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I ENCONTRO MEMORIAL DO ICHS

UNIVERSIDADE FEDRAL DE OURO PRETO


INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DÉLIA RIBEIRO LEITE
11 DE NOVEMBRO DE 2004

O POPULAR NA OBRA DE

OSWALD DE ANDRADE

1- O POPULAR

A palavra popular vem do latim populare e etimologicamente significa “de ou


do próprio povo”. A significação se estende a outros conceitos como: “feito para o
povo, agradável ao povo, democrático”, até chegar em: “vulgar, trivial, ordinário,
plebeu”.
Há uma diferença, no entanto, entre o conceito de popular e a representação
deste em obras artísticas, e, particularmente, literárias. Isto porque as representações
podem retratar o povo, sem, no entanto, atingi-lo. Dessa forma, pensar neste conceito
em uma obra literária não significa simplesmente encontrar as representações de uma
cultura popular, mas também entender as relações entre estas manifestações e os
indivíduos que elas representam.
O Modernismo foi importante neste sentido porque buscava retratar as
manifestações populares de forma verdadeira, e não mistificada. Buscava, assim,
reforçar a identidade brasileira. O problema, no entanto, está em se estabelecer até que
ponto estas representações influenciaram não só a cultura dominante brasileira- já que
iam contra as manifestações até então vigentes; mas também a cultura popular- que,
então, se inseriu verdadeiramente nas artes nacionais. Isto porque só a arte que
integrasse estas duas culturas poderia representar o Brasil, na visão dos modernistas. De
acordo com Benedito Nunes:

“O ideal do Manifesto da Poesia Pau-Brasil é conciliar a


cultura nativa e a cultura intelectual renovada, a floresta com a
escola num composto híbrido que ratificaria a miscigenação
étnica do povo brasileiro, e que ajustasse, num balanço
espontâneo da própria história, “o melhor de nossa tradição
lírica” com “o melhor de nossa demonstração moderna”.
(NUNES, 1978, p. XXIII)

Dessa forma, o que os modernistas pretendiam era reformular a visão de cultura


até então vigente, integrando as duas culturas, a popular e a erudita, para unificá-las em
uma só: a cultura brasileira.
Posteriormente, no entanto, essa visão de popular modificou-se, principalmente
durante o regime militar, por aqueles que organizavam a contracultura. Estes entendiam
cultura popular como sendo as representações do povo, mas que deveriam ser usadas de
forma a modificar, politizar este mesmo povo. Assim, eles faziam a distinção entre
cultura erudita e popular. A primeira seria aquela que existiria como (...) intrumento de

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dominação (...) alienada e alienante, porque não é humanizante. (Ação popular, p. 20).
Já a segunda seria (...) a cultura que leva o homem a assumir sua posição de sujeito da
própria criação cultural e de operário consciente do processo histórico em que se
acha inserido. (Ação popular, p.23). Assim, um movimento de cultura popular deveria
ser fundamentalmente revolucionário e fazer arte com o povo, e não para o povo:

“Embora a cultura moderna tenha uma destinação universal,


uma vez que as obras culturais se criam numa perspectiva
antropológica, ela, enquanto polarizada ideologicamente,
serve, de fato, aos interesses de uma classe, de uma
determinada posição social. A esse tipo de cultura,
imediatamente se opõe uma reivindicação de cultura popular.”
(Ação Popular, p. 23)

Neste sentido, Oswald dizia que “(...) como tantos outros de sua geração,
passara pela experiência vanguardista por efeito de uma inquietude mal compreendida,
que ignorava a origem social e o fundo político dos seus anseios.” (ANDRADE, citado
em NUNES, 1978, p.XV), mas ao mesmo tempo afirmava que a massa ainda comeria
do biscoito fino que ele fabricava.
Assim, o movimento modernista reformulou a arte brasileira não só estética,
como também tematicamente, servindo de ponto de partida para as posteriores gerações,
que farão o amadurecimento dessa primeira geração revolucionária e, como afirma
Haroldo de Campos, “radical”. O trabalho, no entanto, visa identificar como essa
mudança temática modificou a cultura brasileira, tanto erudita, como popular. Num
primeiro âmbito, propõe-se a identificar os pontos de representação do popular dentro
da obra de Oswald de Andrade. Paralelamente, no entanto, estuda se o autor realmente
conseguiu retratar uma cultura verdadeiramente brasileira, ou se, ao inserir o popular,
criou uma obra igualmente erudita, mas com uma temática diferente, popular. A análise
se faz por meio de dois manifestos, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil e o Manifesto
Antropofágico, e de um livro de poesias do autor, Pau-Brasil. Vale ressaltar que as três
obras foram compostas em datas próximas. A análise, portanto, depreende-se de uma
vertente do pensamento oswaldiano, já que posteriormente ele viria a publicar várias
outras obras que se difeririam e se aproximariam em alguns pontos das obras aqui
analisadas.

2- O POPULAR NOS MANIFESTOS

O Manifesto da Poesia Pau-Brasil e o Manifesto Antropofágico são os mais


famosos de Oswald de Andrade. O primeiro foi publicado no Correio da Manhã, em 18
de março de 1924. Já o segundo foi publicado no primeiro fascículo da Revista de
Antropofagia, em maio de 1928.
Ambos são contestadores da cultura “erudita” que vigorava nas representações
artísticas até então. Neste sentido, são fruto de uma análise crítica da sociedade. Alguns
críticos, no entanto, defendem que esta visão era ainda imatura e não teórica. De acordo
com Lúcia Helena:

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“O brilhantismo intuitivo de Oswald se faz acompanhar de uma
carência teórica. Ele busca um efeito a curto prazo o que faz
com que muitas de suas propostas apareçam como nebulosa
ideológica dos segmentos da burguesia não tradicionalista, mas
presa ao fascínio do folclórico e do lírico” (HELENA, 1985,
p.136)

Cabe argumentar, no entanto, que a defesa da obra de Oswald, e isso se faz em


muitos pontos nos manifestos, como veremos, é justamente de uma arte anti-
academicista. Dessa forma, ele luta justamente contra as teorias anteriores, que
apoiavam a cultura acadêmica vigente. Os seus manifestos atestam uma indignação,
sem muitas propostas práticas de mudança, mas isso se dá principalmente porque, neste
momento, ele compõe um manifesto de protesto, e não de reforma. A reforma não se
manifesta teoricamente, mas na própria prática da composição destes manifestos,
marcados pelo efeito cubista.
Com relação à questão do popular nos dois manifestos, ambos tratam do popular
criticando o erudito.
No Manifesto da Poesia Pau-Brasil, Oswald incorpora elementos da paisagem e
cultura nacionais. Isto ocorre desde o início. Os “casebres de açafrão e de ocre nos
verdes das favelas”, “O carnaval do Rio”, “O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a
dança.”, são exemplos desta representação. De acordo com Lúcia Helena:

“Quando Oswald recupera, às vezes até resvalando no


folclórico, o casebre de açafrão, o carnaval, o minério, o
vatapá e a dança, e faz com que Wagner submerja aos cordões
do carnaval, ele está saturando de ‘juízo’ um padrão aceito: a
‘boa arte’ é contraditada pelo que se produz, espontâneo, na
manifestação cotidiana de uma cultura híbrida.” (HELENA,
1985, p. 147)

A crítica maior do Manifesto, no entanto, é contra a erudição. Oswald trata deste


ponto diretamente e a crítica apóia-se na referência ao contexto histórico. A
consolidação das indústrias, com a divisão cada vez maior do trabalho, o crescimento
das cidades, a primeira guerra mundial, o aparecimento da psicanálise, criavam uma
nova concepção de vida no homem moderno. Há elementos no texto que se referem a
esse novo contexto e que fazem com que o próprio Manifesto seja fruto dele. São eles:
“locomotivas cheias”, “Engenheiros em vez de jurisconsultos”, “o artista fotógrafo”,
“piano de manivela”, “fábricas”, “novas formas da indústria”, “aviação”, “Postes.
Gasômetros Rails. Laboratórios e oficinas técnicas. Vozes e tics de fios e ondas e
fulgurações.”, “de química, de mecânica, de economia e de balística”. Estes elementos
criam uma atmosfera de modernidade no texto, atmosfera esta que será um dos
argumentos para criticar o arcadismo das manifestações culturais eruditas vigentes até
aquele momento.
Mas a crítica ao erudito manifesta-se de forma direta. O ataque de Oswald ao
“lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos”, ao “bacharel” demonstram
a posição contrária dele ao até então considerado erudito. De acordo com ele:
“Eruditamos tudo”, e esta erudição tem apoio histórico, já que o lado doutor foi

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“Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas
selvagens.” De acordo com Benedito Nunes:

“O bacharelismo, o gabinetismo, o academismo, as frases feitas


da sabedoria nacional, a mania das citações, tudo isso serviria
de matéria à poesia pau-brasil, que decompõe
humoristicamente o arcabouço intelectual da sociedade
brasileira, para retomar, através dele ou contra ele, no
amálgama primitivo por esse arcabouço recalcado, a
originalidade nativa, e para fazer desta o ingrediente de uma
arte nacional exportável.” (NUNES, 1978, p. XXI)

Assim cria-se a Poesia Pau-Brasil, citada nove vezes ao longo do manifesto e


caracterizada como “ágil e cândida. Como uma criança.”, “de exportação”, “a
coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral.”,
“A saudade dos pajés e o campo de aviação militar.”, e, por fim, “a floresta e a escola.
O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação.” E representando a
modernidade e ironizando o tradicionalismo ultrapassado, Oswald coloca que “A poesia
Pau-Brasil é uma sala da jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata
resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota
lendo o jornal. No jornal anda todo o presente.”
O Manifesto Antropofágico, por sua vez, manifesta a crítica ao erudito e à
tentativa de se estabelecer a identidade nacional por meio da metáfora. A metáfora
referida é a da antropofagia. Segundo Benedito Nunes:

“(...) esse manifesto lança a palavra ‘antropofagia’ como pedra


de escândalo, para ferir a imaginação do leitor com a
lembrança desagradável do canibalismo, transformada em
possibilidade permanente de espécie. (...) tal palavra funciona
como engenho verbal ofensivo, instrumento de agressão pessoal
e arma bélica de teor explosivo, que distende, quando
manejada, as molas tensas das oposições e contrastes éticos,
sociais, religiosos, políticos, que se acham nela comprimidos.”
(NUNES, 1978, p. XXV)

Desta forma, não há uma grande representação do popular como no Manifesto


da Poesia Pau-Brasil. Isto porque esta representação ocorre de forma indireta. Ao aludir
ao índio e sua cultura, Oswald de Andrade faz várias críticas. Num primeiro âmbito, ele
trata da exploração e da dominação a que o Brasil foi submetido. De acordo com ele, há
“A reação contra todo o homem vestido.”, “Contra todos os importadores de
consciência enlatada.”. Paralelamente, ele critica também a cultura elitista. Ele é
“Contra o Padre Vieira.”, “Contra os conservatórios.”, “Contra Goethe, a mãe dos
Gracos, e a Corte de D. João VI.”, “Contra Anchieta” , e defende o mundo “Sem
Napoleão. Sem Cezar.”.
Há, no entanto, a presença de algumas manifestações populares no texto. Estas,
porém, não aparecem livremente, mas endossando o discurso de luta e de tentativa de
mudança não só da ordem cultural brasileira, mas da própria consciência de cultura do

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brasileiro. Ele diz que “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio
vestido de Senador do império. Fingindo e Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar
cheio de bons sentimentos portugueses.” Nota-se, portanto, que o elemento da cultura
popular aparece como aspecto que endossa a crítica à visão anterior da cultura nacional,
bem como à própria história de dominação brasileira. Há ainda a presença de palavras
em tupi, que compõem o quadro de miscigenação entre passado e presente existente no
texto. Oswald faz, também, a seguinte pergunta duas vezes: “Mas que temos nós com
isso?”, como uma forma de rejeitar o pensamento academicista e procurar um
pensamento que retratasse e analisasse a realidade nacional.
Há no texto, como no Manifesto da Poesia Pau-Brasil, a presença da
contextualização histórica. O texto diz: “A fixação do progresso por meio de catálogos
e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.”.
O texto faz alusões à influência da catequese para a des-construção da visão
nacional e para a reconstrução desta visão, agora apoiada na concepção e nos conceitos
externos. De acordo com Benedito Nunes, o Manifesto retratou

“(...) o aparelhamento colonial político-religioso repressivo sob


que se formou a civilização brasileira, a sociedade patriarcal
com seus padrões morais de conduta, as suas esperanças
messiânicas, a retórica de sua intelectualidade, que imitou a
metrópole e se curvou ao estrangeiro, o indianismo como
sublimação das frustrações do colonizado, que imitou atitudes
do colonizador.” (NUNES, 1978, p. XXV)

Os Manifestos, portanto, usam a representação popular para buscar a identidade


e a cultura verdadeiramente brasileiras. O Manifesto Antropofágico, porém, tem um
cunho mais engajado, de tentativa de real mudança nos conceitos culturais da sociedade.
Já o Manifesto da Poesia Pau-Brasil tenta atingir este objetivo por meio de
representações e integrando elementos da cultura popular.

3- O POPULAR NA POESIA

O livro de poesias Pau-Brasil inicia-se com um prefácio de Paulo Prado. De


acordo com ele “A poesia ‘pau-brasil’ é o ovo de Colombo” (PRADO, 1924, p. 59). Já
neste prefácio ele antecipa aquilo que Oswald fez, que, por sua vez, comprova o que ele
defendeu no Manifesto da Poesia Pau-Brasil:

“Esperemos também que a poesia ‘pau-brasil’ extermine de


uma vez um dos grandes males da raça- o mal da eloqüência
balofa e roçagante. Nesta época apressada de rápidas
realizações a tendência é toda para a expressão rude e nua da
sensação e do sentimento, numa sinceridade total e sintética.”
(PRADO, 1924, p.59)

Desta forma, Oswald colocará em prática os conceitos já expostos no Manifesto


da Poesia Pau-Brasil. Ele criticará a erudição, e um dos meios de que ele se utilizará
será a incorporação de elementos populares até então não tratados na poesia.

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Oswald inicia o livro com o poema “Escapulário”, em que subverte a ordem
litúrgica para exaltar a poesia. Em seguida, há trechos do Manifesto da Poesia Pau-
brasil, sob o título de “Falação”. Ele, portanto justifica aquilo que irá aparecer em sua
obra. Os poemas que se seguem estão agrupados sob o nome de História do Brasil.
Estes poemas criticam e satirizam o processo de colonização brasileiro ao reescrever,
agora sob um novo contexto e uma nova forma de composição- a fragmentária-
documentos de europeus escritos durante o período de colonização. Desta forma, ele
chama atenção aos conceitos brasileiros apoiados nos europeus, inclusive o cultural.
Nestes poemas, Oswald mantém a linguagem arcaica e há alguns poemas em francês,
como uma sátira àquilo que era considerado culto, mas que já estava ultrapassado.
O próximo grupo de poemas receberá o nome de Poemas da Colonização. Neles
Oswald fará referência ao processo de colonização brasileiro para criticar o ato
exploratório a que os negros foram submetidos. Há nestes poemas uma grande presença
de elementos populares. Oswald incorpora neles mitos e lendas do Brasil colônia,
relacionados à cultura africana. A linguagem utilizada é simples e aproxima a poesia da
fala para criticar o já citado “mal da eloqüência”. Na poesia “Cena”, Oswald usa o
termo “côa” para representar a expressão “com a”. Isto demonstra o caráter coloquial
que aproxima poesia da realidade lingüística. Em “Medo da Senhora”, ele usa a
expressão “judiada” e em “A Roça “ ele incorpora vários elementos da culinária
brasileira, como “feijão, angu, abóbora, chicória e cambuquira”. No poema
“Azorrague”, Oswald transcreve a fala do negro por meio da expressão “peredoa”, e
em “Senhor Feudal”, há a expressão “boto”, ao invés de “coloco”. O Poema “O
Capoeira” compõe, de uma forma cubista, uma briga, mas as expressões são também de
cunho popular: “Qué apanhá sordado?”. O próprio título já remete à cultura julgada
popular, característica dos escravos. O poema “Relicário” expressa bem a incorporação
da cultura popular por meio da classe dominante. Nele, é o Conde d’Eu quem diz para
Dona Benvinda, note-se o nome popular, “Que farinha de Suruí/ Pinga de Parati/Fumo
de Baependi/ É comê, bebê, pitá e caí” . É importante ressaltar os elementos populares
na cultura, farinha, pinga e fumo, bem como os próprios lugares interioranos, Suruí,
Parati e Baependi, além da mudança e transcrição da realidade lingüística, comê, bebê,
pitá e caí. Estes elementos são defendidos pelo “Conde d’Eu”, o que cria a ironia e
demonstra a superficialidade das relações eruditas, uma vez que historicamente aquilo
que era considerado erudito já defendia o popular.
O próximo conjunto de poemas recebe o nome de “São Martinho”. Eles, assim
como os outros, têm características cubistas que Oswald utiliza para quebrar a
expectativa do leitor e fazer com que ele monte sua própria interpretação, sua
perspectiva do problema. Alguns destes poemas, como “Noturno”, “Lei” e
“Metalúrgica” atentam para as mudanças ocorridas pela modernização, chamando
atenção ao contexto histórico. Mas outras relatam elementos variados da cultura
brasileira, como “Escola Rural”, “Pai Negro”, “Assombração”, “Mate Chimarrão”, e
principalmente “O Violeiro”. Este poema subverte a ordem gramatical correta para criar
a rima e musicalidade do poema e, dessa forma, aproximá-lo das cantigas de viola.
Assim, “singular” torna-se “singulá” e voltas torna-se “vortas”. Esses recursos são
muito usados na composição desta classe musical, considerada na época inferior pelos
ditos “cultos”.
Os poemas seguintes são agrupados sob o nome de “rp 1”. Estes poemas tratam
basicamente da vida na cidade. A composição é fragmentária e o estilo renova a
linguagem, desestabilizando a estrutura até então usada nas composições. Ele chama

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atenção a produtos brasileiros, como “Creme Brasil/ Indústria Vassourense/ Doce de
Leite/ Água de Caxambu/ A natureza/ sobre a mesa”. O poema “Nova Iguaçu” retrata
bem esta transposição do ambiente brasileiro da cidade. Depois de enumerar alguns
nomes comuns de comércio, como “Café do Papagaio”, ele finaliza a poesia com a
seguinte afirmativa: “No país sem pecado”. Dessa forma atenta ao espírito sagaz do
brasileiro, espírito este que havia sido deixado de lado ou sido mistificado nas
manifestações literárias anteriores. A frase remete à figura do malandro, que já havia
sido retratada em “Memórias de um sargento de milícias” e que será posteriormente
tratada em outras manifestações artísticas.
Os dois poemas seguintes, “Nossa Senhora dos Cordões” e “Na Avenida” estão
reunidos sob o título de “Carnaval”. Os próprios nomes já remetem ao popular, uma vez
que o Carnaval era, e é, a manifestação popular que aproxima as camadas sociais num
mesmo intuito de fuga da realidade e de diversão. “Nossa Senhora dos Cordões”
começa com “Evoé” e termina com “Do Riso e da Loucura”. Dessa forma, Oswald de
Andrade compõe a atmosfera de um “país sem pecado”, como já foi citado. E neste
país sem pecado os moldes morais que afunilavam os temas poéticos e a própria forma
poética perdem lugar para a liberdade temática e de composição, que retrata justamente
o Brasil, próprio para “exportação”, como defende o Manifesto da Poesia Pau-Brasil.
Nesta poesia de exportação caberia tanto o histórico como o moderno, e o popular
nestes dois sentidos. Já no poema “Na Avenida”, Oswald coloca que o bloco é
composto de “20 damas”, “40 homens do coro”. Com isto ele demonstra que estas
manifestações, por mais que consideradas pela elite não qualitativas, são quantitativas.
Ele termina com o seguinte verso: “Entre luzes elétricas”, tanto para contextualizar o
texto como moderno, quanto para demonstrar que ambos, popular e moderno,
caminhavam juntos.
Os poemas seguintes, que estão enumerados, reúnem-se como “Secretário dos
Amantes”. Os poemas narram a saudade do homem que está no exterior. A composição
segue o mesmo estilo fragmentário e o passional é reforçado, e dessa forma ironizado.
Não há, no entanto, referências ao popular.
Posteriormente aparecem os poemas reunidos como “Postes da Light”. Como o
próprio nome sugere, a maioria deles trata da modernização da cidade. O poema
“Pronominais”, no entanto, resgata a fala popular ao dizer que “o bom negro e o bom
branco”, ou seja, todos, “Da Nação Brasileira/ Dizem todos os dias/ Deixa disso
camarada/ Me dá um cigarro”. Dessa forma, ele subverte a linguagem culta até então
retratada na literatura por uma linguagem mais real do povo brasileiro, sem distinção.
Ou seja, ele defende a linguagem popular, ao invés da culta. Uma outra referência
popular presente neste conjunto está no poema “A Europa curvou-se ante o Brasil”, que
alude ao futebol, capaz de fazer o Brasil superar a Europa e defendido como um
potencial brasileiro. Por fim, há o poema “Digestão”, que retrata elementos da cultura
brasileira, como couve mineira, café, pinga e palha.
Em seguida Oswald reúne os poemas sob o nome de “Roteiro de Minas”. Estes
poemas resgatam elementos do interior mineiro, tanto da paisagem, em “Longo da
Linha”, quanto da história, ao resgatar as cidades históricas. Retrata também o folclore,
no poema “Bumba meu boi”, bem como a expressão, em “Canção do Vira”. Este
resgate histórico e interiorano serve para demonstrar o período de transição a que o
Brasil estava submetido, pois colonial e moderno ainda se misturavam num mesmo
quadro. Desta forma, erudito e popular também se misturavam, mas Oswald assume sua
posição diante deste contexto, ao criticar e ironizar o erudito.

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O último conjunto de poemas intitula-se “Lóide Brasileiro”. Este contém o
famoso “Canto de regresso à Pátria”, sátira do poema de Gonçalves Dias. Os outros
poemas trazem o retrato das cidades e regiões do Brasil, como Rio de Janeiro, São
Paulo e Fernando de Noronha.
Os poemas de “Pau-Brasil”, assim, tanto incorporam elementos culturais, como
criticam a erudição e a eloqüência. Esta incorporação é tida como natural, pois Oswald
considera que ela se manifesta histórica, como vimos em “Relicário”, e modernamente,
como vimos em “Pronominais”, dentre tantos outros. Esta mescla de moderno e
histórico cria o retrato do Brasil, que Oswald pretendia passar em sua “poesia de
exportação”.

3- CONCLUSÃO

As análises aqui feitas permitem afirmar que Oswald de Andrade utiliza-se de


elemento populares em sua obra, e, ao criticar o erudito, defende uma manifestação
cultural mais ampla à realidade brasileira da época. Mas, a defesa dele e esta
incorporação do popular têm resultado em que sentido no panorama cultural brasileiro?
É impossível concluir que “a massa realmente comeu do biscoito fino que ele
fabricava”. Isto porque as próprias manifestações artísticas não atingem unanimemente
todos os padrões sociais. Da mesma forma, no entanto, não há como negar que o fato de
Oswald de Andrade ter inserido esta mesma massa, seus costumes, sua comida, seus
vocábulos, num contexto no qual até então ela era marginalizada, contribuiu para que
ela pudesse não só ser representada, mas fazer parte da cultura brasileira posteriormente.
Neste sentido, Oswald e os modernistas radicais foram inovadores e quebraram uma
barreira até então tida como intransponível. É claro que o contexto em que se
manifestaram exerceu influências, bem como as teorias vanguardistas que eles
conheciam. Teorias, no entanto, existem em todas as épocas. Podem ser contestadas ou
assimiladas, mas o que difere uma manifestação de outra é a forma como elas são
assimiladas. Os modernistas não foram passivos neste processo. Eles pegaram as teorias
prontas, desconstuíram e reconstruíram numa visão brasileira, nacional. Este processo
de desconstrução está presente na composição fragmentária, e o de recomposição, na
busca do verdadeiro Brasil, amplo e abarcando popular e erudito, mas agora renovado,
reconstruído, e não elitizado.
As críticas a respeito da defesa alienante que Oswald haveria feito do povo
subsiste. O seu tom revolucionário assim o permite. Mas não é somente o tom que
contribuiu para que a mudança social- e não a lingüística, uma vez que esta realmente
ocorreu- a que ele se propõe não tenha acompanhado seu discurso. O próprio tempo era
de transição. Colonial e moderno coexistiam, e desta forma, popular e erudito também.
O que Oswald fez foi tomar a posição que, hoje, torna-se clara, de defender a mudança,
e não a estagnação. Hoje, como já vimos, isto é totalmente coerente, mas na época a
dúvida existia, diante de uma sociedade dividida. É claro que esta divisão não surgiu
espontaneamente, e colocar os artistas revolucionários como figuras únicas na
implantação do modernismo no Brasil contradiz esta situação. Eles tiveram o apoio
daqueles que já indicavam o declínio da ordem vigente, mas foram os detentores do
estopim deste declínio, a Semana de Arte Moderna. Assim, de acordo com Lúcia
Helena:

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“Não vemos em Oswald a confluência de ‘um bom e um mau
escritor’ (Cândido, 1970, p. 75), mas uma consciência artística
e intelectual viva e dilacerada, um pensamento ágil que trouxe
para o cenário nacional problemas ainda hoje carentes de
discussão e aprofundamento.” (HELENA, 1985, p. 135)

Oswald, portanto, foi um intelectual universal e específico, ainda de acordo com


Lucia Helena. Ele compôs uma vasta obra com discursos diversos, mas que passam
sempre pela atenção à modernidade e ao povo, mesmo quando ele não o atinge. A
própria defesa e a detenção da explosão da radicalidade já o colocam como autor
importante e modernizador no cenário literário brasileiro. Isto não significa que ele
tenha sido perfeito. Neste sentido, nenhum autor carrega uma mudança e uma
aproximação social sozinho. Ele, ao contrário criou uma poética singular e reflexiva,
que, assim como ele mesmo defende, abarca “A contribuição milionária de todos os
erros.”.

BIBLIOGRAFIA

1- Ação Popular. Cultura Popular. In: FÁVERO, Osmar. Cultura Popular/


Educação Popular- memória dos anos 60. Graal, 1983.
2- ANDRADE, Oswald de. Do Pau- Brasil à Antropofagia e às Utopias. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
3- __________. Pau- Brasil. São Paulo, Globo, 1990. (Obras reunidas)
4- CAMPOS, Haroldo de. Uma Poética da Radicalidade. In: ANDRADE, Oswald
de. Pau-Brasil. São Paulo, Globo, 1990.
5- HELENA, Lucia. Totens e Tabus da modernidade brasileira. Rio de Janeiro,
Tempo Brasileiro, 1985.
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de. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1978.
7- PRADO, Paulo. Poesia Pau-Brasil. In: ANDRADE, Oswald de. Poesia Pau-
Brasil. São Paulo, Globo, 1990. (Obras reunidas)

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