeito às pressões comerciais, exerce, ele próprio, uma pressão
sobre todos os outros campos, enquanto estrutura. Esse efeito estrutural, objetivo,
anônimo, invisível, nada tem a ver com o que se vê diretamente, com o que se
denuncia comumente, isto é, com a intervenção de fulano ou sicrano” (Bourdieu,
1997, p. 77).

Temos assim que o efeito invisível, inconsciente e subliminar, é uma


característica universal, sistêmica, que tende a se reproduzir na medida em que os diferentes
subníveis nela contidos perpetuam sua lógica, gerando um abafamento do debate sobre
questões políticas e sociais, com a sua substituição, em escala de massa, por um fluxo
permanente de notícias sem impacto sobre a ordem social, de forma simultânea com os apelos
publicitários ao consumo.
A ênfase no banal, no efêmero, nos recortes rápidos que geram no público uma
tendência obsessiva de absorver e descartar informações, configuram um nivelamento, uma
homogeneização, conforme Habermas:

“Os programas dos meios de comunicação de massa, mesmo em sua parte não
comercial, estimulam o comportamento consumista e fixam-no em determinados
modelos. [...] A própria criação de obras de arte e de bens culturais adapta-se às
exigências do mercado e às necessidades de distração e diversão de grupos de
consumidores com um nível de formação relativamente baixo” (Habermas apud
Bolaño, 2001, p. 86/87).

Bourdieu complementa esse raciocínio ao afirmar que o primeiro plano dos


noticiários é ocupado por “tudo que pode suscitar um interesse de simples curiosidade, e que
não exige nenhuma competência específica prévia, sobretudo política. As notícias de
19

variedades tem por objetivo produzir o vazio político, despolitizar e reduzir a vida do mundo
ao vazio, à anedota e ao mexerico, fixando e prendendo a atenção em acontecimentos sem
consequências políticas” (1997, p. 80).
Os profissionais do jornalismo, nessa hierarquia, embora ocupem uma posição
dominada na hierarquia de produção, exercem na prática uma forma de dominação: têm o
poder sobre os meios de se exprimir publicamente, de existir publicamente, de se tornar
conhecido. Para ter acesso ao debate público, qualquer discurso ou forma de produção
cultural deve submeter-se à prova da seleção jornalística, que tem o poder de relegar à
insignificância ou à indiferença expressões simbólicas que mereceriam atingir o conjunto dos
cidadãos.
Essa proposição se alinha com a teoria do newsmaking que, associando visões de
diferentes teóricos, tem a perspectiva das notícias como resultado de uma construção. Na
visão desta teoria, as notícias interferem na criação da realidade percebida, em sua construção.
Entre as teorias do jornalismo, essa teoria se alinha com a corrente interacionista da teoria
construcionista5, para a qual os jornalistas vivem sob a tirania do fator tempo, e aponta o
imediatismo como determinante de uma ênfase da cobertura nos acontecimentos e não nas
problemáticas. A corrente interacionista encara o processo de produção das notícias como um
processo interativo, no qual diversos agentes sociais exercem um papel ativo, em constante
negociação.
Temos assim que, no consumo de informações segundo a lógica do índice de
audiência, no âmbito da Indústria Cultural,

“A violência simbólica é uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita dos
que a sofrem e também, com freqüência, dos que a exercem, na medida em que uns
e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la. Uma parte da ação simbólica
da televisão, no plano das informações, por exemplo, consiste em atrair a atenção
para fatos que são de natureza a interessar a todo mundo... mas de um modo tal que
não tocam em nada de importante. [...] Ora, o tempo é extremamente raro na
televisão. E se minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é
que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam
coisas preciosas” (Bourdieu, 1997, p. 22/23).

5
A partir dos anos 60 e 70, marcados por novas interrogações e por inovações metodológicas, emergem duas
teorias complementares, que partilham o novo paradigma das notícias como construção social: as teorias
estruturalista e interacionista. Para ambas as teorias, as notícias são o resultado de processos complexos de
interação social entre agentes sociais. A Teoria Estruturalista considera o papel da mídia na reprodução da
ideologia dominante, reconhecendo uma “autonomia relativa” dos jornalistas em relação a um controle
econômico direto. A Teoria Interacionista trata do efeito que a pressão do tempo exerce sobre os critérios de
noticiabilidade da produção jornalística (TRAQUINA, 2005, p. 173).
20

O caráter dispersivo que surge com a tendência estabelecida de desviar a atenção


do público para assuntos tornados relevantes de forma artificial concretiza um imaginário
social estruturado no efêmero, no qual o público se torna cada vez mais dependente da
Indústria Cultural para construir suas visões de mundo. Por meio desse mecanismo, se
estabelece, de forma subliminar, inconsciente para o público e, em certa medida, para os
produtores de informação, um fluxo constante de informações que confirma coisas já
conhecidas, deixando intactas as estruturas mentais.
A produção cultural caracteriza-se, assim, pela divisão da produção em
concepção, reprodução e pela importância crucial do trabalho de distribuição. Neste trabalho
de mediação social se encaixa a inserção de mensagens ocultas por meio de técnicas
subliminares: é no momento da concepção que são realizadas, tanto no nível da criação como
no de edição, as inserções com função tanto de propaganda como de publicidade. O contexto
do conteúdo é que determinará o “gancho” que vai ser utilizado.
Agora que analisamos o processo de estabelecimento da Indústria Cultural, e o
caráter subliminar dos meios de comunicação de massa, passaremos ao estudo das técnicas
subliminares audiovisuais, começando pela compreensão dos mecanismos de percepção
humana que possibilitam seu emprego.
21

3 A PERSUASÃO PELO INCONSCIENTE

Com base no conhecimento analisado até aqui sobre a produção e a circulação de


de informações no contexto atual do capitalismo, faz-se necessário um recorte específico para
estabelecer uma distinção entre os efeitos da estrutura invisível, como pensada por Bourdieu,
e as técnicas subliminares desenvolvidas com base no estudo científico da percepção humana.
Autores como Key e Calazans, em suas obras específicas sobre a mecânica e a
dinâmica do subliminar, analisam como se dá o processo de absorção dessas mensagens que
atuam no inconsciente a partir de pesquisas realizadas no início do século XX. No período
histórico que corresponde à consolidação da Indústria Cultural, as ciências adquiriram
conhecimento prático que permitiu à esfera sistêmica direcionar o comportamento, tanto
individual como coletivo6. Marcuse, em A ideologia da sociedade industrial (1964), defende
a tese de que a ciência e a técnica, além de servirem com base das forças produtivas,
funcionam como ideologia para legitimar o sistema.
No período anterior à primeira grande guerra, houve uma segmentação entre os
campos da filosofia e da psicologia, passando a haver um aprofundamento do conhecimento
sobre a influência dos quadros mentais no relacionamento entre os seres humanos.
Direcionando a análise da esfera coletiva para a individual, é preciso observar que como a
mente, ou psique, não tem características físicas, todas as observações são indiretas e todas as
conclusões são mais subjetivas e menos determinadas do que nas ciências físicas.
Teorias como as da Gestalt e as elaboradas por Jung com base no trabalho de
Freud sobre o inconsciente, fazem parte da abordagem multidisciplinar seguida utilizada para
estudar as estratégias de persuasão invisíveis para o consciente. Uma compreensão básica dos
mecanismos da percepção inconsciente pode ser obtida por meio de um alinhamento entre os
pontos comuns de três linhas de estudo analisadas por Calazans, em Propaganda Subliminar

6
A ciência moderna e o modelo de racionalidade que a caracteriza nascem a partir da revolução científica do
século XVI. René Descartes (1596-1650) é considerado o pai do racionalismo, pois defendia a idéia de que a
verdade dos conceitos e demonstrações matemáticos era inquestionável. O modelo racional vai englobar,
também, no século XIX, as ciências sociais, cuja legitimação passou a depender da racionalidade científica. Este
modelo de ciência vai afirmar-se progressivamente, em contraposição ao senso comum e às chamadas
humanidades ou estudos humanísticos, tornando-se, segundo Santos (1990, p.11), “um modelo totalitário na
medida em que nega o carácter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautam pelos seus
princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”.
22

Multimídia (2006, p. 42): a Psicologia Analítica de Jung7, com os conceitos de sombra e


intuição; a teoria da Gestalt, com suas leis da boa forma e do fechamento; e os estudos de
Otto Poetzle, datando de 1919, que deram origem à Lei de Exclusão. Um dos pontos comuns
dessas linhas de estudo é o conceito de figura e fundo, um dos mais primitivos processos de
percepção.
Na Psicologia Analítica, enquanto o inconsciente pessoal consiste
fundamentalmente de material reprimido e de complexos, o inconsciente coletivo é composto
por uma tendência para sensibilizar-se com certas imagens, ou melhor, símbolos que
contenham sentimentos profundos de apelo universal, os arquétipos. Da mesma forma que
animais e homens parecem possuir atitudes inatas, chamadas de instintos, também é provável
que em nosso psiquismo exista alguma analogia com os instintos. Jung compara a consciência
a um holofote, que pode ser dirigido e focalizado em uma área de interesse, deixando na
sombra subliminar todo o restante de informações não focalizadas. Na obra A dinâmica do
inconsciente, Jung define inconsciente como a totalidade dos conteúdos sem energia psíquica
para alcançar a superfície da consciência, mas que permanecem latentes, atuando por meio da
intuição, que influencia as decisões rápidas (Calazans 2006, p. 41).
A teoria da Gestalt, elaborada por psicólogos alemães em 1910, considera os
fenômenos psicológicos como um conjunto autônomo, indivisível e articulado na sua
configuração e organização, e regidos por uma lei interna: o todo é mais do que a simples
soma de suas partes. Uma cadeira, por exemplo, está presente na nossa mente como um
símbolo que por si só significa algo distinto de seus elementos8.
Segundo a teoria da Gestalt, existem quatro princípios a ter em conta para a

7
Jung (1875-1961), psiquiatra suíço fundador da psicologia analítica, iniciou seus trabalhos experimentais em
1900, quando se tornou interno na Clínica Psiquiátrica Burgholzli, em Zurique. Em 1904, montou um laboratório
experimental onde implementou o teste de associação de palavras para o diagnóstico psiquiátrico. Seguindo o
seu treino prático na clínica, Jung propunha uma atitude humanista frente aos pacientes. O médico deveria
"propor perguntas que digam respeito ao homem em sua totalidade e não limitar-se apenas aos sintomas".
Nessa época Jung entra em contato com as obras de Sigmund Freud (1856-1939), identificando-se com o
trabalho do austríaco, confirmando concepções freudianas de recalque e repressão. Os dois passaram a se
corresponder sobre a existência do inconsciente, e depois de um encontro em 1907 estabeleceram uma amizade
de aproximadamente sete anos, durante a qual trocavam informações sobre seus sonhos e análises. Durante este
período surgiram divergências que acabaram levando ao rompimento entre ambos. Já antes do período em que
esteve alinhado com Freud, Jung começou a desenvolver um sistema teórico que chamou, originalmente, de
"Psicologia dos Complexos", mais tarde chamando-a de "Psicologia Analítica", como resultado direto do contato
prático com seus pacientes.
8
Em uma série de testes, Max Wertheimer (1880-1943) demonstrou que, quando a representação de determinada
freqüência não é transposta, se tem a impressão de continuidade e chamou o movimento percebido em sequência
mais rápida de "fenômeno phi" (o cinema é baseado nessa ilusão de movimento, a imagem percebida em
movimento na realidade são conjuntos de 24 imagens projetadas na tela durante 1 segundo). A tentativa de
visualização do movimento marca o início da escola mais conhecida da psicologia da Gestalt, a Escola de Graz.
Seus pioneiros, além do próprio Wertheimer, foram Kurt Koffka (1886-1941), Kurt Lewin (1890-1947) e
Wolfgang Köhler (1887-1967).
23

percepção de objetos e formas: a tendência à estruturação, a separação figura-fundo, a


pregnância ou boa forma e a constância perceptiva (Gomes Filho, 2003, p.23).

Figura 3.1 – Exemplo de fechamento segundo o princípio da Gestalt.


Disponível em http://cache.foxsaver.com/thumbnails/2008/05/08/396645280l.jpg.
Acessado em 04/11/2009.

No campo da sugestão subliminar, tomando o princípio da Gestalt, é importante


compreender de que forma símbolos que possuem alto poder de atração (pregnância), são
somados e articulados com a tendência de separação figura-fundo, quando um órgão sensório
focaliza e destaca um padrão de estímulos ou um objeto como figura, objeto de atenção
focada consciente, deixando o restante do campo visual em segundo plano, como fundo. Um
exemplo: o espectador de uma partida de futebol, com a atenção fixa no jogo, tem toda sua
atenção focada no movimento da bola, em identificar qual jogador está no lance. Um logotipo
ou marca na camiseta do jogador, que já está focado em primeiro plano, tem sua forma
percebida e reconhecida instantaneamente, enquanto outros símbolos contidos no fundo,
como anúncios nas laterais do campo, são assimilados sem que o espectador perceba de forma
totalmente consciente.
Todo o restante do quadro, o cenário de fundo, com o estádio, as arquibancadas e
as inserções de publicidade, é percebido subliminarmente, entrando de contrabando na mente
do espectador, que segue atento ao ritmo da partida, enquanto mudanças de enquadramento
recompõem o cenário, gerando uma enorme quantidade de informação que não é decodificada
24

no nível consciente, nem pode ser invocado voluntariamente pela memória.


Ainda entre os princípios da Gestalt, o princípio da totalidade, a tendência à
estruturação, permite compreender melhor o conceito de subliminar, quando são apresentadas
mensagens com enunciados abertos, incompletos, levando o inconsciente do receptor a buscar
um fechamento, como na técnica do subtexto. Como será demonstrado mais adiante, essa
técnica discursiva obriga a uma decodificação participativa de quem lê ou visualiza a
mensagem: o sentido completo é construído pela soma dos signos presentes na mensagem
(significantes) somados aos significados latentes que o receptor leva gravados em sua mente
(Calazans 2006, p. 121).
Segundo Key, a relação entre os estímulos subliminares e o inconsciente foi
observada em 1917 pelo Dr. Otto Poetzle, um médico vienense.

“O chamado efeito Poetzle demonstra o poder de um "sub" para evocar respostas


comportamentais quando certas relações conscientes ocorrerem, mesmo passado um
longo prazo da percepção inicial dos estímulos. Por exemplo, um anúncio para uma
marca de gim específica pode nunca ser conscientemente recordada. Mas, algumas
semanas depois de ter percebido no anúncio, o leitor pode optar por esse tipo
particular sem nunca perceber conscientemente a base da sua decisão” (1970, p.11).

Em 1919, a equipe de Poetzle documentou que os olhos realizam cerca de 100 mil
fixações diariamente, sendo que apenas uma parte muito pequena das informações captadas é
processada de forma consciente. Segundo a Lei de Exclusão, o restante é registrado de forma
subliminar, emergindo durante o sono, no conteúdo dos sonhos. Mello (1999), também
realizou estudos sobre a reação do cérebro a estímulos subliminares. Neles, afirma que “essa
forma de memória inconsciente, também conhecida por efeito de mera exposição, representa a
capacidade de eventos subliminares anteriores influenciarem uma decisão” (Calazans, 2006,
p. 32).

3.1 DEFININDO A SUBLIMINARIDADE

As técnicas para inserção subliminar, quando não-acidentais, empregadas


deliberadamente, são uma forma de gravar e reforçar significados, para que venham à
consciência quando os signos ou sistemas de signos associados a um determinado conceito
sejam percebidos pelos órgãos sensores e decodificados, gerando uma resposta
25

comportamental pré-determinada.
Embora as primeiras referências à percepção subliminar remontem aos escritos de
Demócrito (400 a.C.), autor do primeiro registro escrito de que “nem tudo que é perceptível
pode ser claramente percebido”, apenas em 1971 os experimentos científicos sobre técnicas
subliminares foram sistematizados, estabelecendo procedimentos metodológicos de pesquisa
e permitindo evidenciar que estímulos subliminares ativam receptores periféricos sem um
efeito consciente imediato. “Em efeito, se a percepção subliminar é hoje considerada um
objeto de estudo, é porque os processos cognitivos estudados em Psicologia mostraram-se
compatíveis com a possibilidade de perceber sem consciência” (Channouf apud Calazans,
2006, p. 23).
A subliminaridade não é, necessariamente, sempre intencional, conforme observa
Bourdieu (1997, p. 44),

“É necessário destacar o implícito não-verbal da comunicação verbal: dizemos


tanto pelos olhares, pelos silêncios, pelos gestos, pelas mímicas, pelos movimentos
dos olhos, etc. quanto pela própria palavra. E também pela entonação, por toda
espécie de coisas. [...] Esses sinais imperceptíveis, o apresentador os manipula de
maneira mais inconsciente, no mais das vezes, que consciente”.

Para Bourdieu, “o percebido oculta o não percebido”, tal como na separação de


figura e fundo, porém neste caso o sentido do subliminar é em relação à linguagem corporal.
O brasileiro Flávio Calazans analisa a capacidade adquirida pela indústria cultural
de forjar uma realidade impregnada de signos furtivos, articulados de forma persuasiva,
lançando dúvidas sobre o conceito de autonomia e livre escolha dos indivíduos, tão valorizada
nos discursos sobre liberdade de expressão. Apresentando exemplos encontrados em diversas
mídias, define e categoriza os conteúdos subliminares, evidenciando que há décadas os
estudiosos da área dispõem de métodos científicos para mensurar o emprego dessas técnicas.
Calazans conceitua a sugestão subliminar em uma relação estreita com a propaganda:

“O termo propaganda tem sua origem etimológica no latim, pangere, plantar. Todo
ato de comunicação visa, assim, plantar uma mensagem no receptor, na forma de
propaganda de produtos (publicidade) ou de propaganda ideológica, política ou
eleitoral. [...] Essas mensagens que pouco a pouco levam à adesão,
inconscientemente reforçando a cognição consciente gerada pela campanha
publicitária tradicional, constituem a propaganda subliminar multimídia” (2006,
p.24).

Outra definição do que é subliminar é a de Joan Ferrés, em seu trabalho sobre a


26

televisão: “considera-se subliminar qualquer estímulo que não é percebido de maneira


consciente, pelo motivo que seja: porque foi mascarado ou camuflado pelo emissor, porque é
captado desde uma atitude de grande excitação emotiva por parte do receptor, porque se
produz uma saturação de informações ou porque as comunicações são indiretas e aceitas de
uma maneira inadvertida” (Ferrés apud Calazans, 2006, p. 38,39).
Tal percepção seletiva dependerá de diversas variáveis: da capacidade crítica dos
destinatários, da reputação da mídia utilizada, do contexto e do tempo de exposição à
mensagem.

3.2 A MECÂNICA DO SUBLIMINAR INPUT

Com base nos diferentes métodos e canais sensoriais envolvidos na veiculação de


mensagens subliminares, Calazans propõe duas fórmulas básicas para categorizar as técnicas
analisadas.
A fórmula geral considera que o subliminar se define pela maior quantidade de
informação em relação ao menor tempo de exposição possível. Duas subdivisões
complementares desdobram a proposição geral: a informação ou entra no inconsciente ou é
extraída dele. As variantes da fórmula de Calazans serão ilustradas mais adiante no estudo dos
conteúdos selecionados para este trabalho.
Pesquisas analisadas por Mello (1999, apud Calazans, 2006, p. 50),
demonstraram que um estímulo tênue é processado mais rapidamente que um intenso e
duradouro, e que mesmo uma imagem projetada durante apenas 3 milésimos de segundo é
captada pelo sistema nervoso. Da mesma forma, signos icônicos são processados muito mais
rapidamente que palavras ou frases, tendo uma capacidade de invocar ou gravar
instantaneamente significações.
O fator mais importante para o subliminar é a velocidade. Como vivemos em uma
sociedade saturada de informações, a mente humana adaptou-se, aprendendo a filtrar, a
rejeitar uma informação à qual não interessa se expor em um dado momento, tal como
estudado por Otto Poetzle. A saturação subliminar é decorrente da falta de tempo para pensar
nas imagens, razão pela qual é empregada de forma não-ostensiva, desrespeitando a vontade
27

consciente do público, assim como sua liberdade de escolha.


A seguir, na figura 3.2 temos a fórmula pela qual Calazans define o subliminar do
tipo input (entrada), que emprega o máximo de informação aliado ao menor tempo de
exposição possível, para gravar mensagens de forma inconsciente no público-alvo.

Figura 3.2 - Fórmula básica que define a mensagem subliminar input (Calazans, 2006, p. 49)

O exemplo mais conhecido do emprego de subliminar do tipo input data de 1956.


Trata-se do caso mais citado em toda a literatura que aborda a comunicação subliminar.
Relatado na conceituada revista Advertising Age em 16 de setembro de 1957, o experimento
realizado nos Estados Unidos por Jim Vicary, fundador da empresa Subliminal Projection
Company, se tornou lendário, tanto por estar associado à Coca-Cola, como por ter sido o
pioneiro no emprego em larga escala deste tipo de técnica na publicidade.
Em um período de seis semanas, utilizando um aparelho chamado taquicoscópio,
durante sessões do filme Picnic em um cinema de New Jersey, Vicary projetou sobre o filme
a frase “beba Coca-Cola”, de cinco em cinco segundos, durante três milésimos de segundo
cada vez, por toda a duração do filme. O experimento foi realizado com um público total de
45.669 pessoas, conseguindo um aumento nas vendas de refrigerante na ordem de 57,7%.
Alternadamente, também foi usada a mesma técnica com a frase “coma pipoca”, obtendo os
mesmos resultados.
O caso veio a público pela primeira vez em 10 de junho de 1956, quando o jornal
Sunday Times, de Londres, publicou uma matéria com o título Vendas por meio do
inconsciente: publicidade invisível9.

9
Calazans apresenta uma cronologia sobre as diferentes abordagens do caso Vicary. Às citações na imprensa se
seguiram outras em obras de diversos autores, nos anos de 1963, 1977, 1978 e 1980. Estudos de autores
28

Mais recentemente, o uso de projeção subliminar taquicoscópica (input) voltou às


manchetes internacionais em setembro de 2000, durante a campanha presidencial norte-
americana. Em um filme da campanha do republicano George W. Bush contendo críticas ao
concorrente democrata Al Gore, a palavra “ratos” foi inserida em letras maiúsculas em um
frame de vídeo, sobreposta à frase “burocratas decidem” (no caso, em inglês, rats é parte
tanto da palavra bureaucrats como de democrats. Ver figura 3.3).
Como no vídeo a velocidade é de trinta quadros por segundo, a inserção em
apenas um frame é imperceptível de forma consciente. O filme foi veiculado 4.400 vezes na
mídia nacional norte-americana, até a inserção subliminar ser descoberta, a veiculação
cancelada e o caso denunciado à Federal Communications Comission. Na época, os
candidatos estavam empatados nas pesquisas, e Bush começou a melhorar sua posição após a
veiculação do filme10.

Figura 3.3 – frames do vídeo da campanha de Bush, veiculado nos EUA em setembro de 2000.
Disponível em http://www.mensagens-subliminares.kit.net/msbush.htm

brasileiros sobre as mídias de massa também citam o caso, a partir da década de 1980 (2006, p. 26).
10
Calazans, 2006, p. 152-154. O caso foi notícia na mídia brasileira, como pode ser visto no site do jornal Folha
de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u8263.shtml
29

Entre os métodos propostos por Key para identificar subliminares está o de


inverter a fórmula proposta, aumentando o tempo de exposição, de forma a identificar, por
meio da decupagem em filmes e vídeos e da análise atenta de imagens impressas, as inserções
subliminares contidas em materiais que despertem a suspeita do pesquisador. Este método
será empregado mais adiante no estudo dos conteúdos selecionados.

3.3 - O OUTPUT SUBLIMINAR

Na fórmula proposta por Calazans para os subliminares do tipo output (saída),


muda o sentido da informação, que sai do inconsciente do receptor quando este toma contato
com a mensagem e decodifica o conteúdo subliminar, emergindo, então, para a consciência,
uma síntese. No momento em que este fenômeno ocorre, o receptor é levado
involuntariamente a fazer uma associação ou a reforçar uma associação
significante/significado que já existe em sua mente.

Figura 3.4 - Fórmula básica que define a mensagem subliminar output (Calazans, 2006, p. 114)

Um exemplo do efeito deste tipo de subliminar em ação pode ser visualizado a


seguir, na figura 3.5.
30

Figura 3.5 – Estampa de camiseta com iconeso input e subtexto subliminar output.

Este estudo de estampa para camiseta foi desenvolvido pelo autor do presente
estudo para um concurso de estampas em 2006. O objetivo do concurso era estimular o uso de
software livre. Para obter um efeito impactante, foi utilizada a técnica denominada de iconeso
por Calazans11.
Uma foto bastante conhecida de Bill Gates, fundador da Microsoft, ainda jovem,
foi mesclada com o rosto do personagem Alfred E. Neumann, ícone da revista Mad, lançada
em 1952 nos Estados Unidos, e que circula ainda hoje, trazendo sátiras de todos os aspectos
da cultura popular norte-americana. Tornou-se comum a capa da revista trazer o rosto de
políticos e outras personalidades “deformados” com os traços característicos de Neumann:
orelhas de abano, sardas, dentes faltando e um sorriso apalermado dominando a expressão
facial.
O personagem Neumann é um símbolo de pessoa atrapalhada e incompetente,
indigno de confiança, características associadas a alguns produtos da empresa de Gates, como
o sistema operacional Windows. Os problemas enfrentados pelos usuários do Windows,
somados às práticas monopolistas da Microsoft, já se tornaram motivo de muitas piadas que
circulam pela Internet, e passaram a ser habilmente explorados pela concorrente Apple em
uma série de comerciais iniciada em 2006, que pode ser conferida integralmente no site da

11
Calazans propõe uma denominação geral para todas as técnicas de embutir imagens dentro de imagens com
um neologismo, composto pelas palavras gregas ícone (imagem) e eso (dentro), o termo iconeso (2006, p. 76).
31

fabricante dos computadores Macintosh. O próprio bilionário Gates, uma das pessoas mais
influentes do mundo, protagonizou uma cena folclórica no lançamento do Windows 98,
quando o sistema travou em rede nacional de televisão, no momento de sua apresentação ao
público12.
Para a criação da estampa, não foram utilizados signos verbais em forma de letras
ou palavras, assim a fusão poderia ainda passar despercebida por quem não conhece o rosto
de Gates. Então, foi acrescentada uma gravata com logotipos do Windows sob a cabeça, de
forma a obter um reforço cognitivo. De forma geral, o processo de decodificação da estampa,
que se dá em frações de segundo na mente do receptor, tende a ocorrer como na figura 3.6:

Figura 3.6 – Processo de codificação de iconeso (input) com síntese subliminar (output)

No exemplo apresentado, como em geral ocorre na técnica de subtexto, tal como


definida por Calazans, existe uma premissa subententida, expressa na síntese que o receptor
realiza ao decodificar o iconeso, que possui quatro níveis sobrepostos de significação13.
Fica claro que, por meio desta técnica, é possível fazer uma afirmação não-
explícita (Windows é para idiotas) sem fazer uso de nenhuma palavra ou frase, apenas com os
conceitos já assimilados anteriormente pelo público em geral. O receptor, uma vez em contato
com a mensagem estruturada intencionalmente de forma a obter um output pré-determinado,

12
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=-NsXHPq71Bs
13
Segundo Calazans, o termo subtexto é ausente dos dicionários de comunicação, embora seu uso seja frequente
no teatro, no cinema, na televisão e nas histórias em quadrinhos, pelos profissionais da área. Entre algumas
técnicas de subtexto, cita o etimema, a elipse e a supressão de elementos na narrativa, que é completada pela
tendência de fechamento estudada pela Gestalt.
32

torna-se cúmplice do enunciador, buscando uma síntese, um significado final pela tendência
de fechamento, que é uma das leis da Gestalt. Portanto, trata-se de uma maneira de sugerir,
influenciar uma conclusão, que opera de forma inconsciente, emergindo para o consciente
apenas a síntese desejada pelo emissor. Dessa forma, embora existam inúmeros fatores que
podem influir na percepção individual de cada receptor, especificamente na decodificação e
na construção da síntese que emerge para o nível consciente, permanece a possibilidade de
manipulação do público por meio da técnica exemplificada.
Key acrescenta que

"Becker aponta um paradoxo ético na questão subliminar. Se a pessoa é avisada de


que será submetida a informação subliminar, a eficácia é reduzida. Se não é avisada,
seus direitos constitucionais legais e éticos podem estar sendo violados. Estas
técnicas são uma invasão ao pensamento. Elas podem ser facilmente usadas para
objetivos políticos ou opressores" (Key, 1996, p. 44).

Assim, apresentadas as tipologias básicas das técnicas subliminares, seu


funcionamento em conjunto com a percepção humana, e definidos seus conceitos, passaremos
a uma análise de casos selecionados por este pesquisador, como forma de evidenciar o
emprego de técnicas subliminares em escala industrial na produção midiática.
33

4 AS MARCAS ENTRAM EM CAMPO

O primeiro objeto selecionado para estudo, como exemplo da função publicidade


da Indústria Cultural, é um jogo de futebol disputado no dia 21 de junho de 2009, entre as
seleções de Brasil e Itália. A partida, vencida pela Seleção Brasileira por 3 a 0, foi válida pela
Copa das Confederações, e disputada na cidade de Pretória, na África do Sul, com
transmissão ao vivo no Brasil pela Rede Globo e pela Rede Bandeirantes, em rede nacional de
televisão.
Utilizando a técnica sugerida por Key (1996), foi feita uma decupagem em câmera
lenta dos primeiros dezesseis minutos da transmissão, observando praticamente quadro a
quadro as inserções de marcas, exibidas por um conjunto de painéis eletrônicos instalados à
beira do gramado. Nos jogos da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), os
painéis eletrônicos, ao contrários dos painéis estáticos tradicionais, são programados para
trocar periodicamente as marcas exibidas.
A análise permitiu verificar que, a partir do primeiro até o décimo minuto do
jogo, os painéis executaram um ciclo periódico de exposições, que começava pela marca
Sony, exibia quase duas dezenas de outras marcas, e voltava a exibir a marca Sony novamente
a cada dez minutos. Foram incluídos na contagem os seis minutos iniciais da transmissão,
durante os quais um grande volume de exibições de marcas pôde ser verificado.
Conforme poderemos ver em imagens e pela tabela na página a seguir, as marcas
anunciantes praticamente entram em campo juntamente com as equipes, permanecendo o
tempo todo no fundo das cenas, em um volume de impressões na tela que caracteriza um
exemplo de técnica subliminar. Ao contrário da técnica denominada tie in em inglês, no Brasil
conhecida erroneamente como merchandising, que consiste em introduzir dissimuladamente
objetos de uma determinada marca durante alguma cena de novela ou filme, a exposição de
marcas em estádios não é dissimulada, mas ostensiva, e a princípio não poderia ser
considerada uma técnica subliminar. No caso do jogo estudado, no entanto, com o uso dos
painéis eletrônicos, o estudo realizado apontou uma taxa de exposição média de 42,13 marcas
por minuto, uma massiva exposição subliminar do tipo input com a técnica de figura/fundo,
conforme estudado no capítulo 3.
Os primeiros dezesseis minutos de transmissão foram analisados em vídeos
praticamente quadro a quadro. Na análise verificou-se que os painéis fechavam um ciclo de
34

exposições de 10 em 10 minutos, deste modo foi feita uma contagem separada dos primeiros
seis minutos de transmissão, antes da partida, uma contagem para os primeiros dez minutos de
jogo, e depois uma projeção para os oitenta minutos restantes de jogo. A base para a projeção
foram os números observados no ciclo de exposições dos painéis para os primeiros 10
minutos, ciclo que se repetiu até o final do jogo. Os resultados estão na tabela a seguir:

Tabela 1 – Contagem de exposição de logotipos durante o jogo Brasil X Itália (16 minutos) e
projeção do total de exposições para 96 minutos
Impressões na tela até o Impressões na tela em Projeção de impressões
Projeção total de
Marca início da partida 10 minutos de partida para os 80 minutos
impressões na tela
(6 minutos) (ciclo dos painéis) restantes

1. Adidas 15 18 144 177


2. Budweiser 1 12 96 109
3. Castrol 3 10 80 93
4. Coca-Cola 15 36 288 339
5. Continental 1 24 192 217
6. Fifa 18 30 240 288
7. Fly Emirates 1 36 288 325
8. FNB 1 12 96 109
9. GAP 1 0 0 0
10. KIA 2 48 384 434
11. Mc Donnald´s 15 24 192 231
12. MTN 0 30 240 270
13. Nike 36 4 32 72
14. Puma 18 9 81 108
15. Satyam 1 30 240 271
16. Sony 15 36 288 339
17. Telkom 0 8 72 80
18. Ultimate - 4 32 36
19. Visa 30 42 336 408
20. Zakumi 0 12 96 108

TOTAIS 173 455 3385 4045

A análise verificou a ocorrência nos primeiros dezesseis minutos de transmissão


de um total de 628 exposições de marca, chegando a um total projetado de 4.045 exposições
de marca durante os noventa minutos de duração da partida, um índice de 42,13 marcas por
minuto.
35

No Brasil, o jogo teve uma audiência de 34 pontos do Instituto Brasileiro de


Opinião Pública e Estatística (Ibope), somadas as transmissões da Rede Globo, com 26
pontos, e da Rede Bandeirantes, com 8 pontos. Para fazer a medição de audiência, é instalado
nos televisores de dez capitais brasileiras um aparelho chamado peoplemeter 14. À medida que
identifica o canal sintonizado, este aparelho envia a informação à central do Ibope, via rádio-
frequência. Nas medições feitas em São Paulo, esta resposta é gerada minuto a minuto,
criando uma amostra em tempo real. Os dados são automaticamente tabulados e em seguida
transmitidos aos assinantes do instituto (emissoras de rádio e televisão, jornais, revistas, etc.),
por rádio-frequência ou via Internet 15.
Na medição, um ponto de audiência equivale a 1% do universo pesquisado de
uma cidade ou região. A Grande São Paulo, por exemplo, possui aproximadamente 4,47
milhões de domicílios com tevê e uma população pouco superior a 15 milhões de habitantes.
Então, um ponto de audiência neste local significa 1% de sua audiência, o equivalente a
44.700 aparelhos ligados em um determinado canal. Trazendo os dados da partida entre Brasil
e Itália para este contexto, temos que 34 pontos de audiência para o Ibope correspondem a
1.519.800 aparelhos sintonizados no jogo, somente na região de São Paulo.
Multiplicando esse número pelo total de exposições de marca obtido pela análise
do jogo (1.519.800 X 4.045) , chegamos ao número de 6.147.591.000 exposições de marca,
durante o tempo da transmissão, considerando apenas os aparelhos da região de São Paulo.
Deve-se considerar que esses dados de audiência são empregados para o cálculo de valores
dos espaços publicitários, tanto dos painéis instalados no estádio quanto o dos espaços
comerciais televisivos negociados pelas emissoras. Este é o modo de operação permanente e
institucionalizado de um sistema que integra e atende aos interesses de anunciantes, agências
de publicidade, veículos de comunicação e dos próprios institutos de pesquisa como o Ibope.
O número massivo de 6.147.591.000 exposições de marca em São Paulo, durante
um jogo de futebol, se alinha perfeitamente com a fórmula apresentada por Calazans para
definir o subliminar input: maior quantidade de informação pelo menor tempo de exposição.

14
Essas informações sobre o método de medição do Ibope estão disponíveis nos seguintes endereços eletrônicos:
http://guiadoscuriosos.ig.com.br/categorias/4907/1/como-o-ibope-calcula-a-audiencia-da-tv.html e
http://www.oboboonline.com/index.php/curiosidades/940-como-o-ibope-mede-a-audiencia-dos-programas-
de-televisao-e-quanto-vale-cada-ponto-registrado-por-ele.html (acesso em 11/11/2009)
15
Segundo o site do instituto, por meio das pesquisas de audiência para TV Aberta realizadas pelo Grupo Ibope é
possível coletar os mais diversos tipos de informação, entre os quais: participação sobre o total da audiência e
sobre a audiência total do gênero; tempo médio que o telespectador passa assistindo à televisão; alcance;
freqüência; índice de adesão; fidelidade e fluxo de audiência entre um programa e outro. Disponível em
http://www.ibope.com.br/calandraWeb/BDarquivos/sobre_pesquisas/pesquisa_audiencia.html (acesso em
11/11/2009)
36

No caso da transmissão deste jogo pela televisão, é evidente o emprego da técnica


de figura e fundo para obter uma fixação subliminar das 20 marcas detectadas pela análise
quadro a quadro. Como dito anteriormente, antes mesmo do início da partida as marcas já
eram exibidas no sistema de painéis à margem do gramado, instalados de forma a serem
enquadrados pelas câmeras, como pode ser visto nas figuras a seguir.

Figura 4.1 – Imagens do jogo Brasil X Itália, em 21/06/2009

Na figuras acima pode-se ver que as marcas entram em campo junto com as
equipes. O uniforme dos jogadores e até mesmo enquadramentos do público trazem logotipos.
A imagem maior mostra o estado inicial dos painéis eletrônicos, exibindo uma grande
variedade de marcas. Nas figuras da página a seguir, vemos que o primeiro enquadramento
traz diversas exposições da marca Nike no uniforme dos jogadores da Seleção Brasileira. A
imagem seguinte mostra, além da marca Nike na camiseta do jogador, outras quatro marcas
nos painéis, ao fundo. Nas duas imagens seguintes, vemos exemplos de enquadramentos
fechados de câmera no momento em que as marcas Adidas e KIA estavam sendo exibidas nos
painéis, dominando o campo visual da tela e praticamente ocupando o primeiro plano,
tornando as marcas o elemento visual dominante, sobrepondo-se à jogada que é o foco da
atenção consciente. Desta forma se obtém uma intercalação de planos que reforça ainda mais
o efeito obtido com a saturação subliminar de exibição média de 42 logotipos por minuto.
37

Figura 4.2 – Imagens do jogo Brasil X Itália, em 21/06/2009

Já na figura logo a seguir, podemos ver o funcionamento dos painéis eletrônicos,


no início do ciclo percebido pelo autor.

Figura 4.3 – Imagens do jogo Brasil X Itália, em 21/06/2009


38

Na seqüência de imagens anterior pode-se ver no marcador de tempo de jogo que


a marca Sony, exibida 51 vezes durante os primeiros 16 minutos de transmissão, ocupa todo o
conjunto de painéis por um período de tempo determinado, sendo que nas primeiras duas
imagens somadas o logotipo da marca aparece dez vezes. Na segunda imagem vemos como,
na passagem de uma tomada para outra, o logotipo aparece em grande proporção, ocupando
toda a largura da tela, enquanto a imagem anterior, com seis logotipos ainda está na tela. A
seguir vemos a marca McDonald´s em um momento de destaque e, depois, sendo exibida em
conjunto com outra marca, de acordo com o ciclo programado para os painéis.
Na imagem a seguir temos várias tomadas onde a marca Coca-Cola aparece. Em
apenas uma tomada o logotipo é mostrado oito vezes. Junto ao logotipo aparece também o
ícone da garrafa, massificado por meio de inúmeras veiculações, e reconhecível
instantaneamente. É possível ver que o uso da cor vermelha como fundo para o logotipo faz
um recorte com o verde predominante nas cenas, tornando impossível não ver a marca Coca-
Cola. Como no caso das outras marcas, em alguns momentos o logotipo ganha uma proporção
tão grande que se torna o elemento dominante na imagem.

Figura 4.4 – Imagens do jogo Brasil X Itália, em 21/06/2009


39

Pelo exposto neste capítulo, a função publicidade dos meios de comunicação de


massa, mesmo quando se utiliza de mecanismos aparentemente inofensivos para a liberdade
de escolha, busca assegurar, de forma inconsciente para o público, a perpetuação das relações
de consumo no sistema capitalista, por meio da veiculação massiva de marcas comerciais
durante a transmissão de um evento esportivo. No exemplo estudado, em vários momentos as
marcas acabam obstruindo a compreensão do que se passa em campo, desvirtuando o caráter
esportivo do evento em privilégio da lógica comercial. Os números obtidos pela análise
evidenciam que técnicas específicas empregadas na transmissão de jogos pela televisão
buscam obter, pela saturação cognitiva, um efeito de fixação de marcas na mente do público-
alvo, de forma às vezes consciente, mas predominantemente inconsciente, subliminar, pelo
uso premeditado da técnica de inserir imagens no fundo das cenas, conforme estudado no
capítulo 3.
Tendo os jogadores e o movimento da bola como objeto de atenção focada
consciente, o restante do campo visual do espectador fica em segundo plano, como fundo. Um
logotipo ou marca na camiseta do jogador, que já está focado em primeiro plano, tem sua
forma percebida e reconhecida instantaneamente, enquanto outros símbolos contidos no
fundo, como anúncios nas laterais do campo, são assimilados sem que o espectador o perceba.
Passaremos agora ao estudo do segundo objeto escolhido para análise, dentro do
escopo deste trabalho, desta vez o exemplo da função propaganda da Indústria Cultural.
40

5 THE WALL, O FILME: APENAS MAIS UM TIJOLO NA PAREDE?

Como já comentado na introdução deste trabalho, o filme The Wall foi escolhido
para ser analisado por duas razões. Primeiro, pelo fato de realizar uma crítica aos efeitos
subliminares massificadores do modo de produção da Indústria Cultural, tal como foram
estudados no capítulo 2, à luz da Teoria Crítica. Na obra, também se percebe uma crítica ao
Estado e seus mecanismos de dominação, especialmente ao serviço militar e ao modelo
educacional homogeneizador, aquilo que Habermas denominou de “integração sistêmica”,
conforme já referenciado. Tal característica torna The Wall um exemplo do que Benjamin
imaginou ser uma obra de arte passível de ser empregada como instrumento de politização.
Em segundo lugar, como foi dito, o estudo do filme é importante para este
trabalho pelo fato de nele existir uma ambigüidade. Ao mesmo tempo em que possui a
dimensão crítica comentada acima, o filme possui diversas inserções subliminares de marcas
comerciais, utilizando as técnicas estudadas no capítulo 3, para veicular publicidade em um
contexto de crítica social, obtendo dessa forma um efeito inconsciente de associação dessas
marcas com a contestação ao sistema, de forma inconsciente para o público.
Como veremos a seguir, o filme utiliza também diferentes técnicas subliminares
para transmitir conteúdos que trabalham no público-alvo pulsões relacionadas a sexo,
violência, morte e religião. O design e as ilustrações concebidas por Gerald Scarfe, principal
arquiteto do discurso visual do filme, junto a Roger Waters e ao diretor Alan Parker,
constróem ao longo do filme uma sensação hipnotizante e claustrofóbica, junto a um discurso
ambivalente em relação ao totalitarismo e os mecanismos de dominação do estado, ora
denunciando, ora endossando subliminarmente a violência.
Começaremos analisando algumas imagens que evidenciam o uso de técnicas
subliminares para veiculação de marcas comerciais.
41

Figura 5.1 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserções subliminares de Coca-Cola e 7 Up

A primeira seleção de tomadas foi retirada de uma das seqüências iniciais do


filme, que começa aos seis minutos e vai até os sete minutos e trinta segundos. Nela, é
retratado um tumulto durante a entrada para um show da banda do personagem Pink Floyd,
protagonista do filme. Uma multidão de jovens rompe os portões do local do show e irrompe
por uma área aberta, onde é confrontada e reprimida pela polícia. Nesta cena, aparece em
cortes de menos de um segundo (técnica de projeção taquiscoscópica, inaugurada em 1956
por Jim Vicary) um rapaz com uma camiseta com o logotipo da Coca-Cola, porém a marca
está distorcida e a palavra escrita na camiseta é cocaine, como pode ser visto na ampliação.
Aqui há evidência de uma distorção da marca que apresenta dois sentidos: é tanto uma
subversão ao que representa a marca 16 quanto um estímulo inconsciente ao consumo da droga

16
A Coca-Cola, como produto, nasceu em Atlanta, Estados Unidos, 1886, criada pelo farmacêutico John
Pemberton. No início, era vendida como xarope a granel em farmácias, e em bares onde não eram servidas
bebidas alcoólicas. Sua promoção era feita como se fosse um remédio com gás patenteado, que prometia por
meio de argumentos racionais preservar a saúde e prolongar a vida. Até 1902 sua fórmula continha cocaína, e
os argumentos favoráveis usados na publicidade acabaram alimentando campanhas detratoras sobre o
produto. Por volta de 1905 houve uma mudança total na comunicação da marca, de uma estratégia discursiva
para uma ênfase emocional. Archie Lee, que revolucionou a publicidade da Coca-Cola, costumava afirmar
que "Não importa o que o produto é, mas o que ele faça despertar o nosso interesse". A bebida transformou-
se no produto mais amplamente promovido e distribuído do mundo. Pode ser adquirido em 185 nações, uma
cifra que supera a dos países membros da ONU. Hoje a Coca-Cola é, antes de mais nada, uma imagem, um
símbolo, um sinal de identificação. É o melhor emblema de um estilo de vida. É a América. É o capitalismo.
É juventude. [...] É uma manisfestação extrema da eficácia da linha emocional: um produto transformou-se
em símbolo de uma valor supremo. O consumo transformado em uma mítica (Ferrés, 1998, p. 239-243).
42

cocaína, presente na fórmula original do refrigerante. De qualquer forma, os traços


característicos do logo da Coca-Cola estão presentes, nestas inserções e em outra que vem
logo a seguir, na qual aparece, também em cortes rápidos, um jovem sendo dominado por
policiais. Nesta segunda inserção aparece também a marca do refrigerante 7 Up, uma marca
pertencente à Pepsico, concorrente da Coca-Cola.
A marca 7 Up aparece novamente logo em seguida, desta vez permanecendo na
tela por cerca de 2 segundos, como pode ser visto na imagem a seguir.

Figura 5.2 – Imagem selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar da marca 7 Up

Este tipo de inserção rápida com mais de um segundo de duração, é chamado de


tie in em inglês, sendo conhecido no Brasil pelo nome de merchandising e largamente
empregado em novelas televisivas. Trata-se de uma das técnicas subliminares mais comuns,
neste caso aplicada em um contexto de confronto entre jovens e a polícia, associando a marca
com a contestação ao sistema, à rebeldia e à violência. Outro exemplo de utilização desta
técnica, novamente com a Coca-Cola, ocorre aos cinqüenta e cinco minutos do filme, quando
o protagonista, após uma crise nervosa em que vandaliza sua suíte de hotel, começa a montar
um mosaico com as partes do que foi destruído. Latas de Coca-Cola aparecem novamente
durante alguns segundos, como um elemento ordenador, produtor de sentido, no contexto da
instalação artística criada pelo personagem.
43

Figura 5.3 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserção da marca Coca-Cola

Outro caso de inserção subliminar da marca Coca-Cola em The Wall aparece por
volta de uma hora e 20 minutos. Em uma seqüência na qual negros são perseguidos e
espancados por um grupo de skinheads, a marca da Coca-Cola aparece na fachada de um
restaurante, de onde negros são expulsos com violência:

Figura 5.4 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar da marca Coca-Cola
44

Dessa forma, o filme associa a violência do capital, representado pela onipresente


marca da Coca-Cola, com a violência, o racismo e a intolerância. Dificilmente o logotipo
apareceria por acaso, já que é possível ver na imagem parada que se trata de um cenário
construído para a cena. A seqüência prossegue com outras cenas de violência e espancamento
de negros e mulheres pelos skinheads.
Outra marca norte-americana de bebidas aparece durante o filme. A cerveja
Budweiser utiliza tanto a técnica de corte rápido, inferior a um segundo, como o tie in,
conforme se pode ver na seleção de imagens da página a seguir. Tal como no caso da Coca-
Cola, o logo da Budweiser aparece por menos de um segundo durante a seqüência de
violência policial no início do filme, reaparecendo mais tarde aos quarenta e um minutos,
durante uma seqüência em que groupies, fãs que fazem de tudo para terem acesso aos
bastidores do show, se entregam à equipe da banda para permanecer na área restrita. Várias
latas de cerveja aparecem durante a cena em que uma das fãs faz um strip tease dentro de um
caminhão, com os roadies da banda aproveitando a situação e bebendo cerveja. A garota
derrama a cerveja sobre o próprio corpo e os seios. A associação é clara: beba Budweiser que
a festa está garantida.

Figura 5.5 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserções subliminares da marca Budweiser
45

Outro exemplo de emprego de imagens com cortes rápidos é o de um rosto com


uma expressão louca, demencial, que ilustra a capa do disco que está sendo promovido na
turnê fictícia retratada no filme. Essa imagem aparece diversas vezes, sendo inserida
inicialmente no começo do filme, na mesma seqüência em que aparecem as marcas
comerciais, e repetida em outras cenas. O procedimento é o mesmo usado para as marcas
comerciais: uma inserção rápida, imperceptível conscientemente, introduz a marca ou
símbolo, que depois é reinvocada e exposta durante 2 ou 3 segundos, mesclada com os
elementos de fundo da cena. Trata-se aqui de fixar visualmente a imagem da própria
personalidade doentia do protagonista, sendo que o rosto aparece impresso em camisetas, em
cartazes e na própria capa do disco. Camisetas que fossem colocadas à venda com essas
estampa, após a exibição do filme, certamente teriam alto índice de vendas, tal como ocorreu
no experimento da Coca-Cola de 1956, descrito no capítulo 3.

Figura 5.6 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserções subliminares de rosto
46

5.1 – TERROR E SEXO

Além das referências à morte, à violência e ao totalitarismo, vamos examinar


como o sexo e a sensualidade aparecem em The Wall, por meio de duas sequências de
imagens de cunho sexual, ambas associando o sexo ao pânico e à morte. Aos cinqüenta
minutos de filme, o personagem principal, criado pela mãe após a morte do pai na guerra, está
passando por delírios ligados a memórias de seu casamento, em um momento em que tenta
entrar em contato com a esposa, que o abandonou devido à sua condição de insanidade mental
e desligamento da realidade. Na primeira sequência foi feita a fusão de uma ilustração
animada com cenas filmadas.

Figura 5.7 – Imagens selecionadas do filme The Wall – fusões subliminares com anamorfose

O protagonista está assistindo TV quando uma sombra de mulher se aproxima


pela parede. De repente ela se transforma em uma criatura que investe sobre o personagem em
pânico, então ocorre uma anamorfose e a serpente se transforma em uma vagina com asas de
morcego, que depois preenche toda a tela e avança na direção do espectador. É uma vagina
47

satanizada, um instrumento de poder, simbolizando os conflitos e complexos vividos pelo


personagem.
Na sequência ocorrem fusões de imagens que culminam com a cena reproduzida
abaixo. Imagens de corpos nus se mesclam com o personagem imobilizado em uma cama de
hospital, uma mulher que grita em agonia e vermes, diferentes camadas de imagem com baixa
opacidade, que geram um efeito repulsivo, embora sejam visíveis nessa configuração apenas
por frações de segundo, mais uma vez caracterizando uma mescla de subliminar input/ouput,
associando o sexo com pânico, dor e morte. O propósito dessa fusão parece ser o de gravar de
maneira inconsciente idéias e sensações negativas associadas a relações sexuais.

Figura 5.8 – Imagens selecionadas do filme The Wall – fusões subliminares com anamorfose
48

5.2 - DE VOLTA AO TERCEIRO REICH

Passaremos agora ao estudo de uma série de imagens com inserções subliminares


de conteúdo associado à guerra, ao totalitarismo e a mecanismos de restrição da liberdade
individual. Diversas cenas do filme contêm imagens sobrepostas e distorcidas, uma técnica
conhecida como anamorfose, além de iconesos, símbolos complexos compostos de outros
símbolos, estudados no capítulo 3. Estas imagens, articuladas com os efeitos sonoros e a trilha
musical, contribuem para a construção de um clima hipnótico que perdura durante a exibição
do filme, misturando no espectador sensações excitantes por meio de imagens chocantes.
A primeira seqüência analisada, que aparece por volta dos 20 minutos, mistura
imagens de conotação religiosa com deformações do corpo do personagem, mostrando uma
caveira no lugar de seu rosto enquanto ele flutua em uma piscina com os braços abertos, na
posição de crucificação. Durante esta cena, que associa morte e religião, a câmera foi
movimentada no sentido horizontal sobre a piscina, criando uma sensação vertiginosa de
queda enquanto diversas anamorfoses são criadas em seqüência pela superposição de quadros
em baixa opacidade, criando um efeito macabro quando a cor vermelha passa a dominar,
invocando o derramamento na sangue na Segunda Guerra Mundial. Durante o filme, diversas
cenas invocam o pai do personagem protagonista, vivido por Bob Geldof. Sem a presença do
pai, morto na guerra, o personagem é atormentado por visões compartilhadas pelo espectador.
49

Figura 5.9 – Imagens selecionadas do filme The Wall – fusões subliminares com anamorfose

Outra seqüência que associa morte e religião vem logo a seguir no filme, dentro
de uma seqüência de desenhos em animação que retratam pesadelos sobre a segunda guerra
mundial (ver imagem na página seguinte). Aviões bombardeiros se transformam em cruzes
voadoras, e logo a seguir a bandeira da Inglaterra se desfaz em sangue, que escorre de uma
cruz formada pelas listras que formam o centro da bandeira. Aqui novamente temos o
emprego tanto da anamorfose, técnica subliminar bastante usada em quadrinhos e desenhos
animados, na qual formas se transformam em outras, forçando significados (o subliminar
output), como de iconesos, no caso da bandeira que contém a cruz, uma alegoria que diviniza
o Estado. Ambas as técnicas são apresentadas como subliminares por Calazans (2006).
Neste exemplo vemos como o filme, enquanto critica o caráter subliminar das
estruturas do sistema estatal capitalista, também emprega técnicas subliminares com propósito
crítico, buscando expor a violência da guerra, na qual os jovens são forçados a lutar e morrer
pela coerção do Estado, com a colaboração da Igreja, que fornece justificativas espirituais
para o sacrifício e o derramamento de sangue de milhões nos campos de batalha.
50

Figura 5.10 – Imagens selecionadas do filme The Wall – animção com anamorfose e iconeso

O filme também faz muitas referências, ora de forma subliminar, ora de forma
explícita, ao nazismo e ao holocausto17, expressões máximas do totalitarismo. Aos vinte e
dois minutos e trinta segundos. O protagonista, ainda menino, encontra balas de revólver nos
pertences do pai morto, e vai até uma linha férrea para detoná-los sobre os trilhos, na
passagem de um trem. Quando o trem passa, fica contra a parede, tem alucinações, com rostos
deformados aparecendo em aberturas nos vagões apinhados, tal como nos trens que levavam
as vítimas até os campos de concentração nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. O
menino aparece em um corte rápido usando uma máscara que deforma seu rosto, o símbolo da
alienação que é retomado durante todo o filme.
Na passagem do trem aparece durante frações de segundo um boneco cujas
feições lembram a fisionomia de Adolf Hitler, vestindo uma túnica acinzentada, invocando o

17
Holocausto é um termo usado historicamente para se referir às violências e ao assassinato em massa
perpetrados contra os judeus da Europa pelo regime nacional-socialista na Alemanha, entre 1933 e 1945, sob
a liderança de Adolf Hitler (1889-1945), nascido austríaco e eleito chanceler alemão em 1933. O regime
nacional-socialista, conhecido como nazismo, tinha como parte de sua ideologia totalitária teorias eugênicas
sobre a pureza da raça germânica, e adotou políticas de eliminação de populações "indesejáveis" dos
territórios controlados pela Alemanha. Adolf Hitler, oficialmente, suicidou-se em Berlim, cercada pelas
forças russas, no dia 30 de abril de 1945.
51

uniforme do líder nazista, como pode ser visto na ampliação abaixo. Hitler representa, na
sociedade ocidental, a encarnação do mal.

Figura 5.11 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar de imagem de Adolf Hitler

As referências ao nazismo voltam a aparecer em uma longa seqüência próximo ao


final do filme, quando o protagonista se metamorfoseia em um monstro insensível e
intolerante, personificando Adolf Hitler, e o evento que representa o show de sua banda se
transforma em um comício nazi-fascista. Cenas de espacamento de negros e gays ocorrem
durante esse show/comício, e também há uma sequência na qual skinheads marcham em
formação pelas ruas de uma cidade inglesa. Outras ocorrências de inserções subliminares em
cortes de menos de um segundo vão ocorrer durante a longa sequência do comício/show, que
inicia por volta de uma hora e doze minutos de filme. Entre os guardas skinheads, há outros
usando chapéus longos e afilados, como os dos carrascos da Idade Média e os dos membros
da organização racista norte-americana Ku Klux Klan18.

18
Ku Klux Klan (KKK), informalmente conhecida como The Klan, é o nome de uma organização nos Estados
Unidos, cujo propósito alegadamente é o de proteger os direitos e promover os interesses dos brancos
americanos pela violência e pela intimidação. Originada nos estados do Sul, cresceu para um âmbito
nacional. A imagem da Klan é marcada por trajes brancos constituídos por mantos, máscaras e chapéus
cônicos, referência visual aos carrascos da Idade Média.
52

Figura 5.12 – Imagens selecionadas do filme The Wall – inserção subliminar da palavra hate (ódio)

Na sequência de imagens acima, podemos ver que justamente nos cortes rápidos
em que aparecem os chapéus de carrasco, se levantam pessoas da platéia usando uma
camiseta com a palavra hate (ódio) grafada em letras maiúsculas. Os quadros com essas
estampas nas camisetas só podem ser visualizados pausando quadro a quadro a projeção,
caracterizando mais uma vez a técnica subliminar do tipo input. Trata-se de uma tática de
contra propaganda, antecedendo uma outra cena onde aparece a bandeira da Inglaterra em
meio a uma massa de jovens fazendo a saudação nazista com os rostos deformados pela
mesma máscara empregada na cena do trem, aos vinte e dois minutos e trinta segundos de
filme. Para encerrar a análise de imagens extraídas do filme The Wall, ainda analisando sua
dimensão crítica, temos a seguir uma sequência que aparece por volta dos vinte e seis
minutos.
Nela aparecem seis tomadas selecionadas para demonstrar de que forma o
designer Gerald Scarfe concebeu a cenografia buscando associar o sistema escolar inglês com
os campos de extermínio nazistas. É clara a referência subliminar às câmaras de gás, na cena
em que os estudantes entram em ordem unida em uma área fechada, que do outro lado solta
53

fumaça, com os estudantes saindo com os rostos deformados e fixados em carteiras de aula,
como em uma fábrica da morte cerebral.

Figura 5.13 – Imagens selecionadas do filme The Wall – alegoria do sistema escolar como fábrica da morte

A seguir aparece uma amplo pavilhão com os estudantes agrupados em fila, como
nos desfiles nazistas, e em seguida os estudantes mascarados aparecem caindo sem defesa em
um grande triturador de carne, fechando a referência ao holocausto. Na sequência dessa cena,
os estudantes aparecem removendo suas máscaras e destruindo as instalações da
fábrica/escola, terminando por atear fogo ao prédio, aos livros e às mesas nas quais estavam
presos, após colocarem abaixo as paredes/muros que os mantinham prisioneiros.
Dessa forma, o filme tanto estimula a rebelião, dando vazão a pulsões reprimidas
do público, como serve a propósitos de repressão simbólica, cumprindo sua dupla função
como obra de arte típica da Indústria Cultural. Ao mesmo tempo em que nele ocorre uma
ampla utilização de inserções subliminares, que transmitem mensagens de forma inconsciente
para o público.
54

Trata-se do potencial de conscientização política da obra de arte ao qual se referia


19
Benjamin em 1936, no texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica . Em
The Wall, este potencial está presente, e o filme acabou se tornando referência de contestação,
apesar do caráter ambíguo entre a crítica ao establishment estatal, religioso e simbólico e o
reforço de tendências totalitaristas, mesclado com propaganda subliminar.
Ao final do filme, ao se fazer um balanço, este pode ser considerado negativo,
pois não se percebe que foi proposta ou mesmo considerada possível uma alternativa ao
sistema tal como ele é retratado em The Wall: um máquina de lavagem cerebral obsessiva,
sanguinária e onipresente, onde a liberdade é um conceito abstrato, que não vem
acompanhado de um sentido de realização.

19
A mudança pela qual passa a obra de arte com sua "reprodutibilidade técnica", ligada à tecnificação crescente
do mundo leva a uma massificação do consumo dos bens artísticos. Horkheimer, Adorno e Marcuse atribuem
conseqüências negativas à dissolução da obra de arte, com a perda da "aura". Para Benjamin, com a perda da
aura se destrói a unicidade e a singularidade da obra de arte, mas ao perder seu valor de culto seu valor de
exposição se intensifica. A obra de arte se torna acessível a todos, adquirindo um valor de consumo.
Benjamin associa essa universalização com politização, na medida em que, ao provocarem, mudanças na
percepção e nas atitudes dos consumidores, estariam modificando esses próprios consumidores.
55

6 CONSIDERAÇÕES

Tanto no campo do auto-esclarecimento, buscado pela revisão bibliográfica, como


no da contribuição ao estudo da subliminaridade, por meio da pesquisa e análise de dois
conteúdos selecionados, os esforços de compreender e evidenciar a influência subliminar
foram realizados com intensa dedicação.
Em função da divisão básica estabelecida para a compreensão do que consistem e
como operam os mecanismos inconscientes de dominação, estudamos separadamente a
característica estrutural subliminar da comunicação de massa como parte indispensável do
sistema capitalista a partir do início do século XX, empregando conceitos como o da Indústria
Cultural, em conjunto com a visão de pensadores da Teoria Crítica. A estrutura invisível da
esfera de produção e divulgação de informações no mercado global de comunicações,
conforme descrita por Pierre Bourdieu, também forneceu elementos para compreendermos
como se constitui e como se dá a fusão entre cultura, civilização e consumo que garante a
perpetuação do sistema capitalista, naturalizado e tornado modo de vida. Esta primeira esfera
subliminar, coletiva, subdividida nas funções publicidade e propaganda da Indústria Cultural,
foi o objeto do capítulo 2.
A segunda esfera subliminar, a da sugestão operada por técnicas de produção que
tem efeito individual, foi o objeto do capítulo 3, onde vimos exemplos de como o
conhecimento científico sobre o funcionamento do sistema sensorial e da mente humana vêm
sendo utilizados sistematicamente desde a metade do século passado para sugestionar efeitos
pré-determinados no público consumidor de conteúdos veiculados em todas as mídias
comerciais, com predomínio do meio audiovisual.
Na mídia televisão, foi analisada a transmissão de um jogo de futebol em escala
global, evidenciando que o uso articulado de um aparato técnico para exposição de marcas,
com a transmissão da partida, gera um volume altíssimo de exposições de marcas por minuto,
caracterizando um efeito subliminar multiplicador para a função publicidade da Indústria
Cultural. Naturalizando a presença de marcas em todas as esferas de informação e ambientes
sociais, o sistema operado por anunciantes, agências de publicidade, veículos de comunicação
e institutos de pesquisa movimenta bilhões de dólares em recursos, usando como moeda de
troca, além do dinheiro, medidas de audiência, quantificações que têm como unidade de
cálculo as mentes individuais de milhões de espectadores ao redor do mundo.
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Na mídia cinema, foi analisado o filme The Wall, obra consagrada junto a uma
audiência mundial de fãs da banda inglesa Pink Floyd, ela própria um dos maiores fenômenos
comerciais da indústria do entretenimento. A obra foi selecionada pelo amplo emprego de
técnicas subliminares audiovisuais que foi demonstrado. Tanto pelo seu caráter crítico do
sistema capitalista e seus meios de dominação material e simbólica, com um potencial
politizador na perspectiva benjaminiana, como pela propaganda comercial dissimulada e pelo
reforço simbólico da violência e da intolerância, o filme apresenta uma dualidade.
Caracteriza-se como produto típico de uma indústria que pretende perpetuar as formas de
dominação e distrair o público, evitando que as energias criativas e a frustração se canalizem
para ações políticas concretas, que poderiam interferir na ruptura da ordem dominante.
O estudo dos objetos selecionados, dessa forma, corrobora a possibilidade de
manipulação inconsciente do público por meio de técnicas que ferem a liberdade de escolha
dos indivíduos, influindo de forma comprovada em decisões coletivas importantes, como no
caso da campanha presidencial de 2000 nos EUA, analisado no capítulo 3.
Assim, no âmbito do estudos da área de comunicação, o trabalho desenvolvido
adquire sua relevância na medida em que oferece uma síntese, que permite uma compreensão
geral da sugestão subliminar, ao mesmo tempo em que oferece exemplos ilustrativos dos seus
possíveis efeitos individuais e até mesmo coletivos.
Do ponto de vista pessoal, este trabalho de pesquisa vem dar conclusão a estudos
iniciados há dez anos, quando tive contato com o livro Propaganda Subliminar Multimídia,
de Flávio Calazans, em sua primeira edição. A leitura trouxe uma curiosidade de desvendar
pessoalmente os mecanismos da subliminaridade, tornando-me capaz de identificar e
desarmar mecanismos ocultos de persuasão, que desde então venho percebendo com grande
freqüência em todos os tipos de produtos culturais com os quais tenho contato.
Encerrando as considerações sobre a temática da subliminaridade, é preciso
lembrar que o emprego deste tipo de sugestão tem amplas possibilidades. Embora analisado
neste trabalho sob uma ótica de dominação, ligada aos meios de reprodução do sistema
capitalista, existem outras dimensões subliminares, que apresentam possibilidades positivas
tanto na área da comunicação como da educação.
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REFERÊNCIAS

BOLAÑO, Cesar Ricardo Siqueira. Indústria Cultural, Informação e Capitalismo. São Paulo:
Hucitec, 2001.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão, seguido de A influência do Jornalismo e Os Jogos


Olímpicos. São Paulo, Jorge Zahar, 1997.

CALAZANS, Flávio. Propaganda Subliminar Multimídia. 7ª edição. Summus Editorial, São


Paulo, 2006.

FERRÉS, Joan. Televisão Subliminar: socializando através de comunicações despercebidas.


Artmed, Porto Alegre, 1998.

FREITAG, Barbara. A Teoria Crítica Ontem e Hoje. São Paulo: Braziliense, 2004.

GOMES FILHO, João. Gestalt do Objeto: Sistema de leitura visual da forma. 5 ed. São
Paulo: Escrituras Editora, 2003.

KEY, Wilson Brian. A Era da Manipulação. Tradução de Iara Biederman. São Paulo: Scritta,
1996.

Pink Floyd The Wall. Direção: Alan Parker. MGM/EUA, 1982. 1 DVD.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo - por que as notícias são como são.
Florianópolis: Insular, 2005
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ANEXOS

ANEXO A – disco formato DVD contendo as todas as figuras coloridas em formato .jpg,
arquivo no formato .avi do jogo de futebol analisado e versão em formato .pdf deste trabalho
de monografia.

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