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Índice

Do colonialismo escravocrata ao capitalismo


semicolonial................................................................5
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil ...................9
A opressão do negro no Brasil ...................................29
Teses sobre a Opressão do Negro (III Internacional) ...39

1
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

2
Do colonialismo escravocrata ao
capitalismo semicolonial

É necessário conhecer a realidade que lutamos por


transformar. Muito se escreveu sobre o escravismo e a for-
mação do capitalismo no Brasil. Documentos e dados são
abundantes. As mais diferentes teses e explicações sobre a
origem do capitalismo e das classes em nossas fronteiras já
foram expostas e motivo de controvérsias, como formação
feudal, pré-capitalista e combinação de modos de produ-
ção.
O que pretendemos não é acrescentar mais algum co-
nhecimento ou requentar polêmicas, mas conhecer e ela-
borar o programa da revolução social. Extrair as principais
lições das lutas das massas oprimidas e conclusões histó-
ricas.
Vivemos a época da revolução proletária ou da con-
tra-revolução.
Sob a égide do mercado mundial, da constituição inter-
nacional do capitalismo e do imperialismo, o Brasil conclu-
iu sua formação capitalista semicolonial e não há outro

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

futuro para a economia, para as massas exploradas, fa-


mintas, senão a destruição da sociedade de classe e edifi-
cação do socialismo como parte da revolução mundial
(comunismo).
O proletariado brasileiro tem em suas fileiras negros e
brancos. O mesmo se passa com os camponeses pobres e
famintos. Em sua origem, tanto do proletariado quanto do
campesinato, estão negros libertos da escravidão, brancos,
índios; tanto nativos quanto imigrantes de várias naciona-
lidades, que já em seus países sofriam a opressão dos capi-
talistas.
A gigantesca presença do negro trabalhador mostra que
seus antecedentes escravos são as raízes do proletariado e
do campesinato, não importando decisivamente em que es-
tágio se incorporou mais decididamente. Também o índio,
apesar de sua destruição genocida pelos exploradores, par-
ticipa do portentoso caudal que corresponde à maioria
oprimida. O sangue que corre nas veias dos operários e
camponeses tem presente a descendência dos negros afri-
canos escravizados, dos índios aprisionado em cativeiros,
do português pobre e dos imigrantes proletarizados que
aqui foram trazidos a partir da segunda metade do século
XIX.
A discriminação racial contra os negros corresponde à
sua situação de proletário e de camponês, portanto de opri-
midos pelos capitalistas. Sempre foram a camada mais so-
frida e pisoteada, projetando no presente capitalista seu
passado de escravidão, de brutal destruição física e men-
tal.
A revolução proletária, cuja única cor distintiva é o ver-
melho, cor do sangue dos oprimidos, emancipará a todos e
erradicará a odiosa discriminação racial, bem como as de-
mais. As revoltas escravas, que foram abundantes e herói-
cas, formam parte da história da luta de classe no Brasil,
sem falar em outras latitudes, como nos Estados Unidos,

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

Haiti etc, bem como na África.


O Brasil formou parte do sistema colonial, iniciado pela
burguesia comercial européia no século XVI. A expansão
do comércio por todos os rincões impôs a incorporação de
continentes e povos nativos no processo de acumulação
originária do capital, base para a futura revolução indus-
trial. Em toda parte em que chegavam os comerciantes,
ocorria a subjugação das populações nativas, implicando
exploração e massacre.
A penetração capitalista desintegrava as formações so-
ciais existentes e provocava resistência dos povos conquis-
tados, vencida à base da violência colonialista. No Brasil
também foi assim com os indígenas. Mas os conquistado-
res enfrentavam particularidades em cada região, o que
lhes obrigavam variar as formas de incursão e exploração.
A formação econômica implantada pelos portugueses
correspondeu a tais particularidades, que também refleti-
am o desenvolvimento do capitalismo nas metrópoles. A
produção do açúcar, iniciada a partir de 1530, constitui-se
sob a base do trabalho escravo, fundamentalmente do ne-
gro africano. Tal formação pré-capitalista percorreu vários
séculos, reunindo em torno de si a economia de subsistên-
cia camponesa, rudimentar produção artesanal e manifes-
tações semifeudais, servis.
Essa base produtiva e relações sociais marcadas pela
força de trabalho escravista e exploração pelos senhores de
escravos serviram ao capital externo no seu processo de
acumulação original e em menor medida à formação do ca-
pital interno, que muito lentamente foi se acumulando e
amadurecendo as condições sociais para ser substituído
pela estrutura capitalista.
Os ciclos econômicos baseados no escravismo refleti-
ram a divisão social do trabalho internacional, em que ca-
bia às colônias serem fornecedoras de matérias-primas e
agrárias às metrópoles que encabeçavam as forças produ-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

tivas capitalistas em expansão. A forma de monocultura


agro-exportadora, assentada no latifúndio, movida pelo
trabalho escravo, condicionou o atraso do desenvolvimento
das forças produtivas internas e permitiu altos lucros para
a burguesia colonizadora.
O tráfico de escravos foi parte essencial dessa estrutura
de acumulação primitiva. Essa atividade comercial só teve
fim quando a produção industrial ganhou supremacia,
condicionando a expansão comercial. Enquanto houve, na
época da manufatura, a supremacia comercial condicio-
nando à industrial, como demonstrou Marx, o sistema co-
lonial teve um papel fundamental e como parte dele o
tráfico de escravos. A burguesia inglesa impôs, no século
XVIII, aos espanhóis, portugueses, franceses, holandeses
sua hegemonia no tráfico negreiro e foi ela quem exigiu sua
supressão assim que o sistema de produção baseado no
assalariado ganhou impulso.
Essa mudança se refletiu no Brasil, o maior consumidor
de escravos, que eliminou definitivamente a forma de pro-
dução escravocrata num quadro de total decadência desse
sistema.
O estreitamento do mercado mundial e as limitações in-
ternas trouxeram brutais crises, que levaram ao esgota-
mento da indústria açucareira, à superprodução do
algodão, à rápida dilapidação do ouro e diamante e, já no
início do século XX, manifestações dos impasses do café. O
capitalismo metropolitano alcançava alto desenvolvimento
industrial, fundamentalmente na Inglaterra, França, e
despontava o vigor econômico dos Estados Unidos, que in-
dicavam o caminho de futura potência.
O Brasil morosamente criou as bases para a substitui-
ção do trabalho escravo para o trabalho livre (assalariado),
condição essencial do sistema capitalista. A propriedade
privada dos meios de produção foi implantada no sistema
colonial-escravocrata, agro-exportador. Uma vez que a in-

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

dústria ganhou supremacia a partir da segunda metade do


século XVIII, com a Inglaterra à frente, o processo de acu-
mulação primitiva do sistema colonial se esgotou. O modo
de produção capitalista se impôs universalmente.
Os primeiros indícios no Brasil de que o escravismo te-
ria de ceder lugar se manifestariam na primeira metade do
século XIX e só concluiriam no seu final. Portanto, quando
a indústria já ganhara a predominância na Europa e os
Estados Unidos davam impulso nesse sentido. Entre nós
começam aparecer as primeiras indústrias e, assim, cons-
tituir o proletariado industrial. O Brasil inicia a substitui-
ção das velhas relações de produção com um brutal atraso
frente à expansão do capitalismo mundial.
A colônia escravista e escravizada pela burguesia colo-
nialista cederá lugar à semicolônia capitalista submetida à
burguesia imperialista. Em nossos dias, a semicolônia re-
flete as contradições históricas do capitalismo mundial,
encontra-se amplamente submetida ao saque. As massas
operárias e camponesas sofrem o esmagamento de suas
condições mais elementares de existência. A pobreza, mi-
séria, fome e todo tipo de chaga social atingem a maioria,
enquanto que a burguesia enriquecida continua a velha
política oligárquica.
Mas o fundamental é que se formou um poderoso prole-
tariado, que tem um importante contigente concentrado
nas grandes fábricas, base para as transformações socia-
listas. O trabalho coletivo está em choque com a proprieda-
de privada dos meios de produção. O campesinato, que
constitui uma herança do sistema colonial, por sua vez, re-
presenta um caudal de trabalhadores extremamente opri-
mido pela oligarquia latifundiária e financeira.
A classe operária e camponesa compõem a massa revo-
lucionária de pobres e miseráveis. Ao seu lado, há um am-
pla classe média urbana que se arruina dia-a-dia. O
proletariado está conformado como uma poderosa força so-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

cial imersa na base do sistema capitalista de produção.


Comparece como a força motriz da revolução social, da re-
belião do trabalho social (coletivo) contra a grande proprie-
dade capitalista. Unido aos camponeses - tarefa essa a ser
realizada e que revela a necessidade do partido proletário
revolucionário - a classe operária reunirá as condições
para destruir o poder da burguesia.
A tomada do poder, que só pode ocorrer pela revolução,
é a condição para a maioria explorada iniciar a erradicação
de toda forma de opressão de classe, incluindo a racial. As
raças não são senão a riqueza diferencial que a natureza
possibilitou como necessidade da própria espécie animal
que somos. A opressão racial é obra da sociedade de classe,
que desaparecerá com o extinção das classes.
O trabalho entre os oprimidos para que materializem a
estratégia da revolução e ditadura proletárias, através do
partido, é a condição para se realizar essa grandiosa e ne-
cessária tarefa.

Atílio de Castro
junho/2001

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Escravismo: raiz do capitalismo no
Brasil

Magda Soares

1. A ocupação portuguesa no Brasil se deu com o objeti-


vo de expandir o modo de produção capitalista, nascente
na Europa. Por mais de trezentos anos (1500-1822), a colô-
nia brasileira esteve sob o domínio colonialista da metrópo-
le portuguesa, que impôs a forma capitalista mercantil
agro-exportadora baseada na mão de obra escrava. A inde-
pendência da colônia não significou a emancipação da
opressão nacional. Ao contrário, saiu da condição colonial
para semicolonial - do domínio português para o inglês e,
mais tarde, se tornou alvo da disputa das potências imperi-
alistas, particularmente dos Estados Unidos. A classe lati-
fundiária e a burguesia mercantil, associadas à Coroa
Portuguesa, mantiveram a escravidão negra como instru-
mento para impulsionar a acumulação primitiva do capi-
tal, porém, fora das fronteiras coloniais. Para isso, a
adoção da “independência” serviu para manter a forma po-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

lítica atrasada (monarquia) e os interesses das classes do-


minantes. Monarquia e escravidão negra se soldaram até
quase o final do século XIX (1889). Essa particularidade da
“independência” do Brasil expôs a brutal debilidade da
burguesia em formação e o pouco desenvolvimento capita-
lista. Não pôde, assim, romper com o domínio político e
econômico da metrópole e constituir o Estado burguês, sob
sua forma típica, que é a república, e a eliminação do es-
cravismo colonial através do trabalho assalariado. A bur-
guesia nacional, que se consolidou mais tarde, nasceu e se
assentou na condição de subserviência à burguesia es-
trangeira. O fim do trabalho escravo foi lento e sob a inten-
sa pressão dos interesses industriais da Inglaterra.

2. O saque colonialista sobre o Brasil é parte da luta co-


mercial entre as nações européias. As proibições de “li-
vre-comércio com a colônia, de privilégios à determinadas
companhias burguesas de exploração comercial, as restri-
ções às manufaturas no Brasil, as concessões de terras
para a agro-exportação, os direitos aos traficantes de es-
cravos, os acordos com a Igreja católica na chamada cristi-
anização dos indígenas e os monopólios tributários à Coroa
foram elementos da exploração e atraso da colônia. Nessa
disputa, levou vantagem a Inglaterra sobre Portugal. Pôde
acumular capital suficiente capaz de impulsionar a indus-
trialização e exigir o rompimento com as formas arcaicas
do colonialismo dos séculos XVI e XVII. Se, de um lado, a
crescente expansão do comércio mundial (descobrimentos,
conquistas, saques, trocas de mercadorias na África, Ásia e
Américas) se incumbiu de soterrar as formas feudais de
produção na Europa, de outro, foi essencial para a sedi-
mentação do modo de produção capitalista na sua forma
industrial. A produção colonial agrícola para o mercado
mundial e o saque das riquezas minerais (ouro e prata) po-
tenciaram as metrópoles européias nessa disputa pela he-

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

gemonia política e econômica. É nesse quadro de luta pela


expansão comercial e de rompimento com o modo feudal de
produção que o capitalismo foi introduzido no Brasil.

3. Em todo o período colonial a produção mercantil


baseada no trabalho escravo foi destruindo as formas co-
munais de produção primitiva (das comunidades indíge-
nas) e se apropriando efetivamente das terras. No Brasil,
as numerosas tribos indígenas, que se encontravam no
estágio do comunismo primitivo (propriedade coletiva),
foram submetidas ao trabalho forçado e a um tipo de ser-
vidão pela Igreja católica. A resistência indígena ao mas-
sacre e à perda da terra esteve presente nos combates
com os brancos colonizadores, munidos de armas de fogo
para exterminar os revoltosos. Os cinco milhões de indí-
genas, na época da chegada dos europeus, foram reduzi-
dos para pouco mais de duzentos mil, no final do século
XIX. Coube aos padres jesuítas a tarefa de introduzir a
chamada civilização aos nativos. As missões, aldeamen-
tos indígenas, sob o poder da Igreja se espalharam pela
colônia. Tornar o índio passivo (dócil) para permitir a
ocupação da terra e a constituição da economia mercan-
til obrigou a Igreja a defender a prioridade na utilização
da mão de obra escrava negra em detrimento da indíge-
na. Fato que acabou gerando conflitos com os interesses
de proprietários, a exemplo da revolta de Beckman, no
Maranhão. O que não quer dizer que os indígenas não te-
nham servido como mão de obra forçada nas lavouras e
na criação do gado. Porém, o importante é que os coloni-
zadores farão do trabalho escravo negro uma fonte de lu-
cratividade. É nesse sentido que o trafico de africanos,
que já se desenvolvia desde o século XV, foi imposto (de
fora para dentro) como fonte necessária para a produção
mercantil e de acumulação do capital nas mãos da bur-
guesia mercantil européia.

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

4. A colônia brasileira só poderia ser fonte de riqueza e


acumulação primitiva para os europeus se fosse organiza-
da sob a base da produção mercantil. A demora na desco-
berta das jazidas de ouro e diamante obrigou a Coroa
portuguesa a utilizar a agricultura latifundiária inteira-
mente voltada para o mercado externo. A monocultura da
cana-de-açúcar, tabaco, algodão constituíram, na fase co-
lonial, nos produtos tropicais essenciais para esse comér-
cio. A pequena economia natural (de sobrevivência) esteve
acoplada à mercantil de exportação. A imposição de leis
restritivas às manufaturas na colônia e a obrigatoriedade
da importação (política mercantilista portuguesa) foram
determinantes no processo histórico de implantação do ca-
pitalismo no Brasil. Diferentemente da Europa, onde o
modo de produção feudal se chocava com o desenvolvimen-
to das forças produtivas capitalistas, determinando a des-
truição das formas econômicas envelhecidas, no Brasil, o
modo de produção existente (comunismo primitivo) não
havia amadurecido suficientemente para dar lugar às no-
vas formas capitalistas. Estas foram impostas a ferro e
fogo, de fora (da Europa) para a colônia. O que quer dizer
que não expressavam o desenvolvimento natural das for-
ças produtivas locais. Ou seja, desenvolvimento da técnica,
cultura, produção excedente, aumento população e o cho-
que com a forma comunal de subsistência das tribos indí-
genas. Sem que estivessem amadurecidas as condições, o
Brasil foi integrado à economia mundial na situação de co-
lônia. O trabalho de milhões de escravos negros nos lati-
fúndios agro-exportadores serviu, prioritariamente, para o
fortalecimento e desenvolvimento do modo de produção ca-
pitalista europeu.

5. Os ataques dos bandeirantes (colonizadores) às aldei-


as indígenas com objetivo de transformá-los em escravos
foram constantes. A opressão chegou a causar atritos com

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

os padres jesuítas, obrigando a Igreja (Papa) a fazer uma


condenação moral da “violência” empregada pelos bandei-
rantes. O choque entre jesuítas e Coroa Portuguesa (Mar-
quês de Pombal) em torno da obrigatoriedade do trabalho
forçado indígena ( todos os índios de 13 a 60 anos deveriam
trabalhar metade do ano de graça para os brancos) e o con-
trole das aldeias pelos soldados resultaram na expulsão
temporária dos padres da colônia. As leis “protetoras” con-
tra a escravização indígena existiam, mas não eram aplica-
das. Porém, havia acordo entre Igreja e colonizadores de
escravização indígena em função das “guerras justas”
(guerras consideradas defensivas) e como punição à práti-
ca da antropofagia. O lucrativo tráfico de escravos negros
foi o fator fundamental na utilização mais limitada da mão
de obra forçada indígena.

6. A escravidão na África já existia antes da chegada dos


traficantes portugueses. Um dos relatos indica a forma
como era empregada: “muito pouca crueldade acompanha
o estado de escravidão entre os nativos de Angola , e creio
que possa dizer o mesmo do resto da África tropical, nas
quero-me restringir à parte de que tenho perfeito conheci-
mento. É uma instituição doméstica, e existe até hoje des-
de tempos imemoráveis; e não há maior desgraça ou
descrédito em ter nascido de pais escravos, e em ser, por
conseqüência, um escravo(...) Os homens livres (...) têm
obrigação de dar aos seus escravos bom alimento (...) os es-
cravos, de fato, são considerados como família”. A fonte
principal de escravos era proveniente das guerras, mas
existia a escravidão por dívidas ou por crimes graves. Foi
somente com o tráfico mercantilista que a escravidão pas-
sou a ser um negócio rentável e fonte de conflito permanen-
te entre os povos nativos. A África passou a ser o celeiro de
força de trabalho à disposição dos colonizadores. As for-
mas comunais existentes deram lugar aos combates cons-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

tantes entre grupos e impérios africanos. O continente


africano foi invadido por traficantes de diversos países eu-
ropeus, pelas feitorias (entrepostos comerciais) e suas ri-
quezas minerais (ouro) foram diretamente saqueadas pelas
potências européias.

7. Os escravos negros foram trazidos de vários locais da


África, principalmente da Costa do Ouro, Golfo da Guiné,
Congo, Angola e Moçambique, regiões onde os portugueses
tinham controle. Inicialmente, os próprios portugueses as-
saltavam as aldeias e realizavam capturas. Mas logo passa-
ram essa tarefa aos africanos através da compra/troca. Os
negros-escravos eram trocados por armas de fogo, muni-
ção, tecidos, trigo e por produtos provenientes do Brasil,
como o açúcar, tabaco e aguardente. Os chefes africanos
foram se incorporando ao negócio e passaram a depender
dos traficantes para se obter armas cada vez mais necessá-
rias para sobrevivência de suas tribos. O que obrigava as
tribos obtê-las por meio da captura de homens, mulheres e
crianças de outras tribos africanas. Ou seja, a obtenção de
armas dependia da captura de escravos. A guerra deixou
de existir em função do controle da terra e dos tributos e
passou a ser meio de sobrevivência para grande parte dos
povos africanos. Conforme ampliou o tráfico de escravos
mais indispensável se tornou a existência de mosquetes e
pólvora. Os conflitos internos se aprofundaram, favorecen-
do os interesses da burguesia e do Estado metropolitano.

8. Os traficantes possuíam uma rede de agentes - os


pombeiros, que faziam incursões pelo interior até os pum-
bos, mercado onde se realizava o escambo de escravos com
as tribos locais. Os prisioneiros seguiam acorrentados até
os portos à espera do embarque para o Brasil. Os navios
negreiros - tumbeiros - eram encarregados no transporte
de escravos. As condições dos navios e a longa viagem de-

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

terminavam a morte de boa parte dos africanos, chegando


a atingir até 40% dos embarcados. Mesmo assim o comér-
cio era altamente lucrativo. A Coroa portuguesa chegou a
criar regulamentações para o transporte de negros, bem
como obrigações dos agentes da Fazenda Real localizados
no litoral da África e até mesmo para os pombeiros. Porém,
quase nada era respeitado. Mesmo nas condições mais so-
brehumanas em que foram transportados os escravos ne-
gros, calcula-se que entraram nos portos da colônia
brasileira, no período de 1550 a 1855, aproximadamente 4
milhões e meio de africanos.

9. O tráfico de escravo foi aberto à iniciativa privada,


com exceção de pequenos períodos em que foi privilégio da
Coroa ou de determinadas companhias de comércio. Na
época do domínio holandês na região nordeste do Brasil, o
tráfico de escravos foi monopólio da Companhia de Comér-
cio das Índias Ocidentais, que obtinha os prisioneiros em
Angola e os vendia nos portos de Pernambuco. Nos séculos
XVI e XVII, os escravos se concentravam no Nordeste, onde
existiam os engenhos açucareiros. Com a descoberta do
ouro, final do século XVII, foram para as regiões auríferas
(Minas Gerais) e Rio de Janeiro. Somente no século XIX,
com as lavouras de café, que o mercado de escravos se vol-
tou para São Paulo, sul de Minas e Rio de Janeiro. Havia
também o tráfico inter-provincial e este reproduzia as mes-
mas condições do tráfico com a África. A metrópole portu-
guesa dependia das taxas aduaneiras cobradas com o
comércio de escravos, sendo essas uma das únicas fontes
de renda provenientes da África. Não é por acaso que hesi-
tou por mais de três séculos em abolir a escravidão e intro-
duzir o trabalho assalariado.

10. O escravo negro era denominado “peça”. O seu valor


era determinado pela idade, sexo, robustez. Calcula-se que

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

durante a primeira metade do século XVII, época de grande


exportação do açúcar, o custo de um escravo era amortiza-
do entre 13 a 16 meses de trabalho. O proprietário de es-
cravos, em tese, deveria zelar pela “peça” comprada, para
que pudesse gerar lucros por muitos anos. Mas as condi-
ções de produção em larga escala e a possibilidade de lucro
imediato obrigavam-no a usar o máximo de trabalho de
cada escravo adquirido. O que reservava ao negro um tra-
balho árduo, exaustiva jornada diária e castigos cruéis fre-
qüentes. Nessas condições, o proprietário contava com
pouco tempo de vida útil de um escravo. Os escravos que
conseguiam chegar à velhice ou que se tornavam inválidos
eram alforriados pelos latifundiários. Como homens livres,
os negros engrossavam as fileiras dos famintos e miseráve-
is. Para os proprietários, significava reduzir as despesas.
Alguns proprietários usavam a prática de assassinar os es-
cravos inválidos. Decorre dessa relação (pouco tempo de
vida útil) a necessidade constante de comprar mão de obra.
A reprodução no cativeiro também representava custo e,
por isso, havia preferência na compra de escravos adultos e
adolescentes, aptos ao trabalho forçado.

11. A monarquia (Coroa), a burguesia portuguesa e a


Igreja Católica estiveram consorciadas no empreendimento
da colonização do Brasil, na transformação da região em
uma colônia exportadora de riquezas minerais e produtos
agrícolas tropicais. Dessa forma, a utilização da
mão-de-obra escrava negra em grande escala foi consenti-
da pela Igreja. Dizia que se tratava de uma instituição já
existente na África e que o transporte de negros para a
América significa a conversão destes em cristãos. Na ver-
dade, os decretos da Igreja davam permissão para o tráfico
e a escravização. As bulas (documentos papais) legitima-
vam a ação, a exemplo da “Dum Diversus” (1452) que auto-
rizava a Coroa portuguesa a invadir e subjugar “pagãos”, a

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

capturar seus bens e territórios, a fazer dessas pessoas es-


cravos perpétuos e transferir suas terras à Coroa. A bula
“Romanus Pontifex” concede aos portugueses o monopólio
de comércio sobre os escravos negros nas regiões já con-
quistadas da África e as futuras ao sul do Cabo do Bojador
até às Índias. E a “Inter Coetera” (1456) deu à Ordem de
Cristo jurisdição e direito de padroado para as regiões con-
quistadas e para as que vierem a ser conquistadas. A cha-
mada conversão ao cristianismo (“catequese”) dos escravos
negros não foi possível, pois o saque, o tráfico, o uso do es-
cravo negro e a alta lucratividade permearam as ações
“missionárias”. Basta que lembremos que os próprios mis-
sionários eram pagos com concessões de exportação de es-
cravos. Padres que vieram para converter os negros
acabaram se ocupando em vendê-los. A Companhia de je-
suítas estava integrada ao tráfico de escravos. Os batizados
obrigatórios de cada escravo, nos portos africanos, rendi-
am dividendos à Igreja. Possuíam também privilégio na ex-
portação “de umas centenas, em três navios ao ano,
isentos de direitos”. O clero - jesuítas, beneditinos, carme-
litas - possuía propriedades e engenhos, onde emprega-
vam o trabalho escravo do negros. Os padres não só
recomendavam o emprego de negros na colônia brasileira
como exploravam em suas numerosas fazendas, consegui-
ram altos lucros no tráfico e inclusive de sua prática direta.
Portanto, a Igreja foi parte desse processo de violência e
massacre do povo africano.

12. A imposição de uma economia voltada ao mercado


externo na colônia determinou a necessidade de grande
quantidade de mão de obra. A experiência portuguesa com a
produção monocultora do açúcar nas Ilhas da Madeira e
Açores usando o trabalho escravo dos negros; a existência
de um rico comércio de escravos africanos e as dificuldades
de escravização da população nativa (indígena) determina-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

ram o uso massivo da mão-de-obra dos africanos no Brasil.


Teve início aproximadamente em 1550, nos primeiros enge-
nhos. Porém, a colonização portuguesa se enraizou de fato
com as concessões de sesmarias (latifúndios), na região Nor-
deste, para a produção exportadora. Foi a partir daí que o
uso do escravo negro passou a ser intenso. Já em 1570, era
grande a quantidade de escravos na Bahia e em Pernambu-
co. Feitorias foram criadas na África para servir de “viveiros
de gado humano, destinado ao embarque”. Basta que lem-
bremos que a maior receita da Coroa portuguesa em Angola
era proveniente do imposto sobre os escravos embarcados,
embora o contrabando já fosse grande (dados indicam que
um terço de cada tumbeiro era fruto de contrabando).

13. No latifúndio exportador existia a produção para o


consumo, como auto-subsistência da unidade produtora.
Além dos produtos básicos para a alimentação, algumas
fazendas fabricavam tecidos, cobertores e panos em geral
para os escravos. Também peças de carpintaria, móveis,
calçados, selas, arreios, feitos pelos escravos, em alguns
casos sob a direção de alguns trabalhadores livres. A con-
cessão de um lote de terra para os escravos usarem como
subsistência foi mais comum nas fazendas de café. Com a
descoberta do ouro e diamantes - final do século XVII-XVIII
- a população escrava negra se deslocou para a extração,
particularmente para Minas Gerais e os portos do Rio de
Janeiro. A mão-de-obra forçada era usada não só na extra-
ção do minério como também no transporte. A exigência do
regimento de abril de 1702 de conceder o direito a uma
data inteira aos proprietários de no mínimo 12 escravos
atesta o aumento da importação e do tráfico in-
ter-provincial de negros. As atividades dos centros urbanos
eram praticadas por escravos negros. As oficinas, ferrarias
etc viviam na dependência da economia agrária exportado-
ra. Ou seja, supriam as necessidades dos latifúndios,

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

aquelas permitidas pela Coroa. Nessas, os negros traba-


lhavam na condição de escravos alugados ou não a um
mestre (artesão). No século XIX, particularmente no Rio de
Janeiro, alguns proprietários permitiam que os escravos fi-
zessem seu “ganho”, prestando serviços ou vendendo pro-
dutos, mediante pagamento de parte da venda. O uso da
mão-de-obra escrava negra foi predominante na economia
exportadora, porém teve presença no trabalho doméstico
(criadagem) e nos centros urbanos. As condições de traba-
lho foram terríveis em todas as atividades. Tomando al-
guns aspectos, temos de considerar que o trabalho nas
minas foi um dos mais cruéis. A média de vida útil de um
escravo nesse setor era de 7 anos, enquanto que nos lati-
fúndios era de 11 anos.

14. Os negros não ficaram passivos, como mercadorias -


“peças”, diante da escravidão. Os descontentamentos indi-
viduais, que culminavam em suicídios, assassinatos de fei-
tores ou de proprietários, deram lugar às fugas e às
resistências coletivas. Em toda parte, surgiram os agrupa-
mentos de negros fugitivos, os quilombos. Estes variavam
de tamanho e se organizavam de acordo com o número de
pessoas. As lideranças dos quilombos apareciam, na maio-
ria das vezes, no momento da fuga e da estruturação do
núcleo armado. O de Palmares, entre Pernambuco e Alago-
as, chegou a ter mais de 20 mil negros e o de Campo Gran-
de, em Minas Gerais, atingiu 10 mil. No século XIX, na
época do império, destacou-se o de Manuel Congo, Rio de
Janeiro, e o de Jabaquara, São Paulo. Com o tempo, os qui-
lombos deixaram de ser apenas refúgio armado dos fugiti-
vos para se tornar um instrumento de luta contra a
escravidão. A proliferação dos quilombos exigiu, da parte
da Coroa e dos proprietários, maior unidade na repressão e
extermínio, pois constituíam forte ameaça ao domínio de
uma economia movida pelo trabalho escravo.

19
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

15. Os quilombos tinham de se defender constantemen-


te da repressão. A construção de milícias, as emboscadas,
os saques às propriedades latifundiárias e às vilas eram
necessidades objetivas de sua existência. Na auto-defesa
armada e na tática de “guerrilha”, destacou o quilombo de
Preto Cosme (Maranhão). Chegou a organizar uma milícia
de 3 mil negros para saquear e conseguir novos aliados en-
tre os escravos nas fazendas. Chegou a ter forte participa-
ção na Revolta da Balaiada, o que lhe custou a vida. Os
negros chegaram ao ponto das insurreições. O movimento
dos Malês, em 1835, na Bahia, foi preparado passo a pas-
so, em reuniões clandestinas. O plano da revolta: “partiria
o grupo da Vitória comandado pelos chefes daquele clube
tomando a terra e matando toda gente da terra de branco,
rumando para a Água dos Meninos e, em seguida, marcha-
riam para o Cabrito, onde se reuniriam aos escravos dos
engenhos e quilombolas” - não foi cumprido devido à dela-
ção e à brutal repressão. Outra forma de resistência dos
negros foi a ocupação das fazendas, a exemplo da Fazenda
Santana (1789), onde os escravos ficaram parados por dois
anos. Exigiam melhores condições de trabalho, terra para
plantio, controle das ferramentas do engenho etc. Como se
vê, a luta dos negros contra a escravidão se espalhou por
todas as capitanias. A resistência dos africanos surgiu des-
de a origem do sistema escravista enquanto o movimento
pela abolição da escravidão somente se consolidou quando
a crise desse sistema já era profunda.

16. A Inglaterra sempre esteve ligada ao tráfico de escra-


vos africanos. Porém, no início do século XVIII, pelo tratado
de Ultrech (1713), a Inglaterra obteve o monopólio do tráfi-
co de escravos para as colônias da América. O fornecimen-
to de escravos, pelos ingleses, às colônias estrangeiras
possibilitou atingir o auge do tráfico e o manteve até a sua
extinção. Na Inglaterra, até 1783, havia concordância en-

20
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

tre a monarquia, Igreja e burguesia em torno do tráfico de


escravos. A campanha contra a escravatura iniciou somen-
te no final do século XVIII. Porém, foram decisivas as con-
tradições entre o sistema colonial escravista e a nascente
industrialização. O período anterior, onde fazia parte tam-
bém o tráfico de escravos, possibilitou à Inglaterra acumu-
lar capital e dar um salto qualitativo na substituição das
manufaturas pela indústria. O sistema colonial foi decisivo
na fase de acumulação primitiva do capital, mas se tornou
um obstáculo para a expansão das forças produtivas in-
dustriais. A exigência de mercados consumidores e matéri-
as-primas obrigou a Inglaterra a se posicionar contrária ao
tráfico e à escravidão.

17. Já no início do século XIX, a Inglaterra iniciou a


pressão para que a Coroa Portuguesa pusesse fim ao tráfi-
co. Pelo tratado de 1810, “Aliança e Amizade”, a Inglaterra
exigiu que Portugal assumisse a gradual abolição do co-
mércio de escravos. Esse tratado também permitiu à me-
trópole inglesa romper com o rígido monopólio colonial, se
beneficiar do comércio da colônia brasileira e impor medi-
das mais severas de combate ao tráfico de escravos. Em
1815 - no Congresso de Viena - a Inglaterra conseguiu im-
por a abolição do tráfico ao norte do Equador. Portugal po-
dia realizá-lo ao sul. Outras medidas foram criadas para
pressionar o fim do tráfico de escravos no Brasil. O Parla-
mento inglês aprova as leis de apresamento de navios ne-
greiros, que se intensificou após a separação formal da
colônia brasileira de Portugal. A Inglaterra tinha se tornado
a maior potência mundial, aproveitou-se para intensificar
o domínio econômico e político sobre os débeis Estados na-
cionais. O tráfico de escravos foi abolido no Brasil somente
em 1850, quando a imigração se ampliou e quando as pri-
meiras indústrias eram criadas, principalmente, em São
Paulo e Rio de Janeiro.

21
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

18. Durante a fase imperial (1822-1889), dois partidos


políticos se revezavam nos ministérios, o Liberal e o Con-
servador. Os problemas em torno da centralização ou des-
centralização do poder e as eleições dividiam os dois
partidos. A propaganda abolicionista fez parte das campa-
nhas do Partido Liberal, embora no seu interior houvesse
posições contrárias. Porém, todas as leis abolicionistas,
desde o fim do tráfico até a Lei Áurea de 1888 foram feitas
pelos ministros do Partido Conservador. O programa do
Partido Liberal defendia a emancipação dos escravos, “con-
sistindo na liberdade de todos os filhos de escravos, que
nascerem da data da lei e na alforria gradual dos escravos
existentes pelo modo que oportunamente será declarado”.
(...) “é um dever inerente à missão do Partido Liberal, e uma
grande glória para ele a reivindicação da liberdade de tan-
tos milhares de homens, que vivem na opressão e na humi-
lhação”. Os “liberais radicais”, 1868, tinham em seu
programa a bandeira de “substituição do trabalho servil
pelo trabalho livre”. Mas eram partidos que expressavam
os interesses políticos de setores da classe dominante ou
no máximo de alguma fração intermediária. Nas suas filei-
ras estavam os proprietários de escravos. Mesmo fazendo
parte do programa dos liberais a questão da abolição, só
veio à tona quando o movimento abolicionista começou a
ganhar a força no Império. Em 1870, foi criado o Partido
Republicano - fase de crise da monarquia e do regime lati-
fundiário escravista. As idéias republicanas, em relação à
abolição da escravatura, revelaram as contradições entre
os dirigentes republicanos (fazendeiros e classe média -ad-
vogados, engenheiros etc) e o movimento em favor da aboli-
ção. Nas resoluções, circulares e no programa estavam
algumas das definições sobre o problema da abolição. Na
circular de 18 de janeiro (1872) esclarecia da seguinte for-
ma:" Referimo-nos ao boato espalhado, de que o partido re-
publicano proclama e intenta pôr em prática medidas

22
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

violentas para a realização de sua política e para a abolição


da escravidão". (...)"com toda sinceridade declaramos que a
bandeira, sob a qual militamos, desfralda-se no terreno le-
gal, moderado ou pacífico". (...) “Também não podem nos-
sos adversários fazer, de boa fé, acusações ao partido
republicano, responsabilizando-o por atos precipitados e
intenções perigosas em relação ao estado servil”. (...) “Esta
questão é social, assim pensam e o dizem os homens sen-
satos de todas as cores políticas, e, neste sentido, se enun-
ciou igualmente o governo, quando no parlamento se
discutiu a lei de 28 de setembro próximo passado” (referia a
Lei do Ventre Livre -1871).(...) “Sendo certo que o partido
republicano não pode ser indiferente a uma questão alta-
mente social, cuja solução afeta todos os interesses, é mis-
ter entretanto ponderar que ele não tem e nem terá a
responsabilidade de tal solução, pois que, antes de ser go-
verno, estará ela definida por um dos partidos monárqui-
cos”. No Manifesto do Congresso Republicano (2 de julho
de 1873), sobre a escravidão, deliberou-se: “1o Em respeito
ao princípio da união federativa, cada província realizará a
reforma de acordo com seus interesses peculiares mais ou
menos lentamente, conforme a maior ou menor facilidade
na substituição do trabalho escravo pelo livre”; 2o Em res-
peito aos direitos adquiridos e para conciliar a propriedade
de fato com o princípio da liberdade, a reforma se fará ten-
do por base a indenização e o resgate". Termina dizendo:
“Estas são as nossas idéias expostas em toda franqueza da
convicção sincera”. Portanto, o partido republicano não
surgiu para se contrapor à ordem econômica e social vigen-
te. As chamadas reformas - substituição da monarquia
pela república, o poder federativo (descentralização) - ex-
pressavam os interesses de um setor da oligarquia agrária,
particularmente dos fazendeiros de café. Os métodos deve-
riam ser pacíficos e dentro da lei. A abolição, para os repu-
blicanos, era um problema da monarquia e deveria ser

23
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

solucionada por ela, dentro da legalidade e não ferindo o di-


reito de propriedade. Não é por acaso que reivindicavam in-
denização no caso de fim do trabalho escravo.

19. A primeira metade do século XIX foi marcada pela


pressão Inglesa em torno do fim do tráfico negreiro e as rea-
ções da fração oligárquica escravista. O fim do comércio de
escravos com a África foi determinado em 1850 com a Lei
Euzébio de Queirós. A partir daí houve uma diminuição na
entrada de escravos. Nas províncias do Norte, os escravos
negros foram aos poucos sendo substituídos pelo trabalho
assalariado (livre), particularmente no Ceará. A extinção
do tráfico atingiu as receitas do Estado (cobrança de im-
postos sobre o comércio de escravos) e de um setor da clas-
se dominante, o que favoreceu o deslocamento de capital
para outros setores da economia. Iniciou-se o período de
implantação das primeiras fábricas, da criação de bancos e
do transporte ferroviário e do telégrafo. Foi também o mo-
mento em que o trabalho assalariado se intensificou. Já em
1842, o Conselho Governamental permitiu aos latifundiá-
rios importar trabalhadores agrícolas assalariados, na
condição de colonos livres. No período de 1850 a 1872, che-
garam no Brasil mais de 230 mil imigrantes. Uma coloca-
ção importante desse período é dada pelo capitalista Barão
de Mauá (Irineu Evangelista de Souza): “Acompanhei com
vivo interesse a solução desse grave problema; compreendi
que o contrabando não podia reerguer-se desde que a von-
tade nacional estava ao lado do ministério que decretava a
suspensão do tráfico. Reunir capitais que se viam repenti-
namente deslocados do ilícito comércio e fazê-los convergir
a um centro donde pudessem ir alimentar as forças produ-
tivas do país, foi o pensamento que me surgiu na mente ao
ter certeza de que aquele fato era irrevogável”. As idéias aí
contidas mostravam a necessidade de romper com os elos
do pré-capitalismo materializados na forma escravista de

24
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

produção e de criar as bases do capitalismo industrial e do


trabalho assalariado, no campo e nas cidades. A extinção
do tráfico de escravos indicou a forma gradual, pacífica e
legalista (parlamentar) como se faria a abolição da escrava-
tura.

20. Na segunda metade do século XIX, cresceu o movi-


mento abolicionista. Foram criadas a “Associação Central
Emancipadora”, “Sociedade Brasileira contra a Escravi-
dão”, clubes e jornais, a exemplo da “Gazeta da Tarde”, e
em 1883 fundou-se a “Confederação Abolicionista”. Mesmo
entre os poucos operários (quase não havia indústria) hou-
ve reação contra a utilização da mão de obra escrava. Os ti-
pógrafos se manifestaram no Ceará, recusando a imprimir
material defendendo a escravidão. No Rio de Janeiro, os ti-
pógrafos tomaram conhecimento de que havia uso de es-
cravo nessa profissão e condenou veemente. Também
foram realizados debates sobre o abolicionismo no Centro
Operário Italiano (São Paulo). Esses exemplos mostram o
vínculo de uma classe social nascente (proletariado) com a
luta pela extinção do trabalho forçado. Porém, entre os
abolicionistas não havia um programa único sobre a ques-
tão da emancipação dos escravos. Havia um setor liderado
por Joaquim Nabuco mais moderado e, outro, por Silva
Jardim e Luiz Gama, mais “radicais”. Os moderados insis-
tiam em denunciar e convencer os ministérios e o impera-
dor das dificuldades morais em manter a escravidão.
Apoiavam nos exemplos da América onde a escravidão ha-
via sido eliminada. Não se tratava de um propaganda diri-
gida aos escravos e à população pobre das cidades para se
engajarem no combate à escravidão. Ao contrário, dizia Na-
buco: “Seria um covardia, inepta e criminosa, e, além dis-
so, um suicídio político para o partido abolicionista incitar
a insurreição ou ao crime homens sem defesa e que a lei de
Linch, ou a justiça pública imediatamente iria esmagar”. A

25
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

insurreição dos negros, a exemplo do que ocorreu no Haiti,


era, para os conservadores do abolicionismo, na verdade,
um perigo à classe proprietária. A outra ala, a chamada ra-
dical, era composta por ex-escravos (Luiz Gama) e por abo-
licionistas como Silva Jardim e Antônio Bento. Tornaram
defensores dos escravos fugitivos (quilombos) e chegaram a
defender o direito de legítima defesa o escravo se vingar das
crueldades assassinando os proprietários. O movimento
ganhou corpo com a intensificação das campanhas. Nas
províncias do Norte, a manutenção do sistema escravista
não resistiu, a ponto do Ceará declarar extinta, por conta
própria, a escravidão em 1884.

21. A fração oligárquica escravista se manifestou de ma-


neira contundente no momento em que foi aprovado a Lei do
Ventre Livre (28/setembro de 1871). Essa lei declarava li-
vres os filhos de mulheres escravas nascidos a partir dessa
data, os quais ficavam em poder dos fazendeiros até a idade
de 8 anos. Depois, os proprietários poderiam optar entre re-
ceber uma indenização, entregando as crianças ao Estado e
utilizá-las até 21 anos como escravos. O ministério conser-
vador, representado por Rio Branco, foi acusado de “roubo”
por essa fração. A classe latifundiária via, nessa aprovação,
a possibilidade de ampliar as fugas e insurreições escravis-
tas. A lei em si em nada modificou, pois poucas crianças fo-
ram entregues ao poder público. Os proprietários acabaram
por manter a escravidão dos menores e adolescentes. Por
detrás da reação dos proprietários estavam as dívidas con-
traídas com os traficantes (comerciantes) e a quebra dos en-
genhos. Estes não conseguiam competir com o produto da
região da Antilhas (onde já se empregava o trabalho assala-
riado) no mercado mundial.

22. Em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários, pelo


gabinete representando o partido conservador. Estabelecia

26
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

liberdade aos escravos com mais 60 anos e criava normas


para a libertação gradual de todos, mediante indenização.
Era um mecanismo do Parlamento para evitar que o movi-
mento abolicionista culminasse numa extinção da escrava-
tura mais radical. Era o período em que cresceram as fugas
de escravos e rebeliões contra os proprietários. As idéias
abolicionistas ganhavam apoio da população, que se en-
carregava de esconder os fugitivos. Os juizes não consegui-
am cumprir com a pena prevista pela “Lei do Açoite”. As
ordens imperiais para que o exército capturasse os escra-
vos que fugiam não encontraram ressonância. O Clube Mi-
litar (1887) emitiu uma nota dizendo que os militares não
fariam o papel de “capitão do mato”. Isso comprova que o
governo já não tinha forças para manter em pé o regime es-
cravista. A forma pacífica e legal da escravidão havia pene-
trado até nos órgãos de repressão do Estado.

23. No final dos anos 80, o desenvolvimento das forças


produtivas se esbarrava com a manutenção do trabalho es-
cravo. Da mesma forma, exigia a substituição da forma po-
lítica arcaica (monarquia) pela República. Em alguns
setores da produção, o trabalho escravo já tinha sido aboli-
do ou quase inteiramente abolido, a exemplo das fábricas
têxteis. Mesmo assim, os projetos parlamentares, às véspe-
ras de 1888, a exemplo do de Antônio Prado que decretava
a abolição mas na condição de os “libertos permanecer, du-
rante dois anos, junto a seus senhores, trabalhando medi-
ante modica retribuição”, previam indenizações e um
tempo de utilização da mão de obra que variava às vezes de
10 a 2 anos. Tais projetos não foram avante em função das
pressões externas e internas em favor da abolição imedia-
ta, pois já havia se passado quase 40 anos da eliminação
do tráfico de escravos. Como dizia João Alfredo (Ministro),
em 10 de março de 1888: “As condições do país eram de tal
ordem que nenhum governo seria capaz de resistir à exi-

27
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

gência da libertação dos escravos”. Portanto, a lei que liber-


tou o trabalho escravo, 13/maio, foi resultado dessas
condições e da forma como se preparava a abolição, ou
seja, pacífica e dentro da lei.

24. A abolição da escravatura não significou o fim da


opressão dos negros. Essa camada social de mais de um
milhão de pessoas continuará marginalizada dos direitos
elementares. Não foi incorporada naturalmente como força
de trabalho assalariada na indústria nascente. As condi-
ções do trabalho escravo cravaram de forma brutal sobre
esse contigente humano, mutilando-o físico-moral e cultu-
ralmente. As exigências da indústria alijaram os chama-
dos “desclassificados”, aqueles que não possuíam nenhum
conhecimento técnico para o manuseio das máquinas, a
disciplina fabril e o mínimo necessário de alfabetização.
Essa massa humana, libertada na forma da lei, se tornou
miserável, forçada a permanecer submissa aos latifundiá-
rios como mão de obra assalariada superexplorada ou so-
breviver da pequena plantação de sobrevivência . À parcela
que migrou para as cidades só lhe restou o trabalho nos se-
tores de serviços mais brutalizados (carregadores, pedrei-
ros, construção de estradas e “bicos” em geral). A
indústria, que dava seus primeiros passos, particularmen-
te na região sudeste, foi movida pela força de trabalho dos
imigrantes. Os ex-escravos do final do século XIX se torna-
rão o exército potencial do proletariado brasileiro. O prole-
tariado moderno encontra-se objetivamente em posição de
destruir o capitalismo e implantar as bases da nova socie-
dade comunista.

28
A opressão do negro no Brasil

Bárbara Fonseca
1. As condições dos negros
O negro forma metade da população brasileira. De acor-
do com dados do IBGE, 45,5% da população do país é com-
posta por negros. As condições de existência são de
extrema miséria, em comparação com os brancos pobres.
O fato da expectativa de vida dos negros ser de 59 anos de
idade, quando a expectativa de vida dos brancos é de 64
anos; o fato do Brasil, segundo a classificação da ONU,
ocupar a 121ª posição em qualidade de vida dos negros
contra a 63ª posição em qualidade de vida dos brancos; o
fato das condições de moradia dos negros serem 4 vezes pi-
ores que a dos brancos são provas disso. Na verdade, o ne-
gro vive no Brasil da mesma forma, isto é, enfrentando as
mesmas condições de existência, que o negro no Zimbá-
bue, um dos países mais pobres da África.
Dados do Dieese relativos à educação revelam que a po-
pulação negra é a que apresenta menor índice de alfabeti-
zação. Ou seja, do total de brasileiros alfabetizados (90

29
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

milhões), 60% são brancos e somente 37% são negros.


Os negros são os que mais sofrem com a violência polici-
al. Em 1999, a Polícia Militar cometeu 202 assassinatos,
sendo que 125 (62%) deles foram contra negros, jovens e
homens. Além disso, a justiça burguesa discrimina mais a
população negra, pois 15% dos réus negros respondem a
processo em liberdade contra 27% dos brancos.
Os negros formam um contingente de força de trabalho
maior que o da população branca. De acordo com dados do
IBGE, do total da população “preta”, 60,5% constituem a
População Economicamente Ativa (PEA), isto é, a população
apta ao trabalho. Do total da população “parda”, 56,8% for-
ma a PEA. Do total da população “branca”, 56,3% forma a
PEA. Se considerarmos que as populações “pretas” ou “par-
das” formam a população negra, o contingente de força de
trabalho desta será ainda maior. Por outro lado, sabendo
que tanto a população negra como a branca são metade da
população brasileira, à medida que o contingente de força
de trabalho da população negra é maior, consequentemen-
te, ela compõem a maior parte da força de trabalho do país.
A maior parte da PEA negra encontra-se na região Sul (a
preta com 62,4% e a parda com 63,3%) e, em seguida, na
região Nordeste (a preta com 58,2% e a parda com 55,2%).
Isso não significa, entretanto, que esta população esteja
trabalhando, isto é, empregada nestas regiões. Como sabe-
mos, a PEA trata da população apta ao trabalho, mas não
do trabalho a ela oferecido.
O desemprego atinge mais a população negra no país.
De acordo com dados do Dieese (1999), nas principais cida-
des do país o desemprego abarca mais a população negra
do que a branca. Em Salvador, o índice de desemprego dos
negros em relação ao índice dos brancos é 45% superior;
em São Paulo, 41%; em Porto Alegre, 35%; em Belo Hori-
zonte, 29%, em Recife, 20%; e no Distrito Federal, 17%.
Dados relativos à empregabilidade da mão-de-obra tam-

30
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

bém ajudam a esclarecer como ela está sendo desperdiça-


da nas regiões acima mencionadas e em algumas áreas
econômicas. Vejamos o quadro abaixo.
Áreas de
Total GRANDES REGIÕES
Ocupação
Nor- Sudes- C.
Norte Sul
deste te Oeste
Artísticas,
Técnicas e 4.6 8.5 4.4 4.6 5.1 13.1
Científicas
Administrativas 6.7 10.7 5.1 7.0 8.2 8.4
Agropecuária e
22.0 4.0 40.3 13.8 15.1 23.9
Extrativas
Indústria e
Construção 21.4 20.2 14.5 25.1 22.9 17.4
Civil
Comércio e
6.7 7.7 6.6 7.4 4.0 5.6
Auxiliares
Transporte e
3.3 6.5 1.9 4.0 3.1 2.8
Comunicação
Serviços 18.6 17.6 13.2 21.0 21.3 19.2
Outras 16.7 24.8 14.0 17.1 20.3 19.6

A força de trabalho negra se concentra, de uma maneira


geral, na área Agropecuária e Extrativa e na área de Indús-
tria e Construção Civil, em todas as regiões. Pois, mesmo
na região norte, embora se dedique mais a outras ativida-
des (não detalhadas pelo IBGE), em seguida (com percen-
tual sem grande diferença) é na área da Indústria e
Construção Civil que se concentra. Isso significa que os ne-
gros realizam o trabalho mais pesado e considerado des-
qualificado e, em sua maioria, são operários.
A concentração de negros na área Agropecuária e Extrati-
va ocorre em regiões onde não há desenvolvimento industrial
e prevalece a pecuária primitiva, como na região Nordeste e
Centro Oeste, e a pecuária melhorada, como em parte da re-
gião Centro Oeste (Mato Grosso, quase que totalmente e Go-
iás, parcialmente). Ou seja, nas áreas onde a indústria está
desenvolvida, como nas regiões Sudeste e Sul, é nela que a

31
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

mão-de-obra negra se concentra. Assim, os negros são em


sua maioria operários. Operários fabris em áreas de desen-
volvimento industrial, e operários agropecuários, em áreas
onde não há desenvolvimento industrial.
A conclusão de que a maior parte da força de trabalho ne-
gra é operária se fundamenta nos dados sobre a posição que
ela ocupa na área de ocupação, isto é, em que está emprega-
da. Em todo o Brasil, somente 1,3% dos negros ocupam a
posição de patrões, sendo que 73,4% ocupam a posição de
assalariados. É claro que nem todos os trabalhadores assa-
lariados são proletários, mas sabemos que a maioria da po-
pulação negra é. Neste sentido, este último dado confirma
que esta maioria vive do salário conseguido pela venda de
sua força de trabalho, e só se relaciona com os meios de pro-
dução na medida em que os patrões (donos dos meios de
produção) lhes contrata para colocá-los para funcionar.
Essa situação se repete em todas as regiões do país, in-
dependentemente do desenvolvimento econômico (existên-
cia de indústria e tecnologia) em cada uma delas. Isso
significa que os operários negros não são donos de fábri-
cas, nem de máquinas, nem de bancos e nem de terras e fa-
zendas agropecuárias. Vejamos o quadro abaixo.

GRANDES REGIÕES
POSIÇÃO NA
Total Norde Sudes C.
OCUPAÇÃO Norte Sul
s- te - te Oeste
Empregados 73.4 75.5 60.4 79.4 77.1 77.0
Autônomos 20.3 20.1 27.7 16.9 18.2 17.8
Empregadores 1.3 4.0 1.4 1.2 1.4 1.6
Não-remunera
5.0 0.9 10.5 2.5 3.3 3.6
dos

É importante considerar que os dados acima nos mos-


tram a existência de trabalho sem remuneração que, so-
bretudo no nordeste, atinge uma parcela significativa da
força de trabalho negra.
Os dados acima ainda revelam que há um significativo

32
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

contingente de trabalhadores negros autônomos. Se consi-


derarmos que tem havido na economia do país um cresci-
mento do trabalho informal, chegaremos à conclusão de
que estes trabalhadores autônomos, na realidade, são tra-
balhadores que sobrevivem de trabalhos informais, isto é,
sem vínculo empregatício.
Na verdade, mais da metade da população negra traba-
lha sem carteira assinada (53,8%). E isso principalmente
na região Nordeste, onde somente 38,3% da população ne-
gra masculina e 34,1% da população feminina possui car-
teira assinada. Devemos considerar ainda que a população
negra é a que entra mais cedo (com menor idade) no merca-
do de trabalho e é a que sai mais tarde (com idade mais
avançada). Trata-se de uma brutal exploração do proletari-
ado negro. Fenômeno que tem de ser visto como taxa de ex-
ploração geral do proletariado brasileiro e particular da
camada proletária negra.
Em relação à remuneração salarial, o rendimento médio
da população branca é de 6,3 salários mínimos contra 2,9
salários mínimos da população negra. Na verdade, na faixa
da linha de pobreza as famílias negras representam maior
número. Os salários dos negros são menores que os salári-
os dos brancos.

O reformismo diante da opressão dos negros


Os reformistas do PT, da Igreja e vários movimentos ne-
gros utilizam o conceito de “exclusão social”. Serve para
descaraterizar o caráter de classe de opressão capitalista
que está por detrás da discriminação racial.
O Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desi-
gualdades (CEERT), por exemplo, acredita que não pode-
mos falar em um “trabalhador brasileiro”, à medida que o
trabalhador negro tem enfrentado uma situação diferente
ao longo da história do país. Ou seja, o trabalhador negro,
embora por 400 anos tenha tido um papel fundamental,

33
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

como força de trabalho, na economia do país, sustentando


todos os ciclos econômicos (produção de açúcar, minera-
ção etc.) e mesmo a riqueza da metrópole portuguesa e da
Inglaterra, através de uma jornada exaustiva (cerca de 15 a
18 horas por dia), acabou por ser “excluído” do mercado de
trabalho. Quando começa a se configurar o trabalho assa-
lariado livre seja nas lavouras de café paulista seja nas in-
dústrias, o negro é substituído primeiramente pelo
imigrante depois pelos brancos descendentes de imigran-
tes, é excluído porque o mercado de trabalho é racista, tan-
to que antes da Lei Afonso Arinos (1951), que proibiu
formalmente a discriminação racial, os anúncios de empre-
go deixavam claro que os patrões “não admitiam pessoas
de cor”.
Diante do desenvolvimento do trabalho industrial, re-
clama o CERT, o sindicato não reagiu, porque considerava
esta luta “divisionista”. E reagir significaria lutar contra o
racismo no mercado de trabalho, lutar contra a discrimina-
ção racial, que faz com o negro tenha sido e continue sendo
excluído. Somente na década de 1990, os sindicatos come-
çaram a se preocupar com este problema, levando em con-
ta que, além de reivindicações gerais de todos os
trabalhadores, há as reivindicações específicas do traba-
lhador negro. Embora, o trabalhador negro sempre tenha
participado do movimento operário e das principais lutas
que se desenvolveram no país.
Dentre as reivindicações específicas do trabalhador ne-
gro, este centro de estudo menciona:
• políticas de combate à discriminação racial no mercado
de trabalho, que se traduza em uma legislação antidis-
criminatória que funcione;
• exigência de que as empresas explicitem seus critérios de
recrutamento, treinamento, avaliação de desempenho e
demissão, como forma de inibir práticas de racismo;
• implantação da Convenção 111 da Organização Interna-

34
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

cional do Trabalho (OIT);


• denúncia sindical, através de cursos e da imprensa, da
existência de discriminação racial no mercado de traba-
lho;
• considerar que classe trabalhadora não é homogênea, há
nela diferenças de raça, idade e sexo, enfim, há diferen-
ças que precisam ser levadas em conta.
De acordo com o CEERT, os problemas enfrentados pelo
trabalhador negro não será resolvido somente com a revo-
lução social, que vise a construção de uma sociedade soci-
alista. Segundo esta concepção, defender a revolução como
forma de resolver o problema do racismo é fazer o jogo da
burguesia, que procura levar os brancos e os negros a acre-
ditarem que não há racismo.
Reconhece-se a necessidade de superar tanto as desi-
gualdades de classe como as de “raça e gênero”. Esta supe-
ração, entretanto, consiste em se construir a “cidadania”,
através de uma redistribuição das riquezas e da adoção de
políticas públicas que priorizem a população menos favore-
cida. A via, portanto, é de constituir um governo que adote
medidas de igualdade social e racial, sem que seja um go-
verno revolucionário, produto da destruição do poder eco-
nômico e político da burguesia.
O Estado, neste sentido, assume um papel fundamental,
pois sua função é promover e assegurar a igualdade de dire-
itos, por meio de um programa que se baseie em oportuni-
dades iguais para todos. Desta forma, o problema do
governo de FHC consiste no fato de ter ampliado a “exclu-
são” e as desigualdades “sociais-raciais”. Daí, por outro
lado, a necessidade do PT, nas cidades e estados em que
está a frente da administração pública, ter de buscar a hege-
monia política e cultural, priorizando questões como a cul-
tura, rompendo com a visão de que o socialismo se constrói
por meio da luta de classes. Pois, não basta uma distribui-
ção de riquezas igualitária se não transformarmos a menta-

35
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

lidade e costumes existentes, a qual prejudica até mesmo


uma proposta socialista. O governo alternativo ao de FHC se
distingue por ser reformista, como se fosse possível um po-
der dos trabalhadores no interior do capitalismo.
Finalmente, para este grupo, as centrais sindicais, os
sindicatos, o movimento negro, os partidos políticos etc.,
precisam lutar arduamente pelo cumprimento da Conven-
ção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Tanto o CEERT como o movimento de Negros e Negras
do PT acreditam que é possível resolver o problema da dis-
criminação racial através da via institucional burguesa. O
CEERT entende que a justiça burguesa pode aplicar uma
legislação “anti-discriminatória”; o grupo petista entende
que dentro do Estado burguês pode haver um governo con-
tra os interesses da burguesia, que realize a distribuição de
riquezas, priorize a população mais pobre e de valorização
da cultura afro.
Os problemas de desigualdade social-racial menciona-
dos pelo movimento de Negros e Negras do PT são frutos de
um tipo de gestão governamental: o governo de FHC tem
um “projeto neoliberal” e não um pautado pela preocupa-
ção social, como teria o do PT. Neste sentido, quando o gru-
po de Negros e Negras do PT afirma haver uma limitação na
sociedade atual para se resolver o problema da exclusão
social (dos negros e brancos pobres), quer dizer que o pro-
blema está na governabilidade.
Ambos os movimentos desconsideram que, no capitalis-
mo, o Estado representa os interesses da burguesia. E que,
desta forma, qualquer governo nos marcos desse sistema
não erradicará a discriminação racial.

A luta contra a discriminação e parte do


programa proletário
Em primeiro lugar, afirmamos que, sem dúvida, existe o
problema de discriminação racial, bem como discrimina-

36
Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

ção sexual e outras formas de discriminação, na sociedade


capitalista. Tanto é assim que homens e mulheres negros
recebem menores salários, tem menor taxa de escolariza-
ção, arcam com o trabalho mais desqualificado e são os
mais afetados pelo desemprego.
Em segundo lugar, defendemos a luta contra qualquer
espécie de discriminação. Diferentemente das correntes re-
formistas que tomam as reivindicações dos negros de for-
ma isolada (com um fim em si mesmo), apontamos que tais
reivindicações devem fazer parte da luta geral pelo fim da
exploração e opressão de classe.
O problema enfrentado pelos negros no Brasil, assim
como por um grande número de pobres (negros ou bran-
cos), não é de exclusão social, mas sim de opressão social.
Ou seja, quando os reformistas do PT e do CEERT tratam
da exclusão social estão se referindo ao problema de falta
de oportunidades gerais (de emprego, escolaridade etc.). A
idéia de “exclusão” social pressupõe que há na sociedade
capitalista uma parcela de “incluídos” e outros de “excluí-
dos”, isto é, uma parcela que participa da sociedade traba-
lhando, consumindo, utilizando serviços etc., e outra
parcela que não participa totalmente, seja porque não tem
trabalho, seja porque ganha pouco e não pode usufruir dos
bens e serviços que a sociedade produz. E isso pressupõe
que é possível “incluir” os “excluídos”. Basta para isso a
vontade política dos governantes.
Ao contrário, o capitalismo explora e cria um exército
cada vez mais numeroso de desempregados (negros e bran-
cos). Certamente, os negros constituem a maioria. Esse
sistema de exploração do trabalho joga o operário branco
contra o negro, com o intuito de dividir a classe operária.
Como vimos, o capitalismo não pode resolver o proble-
ma da emancipação total ou sequer a igualdade plena. Por
isso, a luta pelo fim de todo tipo de discriminação é parte do
programa da classe operária. O método é o da ação direta e

37
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

o da unidade dos explorados sob a direção do proletariado.


O combate à discriminação é uma importante arma da
classe operária para lutar contra a burguesia, pois não há
como eliminá-la ou minimizá-la no capitalismo. Na sua
fase de desintegração, a opressão social se amplia cada vez
mais.

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Teses Sobre a Questão Negra

(Aprovada no Quarto Congresso da


Internacional Comunista , novembro de 1922)
1. Durante e depois da guerra, desenvolveu-se entre os
povos coloniais um movimento de rebelião contra o poder
do capital mundial, movimento que fez grandes progres-
sos. A intensa penetração e colonização das regiões habita-
das por raças negras introduz o último grande problema do
qual depende o futuro do desenvolvimento do capitalismo.
O capitalismo francês admite que seu imperialismo, depois
da guerra, só poderá se manter mediante a criação de um
império franco-africano, unido por uma via terrestre tran-
saariana. Os maníacos financistas dos EEUU, que explo-
ram em seu território doze milhões de negros, se dedicam
agora a penetrar pacificamente na África. As extremas me-
didas adotadas para derrotar a guerra de Rrand evidenci-
am de que modo a Inglaterra teme a ameaça surgida contra
suas posições na África. Assim como no Pacífico o perigo de
outra guerra mundial aumentou devido à competição entre
as potências imperialistas, assim também a África aparece

39
A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

como objeto de suas rivalidades. Além do que, a guerra, a


revolução russa, os grandes movimentos protagonizados
pelos nacionalistas na Ásia e os muçulmanos contra o im-
perialismo, despertaram a consciência de milhões de ne-
gros oprimidos pelos capitalistas, reduzidos a uma
situação de inferioridade há séculos, não somente na Áfri-
ca mas também nos EEUU.
2. A história reservou aos negros dos EEUU um papel
importante na libertação de toda raça africana. Faz trezen-
tos anos que os negros norte-americanos foram arranca-
dos de seus países natais na África e transportados para a
América onde passam pelos piores tratamentos, além de
serem vendidos como escravos. Há 250 anos trabalham
sob o açoite dos proprietários norte-americanos. Foram
eles que derrubaram os bosques, construíram as estradas,
plantaram o algodão, colocaram os trilhos das ferrovias e
mantiveram a aristocracia rural do sul. Sua recompensa
foi a miséria, a ignorância, a degradação. O negro não foi
um escravo dócil, recorreu à rebelião, à insurreição, à fuga
para recuperar sua liberdade. Mas seus levantes foram re-
primidos com sangue. Mediante a tortura foi obrigado a se
submeter. A imprensa burguesa e a Igreja se associaram
para justificar sua escravidão. Quando a escravidão come-
çou a competir com o trabalho assalariado e se converteu
em um obstáculo para o desenvolvimento da América do
Norte capitalista, teve de desaparecer. A guerra de seces-
são, empreendida não para libertar o negro, mas para
manter a supremacia industrial dos capitalistas do norte,
colocou o negro diante da obrigação de eleger entre a escra-
vidão do sul e o trabalho assalariado do norte. Os múscu-
los, o sangue, as lágrimas do negro “liberto” contribuíram
para o estabelecimento do capitalismo norte-americano e
quando, convertida em uma potência mundial, os EEUU
foram arrastados para a guerra mundial, o negro nor-
te-americano foi declarado em condições com o branco

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

para matar ou morrer pela democracia. Quatrocentos mil


operários de cor foram incorporados nas tropas nor-
te-americanas, formando os regimentos de “Jim Crow”.
Assim que saíram da fogueira da guerra, os soldados ne-
gros, de volta a “sua pátria” foram perseguidos, linchados,
assassinados, privados de todas as liberdades ou postos
nas prisões. Combateram, mas para afirmar sua personali-
dade tiveram de pagar muito caro. Perseguiram-nos ainda
muito mais que durante a guerra para lhes ensinar a “se
conservarem em seus lugares”. A grande participação dos
negros na indústria após a guerra, o espírito de rebelião
que despertaram neles as brutalidades de que são vítimas,
coloca aos negros da América, e sobretudo os da América
do Norte, na vanguarda da luta da África contra a Opres-
são.
3. A Internacional Comunista contempla com grande
satisfação que os operários negros explorados resistem aos
ataques dos exploradores, pois o inimigo da raça negra é
também o dos trabalhadores brancos. Este inimigo é o ca-
pitalismo, o imperialismo. A luta internacional da raça ne-
gra é uma luta contra o capitalismo e o imperialismo. Na
base desta luta é que deve se organizar o movimento negro:
na América, como centro de cultura negra e centro de cris-
talização dos protestos dos negros; na África como reserva
de mão-de-obra para o desenvolvimento do capitalismo; na
América Central (Costa Rica, Guatemala, Colômbia, Nica-
rágua e demais repúblicas “independentes” onde predomi-
na o imperialismo norte-americano) em Porto Rico, Haiti,
São Domingos e nas demais ilhas do Caribe, onde os maus
tratos infligidos aos negros pelos invasores nor-
te-americanos provocaram os protestos dos negros consci-
entes e dos operários brancos revolucionários. Na África do
Sul e no Congo, a crescente industrialização da população
negra originou diversas formas de sublevação. Na África
oriental, a recente penetração do capital mundial impulsio-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

na a população nativa a resistir ativamente ao imperialis-


mo.
4. A Internacional Comunista deve assinalar ao povo ne-
gro que não é o único que sofre a opressão capitalista e do
imperialismo, que os operários e os camponeses da Euro-
pa, Ásia e América também são suas vítimas, que a luta
contra o Imperialismo não é a luta de um só povo, mas de
todos os povos do mundo que na China, Pérsia, Turquia,
Egito e Marrocos os povos coloniais combatem com heroís-
mo contra seus exploradores imperialistas, que estes povos
se sublevam contra os mesmos males que consomem os
negros (opressão racial, exploração industrial intensa), que
estes povos reclamam os mesmos direitos que os negros: li-
berdade e igualdade industrial e social.
A Internacional Comunista, que representa os operários
e camponeses revolucionários de todo o mundo em sua
luta por derrotar o imperialismo, a Internacional Comunis-
ta, que não é somente uma organização de operários bran-
cos da Europa e da América, mas também dos povos de cor
oprimidos, considera que seu dever é alentar e ajudar a or-
ganização internacional do povo negro em sua luta contra o
inimigo comum.
5. O problema negro converteu-se numa questão vital
da revolução mundial. A III Internacional, que reconheceu
a valiosa ajuda que puderam trazer para a revolução prole-
tária as populações asiáticas nos países semicapitalistas,
considera a cooperação de nossos camaradas negros opri-
midos como essencial para a revolução proletária que des-
truirá o poder capitalista.
Por isso o IV Congresso declara que todos os comunistas
devem aplicar especialmente ao problema negro as “Teses
Sobre a Questão Colonial”.
6. a) O IV Congresso reconhece a necessidade de manter
toda a forma de movimento negro que tenha por objetivo
socavar e debilitar o capitalismo e o imperialismo, ou deter

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

sua penetração.
b) A Internacional Comunista lutará para assegurar aos
negros a igualdade de raça, a igualdade política e social.
c) A Internacional Comunista utilizará todos os meios ao
seu alcance para conseguir que os sindicatos admitam os
trabalhadores negros em suas fileiras. Nos lugares onde
estes últimos têm o direito nominal de se filiarem aos sindi-
catos, realizará uma propaganda especial para atraí-los. Se
não se consegue, organizará os negros em sindicatos espe-
ciais e aplicará particularmente a tática da frente única
para forçar aos sindicatos a admiti-los em seu seio.
d) A Internacional Comunista preparará Imediatamente
um Congresso ou Conferência geral dos negros em Mos-
cou.

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