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Índice

Apresentação ........................................................3
Confirmado o prognóstico das Conferências do Partido
Operário Revolucionário
Brasil na crise mundial.........................................7
Tese do descolamento .................................................10
Agravamento da crise mundial ...................................14
Explosão da crise ........................................................19
A caminho da recessão ...............................................21
Para onde vai o Brasil .................................................27
Teses conclusivas sobre a crise capitalista.................35

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

2
Apresentação

Confirmado o prognóstico das Conferências do


Partido Operário Revolucionário
Entregamos aos trabalhadores, à juventude e à van-
guarda militante nossa análise sobre a eclosão da crise
econômica mundial e as conclusões políti-
co-programáticas. Não nos foi surpresa que, desta vez, o
elo da desintegração do capitalismo se manifestasse no seu
carro-chefe – os Estados Unidos. Em outubro de 2007, re-
digimos a resolução internacional para as conferências re-
gionais do POR que se realizariam em janeiro de 2008. A
resolução aprovada foi publicada no Massas nº 351, de 7
de janeiro de 2008. Destacamos nessa apresentação três
tópicos, referentes à crise que se desenvolvia no segundo
semestre de 2007:
“2. Outra característica da situação mundial é o acúmu-
lo gigantesco de capital financeiro, sem possibilidade plena
de aplicação na produção, o que potencia o mercado espe-
culativo. A burguesia financeira está obrigada a manter a
lucratividade artificial e buscar aplicabilidade onde as ta-

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

xas de juros são mais compensadoras. Está aí uma das


contradições do sistema capitalista, que é materializada na
contradição entre o volume de capital especulativo e a pro-
dução de mercadorias. Inverter essa lógica significa ali-
mentar a crise de superprodução, com conseqüências
igualmente nefastas para o capital. O acúmulo de capital
parasitário, fonte de crises constantes, é um dos sintomas
da desagregação do capitalismo.
3. O aumento das fusões bancária e industrial, confor-
mando gigantescos conglomerados, elevam a concentração
de capital. As fusões não indicam estabilidade da economia
mundial. A aparente fortaleza que representam as fusões
tem por detrás a impossibilidade de transformar a potenci-
alidade das forças produtivas em equilíbrio econômico e
social. A concentração de capital e da produção atingiu ní-
veis tão altos que poucos monopólios dominam o comércio
de mercadorias e de moedas. Os Estados imperialistas não
fazem senão responder aos interesses das corporações
multinacionais. O Estado imperialista e o capital multina-
cional se soldam e determinam a “participação” dos países
semicoloniais na divisão internacional do trabalho. As rela-
ções de produção e distribuição privadas sob o controle dos
monopólios estão nas raízes da debilidade das fusões/cor-
porações. As forças produtivas altamente desenvolvidas se
acham em choque com a propriedade privada monopolista
e a situação de miséria das massas mundiais.
4. Os Estados Unidos, que detêm a maior fatia no merca-
do mundial, estão imersos num impasse sem precedentes.
O maior exportador e importador do globo carrega um déficit
crescente na balança comercial e tem a maior dívida públi-
ca, boa parte financiada com empréstimos externos. Na últi-
ma década, o capitalismo mundial teve um crescimento
médio considerado positivo pela burguesia. O que não fez
senão preparar uma nova etapa de crise. É o que indica o
desastre do setor imobiliário nos EUA. A recente crise se es-

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A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

tendeu aos mercados financeiros da Europa e Ásia e só não


teve maiores conseqüências devido à intervenção direta do
governo norte-americano e dos bancos centrais europeus.
Os capitalistas contornam essa crise econômica da mesma
forma que fizeram nas demais crises, desde a de 1987, pas-
sando pela do México, Argentina, Leste Asiático etc, utili-
zando mecanismos artificiais (liberação de recursos pelos
Bancos Centrais etc) e descarregando sobre as massas. O
grande acúmulo de capital permite à burguesia destruir
parte de riquezas. Mas não podem evitar as pressões reces-
sivas. Na base do capital financeiro parasitário, do jogo es-
peculativo, do incentivo artificial ao crescimento econômico
e da crise que se manifestou está a contradição entre as for-
ças produtivas e as relações de produção monopolistas. A
distância entre o crescimento especulativo e o produtivo
tende a se aprofundar, tornando-se fonte de crises constan-
tes, abruptas e mais duradouras. Por mais que as potências
tenham pressionado para a abertura de mercados e por
mais que a restauração capitalista na ex-URSS, Leste Euro-
peu, China tenha facilitado a expansão do capital, as forças
produtivas não puderam avançar de acordo com as possibi-
lidades do capital acumulado. Pelo contrário, agigantou-se
ainda mais o capital financeiro e recrudesceu o poder dos
monopólios. A crise financeira se converterá em crise da in-
dústria e do comércio. O que repercutirá violentamente so-
bre a vida da classe operária e da maioria oprimida. Os
capitalistas se vêem obrigados a aumentar ainda mais a
taxa de exploração e a destruírem maciçamente postos de
trabalho. Trata-se, portanto, de manifestação conjuntural
da crise estrutural do capitalismo”.
Notamos nesses três pontos que o governo nor-
te-americano e os governos europeus foram obrigados a
conter a crise hipotecária que se manifestou em julho de
2007. Injetaram bilhões de dólares e euros para apenas
adiar sua explosão sistêmica. Agora, por todos os lados,

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

abrem-se fendas no casco do capital financeiro, de forma


que a intervenção governamental implica valores na ordem
de trilhões de dólares. As explicações e conclusões da Con-
ferência do POR se comprovam.
Nesta publicação, trazemos a continuidade da análise
da crise mundial e trabalhamos para que o Programa de
Transição da IV Internacional seja aplicado nas novas con-
dições de desintegração do capitalismo e que permita im-
pulsionar a construção do partido revolucionário.

3 de outubro de 2008

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Brasil na crise mundial

Iniciamos esta análise quando o turbilhão da crise nos


Estados Unidos eclodiu no início de setembro e, em segui-
da, alcançou escala mundial. Conforme íamos avançando
a redação, novos acontecimentos surgiam e tínhamos de
acrescentá-los. Foi necessário retomarmos as primeiras
manifestações da crise imobiliária em meados de 2007,
para compreendermos seu percurso. Recorríamos a fatos,
explicações e análises de distintos economistas e autorida-
des governamentais de meses atrás, quando, no presente,
desabava o sistema financeiro norte-americano e que rapi-
damente comprometia de conjunto a ordem financeira
mundial.
Chegamos à situação em que o anúncio do pacote de
US$ 700 bilhões concebidos pelo secretário do Tesouro
Henry Paulson e presidente do Federal Reserve Ben Ber-
nank passou à votação, sendo rejeitada na Câmara dos De-
putados em sua primeira versão – momento em que novos
estertores tomaram conta das Bolsas no mundo – e aprova-
da no Senado em sua segunda versão, na qual se elevou

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

seu montante para US$ 850 bilhões. Os candidatos à pre-


sidência da República Barack Obama e John MacCain se
uniram em uma cruzada para pressionar os senadores e
parlamentares a aceitarem os termos do pacote intervenci-
onista. O que acabou acontecendo na votação do Senado,
que provavelmente se repetirá na Câmara.
O capital financeiro determina a política econômica do
Estado. Não há como a burguesia das potências não prote-
ger banqueiros, financistas, fundos e as Bolsas de Valores.
A interdependência das instituições financeiras alcançou
proporções sistêmicas de forma que as quebras nos EUA
imediatamente repercutiram na Europa e Japão, e dali
para o restante dos países conectados pelas Bolsas e gran-
des investimentos estrangeiros, como é o caso do Brasil.
A ajuda aos banqueiros ultrapassou a casa de US$ 1 tri-
lhão, agora terão mais US$ 850 bilhões do Tesouro nor-
te-americano e outras centenas de bilhões provenientes de
Bancos Centrais europeus e do Japão.
No Brasil, até ontem, o governo petista e boa parte das
instituições da burguesia se vangloriavam dos sólidos fun-
damentos econômicos. Mas a brutal queda na Bovespa,
que da noite para o dia reduziu a pó os fundos especulati-
vos e o valor das ações de grandes empresas brasileiras, in-
cluindo bancos, a abrupta escassez de crédito para os
negócios, a oscilação anárquica de preço das commodities,
o déficit crescente em conta- corrente, a estagnação das ex-
portações com vistas à redução, a desaceleração prevista
que arrefecerá a gigantesca arrecadação tributária e o alto
endividamento que exige pagamento pontual de juros, to-
dos esses fatores combinados modificam o câmbio, mexem
com o superávit primário e ameaçam as reservas cambiais.

O governo Lula baixou o otimismo. Começa a sentir a


pressão dos banqueiros nacionais, da agroindústria, das
multinacionais e exportadores para preparar o pacote na-

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A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

cional de proteção aos capitais. O Banco Central teve de so-


correr bancos menores que se viram sem recursos e se
defrontaram com créditos interbancários interditados.
Grandes indústrias não sabem como vão manter seus pla-
nos de investimentos frente à escassez de financiamento. O
governo recorre aos fundos do FAT e do FGTS, constituídos
pela contribuição dos assalariados, para injetá-los no
BNDES, que, por sua vez, os entrega aos monopólios a ju-
ros subsidiados. A Fiesp e economistas acólitos levantam
as vozes de que as reformas trabalhistas e da Previdência
precisam ser feitas, numa clara menção de que a crise só
será suportada com a proteção da burguesia e sacrifício
das massas.
Está mais claro que a crise é mundial e apenas começa.
Logo mais o comércio e a indústria a projetarão na forma de
recessão e desemprego em massa. Com montanhas de ri-
quezas acumuladas, a burguesia imperialista saiu em de-
fesa da ordem capitalista, queima parte delas, mas não
poderá evitar que a crise avance para o sistema industrial e
comercial. No seio da classe dominante e dos seus serviça-
is, há unanimidade de que é preciso salvar os banqueiros a
qualquer preço. Ecoam explicações de que a responsabili-
dade pela hecatombe se deve à falta de regulação do siste-
ma financeiro e do pressuposto neoliberal do livre mercado
auto-regulador. Aparecem os reformadores pleiteando uma
nova ordem mundial em que o capital financeiro seja con-
trolado nos seus ímpetos especulativos.
Na verdade, não se trata de uma crise provocada pela
orientação neoliberal, ou uma crise do neoliberalismo, mas
de uma crise estrutural do capitalismo, perante a qual o
neoliberalismo expressa posições econômico-sociais da
burguesia imperialista. Não há como disciplinar a massa
de capital parasitário.
Nosso objetivo é o de demonstrar que se tratam de ma-
nifestações da crise histórica do capitalismo e que seu pro-

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

longamento se converte em destruição de forças


produtivas, em desemprego, fome e miséria para as mas-
sas mundiais. Para os explorados, o capitalismo entra em
um novo período de barbárie social. O Programa de Transi-
ção da IV Internacional é o instrumento da classe operária
mundial para combater as ações da burguesia, defender a
força de trabalho e sepultar o capitalismo pela revolução
proletária.

Tese do descolamento
As primeiras reações do governo brasileiro frente à crise
financeira nos Estados Unidos foram de otimismo, susten-
tado pelo argumento de que o Brasil, diferente do passado,
está alicerçado em sólidos fundamentos macroeconômi-
cos. Mesmo recentemente, quando a bancarrota do merca-
do imobiliário se mostrou profunda e poderosos bancos
chegaram perto da quebra, bem como a desaceleração eco-
nômica expôs a tendência recessiva mundial, economistas
influentes de dentro e fora do governo afirmavam que a cri-
se estava piorando, mas o Brasil se saía bem e era capaz de
resistir aos impactos negativos.
Em síntese, eis alguns dos fundamentos: 1. Superávit
primário elevado, abundante reserva cambial e superávit
comercial; 2. Controle da dívida pública; 3. Crescimento
econômico em torno de 5% ao ano; 4. Crescente taxa de
emprego; 5. Robusta arrecadação tributária. Começava a
se manifestar déficit em conta corrente, mas nada que pre-
ocupasse a curto prazo, uma vez que o país continuava
atrativo para os investidores internacionais e não faltariam
recursos para o governo cumprir suas obrigações com os
credores internos e externos.
Críticos do governo Lula alertavam que havia chegado o
momento de novas reformas para não se comprometer os
fundamentos que dão solidez ao Brasil no mar revolto da
economia mundial. Referiam-se, principalmente, à conten-

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A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

ção dos gastos públicos – previdência, salário mínimo, sa-


lário dos servidores e programas sociais (Bolsa Família).
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, opositor e
admirador de Lula por este ter garantido autonomia do
Banco Central, não compartilha das previsões mais con-
tundentes de que virá uma recessão brava na esteira da
quebra do financiamento subprime. Se a crise nos Estados
Unidos e no restante das potências for amena, se a China,
Índia e Rússia continuarem com altas taxas de crescimen-
to, os tais fundamentos resistirão. Maílson advoga , por-
tanto, a convicção de que, quanto à economia mundial, é
possível que as “visões alarmistas não se confirmem”. Essa
avaliação leva à previsão de que não haverá uma crise ex-
terna que tenha reflexos sobre a economia brasileira e a po-
lítica econômico-financeira do governo, que sejam
desestabilizadores.
Em resumo: “Quanto ao Brasil, as visões favoráveis pa-
recem buscar-se na percepção de que a estabilidade ma-
croeconômica é duradoura e de que estamos livres do risco
de voluntarismos na condução de políticas monetária e
cambial. Malgrado a falta ou lentidão de reformas, as
transformações postas em marcha pelo fim da inflação e
pela abertura da economia, e o atual ciclo das commodities
(que tende a se manter apesar das quedas recentes de seus
preços) têm permitido explorar as grandes oportunidades
de nossa economia” (O Estado de São Paulo, “A crise piora,
mas o Brasil vai bem”, 17/08/2008)
Dado que é inevitável a influência dos fatores econômi-
co-financeiros externos sobre o Brasil, a firmeza de sua
economia depende da desaceleração do crescimento não ir
fundo e, se a recessão mundial chegar, esta deve ser bran-
da. O que diferencia as previsões dos economistas sobre as
conseqüências da crise mundial no Brasil tem a ver com a
análise e avaliação do curso dos acontecimentos nos Esta-
dos Unidos, Europa e Japão.

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

No início da crise, em meados de 2007, foi propagado


que o estouro da “bolha” especulativa dos financiamentos
de alto rico, que envolviam gigantescas somas, não ultra-
passaria as fronteiras dos Estados Unidos. Ou, então, que
seu impacto seria irrelevante. Tratava-se, portanto, de um
acerto interno à economia norte-americana. Um dos pro-
motores dessa consideração foi o Goldman Sachs.
No Brasil, não faltaram vozes multiplicadoras da lenda
de que havia um “descolamento” do restante dos mercados
mundiais. No governo, atribuiu-se o “deslocamento” ao
acúmulo de reservas cambiais. No artigo “Tese do ‘descola-
mento’ ganha força”, Fabio Graner relata que o presidente
do BC, Henrique Meirelles, indiretamente evocou essa tese
ao expor sua análise da crise à Comissão de Assuntos Eco-
nômicos do Senado (O Estado de São Paulo, 27/07/2008).
No mesmo artigo, temos a seguinte consideração do econo-
mista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale: “O descola-
mento existe. Foram os emergentes que provocaram essa
aceleração de preço de commodities. Não estaríamos falan-
do de inflação mundial se países em desenvolvimento não
estivessem crescendo”. Sob o prognóstico de que a econo-
mia do Brasil está distante da crise hipotecária dos EUA,
abrigam-se as mais distintas análises.
Mas não demorou para que as Bolsas de Valores, no
mundo todo, sentissem os tremores sob seus pés, que vies-
sem os deslocamentos especulativos do capital financeiro,
que explodissem os preços do petróleo, das matérias pri-
mas e das commodities e que despontassem sinais de de-
saceleração econômica em todas as latitudes. Quase um
ano do início do desmoronamento do crescimento especu-
lativo do setor imobiliário nos EUA, a crise interna não foi
debelada e continua a avançar, bem como sua repercussão
sobre a economia mundial persiste.
O poderoso banco de investimento Goldman Sachs, que
não deixou de balançar frente ao terremoto financeiro, teve

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A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

de se redimir da previsão localista e otimista da crise. Me-


ses depois de ter propagandeado otimismo com a bandeira
do descolamento, Jim O’ Neill, economista-chefe da Gold-
man, desfez sua predição com a mais óbvia das constata-
ções: “Dado o fato de que os EUA continuam a ser a maior
economia global, com 30% do PIB, a idéia de que o restante
do mundo seja capaz de se imunizar contra os desdobra-
mentos econômicos que surgem no país precisa ser tratada
com certa cautela.” (Folha de São Paulo, 10/08/2008)
A tese do Goldman foi motivo de discussão e divergência
no Fórum Econômico Mundial, em Davos, no final de janei-
ro deste ano. O economista Fred Bergsten, do Instituto Pe-
terson para a Economia Internacional, herdeiro do
ex-Instituto para a Economia Internacional (que deu parti-
da ao neoliberalismo do Consenso de Washington), utili-
zou-se da tese do descolamento para expor a análise de que
a crise nos EUA poderia ser contornada pelo impulso eco-
nômico nos chamados países emergentes. Assim, “o resto
do mundo é que vai impulsionar os Estados Unidos e evitar
o pior” (Folha de São Paulo, 24/01/2008).
A colocação de Bergsten evidencia que o que está por
trás do “descolamento” é a avaliação de que economias
como as do Brasil, Rússia, Índia e China – reunidos sob a
sigla Bric – ganharam tal dimensão que não só reduziram
sua dependência frente às potências como passaram a ser
novas alavancas para a economia mundial. José Sérgio Ga-
brielli, presidente da Petrobrás, frente a argumentos con-
trários ao de Bergsten, saiu em sua defesa, conforme relata
Clóvis Rossi, correspondente da Folha de São Paulo: “Sou
partidário do descolamento sim, está havendo superesti-
mação de movimentos de curto prazo”.
Discussão dessa natureza no Fórum Econômico Mundi-
al ocorria quando os sinais de desabamentos nas Bolsas e
mercado internacional eram evidentes.
Sete meses depois, Lula comemorava a previsão de que

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

até 2011 os investimentos poderão chegar a R$ 1,5 trilhão


com a frase “Não é vôo de galinha, é de águia que descobriu
que pode ir mais alto do que estava acostumada”. Junto a
esse entusiasmo presidencial, o chefe do BNDES, Luciano
Coutinho, relata que a crise nos EUA não afetou a disposi-
ção do capital externo em continuar investindo no Brasil.
Nota-se que há uma grande despreocupação das autorida-
des governamentais e de importante parcela da burguesia
quanto à perspectiva da economia mundial e aos possíveis
reflexos sobre o Brasil.

Agravamento da crise mundial


As análises e previsões da alta cúpula – autoridades
econômicas, instituições e economistas renomados – vêm
sofrendo alterações conforme os fatores da crise se combi-
nam e surgem novos fatos. Há forte presença do empiris-
mo, apesar da sofisticada aparelhagem dos Bancos
Centrais, de organizações internacionais e nacionais volta-
dos às estatísticas, avaliações, planejamento e previsão.
Pesam nas explicações e avaliações do curso da crise os in-
teresses gerais e particulares da burguesia internacional.
Poucos são os economistas da alta elite burguesa que
vislumbram uma situação catastrófica. É o caso Noriel
Roubini, que alertou sobre o perigo de estouro no mercado
imobiliário nos EUA e que vem se transformando em reces-
sões nas mais portentosas economias da Europa e Ásia.
Enquanto a maioria acha que o quadro ainda está indefini-
do, Roubini considera o contrário.
Em entrevista, responde: “O Fed ficou falando que have-
ria uma recessão curta no mercado imobiliário, que não
contaminaria o resto da economia, quando na realidade es-
tava também no segmento comercial do mercado imobiliá-
rio, nos cartões de crédito, nos empréstimos estudantis, no
mercado de títulos emitidos por empresas.” (...) “Esta é a
crise mais profunda desde a Grande Depressão e deve cau-

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A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

sar perto de U$ 2 trilhões em perdas no mercado de capita-


is” (...) “Na minha visão, as coisas vão piorar e piorar nos
próximos 12 ou 18 meses. Já estamos em recessão nos
EUA, na zona do Euro e em todas as outras economias
avançadas, o que vai afetar o PIB global. Nos países emer-
gentes, as pessoas se iludem pensando que vão escapar da
recessão, que haverá um descolamento. Não vai. Teremos
uma severa desaceleração do crescimento no Brasil, na
Rússia, na Índia, na China.” (...) “O Brasil tem crescido por
volta de 4,8% ao ano – o que é, aliás, muito menos do que
países como Rússia, Índia e China, que avançam entre 8%
e 10%. Acho que a previsão de que o país crescerá entre 3%
e 3,5% é muito otimista, eu acredito em 2%.” (...) “Pelos in-
dicadores de produção, renda, gastos e empregos, os EUA
entraram em recessão no primeiro trimestre. No segundo,
o governo lançou um pacote de estímulo de U$ 100 bilhões,
que artificialmente impulsionou o crescimento.” (...) No
mundo inteiro, há uma queda de pelo menos 20% das
ações, tanto nas economias avançadas quanto nas emer-
gentes. Creio que, dada a recessão mundial, os preços dos
papéis podem ainda cair uns 10%. O horizonte é bem pes-
simista para o mercado financeiro em todos os lugares, in-
cluindo a América Latina, incluindo o Brasil.” (Folha de São
Paulo, 07/09/2008)
Noriel Roubini tem uma empresa de consultoria – RGE
Monitor –, portanto maneja os dados em função desse ne-
gócio. Seus questionamentos vêm no sentido de alertar à
classe capitalista de que a situação não está indefinida,
que há claras tendências econômico-financeiras desagre-
gadoras e que é preciso tomar medidas que evitem o pior.
Por outro lado, procura expressar posições de setores do
capital que necessitam se defender perante a quebra. Volta
toda sua crítica ao capital financeiro. Eis algumas de suas
colocações, feitas na mesma entrevista: “O mercado finan-
ceiro sempre vivencia esses períodos de manias, de bolhas,

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

de excessos, que viram loucura e explodem. (...) O ciclo se


repete, em parte, porque não controlamos eficientemente
as instituições financeiras. Só se houve falar de mercado li-
vre, de laissez-faire, enquanto precisamos de regras, de
disciplina. Não dá para esperar que o mercado se regule.
Auto-regulação significa não-regulação, e disciplina do
mercado significa falta de disciplina. É nonsense.”
No fundo das explicações e diagnósticos da crise se en-
contram as divergências interburguesas, marcadas por
choques de frações em torno da acumulação objetiva de ca-
pital.
Citamos acima o artigo de Mailson da Nobrega – “A crise
piora, mas o Brasil se sai bem” –, por expressar justamente
a posição do capital financeiro e a visão do “mercado livre”.
O porta-voz dos banqueiros nacionais e internacionais re-
bate as estimativas sombrias de Roubini. Diz: “Existem
análises mais pessimistas, como a do americano Nouriel
Roubini, que estima as perdas do sistema financeiro em
mais de US$ 2 trilhões (para o FMI, serão US$ 945 bilhões),
o que provocará mais contração de crédito e recessão.”
Os dados não são precisos e parece que ninguém os tem
com total segurança. Assim, a polêmica sobre a evolução
da crise nos EUA e no mundo se arrasta e depende das ci-
fras concretas que vão surgindo e se traduzem em quebras
econômico-financeiras. Nesse sentido, as últimas medidas
do governo Bush são sintomáticas. Os bancos de investi-
mento Fannie Mae e Freddie Mac tiveram de ser socorrido
pelo Tesouro. Configurou-se uma vasta intervenção estatal
nos valores de US$ 200 bilhões. Em nome da ajuda aos
mutuários, está prevista igual quantia. A criação da Agên-
cia Federal de Habitação com um fundo de US$ 400 bilhões
indica a complexidade do imbróglio.
Anteriormente, bilhões já haviam sido despendidos pelo
Tesouro para evitar quebras bancárias, que começariam
com o Bear Stern, finalmente assimilado pelo JP Morgan, e

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A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

para subsidiar conjunturalmente taxas positivas de cresci-


mento, a que Roubini chamou de artificial.
Os neoliberais de todos os naipes passaram a aceitar
uma exceção ao estatismo: proteger o capital financeiro de
uma crise sistêmica. O Fannie Mae e Freddie Mac foram o
principal conduto de escoamento de capital parasitário
para o boom da construção civil e de outras atividades do
mercado de hipoteca. O crescimento da economia nos EUA
está em grande medida condicionado ao vasto endivida-
mento da população. Referindo-se às duas agências, o co-
mentarista econômico Alberto Tamer revela a dimensão do
problema: “Afinal, sob a responsabilidade do governo, elas
detêm praticamente a metade dos títulos relacionados com
o mercado hipotecário, hoje da ordem de US$ 11 trilhões, e
representam 41% do PIB americano”. (O Estado de São Pa-
ulo, 11/09/2008)
Mas as várias modalidades de intervenção do Estado e a
injeção de volumosas somas por intermédio de fundos so-
beranos não fizeram senão retardar o ritmo da crise e man-
tê-la na superfície. Nem bem Wall Street comemorava a
notícia do crescimento positivo no 2º trimestre e a garantia
de sustentabilidade do Fannie Mae, a Bolsa de Nova York
despencou com o anúncio da fracassada operação de com-
pra do banco de investimento Lehman Brothers pela Coréia
do Sul. Trata-se do quarto maior banco de investimento
dos EUA em vias de quebra; no entanto, o governo não se
anima a dar o mesmo tratamento dispensado ao Bear Ste-
arns. Ocorre que instituições financeiras de seguros estão
em dificuldades, como no caso do Washington Mutual e
International Group. Frente à queda das ações de bancos
comerciais, de investimentos e seguradoras, uns após ou-
tros, assim que os planos de recuperação falham, o gover-
no não tem completa mobilidade. Eis o que diz o
diretor-gerente do Morgan Keegan & Co., Kevin Giddis:
“Parece que não existe um fim para a desgraça que conti-

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

nua caindo sobre as companhias financeiras e simples-


mente não sabemos quem será o próximo.” (O Estado de
São Paulo, 13/09/2008)
Tudo indica que esse quadro não completou sua moldu-
ra. Os mega-números do FMI (US$ 945 bilhões) ficaram
para trás e avançam rumo aos do economista Nouriel Rou-
bini (US$ 2 trilhões).
Bill Gross, que comanda um dos mais poderosos fundos
de bônus do mundo exorta o governo norte-americano “a
comprar ativos para conter o crescente tsunami financei-
ro”. Ao contrário, Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do
FMI, argumenta que os bancos acumularam grandes fortu-
nas e que, frente à crise do sistema financeiro, a qual não
cessa apesar de tanta ajuda, chegou o momento de uma re-
ordenação. Refere-se a uma reconcentração com moratóri-
as dos fracos e fusões com os mais fortes, bem como abrir
as portas para os fundos soberanos de países que acumu-
lam grandes reservas cambiais e que não sabem o que fazer
com tanto capital acumulado.
O raciocínio de Gross é o seguinte: “Já estamos há um
ano metidos numa crise financeira mundial, e diversos dos
principais bancos centrais continuam extraordinariamen-
te expostos aos turbulentos setores financeiros particula-
res de seus países.” Assim, evidencia que os Bancos
Centrais tudo fizeram – até em excesso – para livrar o capi-
talismo de uma grande convulsão no mundo das finanças,
mas agora esse processo se esgotou e o perigo de endivida-
mento se volta contra os próprios Bancos Centrais. Segun-
do essa avaliação, o “Fed, o Banco Central Europeu e o
Banco da Inglaterra estão particularmente expostos.”
Mas as convicções econômicas das autoridades e eco-
nomistas serventes da burguesia partem da premissa de
que o Estado não abre falência. Certamente que há falên-
cia, mas esta é descarregada sobre as massas trabalhado-
ras. As classes sociais que pagam os déficits dos Estados

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A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

burgueses é o proletariado e demais explorados da classe


média.

Explosão da crise
15 de setembro de 2008 marcou-se como o ápice da cri-
se financeira nos Estados Unidos e momento de irradiação
para todo o mundo. Nos dias anteriores, ficou confirmada a
quebra do quarto banco dos EUA- Lehman Brothers. Na
segunda-feira, do dia 15, as bolsas somaram perdas de
US$ 1, 361 trilhões, correspondentes às ações de empresas
de capital aberto. Tornou-se inevitável uma ação coordena-
da dos Bancos Centrais e ajuda governamental em países
de economia atrasada e de pobreza extrema das massas,
como a Índia.
O El Pais, da Espanha, descreve assim o momento cruci-
al: “As Bolsas européias caíram em torno de 3%. E América
Latina também sucumbiu: a principal praça, São Paulo,
caiu 7,59%, a pior queda do ano. A quebra do banco de in-
vestimento Lehman Brothers, a maior da história, com um
passivo de 430 bilhões de euros, se viu agravada pelo plano
de ajuste da AIG, a gigante seguradora obrigada a solicitar
fundos de emergência ao banco central estadounidenense.”
Jornal O Globo:” Wall Street foi ontem o epicentro de um
abalo global com o colapso do banco de investimento Leh-
man Brothers, depois de três dias de discussões entre repre-
sentantes do governo e banqueiros, e a compra do Merril
Lynch pelo Bank of America (BofA), por US$ 50 bilhões.”

As autoridades governamentais promoveram a operação


de compra do Merril Lynch para não combinar duas que-
bras, que elevariam a escala do terremoto a um ponto des-
conhecido.
À vista estava e está a situação falimentar da segurado-
ra AIG, cuja escala de atuação global a coloca no patamar
mais elevado da crise. A AIG já vinha sendo escorada com

19
Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

empréstimos de mais de US$ 20 bilhões, que caíram no


fundo do poço e mal deram para prolongar sua sobrevivên-
cia. A estimativa era de que necessitava de US$ 40 bilhões.
Mas, dois dias depois da explosão da crise, o Banco Central
o estatizou com um empréstimo de US$ 80 bilhões, rece-
bendo em troca 79,9% das ações da seguradora.
Desde os empréstimos ao JP Morgan para comprar o
Bear Sterns, o tesouro dos EUA já despendeu US$ 704 bi-
lhões para salvar instituições financeiras.
Com tamanho rombo, forte instabilidade nas Bolsas,
drástica redução de liquidez no mercado e fuga de capitais de
um lado para o outro, as potências se viram obrigadas a agi-
rem em conjunto. A débâcle ameaçou a Europa. No segundo
dia da crise, os bancos centrais – Federal Reserve, Banco
Central Europeu, Banco da Inglaterra e Banco Central do Ja-
pão – fizeram as contas e aprovaram US$ 210 bilhões.
O volume de recursos estatais destinado a salvar o capi-
tal financeiro e a amenizar a gigantesca crise mundial do
capitalismo já ultrapassou a casa de 1 trilhão de dólares.
Mesmo assim não tem sido suficiente. Não basta socorrer
bancos com empréstimos subsidiados pelo Fed e promover
algumas estatizações.
A previsão de que seria necessário o Tesouro comprar
bilhões em “títulos podres” está se confirmando. É o que
conclui Paul Krugman, no artigo “Estágio final da crise”: “O
impensável – uma compra de boa parte da dívida podre do
setor privado por parte do governo – tornou-se inevitável.”
(O Estado de São Paulo, 20/09/2008).
Confirma-se a defesa de Bill Gross de que o Tesouro
norte-americano teria de comprar ativos para proteger os
capitalistas contra o “tsunami financeiro”. No caso, os “tí-
tulos podres” fazem parte. A administração Bush entregou,
no dia 20/9, um projeto ao Congresso, arquitetado pelo se-
cretário do Tesouro Henry Paulson, que estima US$ 700 bi-
lhões, destinados aos resgates.

20
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

O endividamento público dos EUA passará de USS 10,6


trilhões a US$ 11, 3 trilhões. É para gerir os negócios da
burguesia que serve o Estado. O liberalismo do Consenso
de Washington, concebido pelo inglês John Williamson,
serviu para potenciar a especulação, obrigar os países
atrasados a abrirem seus mercados e realizar as reformas
trabalhistas (flexibilização do trabalho). Frente à quebra
generalizada do sistema financeiro, os neoliberais tor-
nam-se estatistas. Neste caso, dizem que vale porque, caso
contrário, seria pior.
Na realidade, a burguesia monopolista joga com o libe-
ralismo e com o protecionismo de acordo com seus negóci-
os e interesses. Os países de economia atrasada e as
massas mundiais acabarão por pagar a conta constituída
pelo intervencionismo estatal das potências. Assim que se
gastarem mais US$ 700 bilhões, a estimativa de Noriel
Roubini estará ultrapassada.

A caminho da recessão
Em setembro, os indicadores europeus mostraram que
a economia de seus principais componentes – Alemanha,
Inglaterra, França, Espanha – entrou em descenso. Tem-se
em conta que a retomada do crescimento da União Euro-
péia, depois de atravessar um período de estagnação, foi
abortada pela crise dos Estados Unidos. A desvalorização
do dólar e sobrevalorização do euro, a persistência da alta
inflacionária e a queda das exportações têm prejudicado o
continente e, particularmente, as potências exportadoras.
A probabilidade é que a taxa de crescimento de 2008
seja nula. O correspondente de Paris, Andrei Netto, relata
que Jean-Luc Schneider, diretor-adjunto o Departamento
de Economia da OCDE, estima entre -0,5% a 0,5% a taxa
de crescimento anualizado.
É sintomática a surpresa de autoridades desse porte às
inesperadas estimativas. Eis o desabafo de Schneider:

21
Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

“Estávamos menos pessimistas, mas as cifras foram mais


negativas do que acreditávamos no Reino Unido e na zona
do euro.” (O Estado de São Paulo, 07/09/2008). A recessão
na Europa é constatável, e as dificuldades de enfrentá-la
são imensas. O entrelaçamento na economia mundial de
economias nacionais, controladas em cerca de 70% por
uma minoria de potências, agigantam as contradições, que
vêm à luz do dia na situação de crise geral.
O Japão também não poderia escapar a essa determina-
ção. No artigo “PIB cai e Japão teme nova recessão, a Agên-
cia de Notícia, de Tóquio, faz uma descrição sombria: “O
gasto de capital diminuiu 0,5%, o investimento em habita-
ção caiu 3,5%, as exportações tiveram queda de 2,5% e o
consumo, que representa 55% do PIB japonês, sofreu uma
contração de 0,5%. Apenas a queda na demanda interna
representou 0,7% do PIB japonês e, a das exportações,
0,1%.” Para incentivar o consumo, desde o início de 2007, o
governo estabeleceu a mais baixa taxa de juros do mundo,
0,5%, recurso também utilizado nos EUA pelo Banco Cen-
tral e impossível, por enquanto, de ser utilizado na União
Européia. Mesmo assim, o artifício não funciona, numa
economia cujos salários são baixos, e que enfrenta pressão
inflacionária e alta do custo de vida.
A recessão não se manifestou no grupo Bric, mas des-
pontaram tendências à desaceleração. Esse comportamen-
to econômico tem servido de alicerce a argumentos de que
os “países em desenvolvimento” estão e vão contrabalançar
a retração nas economias desenvolvidas. Eis uma das ex-
plicações: “O mais importante é que o consumo na China
parece estar demonstrando poucos sinais de desacelera-
ção. Isso significa que o consumo no país está claramente
‘descolado’ dos EUA. Os gastos dos chineses no varejo hoje
contribuem mais para a demanda mundial que os dos nor-
te-americanos. Se acrescentarmos os demais países do
Bric (...), o impacto se torna ainda mais forte.” (Jim O’Neil,

22
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

Descolamento e os mercados)
Quem diria que a economia mundial um dia chegaria a
depender de países atrasados, de passado colonial e de
presente semicolonial? Mas se trata de uma farsa montada
para embasar a explicação de que a crise será branda e
contornada.
A volatilidade dos mercados de capital, graças ao gigan-
tesco parasitismo, não se move nas nuvens, está calcada e
entrelaçada com a produção e o comércio. A chamada eco-
nomia real refletirá toda carga explosiva do desmorona-
mento no mercado de capitais.
O mais importante: o esgotamento da especulação no
ramo imobiliário tem como ponto de partida a economia
real. Industriais, comerciantes e banqueiros agiram em
conjunto, com apoio do Estado que subsidiou juros etc.,
para promover um crescimento forçado da economia.
Como não bastaram os empréstimos para quem poderia
pagar, foi necessário endividar ampla camada da popula-
ção que recebe baixos salários. Os EUA viraram canteiro de
obras. O mercado imobiliário exibiu grandes excedentes,
para em seguida estatelar. Milhares de famílias não pude-
ram garantir as hipotecas de risco (subprime), evidenci-
ou-se a superprodução, os preços dos imóveis caíram, as
famílias, as que ainda conseguem pagar, arcam com a de-
fasagem, vem a quebra de agências financiadoras, re-
duz-se drasticamente a liquidez para empréstimos, os
capitalistas precisam se livrar do monumental prejuízo,
descarregam sobre os assalariados e assim toda a econo-
mia está envolta pela crise.
O socorro trilhonário do Tesouro e do Banco Central não
fará com que a produção e o comércio nos Estados Unidos
saiam ilesos. Rapidamente sobe a taxa do desemprego,
chegando a 6,1%, com demissões concentradas na indús-
tria e construção civil. Já não há crédito farto. Cai o consu-
mo. Empresas reduzem seus ritmos de produção. A

23
Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

construção civil praticamente parou. Indústrias gigantes-


cas perdem valor de mercado e exibem balanço fictício. A
ajuda do governo vem no sentido de evitar um desbarran-
que generalizado e rápido, que levaria as massas à luta.
A queima de uma montanha de capital financeiro indica
que as forças produtivas – compostas pela força de traba-
lho e maquinaria – estão em choque com as relações de
produção materializadas na propriedade monopolista. Ou
melhor, o acúmulo de choques entre as forças produtivas e
as relações de produção elevou a contradição a tal ponto
que precipitou do alto a montanha de capital financeiro.
Destruir parte desse capital é destruir trabalho realizado,
que se converteu em capital acumulado. A queima em
grande escala, como agora, que se mostra sistêmica, indica
o grau de contradição a que chegaram as forças produtivas
e as relações de produção.
Não por acaso, desde 1970, o capitalismo vem sendo
abalado por crises localizadas – a primeira grande crise do
petróleo começou nessa década. Lembremos do mito “Ti-
gres Asiáticos”, que se desfez na crise dos anos 90. Agora,
os porta-vozes do capitalismo arrumam um novo tigre – os
Brics. E a China, antes espezinhada, agora é glorificada
como um dos principais carros chefes do crescimento eco-
nômico e da estabilidade no mar revolto das potências.
O próprio governo da China procura criar um auto-mito
de que está caminhando para se igualar aos EUA, daqui a
cem anos. O primeiro, um gigante populacional que con-
serva no campo cerca de 70% deste contingente, susten-
ta-se com uma renda per capta de mil dólares; o segundo,
um gigante industrial que controla as finanças mundiais,
com quarenta e três mil dólares de renda per capta.
A restauração capitalista em um país tão atrasado eco-
nomicamente e populoso, acompanhada de abertura para
as multinacionais, e impulsionada por um dos mais baixos
salários do mundo e pela urbanização, que potenciou a cri-

24
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

ação da classe média consumista, possibilitou uma média


de crescimento de 9%, desde 1979. Os invejáveis 10 e 11%,
nos últimos anos, diante de uma economia mundial de bai-
xo crescimento, amarrada à estagnação ou quase estagna-
ção das potências, sem dúvida, têm servido aos negócios
das multinacionais e aos interesses do capital financeiro.
Mas, por isso mesmo, a China passou a ter uma forte de-
pendência do movimento comercial e das corporações fi-
nanceiras, sobre o qual não pode exercer definição. O
mesmo vale para o Brasil, Índia e Rússia.
A situação da China depende, em primeiro lugar, do de-
senvolvimento da crise norte-americana. É para os EUA que
boa parte de suas mercadorias é exportada; e é aí que a mai-
or parte de suas reservas cambiais é aplicada. Uma combi-
nação da crise financeira com a industrial poderá atingir
profundamente a China. O estouro das hipotecas indicou os
riscos que este país do Oriente corre, por alimentar a espe-
culação financeira e obter em troca o mercado nor-
te-americano para suas mercadorias baratas, custeadas
pela brutal exploração capitalista dos trabalhadores chine-
ses e pela alta lucratividade das multinacionais.
Acaba de ser revelado que, das reservas de mais de 1,5
trilhão de dólares, a China tem aplicado em títulos nor-
te-americanos US$ 447, 5 bilhões. Grande parte dos títu-
los está vinculada à bancarrota dos bancos hipotecários
Fannie Mae e Freddie Mac.
A dimensão da dependência da China (e os riscos da crise
financeira bater forte em sua porta) são dados pela constata-
ção do vice-primeiro-ministro, Wang Qishan: “Se não com-
prarmos títulos do Tesouro dos Estados Unidos e papéis em
garantia de ativos, o que mais vamos comprar?” (...) “A China
simplesmente não tem como evitar os riscos. Qualquer coisa
que fizermos, nós teremos de suportar as perdas”.
Está aí uma declaração de impotência. O gigantesco ca-
pital extraído da mais-valia da classe operária mundial, da

25
Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

exploração sobre os países semicoloniais, acumulado e po-


tenciado pela especulação, não tem como em grande parte
ser aplicado na produção e expansão do comércio mundial.
O mais provável é que o ciclo da presente crise percorra
os países dominantes e se estenda para o restante do mun-
do. As previsões de analistas internacionais nos dão a con-
vicção que já não restam dúvidas de que nenhum país
ficará de fora da tormenta.
Eis declaração taxativa do secretário-geral da Conferên-
cia da ONU para o Desenvolvimento do Comércio, Supa-
chai Panichpakdi: “Podemos estar vivendo a pior crise em
décadas, segundo as projeções que estamos fazendo inter-
namente. Não sabemos de nada parecido desde 1929. E o
pior é que temos de reconhecer que ainda não estamos no
fim dela. Há quem diga que não chegamos no fim do poço.”
O ex-ministro das Finanças da Tailândia compara a cri-
se que envolveu seu país nos anos 90 e chega à mesma
conclusão do secretário-geral da ONU para o comércio.
“Naquele momento (1997), mantivemos nossos mercados
abertos e isso ajudou. O que vemos agora é um abalo bem
maior. Não se trata apenas de uma crise no mercado de
crédito. Essa é uma crise financeira que terá impacto em
vários setores, inclusive no comércio, que deverá decrescer
de forma importante. Já não há mais dúvida de que a re-
cessão de fato chegará para muitos países. Alguns hesitam
em admitir, mas já estão tecnicamente em recessão.”
A incógnita continua ser a China, com uma economia
ainda estatizada. O processo de restauração capitalista
que vem mudando as relações sociais exige a manutenção
das altas taxas de crescimento. Está claro que não poderá,
logo mais, manter seu padrão de exportação. O governo
chinês, assim, acaba de tomar medidas de reforço ao con-
sumo interno, afrouxando a política monetária. Vai no
mesmo caminho de endividar a população.
Notamos que a diferença desta crise das anteriores está

26
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

no seu alcance internacional. Por isso, seu ritmo, envolvi-


mento global e profundidade são difíceis de avaliar com
precisão. Poderá ser longa e amplamente destruidora. Os
países de economia atrasada que se valeram do ciclo de
crescimento da última década poderão ser os mais retarda-
tários. Mas seus recursos e capacidade de manobra são
frágeis.

Para onde vai o Brasil


A análise do governo, de economistas fora de seu círculo
– e mesmo de grandes empresários – ainda é de que os fun-
damentos econômicos do país lhe garantirão certa imuni-
dade. Havia uma previsão de desaceleração, mas o
crescimento do PIB no terceiro trimestre surpreendeu to-
dos com 5,8%, em relação a igual período de 2007, o que
deu ao Ministério da Fazenda o indicador anual de 5,3% e
5,5%. Estima-se para 2009, 5%, 4% e, na pior das hipóte-
ses, 3,5%%. Uma vez garantidas taxas dessa magnitude o
Brasil continuará a assistir de longe a recessão nas potên-
cias e poderá cumprir suas metas de pagamento da dívida
pública e de atração do capital externo.
Algumas vantagens são assinaladas pelas autoridades e
repetidas pelos analistas: os bancos brasileiros estão sóli-
dos, não se envolveram com o mercado de capitais exterior,
afinal não há país que melhor remunere os aplicadores; a
inflação, que deu um salto nos últimos meses, agora arre-
feceu seu ímpeto e o governo a tem como controlada, assim
os capitalistas poderão continuar planejando com certa se-
gurança; as reservas cambiais são as maiores da história
do Brasil, atingiram US$ 207 bilhões; com esse montante o
Estado tem um instrumento contra ataques especulativo
ao real, indica aos investidores existência de caixa como
garantia aos seus negócios etc.; a balança comercial tem
sofrido impacto da desaceleração externa, mas é diversifi-
cada, ao ponto de não mais depender excessivamente dos

27
Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

EUA (de 30% das exportações, passou a 15,6%).


Manejam-se esses fatores e suas relações em uma breve
conjuntura. No entanto, não se trata do que acontecerá no
imediato, mas sim no mediato. O espectro da recessão que
ganha corpo não se limitará aos EUA. Uma vez ampliada, a
diversificação não livrará as exportações de caírem. O peso
do agronegócio e de matérias primas na pauta de exporta-
ção é grande. Verifica-se que tem caído, no caso das merca-
dorias agrícolas, o volume, cuja queda vem sendo
compensada pela elevação dos preços. Mas a desvaloriza-
ção das últimas semanas já corroeu parte da alta. A depen-
dência do preço elevado das commodities passa a ser um
problema, devido aos riscos que a crise financeira vem tra-
zendo à tremenda especulação no mercado de futuros e vi-
sível instabilidade.
Por outro lado, o crescimento do mercado interno de-
pende da continuidade do endividamento da população. O
consumo atingiu 78% do PIB, segundo o jornalista Celso
Ming, mas graças à “disparada de 32,9% no crédito ao con-
sumidor.” (O Estado de São Paulo, 11/09/2008). Sob o go-
verno FHC, o volume dos empréstimos chegou a R$ 300
bilhões; agora, no segundo mandato de Lula, atingiu a mo-
numental quantia de R$ 1,067 trilhão (julho de 2008). Des-
te valor, quase metade recai sobre a população (pessoa
física). Praticamente um terço dos brasileiros está endivi-
dado, cerca de 80 milhões. Destes, mais de quinze milhões
devem quantia acima de $ 5.000,00. Nos últimos dois
anos, triplicou o montante de empréstimos assumidos pelo
consumidor no Brasil, indo de R$ 700 bilhões para 2,1 tri-
lhões de reais. Há uma farra com crédito e empréstimos.
A indústria automobilística desponta como um dos se-
tores de maior peso no crescimento do PIB, mas graças a
essa enorme disponibilidade de financiamento. As autori-
dades monetárias incentivam o crescimento baseado na dí-
vida, que chegou a critérios desconhecidos na história

28
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

econômica do Brasil.
Cornélio Pimentel, que cuida do Departamento de Moni-
toramento do Banco Central, prenuncia perigos: “Não faz
sentido financiar um veículo em 84 meses. Esse problema
está começando a tomar relevância. O prazo médio para um
carro é de 24 meses. Faz em 80 meses quem não tem renda.”
Ou seja, a camada pobre da classe média e a mais remedia-
da da classe operária estão mergulhadas em dívidas.
Eis o que diz Francisco Pessoa, da LCA Consultores: “Não
é de hoje que os bancos não têm a menor prudência ao con-
ceder crédito, vide o cheque especial e o crédito pessoal.
Basta abrir uma conta para já ter aquele limite de crédito
disponível – e com juros altíssimos, como são os do cheque
especial. As taxas são mais altas e os bancos não têm ne-
nhuma garantia.” (Folha de São Paulo, 23/06/2008).
As taxas de inadimplência ainda são suportáveis, se-
gundo os analistas, mas têm crescido, alcançando o pico
de 7,3%, em maio. Esse é um fator que poderá incentivar a
crise interna.
Com a restrição de capital, elevação do dólar e prognós-
tico de desaceleração do crescimento no ano que vem, as
montadoras estão modificando sua ofensiva de venda. Já
não podem bancar a euforia dos longos financiamentos.
Boa parte do dinheiro usado para financiar carros vinha de
fora, a juros baixos. Haverá uma retração neste carro chefe
da economia.
Os bancos estão sólidos e ganhando muito com a espe-
culação, mas os fundamentos dos empréstimos não dizem
o mesmo. Uma queda do crescimento econômico e a volta
do desemprego em grande escala abrirão um rombo no cas-
co dos bancos e financeiras. Esse é um dos grandes peri-
gos. Uma retração na liquidez do mercado financeiro, por
outro lado, será fatal para o tal do crescimento sustentável.
O BNDES prevê, até 2010, empréstimos de R$ 210,4 bi-
lhões à indústria, com juros subsidiados. Sem alcançar a

29
Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

taxa de 21% do PIB de investimento, o “vôo de galinha” de-


sanuviará o sonho da águia de Lula.
As reservas cambiais não são apenas solução mas tam-
bém um problema. Seu equilíbrio depende do câmbio, do
que acontecerá com a balança comercial e com a con-
ta-corrente. Espera-se redução do superávit da balança co-
mercial e aumento do déficit da conta-corrente. Durante o
último período, as reservas cambiais resultaram em alto
custo para o Brasil, devido ao dólar baixo e à sua aplicação
em títulos públicos norte-americanos, cuja remuneração é
bem menor que a do mercado brasileiro. Com a tendência à
alta do dólar, se mantida e fortalecida, o Banco Central se
verá na contingência de sustentar bem alta a Selic. O go-
verno poderá despejar dólares da reserva internamente
para não deixar o dólar subir muito.
Mas o déficit em conta-corrente trará grandes transtor-
nos. Houve uma reviravolta neste aspecto. Devido à queda
nas exportações e alta nas importações, emergiu um déficit
perigoso, que também pressiona o Banco Central à alta da
taxa de juros, por necessidade de entrada externa de moe-
da e para reduzir a repatriação de capital especulativo, in-
centivada pela crise mundial. O Brasil – ou seja, sua
burguesia e seu governo – encontra-se preso à gigantesca
dívida pública, que consome importante parcela da renda
nacional. Estima-se que o déficit em conta-corrente poderá
chegar a US$ 28 bilhões e, no ano que vem, US$ 34 bi-
lhões. (O Estado de São Paulo, 17/09/2008)
Mesmo que a situação instável não permita precisões,
basta que existam cálculos como esses para se ter em con-
ta que a crise já chegou ao Brasil e alimentará as contradi-
ções internas.
No momento, o reflexo mais contundente da crise se
manifesta na Bovespa. Especuladores internacionais têm
retirado bilhões da Bolsa. Desde o início de 2008, verifi-
ca-se a fuga de capitais. A venda de posições em grande es-

30
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

cala vem derrubando o valor das ações e papéis.


Contabiliza até o início de setembro um acúmulo negativo
do Ibovespa, principal indicador no Brasil, de 20,6%, o que
representa uma grande desvalorização das ações de gran-
des empresas, como a Vale do Rio Doce e Petrobrás. O de-
sequilíbrio sistêmico das Bolsas internacionais expôs o
quanto de especulação a burguesia tem praticado. A Bolsa
no Brasil, que foi inchada nesta década, concentra os negó-
cios em torno das commodities.
Em outubro de 2007, a oferta pública de ações chegou
ao auge, em setembro de 2008 vêm pesadas perdas. A ele-
vação ao grau de investimento pela Standart & Poor’s fez
com que a Bovespa escalasse a 73.516 pontos, em maio,
para dali a dois meses cair para 60.148, agora despencou
para pouco mais de 40.000 e voltou, depois do novo pacote
de Bush, a 53.000, voltando a cair para a casa dos 40.000.
Oscilação que indica o alto grau de parasitismo da Bolsa e
a avalanche especulativa dos últimos anos em que tudo pa-
recia maravilhoso no reino do capitalismo.
Como pode uma empresa como a MPX e a OGX do em-
presário Eike Batista valer R$ 4,8 bilhões e cair para R$ 1,6
bilhão; e R$ 35,7 bilhões para R$ 12,5 bilhões, respectiva-
mente? Uma ficção que a economia real suporta por algum
tempo, depois a desfaz como em um passe de mágica. Com
os fundos especulativos ocorre o mesmo, concentram uma
massa de capital para jogar na Bolsa e instituições finance-
iras (ações, aquisições, fusões, commodities), mas saem
em tropel assim que despontam perigo de perdas. Como
pode um fundo como Mauá Fund de Investimento Multi-
mercado ter um patrimônio de R$ 1,7 bilhão e reduzir-se a
191, 7 milhões? É o que se noticiou na fatídica quinta-feira
de 2 de outubro.
Vejamos o que diz Rodolfo Riechert, do Banco Pactual:
“As empresas precisavam de capital para realizar seus so-
nhos e vieram no momento em que o mercado estava a dar

31
Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

esse capital. No mercado atual, a empresa pode estar super


bem preparada, mas não vai conseguir um bom preço.” (O
Estado de São Paulo, 13/09/2008). As altas vertiginosas
de seus preços e em seguida as quedas indicam o esgota-
mento das margens do jogo.
Em se avançando esse processo, combinado com reces-
são, poderá se colocar quebra industrial e comercial.
O ponto nevrálgico da economia, no Brasil, e que, frente à
crise, mais preocupa tanto a burguesia nacional quanto in-
ternacional, está na monumental dívida pública, que corres-
pondia em março a R$ 1,250 trilhão, metade do PIB. O
governo usa o argumento de que pelo menos a dívida externa
ficou diminuta e de que as reservas cambiais dão garantias
de folga. Mas ocorre que grande parte dessa dívida foi trans-
formada em dívida pública. Somada ao que restou da exter-
na, gerou-se este monstro de mais de um trilhão de reais.
Os artifícios do Plano Real que permitiram a paridade da
moeda nacional com dólar foram expostos no final do últi-
mo mandato de Fernando H. Cardoso, sob um quadro re-
cessivo, no final da década de 1990, de forma que o câmbio
fixo estourou. As operações financeiras em torno do Plano
Real deram um salto histórico na dívida pública. Sob Lula,
com o câmbio já flexível e o Real supervalorizado, a dívida
foi mantida nas alturas, sendo que grande parte foi trans-
formada em Real. Com a queima de mais de 1 trilhão de dó-
lares na crise que se processa, desvalorizam-se ativos fixos
e capitais fogem por meio de resgates da Bolsa, remessas
de lucros etc. O capital financeiro não aceitará desvalorizar
a dívida pública com a desvalorização do Real, fenômeno
que se manifesta neste momento e que pode se potenciar.
O governo terá de iniciar a dilapidação das reservas cambi-
ais, vendendo dólares. Uma nova crise do endividamento
está colocada no horizonte.
Trata-se de um volume e uma força financeira que obri-
gam o governo a guiar a política monetária pelas altas ta-

32
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

xas de juros, as mais violentas do mundo. À dívida se


atrelam fatores, como câmbio, balanço de conta-corrente,
taxas de juro, superávit primário. Um profundo desequilí-
brio nestes fatores levará a crise financeira a atingir forte-
mente a produção e o comércio, e vice-versa.
Na situação em que a crise combine destruição maciça
de capital parasitário com destruição de capital produtivo –
tudo indica que esta combinação está por vir, sem que ain-
da saibamos o ritmo – todo arcaboço do Plano Real virá
abaixo. As fraquezas da economia apenas começaram a ser
expostas. Os reais fundamentos se encontram na estrutu-
ra econômica de capitalismo atrasado e semicolonial.
Apontamos alguns: 1. Ramos fundamentais da produção
estão nas mãos de multinacionais; 2. Fontes de matérias
primas estratégicas contam com a presença ostensiva do
capital estrangeiro; 3. Commodities têm peso decisivo na
balança comercial e não as manufaturas com valor agrega-
do; 4. Bolsa depende dos aplicadores externos para funcio-
nar; 5. Grandes empresas nacionais dependem do
financiamento externo; 6. Drenagem de recursos para o ex-
terior é gigantesca; 7. Sistema financeiro nacional ultrapa-
rasitário, cuja lucratividade é estratosférica; 8. Pobreza e
miséria da maioria da população; 9. Milhões de pequenos
agricultores e de camponeses sem-terra que sobrevivem
subordinados ao capital agroindustrial.
As forças produtivas da economia brasileira estão, em
grande medida, atreladas ao movimento do capital interna-
cional, ao saque imposto pelo capital parasitário nacional e
imperialista. A burguesia brasileira não tem poder econô-
mico para se defender da crise mundial, caso esta alcance
o patamar que está se prenunciando. O processo de aber-
tura das fronteiras comerciais às potências, a enorme des-
nacionalização e a maior dependência ao capital financeiro
por meio da dívida pública exporão a fragilidade do Brasil
no oceano da crise.

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

O governo e mesmo a oposição burguesa vêem na ex-


pansão do programa etanol, nas descobertas de reservas
petrolíferas do pré-sal, no potencial da agroindústria e de
fontes de recursos naturais uma fortaleza frente à crise que
se forma no horizonte. No entanto, não se cansam de bra-
dar que o Brasil não tem capital suficiente e que depende
das multinacionais. A burguesia brasileira se mostra impo-
tente para explorar as riquezas potenciais. O Estado se en-
contra completamente submetido às dividas interna e
externa, entrega boa parte da mais-valia destinada a im-
postos a banqueiros e financistas. O capital imperialista
exigirá do Brasil muito mais, diante das novas condições
criadas pela crise.
A classe operária e demais exploradas estão diante da
derrocada do sistema de exploração do trabalho. Em situa-
ção de funcionamento “normal”, de crescimento econômico
e de baixa taxa de desemprego, ainda assim permanece a
condição de pobreza e miséria da maioria. Com a crise,
esse quadro social se agravará. Novas ondas de demissão,
aumento do exército de desempregados crônicos e esmaga-
mento salarial virão.
O “programa” ou medidas da classe patronal para atra-
vessar o desmoronamento mundial, em sua essência, se
resume na intensificação da exploração da força de traba-
lho, no saque imperialista das semicolônias e no entreguis-
mo de suas burguesias.
A classe capitalista brasileira tem a dupla tarefa: a de
defender seus capitais e a de auxiliar o imperialismo su-
portar a desintegração que por ora se inicia. O que resulta
em termos econômicos e sociais que a classe operária, os
camponeses e a classe média urbana carregarão peso du-
plo: os interesses da burguesia nacional e os da burguesia
imperialista.
Governos e analistas se dizem surpresos com a propor-
ção que tomou a crise e insistem que não sabem quando

34
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

terminará e qual será a extensão. A classe operária deve es-


perar o pior e não confiar nos argumentos salvadores da
burguesia e seu governo, nem tampouco em qualquer uma
de suas orientações. Temos nossa análise da derrocada e
nosso programa para a crise.
Respondemos com o Programa de Transição da IV Inter-
nacional, que foi concebido para responder à crise históri-
ca do capitalismo – suas crises cíclicas, suas guerras e
suas conseqüências catastróficas para a classe operária
mundial. Aplicado às condições nacionais do Brasil, que
nos coloca problemas particulares do país semicolonial,
combateremos a burguesia interna e o imperialismo. No
fundo da crise está a grande propriedade dos meios de pro-
dução, que deverá ser transformada em propriedade social,
por meio da expropriação revolucionária, ou seja, pela re-
volução proletária.

Teses conclusivas sobre a crise capitalista


1.O que distingue a presente crise das crises anteriores
é que tem os EUA como epicentro e que ganha proporção de
maior crise mundial do pós-guerra. Tratam-se de manifes-
tações da crise histórica do capitalismo.
2.A derrocada do sistema financeiro internacional refle-
te a contradição fundamental entre as forças produtivas al-
tamente desenvolvidas e as relações de produção baseadas
na propriedade monopolista;
3.O gigantesco capital financeiro ampliou e saturou seu
descompasso com as forças produtivas, grande parte não
tem como ser aplicada na produção e no comércio, prevale-
cendo sua valorização por meio da especulação;
4.O capital financeiro resultou historicamente da fusão
do capital bancário com o capital industrial, resultante da
fase monopolista do capitalismo. A sua crise sistêmica con-
clui em quebras industriais e comerciais. Não por acaso, a
falência financeira nos EUA começou com a quebra do se-

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

tor de imóveis, da construção civil. Indicou que o cresci-


mento econômico tem sido promovido pela poderosa
atuação especulativa dos bancos, agências de investimen-
tos e fundos diversos;
5.É inevitável que os países de economia atrasada sejam
arrastados pela crise instalada nas potências. As vanta-
gens alcançadas no ciclo de crescimento especulativo logo
mostrarão sua pequenez e darão lugar a desvantagens. Na
cadeia mundial de interdependência, constituem os elos
mais frágeis.
6.O processo de restauração capitalista na ex-União So-
viética, Leste Europeu e China, impulsionado desde a dé-
cada de 90, permitiu que a crise mundial, que vinha se
gestando desde 1970, tivesse um respiro. As contradições
se manifestaram na forma de quebras regionais ou de paí-
ses, todos de economia atrasada.
7.A destruição de conquistas revolucionárias – proprie-
dade social, soberania, emprego, combate à pobreza etc –
com a reintrodução da propriedade capitalista e exploração
do trabalho permitiu à burguesia imperialista movimentar
capitais e aproveitar-se do atraso econômico. As burocraci-
as restauracionistas serviram e servem de canal para o ca-
pital financeiro e as multinacionais atuarem por cima das
fronteiras da Rússia, China etc. Em pouco tempo, evidenci-
ou-se que as forças produtivas não poderiam se expandir
livremente e se armou um quadro mundial que se dirige
para grandes conflitos.
8.A monumental crise atual ainda está em desenvolvi-
mento. Não se tem como chegar a um prognóstico preciso
do seu ritmo, alcance e desdobramento. As potências têm
imensas riquezas acumuladas pela reconstrução do
pós-guerra, pela exploração impiedosa das massas mundi-
ais e pelo saque dos países semicoloniais, dos quais o Bra-
sil não deixou de fazer parte pelo fato de ser considerado
um dos Brics. Os governos imperialistas atuam sobre a cri-

36
A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

se financeira gastando somas que já ultrapassam US$ 1


trilhão. A crise aprofundará e se alargará no momento em
que cessar a possibilidade de queima maciça de capital lí-
quido, advindo a queima de capital fixo. A crise capitalista
se caracteriza por destruir grande quantidade riquezas
acumuladas.
9.As potências são responsáveis pelo funcionamento do
capitalismo e por sua ordem mundial. A falência de gran-
des bancos, financeiras e seguradoras tem de ser discipli-
nada, para que a anarquia do mercado não se transforme
em caos. No momento, estabeleceu-se uma coordenação
“cooperativa” entre as potências para impor a disciplina:
decidir quem sobrevive e quem morre, para em seguida
restabelecer o funcionamento do sistema:
10.O restante do mundo nada influencia nas decisões,
seus bancos centrais são apêndices. Mas terá de arcar com
parte significativa da crise. Brasil, Índia, Rússia, China,
para ficarmos nos Brics, terão de destinar as vantagens de
seu crescimento para pagar os estragos nas potências.
Para isso servirão as reservas cambiais, suas fontes de ma-
téria prima, seus mercados internos e sua classe operária
superexplorada;
11.Nas últimas décadas, prevaleceu a diretriz do Con-
senso de Washington. As potências comandaram a abertu-
ra das fronteiras dos países atrasados e semicoloniais,
conservaram seu protecionismo e promoveram as reformas
trabalhistas, de forma a aumentar a superexploração e a
equalizar os interesses da burguesia internacional. Obte-
ve-se crescimento e alta concentração de riqueza. Esse
processo se esgotou e abre-se uma nova etapa de crise. O
fracasso de acordos como o de Doha indica que violentos
choques estão por vir.
12.Chegamos à principal conclusão: as massas mundi-
ais, formadas pela classe operária, camponeses e classe
média urbana, são as forças sociais que pagarão toda a

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Explode a Crise Mundial do Capitalismo: Para Onde vai o Brasil?

conta. Na crise, parte dos capitalistas se quebra, parte tem


seus capitais desvalorizados e parte se enriquece ainda
mais, dando prosseguimento à lei econômica da concentra-
ção. A destruição maciça de riqueza permite aos capitalis-
tas reiniciarem um novo ciclo econômico. Mas para isso a
burguesia põe na rua batalhões de trabalhadores, incha o
exército de desempregados, amplia o subemprego, rebaixa
os salários, liquidas direitos trabalhistas e sacrifica ainda
mais os camponeses. A burguesia não tem outra solução
para a crise estrutural do capitalismo senão destruir forças
produtivas e atacar a vida dos explorados;
13.Mas há outra conclusão essencial: trata-se de uma
crise no seio do capitalismo em sua fase superior – como
demonstrou Vladimir Illich Lênin. O que traz à tona as ten-
dências bélicas próprias desta fase última. Os EUA milita-
rizaram as relações mundiais e impulsionaram a indústria
bélica que deixa muito para trás o armamentismo da 1ª e
2ª Guerras. Tudo indica que o quadro de conflitos e de in-
tervencionismo imperialista se ampliará com a crise. As
guerras, nesta etapa superior e última do capitalismo, ex-
pressam contradições entre as fronteiras nacionais e a or-
dem econômica mundial; e entre as forças produtivas e as
relações de produção. Resultam em grandes desperdícios
de esforços econômicos, destroem em grande escala forças
produtivas e impõem grandes sacrifícios às populações;
14.A crise mundial potencia a barbárie capitalista. O
seu desenvolvimento depende, no entanto, da luta de clas-
ses. As classes operária e demais oprimidas têm seus mei-
os próprios de luta e a experiência histórica acumulada
que lhes permitem contrapor-se às medidas da classe capi-
talista com o programa socialista de transformação da pro-
priedade privada dos meios de produção em propriedade
social, coletiva. A bancarrota mundial demonstra o esgota-
mento do capitalismo, que deve dar lugar ao socialismo,
por meio de revoluções. É necessário compatibilizar as for-

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A Arma do Proletariado: O Programa de Transição da IV Internacional

ças produtivas altamente desenvolvidas com novas rela-


ções de produção baseadas na propriedade social. As
riquezas capitalistas, altamente concentradas, estão em
choque com a vida das massas. Para resolver essa contra-
dição, está colocado historicamente compatibilizar a pro-
dução social com a forma coletiva da propriedade.
15.Ganharão importância e projeção nacional e interna-
cional respostas econômicas em defesa do trabalho, dos
salários e das condições de existência da maioria. Os capi-
talistas vão defender suas propriedades e lucros demitindo
e intensificando a taxa de exploração. A política econômica
dos governos se tornará mais visível perante os trabalhado-
res como instrumento de proteção ao grande capital. As re-
ivindicações econômicas das massas se combinarão com a
luta política.
16.A crise estrutural do capitalismo ressalta a crise de
direção política da classe operária. Suas organizações sindi-
cais foram burocratizadas e estatizadas no mundo todo,
com raras exceções. Os partidos comunistas foram varridos
ou estão completamente integrados ao capitalismo. A III in-
ternacional foi liquidada. A restauração capitalista se im-
pôs. São conseqüências do estalinismo. O Programa de
Transição da IV Internacional, elaborado por León Trotsky,
é o instrumento da classe operária para responder à crise
histórica do capitalismo. Em meio à grande turbulência que
caracterizará o próximo período, teremos de construir os
partidos revolucionários e reconstruir a IV Internacional.

São Paulo, 3 de outubro de 2008

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