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ADO
PORTO, 2008
O ACTOR - MENTADO
PERSONAGENS
CENA 1
Voz – Família.
Cristalino Reinaldo– Tou! Pai? Tou, pai.O quê? Tava! Porque eu deitei-me
tarde! Mas o que é que tem, pai, eu sou actor, e os actores dormem tarde, é
boêmio, é a nossa obrigação. Que acordar cedo qual quê, pai? Os actores que
acordam cedo têm que ficar na cama até às 11:00 horas mesmo que não
tenham sono. Por quê? Porque sim, pai, senão os outros vão pensar que não
estou a trabalhar, estou desempregado. Tretas, pai. Se fosse um dos meus
amigos actores que ligasse, eu teria que atender assim: (faz voz rouca de
Sono) “ (TOUE, ola, sou eue). Não, estava mesmo acordar, é que ontem,
depois do meu espetáculo, eu fiquei até às 4:30 a conversar com um produtor
sobre um futuro projecto, mas já estou a acordar, tenho uma gravação daquí a
um bocado”. Não pai, hoje não tenho nenhuma gravação, eu só estou a dizer
como é que eu teria de fazer. É bom porquê, pai? Quem me dera que eu
tivesse gravação hoje, é sempre mais dinheiro que entra....que só faço de
figurante, pai! Os Figurantes não têm falas e naquela cena que eu gravei na
novela do ano passado, quando eu fui contra o António Feio, a minha
personagem voltou-se e disse: “ DESCULPE”!
E para tu veres, pai, até a velha que me aluga este quarto aqui no Porto, me
reconheceu..... voltar pa Seixezelo? Nada disso, pai! Nunca mais vou trabalhar
na tua tasca! (revirando os olhos com desprezo) Pobre de mim! Chiça,
pai!!!!! Eu já me decidi, agora, eu sou um artista. Já te disse pai eu sou um
actor Não. Pai, não vou, pai!!! Não!! Não!!! Não!!! AAAiiiiiiiiii!!!!!!!!!! (grita)
Não !!!!!!!!!! Eu sou um A-B-C-D-E-F-G-H-I-J-K-L-M-N-O-P-Q-R-S-T-U-V-W-X-
Y-ZÉ…LOL…=) (A-C-T-O-R)… !!!...... Quê? ...... Em várias coisas, pai........
Não, novela, não!....... Vou estrear uma peça de teatro pa semana......... Talvez
Máno, que espetáculo que essa maquilhagem está ficar. E há pessoas que
ainda me lixam o curso de teatro que eu fiz no Colégio Julio Dinis. Uma aula
óptima, nós aprendiamos de tudo. E o professor era ri fixe, nunca tinha feito um
curso de teatro, mas sabia tudo sozinho, experiência de vida, como ele dizia;
”Teatro fala da vida, e a vida, o people vive”, ele era um poeta mesmo, tanto
que tinha isso até no nome: CASSAMINHO POETA! E que experiência de
teatro! Ele fez panfletos de uma peça do Bruno de Oliveira, trabalhou na
produção de uma peça do Paulo Turra (gesto de uma cabeçada), era ele que
comprava os queijitos e levava pro camarim, quando o Turra (gesto de uma
cabeçada) chegava, já estava lá tudo, prontinho. Cada turra que ele dá (gesto
de uma cabeçada)!!! Nossa Senhora, que experiência de teatro, um dia eu vou
chegar lá! Ah, já me ia esquecer, foi ele que segurou a escada para o
iluminador colocar os refletores no último espetáculo da Floriseca, é um máno
que está dentro do mundo teatral!!! Mas como eu ainda não sou nenhum
Cassaminho Poeta, tenho que cuidar de mim! Pronto, as pessoas vão adorar
essa maquilhagem, vão ser super hiper mega receptivos, vai ser uma
divulgação óptima para a peça, depois eu aproveito e vou pró teatro, pra fechar
os últimos detalhes prá minha estréia! O Mundo espera por mim, vocês ainda
vão ouvir falar do meu nome: Cristalino Reinaldo!!! (sai com os panfeletos e
a horrorosa maquilhagem)
CENA 2
Cristalino Reinaldo – Não tas a ver quem sou Tone? (começa a representar)
Eu sou mau e quero te comer, bruxinha do bem!” (faz a voz da bruxinha) “Não
me podes destruir, tenho o meu anel com gps que te vai seguir e vai destruir!”
Cristalino Reinaldo – Era. Agora uso outro nome: (com pronuncia à labrego)
Cristalino Reinaldo! Do IPTerço!
Tone Biclas – Pois, mas o que fazes ao certo? Qual é a tua profissão?
Cristalino Reinaldo– Era, mas já não sou!! Mas era!! (Gesto com o dedo)
Tone Biclas – Não ouvi, estava concentrado aqui nos investimentos e tava a
galar uma dama que tava a passar por mim. (sorriso convencido)
Tone Biclas- Actor? (pausa) Ah, é pena pah, eu ainda não te vi, é que eu
chego tarde a casa, nem ligo a tv nem nada.
Tone Biclas – Ué!!! vais ser amador a vida inteira? As peças da escola já
acabaram ! (risos)
Tone Biclas – (rindo) Lol…tava-se memo a ver que ias ser cornudo (risos). E
tens visto a malta da escola?
Cristalino Reinaldo - Grávido! A mulher dele está de bébé, ele estava grávido!
Tone Biclas – Oh, pára com isso Reinaldo! Isso é coisa de peópele de teatro,
dizer que um homem está grávido! Qual grávido qual quê?! És burro ou comes
cócó às colheres? Os homens ficam grávidos? Quem estava grávida era a
mulher dele!
Cristalino Reinaldo - (para si) Ah, meu Deus que pobreza de espírito! (para
Tone Biclas) Tone, diz-se isso porque é uma coisa conjunta, de casal, tudo o
que uma pessoa do casal sente ou vive, a outra também sente e vive igual!
Tone Biclas – Ah, é? Então quando a mulher dele está excitada ela diz a toda a
peópele que está com fogo na cueca?
Cristalino Reinaldo I don´t believe! Deixa lá! Bom, o resto do people eu nunca
mais vi. Também não me dava muito bem com eles mesmo, eles não
compreendiam a minha plenitude artística. Mas, e tu? Não fizeste mais
nenhuma peça?
Tone Biclas – Peça? (risos) Ei, a sério? Eu cresci! Agora tenho uma empresa
na área de informática. Acabei inclusive de fechar um negócio e vim beber
bock superbeja pra comemorar.
Tone Biclas – Ya, mesmo! É pesadita, até parece uma refeição! (risos) Eu
geralmente almoço uma cerveja, e bebo um fino para acompanhar! (risos)
Tone Biclas – Mas na verdade eu estou aquí pra ficar de olho na secretária do
man que negociou comigo. Assim que ela sair, eu ataco. Sabes como é que eu
sou, né?!
Cristalino Reinaldo – Não, é a sério. Tu sempre foste um gajo que investiu bem
com mulheres e podes investir muito bem também num negócio.
Tone Biclas – Alto! Isso é música pós meus ouvidos! Investimento é comigo!
Comigo. Vês Reinaldo, eu sabia que trabalhavas com outra coisa. Ninguém
trabalha só com teatro, né? Toda a peópele gosta de ganhar dinheiro! Mas diz
lá, o que é que me vais propor? Alguma ação na bolsa? Investir em quê?
Tone Biclas – Olha calma!!! Queres-me levar á falência? Acabar com a minha
vida??
Tone Biclas - (mais calmo) Querias o quê?? Que ficasse todo feliz e contente
por investir no arruinar da minha vida??
Cristalino Reinaldo – (para si) Ah, meu Deus, que gnu!! (para Tone Biclas)
Tone, esta peça é o máximo, fui eu que escrevi! Fala de uma coisa actual que
são as máscaras que cada um de nós. Vai ter sucesso certo, de público,
crítica… E vai fazer sucesso sabes por quê? Porque “ tem tudo a ver com o
Portugal de hoje”!
Tone Biclas – (já cansado da conversa, tentando se livrar) Pera aí, a conta
tá pesada, eu tenho que ir lá pagar,...
Cristalino Reinaldo – Não! Fica aquí! (grita para o empregado na coxia) Mais
uma cerveja!!
Cristalino Reinaldo – Olha, para teres uma ideia, há bué de pessoas que
querem patrocinar essa peça, mas eu é que não quero! Não vou deixar este
espectáculo ficar vinculado a qualquer produto. Por isso eu estou-te a oferecer!
Como tens uma empresa de informática, e informática “ tem tudo a ver com o
mundo de hoje”, vai ser o máximo trabalharmos juntos!
Cristalino- É que eu já investi 250 mil e o meu sócio já está a reclamar, sabes
como é, né? De maneira que só me faltam a quantia de 10 mil!
Tone Biclas – Não vai dar mano, é que amanhã bem cedo eu estou a bazar pra
Ribeira das Avelãs.
Tone Biclas – Ainda tá difícil. Sabes como é, Ribeira das Avelãs, compras,
encomendas, as damas ficam doidas, querem comprar tudo, e eu tenho que
dar um mimo, um agrado.
Cristalino Reinaldo – Então eu faço por mil. Pronto ! Dez amigos, dez mil. Isso
é fácil para mim! (pisca os olhos para a plateia)
Cristalino Reinaldo – Então põe uma gota aqui !!!!!!!! (risadas) Tou a brincar,
Tone. (pausa) Olha, de qualquer maneira não deixes de ir, a minha peça vai
estrear de qualquer maneira.
Tone Biclas – Tasse, vou ver se eu vou. E onde vai ser essa estreia?
Tone Biclas - Chiça, tás chique! Eu nunca lá fui, mas ouvi dizer que aquele
teatro tem 1.500 lugares.
Cristalino Reinaldo – É, mas a minha peça não é aí, no palco principal. É nos
arrumos do Teatro.
Cristalino Reinaldo – Não, não tem ar direito, mas tu nem vais sentir, a peça vai
te fascinar.
Tone Biclas – Então tasse bem, ah! Mas cristalino, eu até me esqueci de
perguntar, na peça és só tu, ou tem mais algum artista?
Tone Biclas – Não, eu sei, mas eu quis dizer artista de verdade, percelambes
te?
Tone Biclas – Ó cristalino, não sei se eu te vou poder dar essa força, já te disse
que eu chego a casa e gosto de descansar ou fazer alguma coisa mais soft,
tipo divertir me um quito, entendes?
Cristalino Reinaldo – Então, Tone, Teatro também é diversão. Vai lá que tu não
te vais arrepender!
Cristalino Reinaldo – Puxa, já vi que não vais. Olha, vou te chegar a roupa ao
pêlo, vou te dar um convite!
Cristalino Reinaldo– Toma, este convite é pra uma pessoa, portanto tu levas
mais alguém, pagando. Mas chega cedo, porque vai lotar.
Cristalino Reinaldo – Ah, deixa, olha, fica alí no Marquês, perto do Pingo
Azedo.
Tone Biclas – Tá, mas não vou te garantir que vá. (avista a moça) É ela! A
secretária. (sai correndo sem levar o convite) Paga esta por mim, Mauro, a
conta está aí em cima, foram duas cervejas, fico-te a dever uma!
Cristalino Reinaldo – Quatro aeurios! Irra, só tenho dinheiro pro metro. (toma
fôlego, imaginando uma saída para a situação, se levanta e vai em direção
à coxia.) Amigo! A conta aquí deu quatro aeurios, vou te fazer uma proposta
irrecusável. Quatro aeurios é pouco comparado a um bilhete pa minha peça: “
Meu ser de mim”........ (sai. Black Out)
CENA 3
Cristalino Reinaldo – (rindo) Ei, tio Quim, sabes que não sou desses!!! Mi
respeita!!
Quim – Nada!!!
Quim – Então era verdade? É que eu não acreditei e disse ao teu pai para
parar de mentir, porque tu até és um gajo inteligente e trabalhador e que não
tens tempo pa tar a…coçá-los.
Quim – Eleva?! A única coisa que tenho visto tu elevares é a tua conta no
fiado, e já vai alta a parada.
Cristalino Reinaldo – Pronto, está bem. Eu vim aqui pa te fazer uma proposta
irrecusável. Pagar a minha dívida com o teu patrocínio pa minha peça de
teatro.
Quim – Sim, sim…é que é já a seguir. Acho é que tu estás a ficar doente,
Cristalino! Eu não sei porque é que toda a gente continua a achar que eu sou
burro!
Cristalino Reinaldo – Tio, toda a peópele quer. Eu não fechei negócio com
ninguém porque te quero dar preferência. Porque afinal de contas, já que
alguém vai lucrar com isto tudo, eu prefiro que seja alguém da minha família.....
Cristalino Reinaldo –Tchhh…ya, bués mesmo… acho que eram uma ou duas.
Agora não tenho a certeza!!!
Cristalino Reinaldo – Pensando bem, 7 euros não são nada, tio. Perdoas a
minha dívida e ainda investes, como patrocinador, uma quantia pequena,
irrisória vá, pela arte. Assim, uma nenharia de...10 mil euros!
Cristalino Reinaldo – Calma, tio, calma, senta-te aqui um quito, respira, isso!
Agora deixa o ar entrar pelo nariz,...isso, feche os olhos,... agora solte o ar
levemente pela boca…
Quim – Páre com isso, Cristalino. Primeiro tentas-me matar e depois vens com
falinhas mansas…
Cristalino Reinaldo – Mas, tio , não é dar, é investir 10 mil. É lucro certo. E
depois tem acréscimos, reduz no imposto e faz propaganda aqui ao seu café.
Cristalino Reinaldo – Mas, tio, também há o lucro da bilheteria. A peça vai lotar
de peópele, terá fila na porta todos os dias e eu prometo-lhe 30% do lucro,....30
não, 40%,....40 não, 50! Pronto! 50%!!!!!
Quim – 50% do lucro?! Bem, mas tu tens certeza que vai haver peópele que
queira ver a peça?
Cristalino Reinaldo – Ô tio, nem parece que é um empresário. É claro que vai.
Cristalino Reinaldo – É claro que não, tio. O meu teatro é alto nível,
profissional, intelectual, intelipeópele e inovador, basta ver o título: “Eu, eu
próprio e eu…outra vez “.
Quim – Não podes dizer a ninguém que eu estou metido neste negócio de
teatro. Não quero acabar com a minha reputação e fregueses por causa de
uma cena dessas...tá?
Cristalino Reinaldo– Eee, Tio, que alma pobre!..... (resignado), está bem.
Como quase que devas o badaguaio, eu nem te vou tentar explicar a vantagem
de investir em teatro.
Cristalino Reinaldo – Tá bem, eu não digo a ninguém. Mas, tio, eu não sabia
que agora vendias sumo.
Cristalino Reinaldo – À Póvoa? Estás maluco? Comer um pão com sem nada
no Porto e beber um sumo de coisa alguma na Póvoa? Um actor como eu não
tem de se sujeitar a tanto! As coisas é que deveriam ser entregues no meu
camarim, onde já se viu, que absurdo, que falta de respeito…que….
Quim – Muito bem, mas o pão com sem nada é só com simples.
Quim – E é se queres…
Quim – É pão com sem nada, não adianta insistir...mas eu passo um bocado
de simples nos dois lados se quiseres.
Quim – Muito bem, negócio fechado. Agora deixa-me trabalhar que já perdi
muito tempo com futilidades…
Cristalino Reinaldo – Não, mas agora é a melhor parte, vou te dar o convite
para a estréia da peça…
Quim – Ao teatro?
Quim – Pára porra!!! Eu não vou!!! (dando uma lição de moral) Fogo, que
chato que és às vezes… Eu vou-te ajudar em tudo, ficar em prejuízo por tua
causa, e tudo porque eu gosto de ti. Estou a fazer tudo para te ajudar e tu
ainda queres que eu vá ao teatro!!!! Mas que mal é que eu fiz a Deus pa
merecer isso, Reinaldo?? Apenas te estou a ajudar! Tu tens que ter mais
respeito e consideração com os mais velhos...
Quim – Eu vou te dar este cheque para tu não me chateares mais. Agora eu
sou um patrocinador. Não te estou a dar dinheiro? Pois bem, agora eu exijo os
meus direitos de patrocinador: DIREITO DE NÃO IR AO TEATRO !!!!!
(gritando) Ouviste bem???? Não ir ao teatro !!!! NUNCA !!!!!!!
Cristalino Reinaldo – Tudo bem, tio. Tá bom. (vendo o cheque) Sete euros?
Quim – É, sete euros. Devias-me sete, eu perdoei e ainda te dou sete. Mas tu
só podes descontar daqui a sete dias, na próxima semana. Tem lógica, não
tem? (rindo, orgulhoso) Tudo sete!
Quim – E olha! Se tu não puderes vir comer o pão com sem nada um dia, não
adianta pedires mais um no dia seguinte.
Quim – Vou te dando um por um, assim que tu comeres os pães. Se eu te der
todos os vales, tu vais lá e trazes 20 duma vez, depois levas para casa e pões
no frigorífico…pensas que não te conheço…!
CENA 4
Lauro – Cristalino.
Cristalino Reinaldo – Não, que perdeste o meu número! Tou a brincar… Então
como estás?
Lauro – Estou óptimo, sabes como é, agora o meu nome é Xantô Olum. Ah
pois é, bébé. Mudei-o em Iorubá. Agora sou outra pessoa. Como é que pode
ser, não é, uma simples troca de nome e as coisas começam a dar certo. E tu
como estás?
Lauro – Amanhã, então o que é que estás a fazer aqui no banco, devias estar
em casa a descansar para recuperara energia.
Cristalino Reinaldo – Eu sei, mas tive que vir, vim descontar um cheque de um
patrocinador.
Lauro – Claro, e não saio enquanto não conquistar a s’tora!!! (risos) Depois de
tudo o que passamos, acabamos os dois no meio artistico. Engraçado!
Cristalino Reinaldo – Fogo, que artista. Olha, aqui está o convite. Olha lá, estás
a trabalhar?
Lauro – Impecável! Pequeno, mas óptimo. Não tem fala, mas é super
expressivo e eu acho que vai dar um close-up. Tou super ansioso pa estreia.
Lauro – Foi só uma, mas super marcante. Uma bomba explode e várias
pessoas na rua correm assustadas, eu sou uma delas, mas fiz uma cara tão
feia, que acho que ficou bem, ora vê. (demonstra) Tenho certeza que o
director achou fantástico, ficou memo difrente de todos!
Cristalino Reinaldo – Eh pá, eu já lá estive a dar apoio moral a eles mas eles
disseram-me pa eu ir po teatro e eu fui…Inda bem, acredita. Sinto-me mesmo
bem em cima do palco.
Lauro – Mas temos que nos sustentar, né Cristalino? Fazer tv, dar aulas. Mas
também não é toda a gente que consegue ter um patrocínio como tu!!
Lauro – Fantástico. Esse empresário deve ser um gajo super hyper mega “ i-se
bem “.
Cristalino Reinaldo – É…quer dizer…ele dá-me aos poucos. Qué pa não levar
saco das finanças. Ele dá-me os cheques aos poucos e vou depositando.
Lauro – Tasca?
Lauro – Claro, mas não te sintas mal. É digno! Há pessoas que nem isso
conseguem.
Lauro – Olha, não espalhes muito a notícia se não o teu patrocinador vai ser
interrogado pelas pessoas sobre a peça!
Cristalino Reinaldo – Dá-me um pão com sem nada todos os dias que tiver
apresentação, sendo que uma metade é prensada.
Lauro – Puxa, e ainda tem sumo? Ah, Cristalino, estás a reclamar e tens a
pança cheia.
Cristalino Reinaldo – É. Devo estar. A peópele que é de teatro vive num mundo
vaidoso, não se pode deixar o sucesso subir à cabeça não é?
Lauro – Claro. Depois de passares por vário sitios, vais convivendo e tornas as
tuas peças cada vez mais ligadas com as pessoas. Cada vez mais euros.
Lauro – Olha uma cena que te vou dizer. Tem que ser rápido porque daqui a
pouco tou a ser atendido.
Cristalino Reinaldo – Ah, porque eu já tenho até trauma. Mas então o que é?
Cristalino Reinaldo - Então eu quero. Mas achas que eu já posso dar aulas?
Lauro – Cristalino Reinaldo! Mas que pergunta. Nós fizemos 6 meses de curso
no IPT!!!
Lauro – Um.
Lauro – Um.
Lauro – É.
Lauro – Então, negócio fechado. Vamos indo que eu vou pegando os seus
dados para passar para o aluno.
Lauro – Bom, são oito euros por aula, duas horas, 1 vez por semana. Dá 32
euros por mês. Mas como há meses que têm 5 semanas, daí recebes 40
euritos.
Lauro – As aulas terão que ser todas as 6as, é quando o aluno pode. Assim
levas a pica da aula pa tua peça de teatro.
Cristalino Reinaldo – Ok. Vamos indo ara o balcão que eu te dou o número do
meu telefone.
CENA 5
Cristalino Reinaldo – É.
Gilberto – Eu já ví várias vezes. Até tive que ir tirar o meu filho, que estava a
apertar o teu nariz. Quero dizer, o focinho da vaca.
Gilberto – isso é que é ser duro Cristalino Reinaldo! Tudo pelo “amor à arte”.
Cristalino Reinaldo – Por isso é que vim aqui, Gilberto. Pelo amor de Deus, eu
estreio amanhã, já mandei material para a imprensa, mas estou liso. Daí eu
pensei que podiamos renegociar o aluguer do teatro: 25 bilhetes por
apresentação é muito!
Cristalino Reinaldo – Mas sabes como é, eu não sou da Tv, niguém me faz
publicidade. Leva 2 ou 3 meses, é só a partir do 3 o mês que eu dou show. Isto
é… se a crítica não vier antes, porque se assim for tu lucras como chineses em
Portugal! Mas até começar a encher de verdade, tu podias-me
desenrascar……….não?
Cristalino Reinaldo – Eu sei, eu sei, e é por isso que vais ter o privilégio de
receber um convite para estreia de “Eu, Eu proprio e Eu…..Outra vez”....e.....
Cristalino Reinaldo – Espera, Gilberto! Olha, tu sabes que eu amo este espaço,
e que ele tem tudo a ver com a proposta do meu espectáculo, mas este
governo lixou-me a vida!! Tava tudo bem encaminhado…mas este governo!
(punho fechado)
Gilberto – Cristalino, tu ainda cais nessa conversa? Já não se se faz nada com
99% de certezas! Esse 1% pode arruinar toda a tua vida. Olha e assim, tu ficas
com as 25 cadeiras e se alguém vier, pagando ou não, tu depois vais ter que
me pagar na mesma. É o máximo que posso fazer.
Cristalino Reinaldo – É claro que nunca vai acontecer isso, Gilberto. Não
aparecer ninguém, que absurdo!
CENA 6
Cristalino Reinaldo – Tou, mãe? Olá, mãe, é o Reinaldo, tudo bem? Viste
alguma coisa nos jornais de hoje? Não? Mas comprou todos? Comprou? Ih, o
que será que aconteceu? É naquela parte do jornal que mostra as peças que
estão em cartaz! Não saiu na parte “estreias da semana”? Não? Em lado
nenhum? (para si) Eu não entendo essa implicância que a imprensa tem
comigo... é porque eu incomodo mesmo, essa minha peça faz pensar,
questionar as coisas, a vida, o mundo, e eles não suportam isso, querem deixar
o público na ignorância....Bom, mas, mãe, tu vens na minha estreia hoje? Não?
Por quê? Ah, é festa do filho da vizinha ... E o pai vem? Não? Fogo, mas todas
as 6a feiras é dia dele beber com os amigos, não pode ficar uma semana sem
beber e vir assistir à peça? Bom, tudo bem, e no jornal do bairro, saiu alguma
coisa? Não é possível, nem na secção “Peópele de Seixezelo, Peópele
nossa”? O quê? Uma linha, sem foto?! Guarda! (excitado) guarda, mãe,
recorta, isso é importantíssimo para o meu book, vou querer depois! Ahn? Tá
bem, mãe, um beijo, tchau. (desliga) Eu sabia, já estou famoso no meu bairro,
e isto é só o começo! (toca a campainha) Ôpa, deve ser o aluno. Tenho que
me concentrar para dar uma aula óptima, inesquecível, preciso impressionar o
gajo com o meu método. Ele será a primeira ovelha do meu rebanho! (rezando)
Ai, Cassaminho Poeta, manda-me aquela carga de energia positiva (falando
para a coxia) D.Rosário, pode deixar entrar, é o meu aluno.
Cristalino Reinaldo – Obrigado. Não ligues para estas roupas, o teatro faz com
que a peópele mude, veja a vida de outra forma, e isso reflete em tudo, até nas
roupas. E por essas roupas, já vi que teremos um trabalho, de te tirar dessas
amarras sociais! Qual é o teu nome?
Caio – Caio.
Cristalino Reinaldo – Nãoo! Nunca digas esse nome! É pouco teatral, sem vida,
sem energia.
Cristalino Reinaldo – Por pouco tempo! Caio, caio, nada disso diz: Levanto-
me! Levanto-me! Vivo! Entendeste!
Cristalino Reinaldo – E não chega? Vou-te dar uma aula particular de teatro, de
desinibição, de expressão, de força, e ainda achas que é mau?
Caio – Ahn,....
Caio – Estou a ver que vai ser complicado para mim, senhor...... (tentando
lembrar o nome)
Cristalino Reinaldo – Quase, mas vais chegar lá, vais conseguir. O fato é que
estás muito preso às regras da vida, precisas de te soltar, crescer, Leopoldo.
Caio (já nervoso) – o meu nome é Caio, e ponto final, quero ser chamado de
Caio, está bem?
Cristalino Reinaldo – Ihh, já vi que vou ter trabalho. Vamos deixar de conversa
e vamos trabalhar, já tiraste as coisas? Isso, da próxima vez, vem com uma
roupa confortável.
Cristalino Reinaldo – Vou fingir que não ouvi esse horror, continua, continua,.. o
tubo entra e sai, entra e sai da tua cabeça, agora solta um som..(Caio solta
um som tímido) Mais alto Pedro...
Cristalino Reinaldo – Mais alto Paílho, vamos lá mano, uuhhn, assim,.. nunca
gritaste um golo? (o aluno aumenta o som) berra, berra, berra alto, arranque
o monstro que há em ti, solta-te demónio (aluno faz tudo), pula, salta, bate-te,
estrangula-te, faz o que te der na telha, pensa em coisas boas, chuta uma bola
imaginária, nada num mar imaginário, beija uma mulher imaginária...
Caio – Porra!
Cristalino Reinaldo – Só depois que sentir muito… não pára, não pára, continua
a correr, salta, roda, roda, roda, roda, roda até cair. (Caio cai quase
desfalecido) Isso! Perfeito! Vamos agora às sensações, eu falo, tu
representas:
Medo...Espanto...Alegria...Dor...Raiva...Ternura...Prazer...Beckham...Cristalino
Ronaldo…Figo...Ronaldinho...Mundo…Cão...Hipocrisia...Melancolia...Melancia.
Caio – Pelo amor de Deus, meu nome é Caio, Caio, Caio, ouviu
CCCAAIIIO!!!!!!!!!!!!!!!!
Cristalino Reinaldo – Pára tudo! Nós vamos ter que nos entender. Eu já te
entendi. Eu já te percebi. Tu és muito “Terra” e eu sou muito “Ar”. Muito bem,
por isso, és tu que terás que te adaptar ao meu jeito, vai ser uma lição de vida
pra ti, quem me dera na tua idade encontrar alguém tão resolvido como eu para
mestre, aproveita, man, não vai ser difícil, nós dois somos dois seres “do bem”.
Caio – O quê?
Caio – O quê !!!! (transtornado) O que é que tu tens a ver com isso, sua
jervázia louca?! Vai procurar as tuas amiguinhas, eu sou homem, pá!!! Queres
saber, eu cansei desta tua aula ridícula, sem sentido, eu não estou a perceber
coisa nenhuma, nunca mais te quero ver na minha vida...paneleiro!(sai
furioso).
Cristalino Reinaldo – (tempo. fala calmamente) Acho que ele não era virgem,
deve ser caranguejo, reacção típica, céptico, irrita-se com facilidade (olha a
ficha de inscrição) Chiça, não, ele é Touro! Eu sabia, sempre estourado.
(tempo) D.Rita, o Puto já foi? (silêncio) D.Rita, o puto já foi? (silêncio) Quer
responder D.Rita! (para o público) Ela não gosta de mim, rancorosa,....típico
de Capricórnio!
CENA 7
Cristalino Reinaldo – Claro, Gilberto, quais são os actores que não sentem um
friozinho na barriga na estréia? Se não sentirem é porque não são actores. Que
horas são?
Gilberto – Tudo.
Gilberto – Ninguém.
Gilberto – Ninguém.
Cristalino Reinaldo – Ah! Estreia badalada é assim, todo Peópele fica com
medo de vir pro teatro achando que vai estar lotado, pensam que não vão ter
lugares para se sentar e preferem vir noutro dia.
Gilberto – É, acho que todo Peópele pensou nisso, não é? Cristalino, e aquela
divulgação toda que tu disses te que ia ter, Cristalino Reinaldo?
Cristalino Reinaldo – Ah, meu Deus, futebol! Mas que pobreza! É por isso que
o Portugal não vai pra frente. Vai lá ver se chegou alguém,.... (Gilberto sai.
Cristalino Reinaldo pára de se maquilhar e fica triste, pensativo, mudo.
Gilberto entra e Cristalino Reinaldo retoma os afazeres tentando
aparentar calma e segurança)
Gilberto – Ninguém.
Cristalino Reinaldo – Ah… é por isso, ainda falta muito. Vais me dizer que tu
querias que já tivesse Peópele aí, ainda faltam 5 minutos pra peça começar!
Não sabes como são os tugas, fazem tudo em cima da hora! Vai logo para
bilheteira, Gilberto, o peópele vai chegar (Gilberto sai) Puta que me.............
(Piiiiiiiiiii)! Não é possível… tou lixado, o que aconteceu, meu Deus? O que eu
fiz de errado? Não é possível que eu nunca vá ter sorte nesta profissão.
Fracasso todo dia! Ninguém dá atenção para esta porcaria!
(Entra Gilberto excitadíssimo)
Cristalino Reinaldo – Então corre pra lá! O que é que estás fazer aqui?
(Gilberto sai)
Fogo! (começa a pular enlouquecidamente) Eu sabia! Eu sou bom pra
cacilda, tenho faro, tenho cheiro de teatro, o teatro sai das minhas veias, assim,
ó...(mostra), corre dramaticidade em minhas veias, eu tenho fedor de sucesso
(fazendo contas) 40 pessoas a 5 euros: 200 euros, pago 25 ingressos do
aluguer, dá 125 euros, 200 – 125 dá 75! 75! 75 euritos livrinhos… só para
mim !!! (cantarolando de felicidade) enchi o bolso de guito, enchi o bolso de
guito, enchi o bolso de guito lalalalalaa!!! (rezando) Obrigado Deus, obrigado
Shakespeare, Moliére, Dioniso,... (entra Gilberto, que vê o final da reza)
Gilberto – Cristalino.
Gilberto – Só. E ele ainda me deu uma piadinha! Até disse que era convidado.
Isso é convite?
Gilberto – Veio uma mulher com ele, mas foi para pizzaria com o peópele
depois que eu falei que esse convite era individual. Tu não escreveste aqui que
era individual?
Cristalino Reinaldo – Escrevi. Achei que se fosse só para uma pessoa, ele iria
trazer alguém que pagasse. Caramba, mas que peópele estúpido, não querer
pagar 5 euros, bem menos que eles vão gastar a comer pizza...
Gilberto – Pois é…
Gilberto – O quê?
Cristalino Reinaldo – Vou ter que pagar do meu bolso 5 euros pro Tone Biclas
ver a peça. Não acredito, aonde que eu vou arrumar esse guito? Gilberto?
Gilberto – Fala.
Gilberto – Disseram que não vinham nem amarrados, que 6a feira à noite é dia
de diversão, não de ver teatro e que palhaçada eles já têm a semana inteira.
Cristalino Reinaldo – Deixa. Vou fazer para o Tone Biclas. Podes mandar ele
entrar depois do “merda”. O único de hoje chamará os 40 de amanhã!
(começa a se aquecer, cheio de trejeitos. Depois de dizer “merda” para si
mesmo, fica imóvel no palco, numa cena patética. Tone Biclas entra)
Cristalino Reinaldo – Vida, vida, vida, vida, vida, vida, vi-dá!!! Acorda! Perceba
que somos nós! Não se esconda mais em seus meios nem medos, em suas
máscaras, em suas lutas,.. (continua a dar o texto baixinho, sem perceber
que o telemóvel de Tone Biclas toca)
Tone Biclas – (alto) Toue? Hã… fala mais alto. Ah, olá Zé! Não, estou aqui a
ver uma pecita de teatro de um conhecido meu. Ahn? É…mais ou menos, quer
dizer não presta, ou melhor é uma merda. Hã? Sabes é que eu não sei se é
comédia, às vezes dá-me uma vontade lixada de rir... Hã?....(falando mais
alto) uma vontade lixada de rir, ouviste agora? Pois é, mas não rio porque
tenho vergonha, só estou eu aqui. O quê? Fala mais alto! O quê, tu tás aí na
pizzaria! Chiça, altamente, espera aí por mim… há um bocado que o peópele
não se vê! Hã? Não sei, peraí... (fala com Cristalino) Cristalino, ainda vai
demorar muito? Cristalino Reinaldo! Responde, porra! O zé disse…………….
diz aí, o actor tá a gozar com a minha cara, não quer responder....Hã?
Novelas? Não, acho que ele nunca fez nada de televisão...ah… É, tá certo, não
é actor… eu quis dizer o gajo que faz a peça aqui...tou…tou…tou...Fogo, foi
abaixo.
Tone Biclas – Acho que esta cena vai demorar muito, que porcaria, a cerveja
comendo solta lá na pizzaria e eu aqui, a ver esta porcaria…é podre (Piiiiiiii),
vou é para lá... (espera Cristalino Reinaldo ficar de costas e sai escondido)
Gilberto – Não fiques chateado, ele saiu quando a peça já estava no final…
Cristalino Reinaldo – É…
Gilberto – Esses momentos são bons, Cristalino, fazer de vez em quando uma
autocrítica ajuda. Porque você resolveu trabalhar com teatro?
Gilberto – Você pode conseguir tudo isso sem ser de teatro. Tentar uma
profissão mais simples, sem grandes ambições, que por estas reviravoltas da
vida pode te trazer sucesso e alegria.
Gilberto – O quê?
Gilberto – Essa temporada já estava encerrada desde que você decidiu fazê-la,
Cristalino, esta é a verdade.
Cristalino Reinaldo – É, é duro, mas é a verdade. Acho que aquilo que você
disse é uma sabedoria.
Gilberto – O quê?
Cristalino Reinaldo – Que a peópele pode gostar muito de teatro, mas não
adianta nada se ele não gostar da peópele.
Cristalino Reinaldo – Gilberto, quanto vou ficar a te dever por hoje e pela
temporada encerrada?
Gilberto – Óptimo, vai ser bom para você. Quem sabe se você não arruma um
trabalho por lá? No interior tem muitas oportunidades.
Cristalino Reinaldo – Eu sei. Eu sempre tive dois sonhos: um, de ser actor no
Porto e o outro, de abrir um negócio no interior também!
Cristalino Reinaldo – É!
Gilberto – É, não adianta…é esse tal vírus do teatro. E é esse mesmo aplauso
que faz o actor acreditar…enquanto tiver alguém disposto a aplaudir uma peça
“O show tem que continuar”. Boa noite!
CAI O PANO